Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCEEn0104-530X2016000100037

BrBRCEEn0104-530X2016000100037

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolEx-Tech-Multi Sciences
Great areaEngineering
ISSN0104-530X
Year2016
Issue0001
Article number00037

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Identificação dos motivadores de alterações de produto e seus impactos financeiros no desempenho do PDP: um estudo em uma empresa montadora de medidores de energia elétrica

1 Introdução

Em 2001, a população brasileira foi obrigada a mudar seus hábitos de consumo de energia elétrica devido ao risco de corte no fornecimento. Segundo Secco (2001), a baixa diversificação da matriz energética foi uma das causas, pois 97% da energia consumida era produzida por hidrelétricas. Outra causa apontada foram os investimentos em infraestrutura, que, até o início dos anos 90, eram de aproximadamente R$ 20 bilhões por ano e que foram reduzidos para menos da metade.

Além disso, o processo de privatização de empresas do setor de energia também motivou a redução dos investimentos no setor, devido à restrição tarifária imposta pelo Governo. De acordo com o Relatório de Auditoria TC 006.734/2003-9 emitido em 15 de julho de 2009, pelo Tribunal de Contas da União (Brasil, 2009), o Apagão, como ficou conhecido, gerou um custo direto de R$ 45,2 bilhões. Valor repassado às distribuidoras de energia elétrica, sendo que 60% foi pago pelos usuários, por meio de repasse tarifário, e o restante, pelo Tesouro Nacional, onerando os contribuintes.

Sabe-se que estes acontecimentos desencadearam mudanças em todo o setor de Geração, Transmissão e Distribuição de energia elétrica (GTD). Surgiram novas leis, normas e regulamentos técnicos foram revisados e também programas governamentais visando a eficiência energética foram criados.

Estes fatores somados à ampliação da infraestrutura e ao aumento da concorrência têm impulsionado o desenvolvimento de novos produtos com novas tecnologias e funcionalidades, além da readequação constante dos elementos usuais do sistema, como o caso do medidor de energia elétrica.

O setor e o mercado de medidores de energia elétrica são regulamentados e fiscalizados por agências governamentais, órgãos metrológicos e associações normativas. Eles definem responsabilidades e tarifas, determinam características construtivas, funcionalidades e verificam a conformidade dos produtos com normas e exigências legais. Podem também validar ou não sua comercialização. Dentre estas instituições, podem-se citar as mais relevantes: a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e a Agência Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Além destes grupos de influência, nota-se uma grande segmentação do mercado consumidor.

Segundo a ABRADEE, em 2014, o Brasil possuía aproximadamente 77 milhões de unidades consumidoras de energia elétrica, que, de acordo com a Resolução Normativa . 414, publicada pela ANEEL em 9 de setembro de 2010 (ANEEL, 2010), estão divididas em oito classes de consumo. Na Tabela 1, são apresentados as principais classes de consumo e o percentual de consumidores de cada uma delas.

Como pode ser visto, a classe residencial representa 85,54% do mercado de medidores de energia elétrica, disputado pelas empresas fabricantes deste tipo de produto.

Entretanto, para que a energia elétrica possa ser consumida, são necessárias empresas para a sua distribuição. O Decreto . 41.019, de 26 de fevereiro de 1957 (ANEEL, 1957) e a Resolução Normativa . 414, publicada pela ANEEL em 9 de setembro de 2010 (ANEEL, 2010), determinam os direitos e obrigações das empresas distribuidoras. Elas são as proprietárias dos medidores de energia elétrica e têm a obrigação de prover a sua instalação por meio de concessão quando solicitada pelos consumidores (residências, comércio, indústrias etc.), que também têm seus direitos e obrigações definidos por essas determinações.

De acordo com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE, 2014a, b), atualmente 42 distribuidoras estatais e privadas. Cada uma delas possui necessidades e características peculiares e atuam em todas as regiões do país, sendo responsáveis pelo fornecimento de eletricidade a 98% dos consumidores. Pode-se dizer então que um dos pontos de convergência das demandas desses diferentes atores se no tipo de medidor de energia elétrica empregado.

O medidor de energia elétrica tem como principais funções medir e registrar o consumo de eletricidade.

Ele é um dos extremos da complexa cadeia do setor de GTD e tem sido impulsionado por estas transformações.

Possui papel fundamental na gestão da energia elétrica.

Pode-se concluir dos estudos de Barbieri (2006) e pelo exposto nos parágrafos anteriores que por meio dele se a relação entre as distribuidoras de energia elétrica e o consumidor final.

