Redistribuição de inputs e outputs em modelos de análise envoltória de dados
com ganhos de soma zero
1. Introdução
O objetivo da Análise Envoltória de Dados (Data Envelopment Analysis DEA) é
avaliar a eficiência de unidades produtivas que realizam tarefas similares,
chamadas de unidades de tomada de decisão (Decision Making Units DMUs). Essas
unidades são comparadas e distinguem-se pelas quantidades de recursos (inputs)
que consomem e de bens (outputs) que produzem (Cooper et al., 2000; Estellita-
Lins & Angulo-Meza, 2000).
Além de identificar as DMUs eficientes, os modelos DEA permitem medir e
localizar a ineficiência, e estimar uma função de produção linear por partes
que fornece o benchmark para as DMUs ineficientes. Esse benchmark é determinado
pela projeção das DMUs ineficientes na fronteira de eficiência. A forma como é
feita esta projeção determina a orientação do modelo. As principais são
orientação a inputs (quando deseja-se minimizar os recursos, mantendo-se os
valores dos resultados constantes) e orientação a outputs (quando deseja-se
maximizar os outputs sem diminuir os inputs).
Os modelos DEA clássicos, tanto o modelo CCR (Charnes et al., 1978) quanto o
modelo BCC (Banker et al., 1984), além de todas as suas variantes, supõem total
liberdade de produção, ou seja, a produção de uma DMU não interfere na produção
das demais. Entretanto, em alguns casos essa liberdade não existe. No caso de
competições, por exemplo, se for considerado como output o resultado final ou
um índice que agrega seus resultados (Soares de Mello et al., 2001; Gomes et
al., 2001b), a melhora de posição de qualquer competidor implica na perda de
posição de um ou mais de seus adversários.
Um outro exemplo é o caso da avaliação de eficiência de unidades produtivas que
produzem um determinado produto cuja demanda é constante. Neste caso, uma certa
DMU considerada ineficiente deverá produzir mais unidades do produto para
atingir a fronteira de eficiência, com a conseqüente diminuição da produção das
demais unidades produtivas.
Em Estellita-Lins et al. (2003), Gomes et al. (2003), Gomes (2003), Gomes &
Soares de Mello (2002) e Gomes et al. (2001a) são propostas alterações no
modelo DEA BCC clássico que consideram essas limitações. Esse novo modelo,
chamado de Modelo DEA com Ganhos de Soma Zero (DEA-GSZ), apresenta uma situação
semelhante à de um jogo com soma zero (Osborne & Rubinstein, 1999), no qual
tudo o que é ganho por um jogador é perdido por outro(s). Ou seja, a soma
líquida dos ganhos deve ser zero. Deve-se observar que o termo "jogo de soma
zero" é usado aqui no sentido mais amplo possível, como em Osborne &
Rubinstein (1999), Tavares et al. (1996) e Williams (1986). Estes autores
mostram que qualquer jogo de soma constante tem as mesmas propriedades
matemáticas de um jogo de soma zero, e como tal pode ser tratado. É suficiente
para tal a subtração ao ganho de cada jogador da metade da soma total dos
ganhos do jogo (no caso de jogos de 2 jogadores). A situação aqui examinada é
inteiramente análoga, já que a soma efetiva dos outputs é diferente de zero,
mas a soma das variações em relação ao valor original apresenta valor nulo. Nos
trabalhos já publicados considera-se a imposição da restrição de soma constante
dos outputs (ou inputs), o que implica no deslocamento da fronteira de
eficiência. Isso ocorre porque foi considerada a impossibilidade de redução de
inputs para adequação à redução de outputs (por exemplo, é totalmente sem
sentido um país reduzir a sua população para adequar-se à quantidade de
medalhas olímpicas obtidas). Dessa forma, quando uma DMU ineficiente busca a
fronteira eficiente, as outras DMUs devem ter os valores de seus outputs
reduzidos, sem que os seus inputs sejam alterados. Ora, esta situação ocorre
para todas as DMUs que não caminharam para a fronteira, em particular para as
eficientes, visto que já encontram-se na fronteira. Portanto, toda a fronteira
será deslocada para uma posição que corresponda a um menor valor de output.