Em um primeiro momento, imagina-se que a necessidade de reposição do medidor de energia elétrica seja baixa por ser um bem durável com longa vida útil e regulamentado. Entretanto, como exposto no início, este é um produto que também vem sofrendo a grande transformação tecnológica.

Novos requisitos e a necessidade de melhorias na gestão por parte das distribuidoras vêm exigindo a renovação e consequente substituição dos antigos medidores eletromecânicos pelos eletrônicos. O que permite às distribuidoras reduzir perdas comerciais (fraudes) e possibilita ao governo estimar com maior eficiência o consumo total de energia elétrica do país. Com isto, permite melhor dimensionamento e previsão de investimentos neste setor.

Tabela 1. Classes de consumo e percentual de consumidores.

Classes de consumo

Percentual de consumidores

Residencial

85,54%

Comercial

7,21%

Rural

5,54%

Industrial

0,74%

Fonte: Adaptado de ABRADEE (2014a, b).

Pelo exposto anteriormente, nota-se uma grande quantidade de fatores de influência no desenvolvimento de soluções para o mercado de medidores de energia elétrica. uma necessidade de adaptar demandas distintas de forma competitiva, emprego de estruturas de baixo custo e gestão de um portfólio de produtos tidos como padrão, mas que devem atender a um mercado com grande variedade de necessidades e requisitos. As empresas que visam atuar neste mercado demandam um processo de desenvolvimento de produtos (PDP) diferenciado e adaptá-lo a este cenário de customização em massa é um desafio que demanda pesquisas.

1.1 Oportunidade e objetivo da pesquisa

O objeto de estudo é uma empresa multinacional que está inserida dentro do cenário apresentado, sendo uma montadora de medidores de energia elétrica, localizada na região sul do Brasil. Além disso, possui uma organização matricial forte de projetos e adota um PDP baseado em Stage Gates.

Nota-se ciclicamente um número sensível de alterações de projeto distribuídas em todas as fases do ciclo de vida do produto. Segundo Back & Forcellini (2002), o custo de mudanças no projeto do produto ao longo dos estágios de desenvolvimento aumenta progressivamente. Além disso, de acordo com o PMI (2008) os custos das mudanças e correções de erros aumentam significativamente conforme o projeto se aproxima do término. Na Figura 1, é apresentada a relação do custo de mudanças ao longo dos estágios de desenvolvimento do produto.

Como pode ser visto na Figura 1, os custos de mudanças em cada um dos estágios de desenvolvimento crescem em progressão geométrica de razão dez, ilustrando quão onerosos são os gastos de modificações à medida que se avança nos estágios de desenvolvimento.

No caso da empresa analisada, no cenário corrente não se sabe quanto tem sido gasto em modificações nos produtos e tampouco quais as principais causas dessas despesas. Contudo, dado o cenário de alterações conhecido pela equipe de projeto, sabe-se que um custo de desenvolvimento destas alterações.

Rozenfeld et al. (2006) afirma que, como todo processo de negócio, o desenvolvimento de produto deve ser monitorado por meio de indicadores de desempenho. Sabe-se que o número de alterações de projeto é um indicador importante e que se relaciona com uma série de indicadores de ordem financeira.

Se estas alterações não forem monitoradas de modo a induzir alterações no PDP da empresa, novos projetos, nele baseados, podem resultar em erros semelhantes. Alterações cíclicas nos projetos remetem a um problema no PDP da empresa, que guia seus projetos. Contudo, tem-se conhecimento de que mudanças no PDP devem ser realizadas com rigor, a fim de amadurecer o processo de desenvolvimento de produtos e mitigar os investimentos em modificações após a fase de desenvolvimento dos produtos. Logo, é de extrema importância identificar as causas corretas, de modo a atuar nas mudanças de maior impacto no desempenho do PDP em projetos futuros de melhorias do processo. Portanto, saber os maiores e mais impactantes motivadores de alterações pode auxiliar a guiar o processo de melhoria do PDP da empresa em estudo.

Assim sendo, o objetivo principal deste trabalho é relacionar um apanhado dos principais motivadores de alterações de produto e seus custos, tendo como base os últimos cinco anos do ciclo de vida de um medidor eletrônico de energia elétrica, após o encerramento da fase de projeto.

A escolha desta temática foi feita em virtude da necessidade de melhoria do PDP da empresa.

Além disso, traz à tona uma parte da realidade de um setor da indústria pouco estudado, apesar de sua grande importância para o país, e contribui para que outros setores façam os mesmos questionamentos com relação aos custos gerados após o desenvolvimento de produtos, buscando a melhoria contínua do seu PDP pelo levantamento de dados semelhantes e criação de indicadores de desempenho para o PDP.

2 Procedimento metodológico

A pesquisa busca identificar e classificar os motivadores de mudanças no produto por meio dos custos destas alterações, assim possui caráter exploratório. Devido às limitações ditadas pela empresa, elaborou-se procedimento ad hoc que faz uso de dados do ciclo de vida de cinco anos de um medidor de energia elétrica polifásico residencial.

Este projeto caracteriza razoavelmente bem o PDP da empresa e a problemática anteriormente discutida, de acordo com os profissionais da empresa.

Figura 1. Custo de mudanças nos estágios de desenvolvimento. Fonte: Adaptado de Back & Forcellini (2002) e PMI (2008).

O trabalho iniciou-se pela pesquisa exploratória por meio do levantamento de artigos nos portais de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Scientific Eletronic Library Online (Biblioteca Científica Eletrônica Online SCIELO). Também, fez-se a consulta em livros e trabalhos de conclusão disponíveis na biblioteca da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Além disso, foi feita a busca direta em outros portais genéricos de busca na internet. Assim, buscou-se a fundamentação teórica dos seguintes assuntos:

a) Processo de desenvolvimento de produtos (PDP);

b) Gestão do processo de desenvolvimento de produtos (GDP);

c) Medição de desempenho no PDP;

d) Alterações de projeto.

Feita a fundamentação, o estudo foi dividido em sete etapas, que se seguem:

a) Selecionado o produto, identificar o período de início e fim do ciclo de vida do projeto;

b) Identificar os processos para alteração de produtos instituídos na empresa, a fim de compreender como essas são tratadas, quais os meios e locais utilizados para registrá-las;

c) Levantar e listar as alterações dos últimos cinco anos do ciclo de vida do produto selecionado.

No levantamento serão considerados os seguintes critérios de seleção:

i. Considerar somente as alterações que ocorreram após a fase de desenvolvimento do produto que foi finalizado em 30 de setembro de 2007;

ii. Considerar somente as alterações que causaram modificações físicas e/ou funcionais no produto;

iii. Agrupar os documentos que tratam da mesma alteração do produto.

d) Levantar os custos internos e investimentos gerados por cada alteração do produto;

e) Identificar e listar os motivadores (causas) de cada alteração do produto por meio de consulta à documentação técnica da empresa;

f) Relacionar os motivadores das alterações do produto aos custos das alterações do produto;

g) Analisar e discutir os resultados.

3 O PDP e as alterações de projeto

3.1 Processo de desenvolvimento do produto

Para Rozenfeld et al. (2006), desenvolver produtos consiste em um conjunto de atividades por meio das quais busca-se, a partir das necessidades do mercado e das possibilidades e restrições tecnológicas, e considerando as estratégias competitivas e de produto da empresa, chegar às especificações de projeto de um produto e de seu processo de produção, para que a manufatura seja capaz de produzi-lo.

O PDP faz a interface entre a empresa e o mercado, sendo responsável por identificar e se antecipar às necessidades e propor-lhes soluções. Daí a sua importância estratégica (Rozenfeld et al., 2006).

Conclui-se então que o processo de desenvolvimento de produtos não é uma atividade exclusiva da engenharia. Envolve diversas áreas de conhecimento dentro e fora de uma empresa. Tal fato exige que as empresas busquem gerenciar de forma coordenada a integração destas áreas ao longo do ciclo de vida do projeto e do produto.

De acordo com Cunha (2008), ao longo da história, ocorreu uma evolução e, com ela, o surgimento de diversas abordagens em gestão de desenvolvimento de produto. Atualmente pode-se encontrar na literatura uma gama enorme de autores que sugerem as mais variadas abordagens para o PDP (Back et al., 2008; Baxter, 2003; Boothroyd et al., 1994; Pahl et al., 2005; Rozenfeld et al., 2006; Dubberly, 2005). Cada qual com sua particularidade, seja na área de tecnologia ou no modo como são tratadas cada uma das etapas pelas quais o desenvolvimento de um produto passa.

Porém, apesar das diferenças, nota-se que todas oferecem ferramentas para que as empresas procurem realizar um PDP mais formal, sistemático e integrado.

Segundo Rozenfeld et al. (2006), o desenvolvimento de produto também envolve atividades de acompanhamento do produto após o lançamento para assim serem realizadas as eventuais mudanças necessárias nas especificações, planejada a descontinuidade do produto no mercado e incorporadas, no PDP, as lições aprendidas ao longo do ciclo de vida do produto.