Entretanto, há casos em que à redução de outputs pode corresponder uma redução
dos inputs utilizados. Neste caso, em vez de a fronteira eficiente ser
deslocada, as DMUs eficientes deslocam-se ao longo da fronteira, até atingir o
ponto correspondente ao seu novo nível de output. Como é evidente, o
deslocamento das DMUs provoca uma alteração na fronteira. Neste tipo de
alteração não há a movimentação da fronteira em apenas uma direção. Assim, esta
alteração será designada por "deformação da fronteira", para distinguir dos
casos apresentados em Estellita-Lins et al. (2003) e Gomes et al. (2003), que
foram chamados de deslocamento da fronteira.
Este artigo propõe um modelo, sob a hipótese de DEA-GSZ, em que as DMUs
eficientes devem deslocar-se pela fronteira e propõe ainda como fazer o
deslocamento das DMUs ineficientes. São abordados os casos bidimensional e
multidimensional.
2. Modelos DEA com Ganhos de Soma Zero
2.1 Modelo Geral
A formulação clássica do modelo do envelope DEA BCC com orientação a outputs
usa para cada DMU o Problema de Programação Linear (PPL) apresentado em (I).
Neste PPL, para a DMU o em análise, a eficiência é dada por
representam os inputs; yj são os outputs; lj
representam a contribuição da DMU j para a projeção da DMU o na fronteira. Esta
projeção na fronteira de eficiência é o alvo a determinar.
max h0
sujeito a
Em modelos DEA-GSZ é necessária a informação adicional de como a DMU que
pretende aumentar os outputs, reduzirá os das outras DMUs. A forma como ela
tenta tirar os outputs das DMUs concorrentes é, segundo Estellita-Lins et al.
(2003), Gomes et al. (2003) e Gomes (2003), a estratégia da DMU. Nas
referências citadas mostram-se algumas possíveis estratégias que a DMU pode
adotar. Neste artigo supõe-se que a DMU em busca da eficiência tenta retirar
output das outras DMUs em valor proporcional ao output atual. Admite-se ainda
como hipótese simplificadora que a DMU consegue atingir o seu objetivo, isto é,
retira efetivamente output das demais em valor proporcional ao output atual. A
esta forma de tentar retirar output das DMUs concorrentes, com a hipótese
simplificadora de que consegue fazer da forma pretendida, chama-se estratégia
de redução proporcional, segundo Estellita-Lins et al. (2003) e Gomes (2003).
Em (II) representa-se o modelo DEA-GSZ com estratégia de redução proporcional e
sem alteração de inputs para nenhuma DMU. Nesta estratégia, quando a DMU o
busca ganhar z unidades de output, a redução do nível de output das outras DMUs
é proporcional ao seu output original, ou seja, aquelas com menor nível de
output perdem menos e aquelas com maior nível de output perdem mais.
Evidentemente, mantém-se a condição de que a soma das perdas seja igual ao que
será ganho pela DMU o.
Em (II), a unidade em análise é igualmente a DMU o. hRo é o inverso da
eficiência de DMU o no modelo DEA-GSZ; xj e yj são valores originais dos inputs
e dos outputs, respectivamente; lj são as contribuições das DMUs na projeção
eficiente. As variáveis de decisão são lj e hRo.
A Figura_1 representa, para o caso bidimensional, a nova fronteira gerada a
partir desta estratégia. A fronteira superior representa a fronteira do modelo
clássico; a inferior representa a nova fronteira considerando-se redução
proporcional de outputs de todas as DMUs, excetuando-se a DMU o, que ganha a
soma das perdas para tornar-se eficiente.
2.2 Determinação de Alvos
Como pode ser visto, no modelo DEA-GSZ, ao contrário do que acontece nos
modelos DEA clássicos, o modo como uma DMU atinge seu alvo na fronteira provoca
alteração na forma da fronteira eficiente. Essa alteração é função da
estratégia adotada na determinação do alvo (igual redução, redução
proporcional, entre outras).
A busca por eficiência pode ser feita por uma única DMU ou por várias DMUs em
regime de cooperação. Neste caso, o modelo (II) transforma-se em um problema de
Programação Não Linear Multiobjetivo, como apresentado em Gomes et al. (2003) e
Gomes (2003).
Além da possibilidade de cooperação entre unidades ineficientes, os gestores
podem argumentar que é um salto extremamente grande tentar atingir a eficiência
de uma só vez, sendo mais factível uma busca gradativa de alvos. Uma forma de
determinar estes alvos intermediários, apresentada em Gomes et al. (2003),
Gomes & Soares de Mello (2002) e Gomes (2003), é buscá-los nas camadas de
iso-eficiência, que representam diferentes níveis de utilização da tecnologia.
As camadas de iso-eficiência são obtidas da seguinte forma: as DMUs com 100% de
eficiência formam a camada 1. Essas DMUs são, então, retiradas do conjunto de
análise e calculam-se novamente as eficiências, com o mesmo modelo DEA. As DMUs
eficientes neste subconjunto formam a camada 2. O processo repete-se até que
todas as DMUs tenham sido retiradas do conjunto inicial (Barr et al., 2000;
Tavares, 1998).
A busca de alvos consecutivos em camadas de iso-eficiência é chamada de Busca
Seqüencial de Alvos Intermediários (Gomes et al., 2003). As camadas de iso-
eficiência, além da sua utilidade gerencial, servem ainda como ferramenta na
solução do problema de várias DMUs em busca simultânea de eficiência (Gomes,
2003).
O modelo DEA-GSZ para o caso de duas DMUs (A e B) que buscam eficiência em
cooperação é apresentado em (III). Nesse Problema Bi-objetivo Não Linear, hRj é
a eficiência da DMU j no modelo DEA-GSZ; xj e yj são, respectivamente, os
inputs e os outputs; lj é a contribuição da DMU j na formação do alvo da DMU em
análise; j* é o conjunto de referência da DMU A; j** é o conjunto de referência
da DMU B; yj ' são os novos valores de output, função da estratégia de busca
escolhida.
Em Gomes et al. (2003) e Gomes (2003) prova-se que, em determinadas condições,
o problema não linear multiobjetivo reduz-se a um problema não linear com uma
única função objetivo. Isto ocorre, em particular, quando é usada a estratégia
de redução proporcional.
2.3 Alterações na Fronteira de Eficiência
No modelo DEA-GSZ, ao contrário dos modelos clássicos, nos quais a solução pode
ser dividida em duas etapas distintas, a saber, construção da fronteira
(através da identificação das DMUs extremo-eficientes) e determinação dos alvos
(com as diferentes possibilidades de projeção na fronteira), as etapas de
construção da fronteira e determinação dos alvos estão interligadas.
As Figuras_2 e 3 mostram a alteração da fronteira para os casos em que uma
única DMU busca eficiência e em que DMUs atuam em cooperação no modelo DEA-GSZ.
Nestas figuras, a busca da eficiência é feita de forma seqüencial, isto é, em
vez de buscar-se a projeção diretamente na fronteira eficiente, cada alvo é
determinado na camada de iso-eficiência imediatamente superior. O processo é
repetido até ser atingida a fronteira eficiente.
Nos casos até aqui tratados, verifica-se que o ajuste às novas condições
impostas dá-se somente pela alteração no valor do output, com conseqüente
deslocamento da fronteira eficiente. Entretanto, há casos em que, devido à
redução de outputs (no valor necessário para que a soma permaneça constante),
há a possibilidade ou a imposição de redução dos inputs utilizados.
Esse seria o exemplo da avaliação de eficiência de companhias aéreas operando
em uma determinada rota, cuja elasticidade preço permita considerar a demanda
como constante. Poder-se-ia considerar como output o número de passageiros e
como inputs pessoal, assentos.Km oferecidos e combustível usado (Gomes et al.,
2001c; Soares de Mello et al., 2003). Ao impor-se demanda constante, uma
determinada DMU que tenha reduzido o número de passageiros transportados pelo
fato de outra companhia ter aumentado esse número (por exemplo, pela redução
das tarifas praticadas), poderá reduzir o número de vôos na rota, com a
conseqüente redução dos inputs considerados. Nesse caso, não há o deslocamento
da fronteira, mas sim o deslocamento das DMUs pela fronteira eficiente ou pelas
camadas de iso-eficiência (para as DMUs que perderam output e não eram
eficientes).