Para Romero et al. (2010), o ciclo de vida de um produto varia muito em função do tipo de produto, mas todos passam por quatro fases, sendo elas: introdução; crescimento; maturidade; e declínio.

Também argumenta que alguns autores sugerem ainda um estágio intermediário entre os estágios maturidade e declínio, denominado saturação. Neste estágio, devem ser adotadas medidas para a criação de novos produtos ou promover a revitalização do produto, de modo a prolongar o período de maturidade e, se possível, induzir um novo estágio de crescimento nas vendas.

3.2 Alterações do projeto de um produto em seu desenvolvimento

Para Carvalho & Benedetto (1999), a grande competitividade entre as empresas, a crescente necessidade de inovação dos produtos e a grande variedade de necessidades dos clientes fazem com que modificações nos produtos não possam ser evitadas e a capacidade das empresas em incorporar essas mudanças é uma arma poderosa.

Carvalho & Benedetto (1999) também definem que modificação de engenharia é qualquer alteração em uma peça ou conjunto existente no produto e que afete a forma, interface ou função. Além disso, também cita que os motivos para uma modificação de engenharia incluem a correção de erros de projeto, melhorias na fabricação ou montagem das peças, melhorias necessárias pela ação da concorrência e alterações exigidas pelos clientes.

Assim sendo, conclui-se que mesmo com um PDP e a gestão deste estabelecidos, muitas vezes, são necessárias alterações no produto no pós-desenvolvimento, seja para prolongar o seu ciclo de vida ou devido a correções de projeto, exigências mercadológicas e também por questões estratégicas da própria empresa.

Unido a isso, atualmente os ciclos de vida, tanto dos projetos quanto dos produtos, tendem a reduzir e fazem com que, cada vez mais, as empresas devam se preocupar com as modificações de produtos na fase de pós-desenvolvimento.

Contudo, como foi visto, estas alterações devem ser controladas e minimizadas, pois afetam significativamente a lucratividade de uma empresa.

O modelo de PDP adotado para guiar os projetos de desenvolvimento deve incorporar o adequado encadeamento de ações para antecipar essas alterações o quanto possível. No caso em estudo, nota-se que o processo necessita de melhorias, mas a empresa precisa saber os pontos críticos para direcionar as mudanças. Investigar as alterações e seus impactos mostra-se importante para situar o desempenho do PDP da empresa.

3.3 PDP da empresa

O objeto de estudo deste trabalho é o medidor eletrônico de energia elétrica que é constituído por partes mecânicas e eletrônicas. Este tipo de medidor executa a sua função básica de medição eletronicamente, no entanto interação entre as duas tecnologias. As partes mecânicas desempenham uma série de funções tais como, suportar, fixar e proteger as partes eletrônicas, isolar partes vivas e proporcionar a interface do produto com o usuário, bem como protegê-lo, evitando acidentes e trazer ao produto um visual adequado. Além disso, tanto as partes eletrônicas quanto mecânicas estão sujeitas a diversos tipos de exigências legais e normativas. Isso demanda investimento em pesquisa e desenvolvimento contínuo em novas tecnologias, materiais e soluções para atender ao mercado cada vez mais exigente e que demandam do PDP da empresa uma perfeita sincronia entre as tecnologias empregadas no produto e os prazos e custos estabelecidos tanto pelo mercado quanto pela empresa. Na Figura 2, é apresentada a vista explodida de um medidor eletrônico de energia elétrica onde é possível observar as partes eletrônicas e mecânicas do produto.

O PDP da empresa é estruturado em uma sequência lógica de fases, separadas por pontos de decisão.

Estes fornecem a base para uma gestão integrada, tomada de decisão e autorização de financiamento para cada fase dentro do PDP. Assim sendo, as atividades pertencentes a uma fase seguinte não devem ser iniciadas antes da aprovação da fase anterior.

O processo se inicia na macrofase M0 e sequencialmente nas macrofases M10, M20, M70 e M90. Nestas, são mandatórias as tomadas de decisão para continuar, revisar ou cancelar o projeto.

Na Figura 3, é apresentado de forma resumida o ciclo de vida do projeto e do produto dentro do PDP da empresa.

Figura 2. Vista explodida de um medidor eletrônico de energia elétrica. Fonte: Adaptado de Shore-Design (2015).