Sob outras condições, DMUs em deslocamento pela fronteira são encontrados na
literatura. Korhonen & Syrjånen (2001), por exemplo, apresentam uma
proposta interativa, baseada em DEA e Programação Linear Multiobjetivo para o
problema da alocação eficiente de recursos. Nessa abordagem, as DMUs deslocam-
se pela fronteira mas não há a restrição de a soma dos outputs ou dos inputs
ser constante.
A seguir desenvolvem-se os modelos DEA-GSZ em que as DMUs devem deslocar-se
pela fronteira. São abordados os casos bidimensional e multidimensional.
3. DMUs Eficientes em Deslocamento pela Fronteira: Caso Bidimensional
Supõe-se o paradigma do DEA-GSZ, ou seja, a soma dos outputs deve ser constante
e a busca é a seqüencial de alvos intermediários, isto é, a DMU o (ineficiente)
busca eficiência de forma gradual nas camadas de iso-eficiência (Gomes et al.,
2003).
As demais DMUs j, j ¹ o, deslocam-se pela fronteira até atingir um ponto com o
valor de output determinado pelo modelo DEA-GSZ, e com input que, com este
valor de output, a mantenha na fronteira. O valor do input é dado pela
interseção das faces que contêm as DMUs (Gomes, 2003) com a reta horizontal que
representa o valor do novo output.
A Figura_4 (a) e (b) representa um exemplo bidimensional hipotético. É
representada a configuração espacial (8 DMUs e as camadas de iso-eficiência). A
DMU o busca eficiência e as demais deslocam-se pela fronteira. Destaca-se que o
procedimento é análogo para as buscas que não consideram alvos intermediários
nas camadas de iso-eficiência.
A estratégia da DMU o na busca por eficiência é a estratégia proporcional de
projeção na 2ª camada de iso-eficiência. A vantagem dessa estratégia é a
possibilidade de aprender e gerar conhecimento sobre as práticas desse estágio
de utilização da tecnologia (Gomes et al., 2003; Gomes & Soares de Mello,
2002; Gomes, 2003). As DMUs B e E são referências para a DMU o nessa camada.
O alvo da DMU o na 2ª camada é dado por yo', onde [/img/revistas/pope/v24n2/
21395s2.gif]. Como o modelo utilizado é o DEA-GSZ, o ganho deve ser igual à
soma das perdas, ou seja, ganho =.
Para a estratégia proporcional, a perda de output de cada DMU j, j ¹ o tem
valor <formula/>(Estellita-Lins et al., 2003;
Gomes, 2003; Gomes et al., 2001a). Com o valor da perda, é possível calcular o
valor dos níveis de output para essas DMUs. O valor dos inputs é obtido através
das equações das faces que contêm as DMUs. Ressalte-se que a obtenção dessas
equações, para dimensões superiores, é um problema combinatório de alta
complexidade (Fukuda, 1993).
Na Figura_4 (b) verifica-se que há duas possibilidades para o cálculo do nível
de input após o deslocamento para as DMUs A e C, extremos da região não Pareto
eficiente "inferior". Ou o valor do input não se altera (INA) ou é calculado
pelo prolongamento da face (IPF) que contém esta DMU.
Ainda é possível facultar ao decisor escolher um valor para o input que esteja
contido no intervalo (IPF,INA]. A Figura_5 é um recorte ampliado para o caso da
DMU C.
4. DMUs Eficientes em Deslocamento pela Fronteira: Caso Multidimensional
Os modelos DEA clássicos geram uma fronteira eficiente empírica, linear por
partes, baseada nas melhores práticas observadas. Essa fronteira é constituída
pelas DMUs eficientes e pelas faces por elas geradas, que criam uma envoltória
sob o conjunto de DMUs ineficientes. González-Araya & Estellita-Lins (2002)
e González-Araya (2003) afirmam que essa fronteira eficiente tem regiões com
propriedades diferentes. Muitas faces não cumprem as condições de eficiência de
Pareto-Koopmans e são denominadas regiões não Pareto-Koopmans eficientes ou
fracamente eficientes (a projeção radial das DMUs ineficientes nessas regiões
apresenta folgas diferentes de zero nos inputs e/ou nos outputs). Em oposição,
as faces que cumprem essas condições de eficiência são denominadas regiões
Pareto-Koopmans eficientes ou fortemente eficientes.