A Figura 3 mostra as macrofases de gerenciamento de projetos e os pontos de tomada de decisão. Também demonstra os ciclos de vida do projeto e do produto bem definidos e as áreas envolvidas em cada uma das fases do PDP. Na prática, é percebido que, durante o ciclo de vida do projeto, são realizadas atividades em paralelo de responsabilidade de diferentes áreas da empresa. Demonstrando que o modelo de gestão adotado busca a integração entre as diversas áreas de conhecimento. Porém, como exposto anteriormente, muitas vezes, mudanças em produtos na fase de pós-desenvolvimento são necessárias e no caso, a empresa em estudo não é uma exceção.

3.4 Gestão de alterações do produto da empresa

A empresa possui um sistema eletrônico de gestão de documentos (GED), no qual são disponibilizados todos os procedimentos e fluxogramas das áreas que a compõem. Por meio da consulta a este sistema, foram identificados os procedimentos destinados à alteração de produto, a fim de compreender o mecanismo usado quando da necessidade de modificação de um produto na fase de pós-desenvolvimento, pós M70 de acordo com a Figura 3.

O procedimento identificado é denominado: Desenvolvimento de Projetos e Alteração de Produtos.

Ele define que novos produtos e alterações de produtos existentes sejam realizados por meio de projetos.

Alterações de produtos cujo custo de projeto previsto seja inferior a US$ 60,000 devem ser tratadas por meio de uma Análise para Alteração de Produto (AAP) ou simples revisões da documentação do produto.

A AAP possui um fluxograma próprio e é armazenado no GED da empresa. Tem o objetivo de assistir no gerenciamento e integração das diversas áreas da empresa que estejam envolvidas quando modificações de produto são necessárias. O personagem responsável pela abertura, acompanhamento e fechamento deste documento é o engenheiro do produto. Nela são descritos a alteração, bem como sua justificativa, origem e objetivos. Além disso, são apresentadas estimativas de custos de projeto, estudos de viabilidade e prazo das atividades necessárias. Uma vez aberta, é submetida a diferentes níveis de hierarquia da empresa para aprovação, dependendo da sua complexidade.

Vale a pena ressaltar que a decisão de abertura ou não de uma AAP é anterior à sua aprovação e é decidida em reunião organizada pelo engenheiro do produto com as áreas a serem envolvidas na modificação do produto. Nos casos em que se decida pela não abertura da AAP, devido à baixa complexidade ou outro motivo que justifique tal decisão, pode esta ser decidida pela revisão da documentação do produto.

Neste estudo, a documentação do produto restringe-se à documentação mecânica (DM) que é formada por desenhos de peças, conjuntos, embalagens, entre outras, e, também, pela documentação eletrônica (DE) composta por desenhos da placa de circuito impresso (PCB) e de montagem da placa de circuito impresso (PCBA) e documentos do firmware (FW).

A documentação do produto também é armazenada no GED da empresa, bem como o histórico de suas revisões e segue um procedimento denominado: Elaboração e Controle de Documentos. Ele determina que na necessidade de alteração, correção e/ou algum tipo de ajuste deste tipo de documentação estes devem ser formalizados pelo próprio GED, pela abertura de uma Solicitação de Revisão (SR) ou pela simples abertura de revisão do documento. Em ambos os casos, as modificações devem ser justificadas e aprovadas previamente pelo coordenador da área responsável pelo documento e pelo engenheiro do produto, antes de serem liberadas para as demais áreas da empresa e encaminhadas para fornecedores.

Figura 3. Ciclo de vida do projeto e do produto adotado pela empresa. Fonte: Adaptado do procedimento interno da empresa.

A empresa é certificada pela NBR ISO 9001 e, em seus procedimentos, busca atender aos requisitos exigidos pela norma, inclusive no PDP. O ciclo de análise crítica na alteração do produto é uma prática recomendada pela ISO na qual o PDP se beneficia justamente pela busca do aumento da qualidade do projeto.

Dada à existência de toda esta estrutura para controlar as alterações, viu-se a oportunidade de usá-la neste caso para rastrear informações e verificar os seus impactos, tendo em vista que isto não é feito de forma automática. Como será apresentado na sequência, na prática, o registro das alterações depende da disciplina dos usuários. Nota-se que, na situação corrente, a base de dados dos registros está fragmentada, o que dificulta o resgate pleno das informações.

3.5 Medição de desempenho do PDP

Para Kaydos (1999), a importância de medir o desempenho, se porque ele ajuda na definição de responsabilidades e objetivos, alinhamento estratégico dos objetivos, entendimento do processo e da capacidade dele, maior eficiência na alocação de recursos, possibilidade de delegação e de mudança na cultura organizacional. Este último pode ser compreendido como mudança do PDP da organização.

Segundo Rozenfeld et al. (2006), na indústria, são usados os mais variados tipos de indicadores de desempenho e diversos deles aplicáveis no PDP da empresa. Entretanto, sabe-se que o produto usado para este estudo tem um histórico de modificações, o que remete a possíveis problemas no PDP da empresa.

Isto posto, optou-se por investigar o número de alterações e seus respectivos custos, sendo que as medições de outros parâmetros de desempenho do processo não fazem parte deste trabalho.

3.6 Trabalhos similares

Nesta etapa da pesquisa, foram realizadas buscas por trabalhos similares. Pretendia-se com isso vislumbrar um método de pesquisa e análise das alterações de produtos que orientasse a criação de uma relação das causas destas alterações com os seus custos, de modo a identificar possíveis melhorias no PDP. No entanto, não foram encontradas fontes que tratassem especificamente do tema, sendo necessário elaborar uma abordagem de pesquisa específica para este trabalho.

4 Levantamento das alterações, motivadores e seus impactos

4.1 Levantamento das alterações de produto

O GED da empresa permite a busca de documentos a partir de palavras-chave, sendo utilizado o nome do produto, que neste artigo é denominado Alfa por questões de sigilo industrial. Sabe-se também que o projeto teve início em março de 2006 e foi concluído em setembro de 2007. Portanto, determinou-se que o período de pesquisa se daria a partir de outubro de 2007 a dezembro de 2012, sendo levantado um total de 345 documentos, entre AAP e a documentação do produto.

Contudo, sabe-se que nem todos os documentos encontrados referem-se a alterações do produto.

Assim sendo, por meio da leitura de cada documento levantado, foram descartados os documentos que não se referiam às modificações do produto.

Durante a leitura da documentação, percebeu-se também que as AAP podem estar relacionadas às diversas documentações do produto, isto é, referem-se à mesma alteração. Fato que também foi percebido nas documentações mecânica e eletrônica. Portanto, os documentos que se referiam à mesma modificação foram agrupados e considerados como uma única alteração do produto.

Chegou-se a 127 alterações do produto que correspondem a 37% do total de documentos levantados.

Além disso, 31 documentos consultados não permitiam determinar se eram modificações do produto, pois não possuíam quaisquer informações que permitissem essa identificação, sendo desconsiderados no estudo.

4.2 Levantamento dos custos das alterações de produto

Sabe-se que qualquer atividade dentro de uma empresa gera um custo e que, muitas vezes, investimentos e/ou modificações em dispositivos e equipamentos também são necessários para efetuar uma alteração do produto.

As áreas da empresa em questão estão divididas em centros de custo, em que cada uma possui uma conta e orçamento pré-estabelecidos e a gestão destes é responsabilidade do gestor de cada área.

Além disso, quando necessidade, o setor pode criar subcontas, denominadas Ordens Internas (OI), nas quais são alocados os gastos para um determinado projeto e/ou atividade, por exemplo, alterações do produto. Essas OI são criadas e controladas pela própria área pelo Sistema de Gestão da organização e por meio de planilhas eletrônicas. Informações essas que são repassadas para o setor financeiro da empresa periodicamente.

Sabendo disso, buscou-se identificar na documentação levantada a existência de alguma informação, por exemplo, o número da Ordem Interna que permitisse o rastreamento dos custos e investimentos realizados para cada alteração do produto identificada. Somente três AAP possuíam OI que permitiram rastrear os gastos realizados para estas alterações do produto.

Porém, constatou-se que estas OI se referiam apenas à área de Engenharia de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

À vista disso, foi necessário consultar as demais áreas envolvidas nestas AAP na intenção de levantar os seus respectivos gastos. Entretanto, constatou-se que somente a Engenharia de Pesquisa e Desenvolvimento e Engenharia de Manufatura adotam Ordens Internas como forma de controle financeiro de suas atividades.

Entretanto, as demais áreas, apesar de terem um controle de seus gastos, ele não é detalhado ao ponto de permitir rastrear os gastos das alterações do produto identificadas.

Como citado, alterações do produto podem gerar a necessidade da fabricação e/ou modificação de equipamentos. Por meio da documentação levantada, verificou-se que algumas geraram esta necessidade.

Sabe-se também que a área responsável por gerir este tipo de ativo da empresa é a Engenharia de Manufatura, que possui um controle das modificações destes ativos. Assim sendo, de posse dos números e revisões dos documentos levantados no item 4.3, foi possível fazer o levantamento dos investimentos realizados nas alterações do produto que impactaram a fabricação e/ou modificação destes ativos.