A determinação das DMUs eficientes, em especial extremo-eficientes, como forma
de acelerar os algoritmos de solução dos modelos DEA, tem sido objeto de estudo
de diversos autores (Ali, 1993, 1994; Dulá & Thrall, 2001; Dulá, 2002).
A especificação de todas as faces do poliedro envolvente também tem recebido
atenção (González-Araya, 2003; González-Araya & Estellita-Lins, 2002). No
caso bidimensional, a determinação de todas as faces, na verdade, segmentos de
reta, é relativamente simples e pode ser feita com o uso de geometria analítica
elementar. Para os casos de dimensões superiores, como já destacado, a obtenção
dessas equações, agora planos ou hiperplanos, é um problema combinatório de
alta complexidade, já que devem ser testadas todas as combinações possíveis de
formação de hiperplanos a partir das DMUs eficientes.
Na literatura são encontrados diferentes algoritmos que permitem encontrar
todas as faces eficientes em um poliedro (Ecker et al., 1980; Armand, 1993;
Fukuda, 1993; Barber et al., 1996). Entretanto, esses algoritmos têm a
limitação de na determinação da fronteira estimada por DEA ou não serem
facilmente implementados, ou não serem factíveis de implementação, ou ainda
terem tempo de execução extremamente elevado.
Em DEA, Pille & Paradi (1997) desenvolveram um algoritmo ("Algoritmo
Gerador de Faces") que determina todas as faces eficientes presentes na
fronteira estimada pelos modelos com rendimentos de escala variáveis. Esse
algoritmo envolve uma série de modelos de programação linear que devem ser
resolvidos seqüencialmente. Em González-Araya & Estellita-Lins (2002) e
González-Araya (2003) é proposto um algoritmo de busca de todas as faces
eficientes da fronteira DEA com maior dimensão.
Devido à complexidade dos algoritmos existentes na literatura e pela
impossibilidade de obter-se um algoritmo eficiente para a determinação de todas
as faces (Dulá, 2002), optou-se pelo uso do modelo de fronteira DEA suavizada.
Este tipo de fronteira foi originalmente desenvolvido por Soares de Mello et
al. (2002) para resolver o problema de múltiplas soluções ótimas na formulação
dos multiplicadores. A técnica usada consiste em substituir a fronteira DEA
clássica por outra que tenha propriedades semelhantes, mas que seja
continuamente diferenciável. Entre as propriedades mantidas estão a atribuição
de eficiência unitária às DMUs extremo-eficientes do modelo DEA original,
convexidade e monotonicidade crescente dos outputs com os inputs.
O modelo de suavização original, desenvolvido para fronteiras bidimensionais,
substituía cada face linear por outra parabólica, o que obriga à determinação
de todas as faces. Como já foi visto, esta determinação apresenta problemas de
praticidade e, assim, um outro modelo foi proposto por Soares de Mello et al.
(2004) e Soares de Mello (2002). Esse modelo mantém todas as características
anteriores da fronteira suavizada mas, em vez de determinar uma equação para
cada face, representa toda a fronteira suavizada por uma única equação
polinomial.
Dessa forma, o uso da fronteira suavizada no lugar da fronteira original
permite contornar o problema da complexidade de determinação das equações das
faces, já que há uma única equação a ser determinada.
Para o caso de um output e dois inputs, o polinômio que substituirá a fronteira
DEA original tem a forma apresentada em (IV), onde z representa o output e x e
y os inputs. O polinômio deve possuir o menor grau possível que não cause
inviabilidade da suavização. Logo, o grau do polinômio é função do número de
DMUs extremo-eficientes.