Feito isso, foi possível levantar o custo parcial de somente 8% das alterações identificadas. As demais alterações não apresentaram qualquer informação que permitisse rastrear os seus respectivos custos.

Isto aponta para um problema no sistema de registro e que deve ser trabalhado nos processos de melhoria.

4.3 Motivadores das alterações do produto

Com as informações encontradas na documentação pesquisada, tentou-se identificar os motivadores de cada alteração do produto. Para isso, foi identificado o motivo que gerou cada alteração de produto, com base nas informações encontradas nos documentos e no GED da empresa. Sendo então atribuído a cada modificação um motivador.

Porém, a fim de facilitar a compreensão e a tabulação dos demais dados obtidos, estes motivadores foram organizados por afinidade, chegando-se a uma relação de nove motivadores, como apresentado na Tabela 2.

A Tabela 2 mostra a relação dos nove motivadores criados e uma breve descrição de cada um deles.

Cabe comentar também que estes motivadores são fatores de influência no desenvolvimento de soluções para o mercado de medidores de energia elétrica.

Eles podem ser considerados de modo preventivo, e dentro do possível, desde as etapas iniciais do desenvolvimento de novos produtos.

4.4 Tabulação das alterações do produto, custos e motivadores

De posse de todas as informações levantadas, foi criada uma tabela contendo todos os documentos que se referem a alterações do produto. Sendo eles: Análise para Alteração do Produto, Documentação Mecânica e Documentação Eletrônica. A tabela contém 15 colunas e 127 linhas, de acordo com a quantidade de alterações do produto identificadas em cada tipo de documento. Na Figura 4, é apresentado um excerto da tabela elaborada.

A Figura 4 mostra uma visão geral da tabulação dos dados obtidos a partir da consulta à documentação levantada e selecionada, incluindo as OI encontradas, seus respectivos investimentos e custos, bem como os motivadores de cada alteração do produto. Nos casos em que os dados não foram encontrados e/ou não são aplicáveis, as células foram mantidas em branco.

Tabela 2. Relação de motivadores de alteração do produto.

Motivador

Descrição

Correção projeto

Correções identificadas internamente pelas áreas de Engenharia e Qualidade e que resultaram em alteração do produto

Demanda mercado

Alterações oriundas da área de Marketing e/ou pesquisas de mercado

Evolução tecnológica

Substituição de partes e peças com nova tecnologia

Melhoria desempenho

Alterações que visam melhorar o desempenho do produto em campo

Padronização

Padronização de partes e peças

Redução custo

Mudança de processo de manufatura e que impacte em alterações do produto

Eliminação de partes e peças

Solicitação cliente

Customizações do produto para clientes e/ou reclamações de clientes

Solicitação fornecedor

Alterações que visam melhorar as condições dos processos de manufatura de partes e peças oriundas de fornecedores

Solicitação produção

Alterações que visam melhorar as condições de montagem interna do produto oriundas da produção

Fonte: Elaborado pelos autores.

Neste exemplo, os dados de investimento e custo foram suprimidos para preservar a empresa analisada, mas os impactos financeiros a seguir são divulgados em percentuais deste para ter uma ideia de sua magnitude.

5 Apresentação dos resultados

Por meio da consulta à documentação técnica da empresa e segundo os critérios de seleção estabelecidos, foram identificadas 127 alterações do produto, o que exigiu grande esforço. Estimou-se que foram necessários aproximadamente dois meses para identificar todas as modificações do produto, devido ao grande volume de informações fragmentadas na documentação, sendo, em alguns casos, necessário consultar as pessoas envolvidas nas alterações.

Outra premissa deste trabalho era rastrear o custo total de cada alteração. Entretanto, não foi possível devido à fragmentação dos registros. Constatou-se que o sistema não permitiu o levantamento e somente o custo parcial de 8% das alterações identificadas foi rastreado. No entanto, o total levantado corresponde a 12% do custo total de desenvolvimento do produto Alfa, mas percebe-se que uma tendência deste número ser muito maior, o que é alarmante. Demonstrando quão onerosas são as modificações efetuadas após a fase de desenvolvimento.

Outro resultado a que se chegou foi a identificação dos motivadores das alterações do produto. Na Figura 5, é apresentada a distribuição percentual dos motivadores dentro do universo pesquisado.

A Figura 5 mostra que os principais motivadores de alterações do produto são a solicitação de cliente e melhoria de desempenho, ambos com 22%. Também se destacam o montante das alterações por solicitação de fornecedor, com 15%, e por padronização, com 11%. Estes evidenciam a influência dos clientes e fornecedores nas soluções que o produto deve conter.