O modelo (V) representa a formulação geral do modelo DEA BCC tridimensional
suavizado, com garantia de convexidade (Soares de Mello et al., 2004; Soares de
Mello, 2002). Nesse modelo, z representa o aproximante polinomial que
substituirá a fronteira DEA clássica; ymin , xmin , ymax e xmax representam o
menor e o maior valor de cada input; e, f, g, ... são as variáveis de decisão
(coeficientes do polinômio). Esta formulação, por aproximar toda a fronteira
por um único polinômio, garante a existência de derivadas parciais em todo o
domínio, uma vez que as parcelas de um polinômio são funções de classe C1
(contínuas e com primeira derivada contínua) em  2. Assim, além do aproximante
garantir a suavidade de toda a fronteira, as restrições garantem que a
fronteira será convexa (mesmo fora da região de calibração) e monotonamente
crescente para os valores do inputs menores ou iguais ao maior valor de cada
um. Garante-se ainda, além das propriedades já enunciadas, que a fronteira
suavizada está próxima da fronteira original, onde o conceito de proximidade
refere-se a uma pseudo-métrica baseada em comprimento de arco. O estudo
detalhado dessas propriedades é apresentado em Soares de Mello et al. (2002) e
Soares de Mello (2002).
Assim, para o problema das DMUs que se deslocam na fronteira DEA para o caso
multidimensional, após obtida a equação da fronteira suavizada, procede-se como
no caso bidimensional, ou seja, determinam-se os novos valores de inputs
calculando-se a interseção dos planos horizontais que representam os novos
níveis de output com a fronteira suavizada. Os novos outputs são calculados
segundo o modelo DEA-GSZ. Os passos dessa abordagem são mostrados através de um
exemplo numérico.
4.1 Exemplo numérico
Na Tabela_1 são apresentados os dados para o exemplo numérico hipotético (caso
multidimensional) e as eficiências segundo o modelo DEA BCC clássico.
Rodando-se o modelo DEA BCC clássico, a DMU E é a unidade ineficiente que busca
eficiência; as DMUs C e D são seus benchmarks. A eficiência de E é 84,3%, ou
seja, hE. O alvo yE ' que deveria ser atingido na fronteira clássica tem valor
29,71. Entretanto, sob o paradigma DEA-GSZ, as DMUs não devem caminhar nas
faces produzidas pelo modelo clássico, mas sim na fronteira suavizada. Para
tal, é necessário obter a equação dessa fronteira que substituirá o poliedro
DEA BCC clássico.
Para a escolha do aproximante há uma relação entre o número de DMUs extremo-
eficientes e o grau do polinômio (Soares de Mello et al., 2004; Soares de
Mello, 2002). Essa relação garante que o número de restrições de igualdade seja
inferior ao número de variáveis de decisão (coeficientes do polinômio). As
restrições de igualdade garantem que a fronteira suavizada contenha todas as
DMUs extremo-eficientes. Como no exemplo há 3 DMUs extremo-eficientes (DMU B é
eficiente mas não extremo-eficiente), o polinômio deve ser de grau 2 e é
expresso pela equação (VI). O problema da suavização fica resolvido com o
cálculo dos coeficientes desse polinômio.
Deve-se obter a função objetivo (FO) do modelo suavizado, que envolve a
integração dupla do quadrado das derivadas parciais do aproximante apresentado
em (VI). Dessa forma, obtêm-se as equações (VII), (VIII) e (IX).
Ao integrar-se a expressão em (IX) e aplicarem-se os limites de integração,
obtém-se a FO. Assim, o modelo de suavização é apresentado pelo problema de
programação quadrática (X).
Como resultado do modelo de otimização (X), tem-se a = 9,296, b = 4, 6910, c =
5, 2513, d = 1, 1005, e = -0, 7639 e f = -1, 0754. Com os valores dos
coeficientes obtém-se a equação da fronteira suavizada, apresentada em (XI) e é
sob essa curva que as DMUs eficientes deslocar-se-ão em busca dos novos valores
de inputs e outputs no modelo DEA-GSZ.
O alvo a ser buscado pela DMU E, yE ', está na fronteira suavizada e tem valor
de 36,24. O ganho tem valor yE ' yE, ou seja, 36, 2425 = 11,24. No modelo
DEA-GSZ, o ganho deve ser igual à soma das perdas (proporcionais ao nível de
output) das demais DMUs. Assim, cada DMU j, j¹ E, perderá [/img/revistas/pope/
v24n2/21395x10.gif]. A Tabela_2 apresenta os novos valores de output para as
DMUs em questão.
A análise da Tabela_2 permite verificar que houve o deslocamento das DMUs pela
fronteira de eficiência suavizada, já que todas, exceto a DMU E, tiveram seus
valores de output reduzido, de modo a manter a soma constante (igual a 125,0).
Para a DMU E os valores dos inputs permanecem inalterados. Para as demais DMUs,
os valores dos inputs são dados pela equação da fronteira suavizada.
Entretanto, ao deslocar-se nessa fronteira, a DMU pode seguir qualquer direção,
já que qualquer ponto na curva de nível resultante da interseção da fronteira
suavizada com o plano de corte z = zN é solução do problema, onde zN é o novo
valor do output. Optou-se por escolher o deslocamento que dê o caminho mais
curto até o plano z = zN, considerando-se a distância Euclidiana. Esta opção
garante que a DMU em questão deve promover alterações mínimas nos seus inputs.
Assim, para cada DMU j, j¹ E, é resolvido o problema de otimização apresentado
em (XII). Nesse problema, xo, yo e zo são os valores originais dos inputs e do
output, respectivamente, e xN e yN são os novos valores de inputs, ou seja, as
variáveis de decisão. A Tabela_3 apresenta os resultados finais.
Comparando-se os valores inicias dos inputs (Tabela_1) com os resultados finais
(Tabela_3) no paradigma do modelo DEA-GSZ, constata-se que todas, exceto a DMU
E, tiveram o valor do input alterado para adequarem-se à redução do output.
5. Conclusões
Um resultado importante dos modelos DEA com Ganhos de Soma Zero (DEA-GSZ) é o
fato de os dois problemas tradicionais em DEA (determinação da fronteira e
busca de alvos) ficarem estreitamente acoplados, ou seja, a simples busca por
eficiência altera a forma da fronteira.
Além disso, a possibilidade de redução de inputs para as DMUs que tiveram
redução no nível de output, provocando o deslocamento dessas DMUs ao longo da
fronteira de eficiência (ou camadas de iso-eficiência), expande as aplicações
do modelo DEA-GSZ e os resultados obtidos anteriormente, em que havia o
deslocamento da fronteira.
O caso bidimensional, que provoca o deslocamento das DMUs por retas, é de
implementação relativamente fácil para as DMUs que não estejam no início da
região fracamente eficiente. Para estas, o problema do deslocamento ao longo da
fronteira não tem solução única.
No caso multidimensional, além do problema das DMUs que marcam o início da
região fracamente eficiente, existe um outro problema, qual seja, a necessidade
de determinar a equação de todas as faces. Este é um problema de alta
complexidade, para o qual não existe algoritmo eficiente. O uso de uma
fronteira suavizada permitiu contornar estes dois problemas. De fato, a
fronteira suavizada tem uma única face de equação polinomial, determinada por
um problema de programação quadrática. E, pelo fato de a equação ser
polinomial, não existem, neste tipo de fronteira, regiões fracamente
eficientes. Portanto, para todas as DMUs é possível calcular de forma única o
seu deslocamento. Desta argumentação conclui-se que o uso da fronteira
suavizada tem dupla vantagem: simplifica os cálculos e permite solução única
para todas as DMUs.
Uma alternativa à distância Euclidiana para encontrar o novo valor dos inputs
no caso tridimensional é o emprego das métrica de Tchebycheff. Neste caso, o
problema de programação quadrática é substituído por um problema MinMax,
possível de ser linearizado.
Cabe ainda ressaltar que, de forma análoga, os modelos apresentados neste
artigo podem ser usados em situações em que a soma dos inputs deve ser
constante, como é o caso de funcionários estáveis em empresas públicas. Nessa
situação, o modelo DEA-GSZ (orientado a inputs) é uma ferramenta útil nos
problemas de (re)alocação de recursos.
Os desenvolvimentos futuros deverão contemplar a aplicação dos modelos aqui
propostos a estudos de casos reais, em especial na modelagem de outputs
indesejáveis (emissão de poluentes, por exemplo) (Gomes, 2003).