Figura 4. Excerto da tabela elaborada para tabular as alterações do produto, custos e motivadores. Fonte: Eladorado pelos autores.

Figura 5. Distribuição Percentual dos Motivadores de Alteração de Produto. Fonte: Eladorado pelos autores.

Outro resultado pretendido inicialmente era relacionar os custos das alterações do produto com os motivadores por meio de um gráfico. Este poderia ilustrar quais os motivadores com maior influência financeira. Entretanto, devido à ineficiência do sistema em associar os custos às alterações, este relacionamento não foi possível.

Contudo, pode-se apontar que as solicitações de clientes tendem a gerar o maior impacto financeiro devido às customizações do produto solicitadas por diferentes clientes. Essas solicitações, segundo a documentação pesquisada, geralmente desencadeiam necessidade de mudanças ou fabricação de ativos existentes, como moldes e ferramentas e que demandam um alto investimento.

6 Discussões

Este trabalho é investigativo e permite diferentes abordagens, que talvez possam ter diferentes resultados.

Embora tenha sido pesquisada a existência de trabalhos similares, estes não foram encontrados. Portanto, adotou-se a abordagem descrita neste artigo.

A abordagem limitou-se à documentação que se refere às alterações do produto (AAP e documentação do produto), o que restringiu as fontes para consulta e identificação de alterações do produto e seus custos.

Mas essa foi a abordagem adotada neste trabalho, uma vez que os procedimentos internos identificados não citam outras possíveis fontes que pudessem ser consultadas.

Entretanto, o desenvolvimento do presente trabalho foi revelador. Acreditava-se que, dada a estrutura de registro de alterações e custos existente, seria possível quantificar as alterações, seus motivadores e levantar seus custos diretos e inferir os custos indiretos.

Embora seja possível, o levantamento delas exigiria um trabalho extremamente minucioso envolvendo o contato com as pessoas envolvidas em cada uma destas alterações. Porém, muitas não trabalham mais na empresa, o que dificulta mais ainda o acesso a estas informações. Isso comprova a importância de uma gestão de documentos eficiente e, ainda mais, da gestão do conhecimento no desenvolvimento de novos produtos.

Outro fato constatado foi a existência de documentos sem nenhum procedimento formal no GED da empresa e que, portanto, não foram considerados neste estudo.

Isto evidencia, novamente, o problema de registro de informações no PDP da empresa e a existência de impactos financeiros negativos não mapeados.

Apesar disto, os resultados obtidos podem sugerir mudanças no PDP da empresa, principalmente no que diz respeito ao levantamento e interpretação das necessidades dos clientes, uma vez que o maior índice de alterações do produto se refere à solicitação de clientes. O que sugere uma oportunidade de melhoria no processo de identificação das necessidades dos clientes, buscando o desenvolvimento de métodos que permitam à empresa atender a uma fatia maior do mercado e se destacar entre os concorrentes. Além desta sugestão, pode-se citar também outras sugeridas pelos resultados, como um maior envolvimento de fornecedores no PDP e a adoção de ferramentas e métodos que permitam identificar e selecionar as soluções mais adequadas e assertivas no que se refere à melhoria de desempenho do produto.

7 Conclusões

Este artigo apresentou uma forma de identificar os tipos de motivadores de alterações do produto obtidos por meio de uma proposta de procedimento e de classificação destes motivadores aplicável em outros ramos da indústria, desde que pequenas adaptações na classificação dos motivadores sejam feitas de acordo com a realidade de cada organização.

A empresa objeto de estudo não dispõe de um sistema que apresente de forma automática as informações de alterações e seus custos como realizado neste trabalho. A pesquisa entrega para a empresa uma planilha que relaciona as alterações do produto, seus custos e respectivos motivadores. Informações que podem ser utilizadas para outros trabalhos dentro da empresa.

Os resultados são uma evidência da influência dos clientes e fornecedores nos produtos, pois juntos representam 37% das alterações de produto identificadas e, além disso, sugerem que melhorias no PDP da empresa devem ser feitas. Remetem a princípios básicos como levantamento e interpretação das necessidades dos clientes e envolvimento dos fornecedores na fase de desenvolvimento do produto, o que é reforçado pelo resultado alarmante de 8% levantado e 12% no custo de desenvolvimento e, também, pelo constatado durante a pesquisa e leitura da documentação levantada, em que muitas das alterações talvez pudessem ter sido previstas durante a fase de desenvolvimento.

Entretanto sabe-se que o produto objeto deste estudo foi o primeiro projeto no qual a empresa empregou uma metodologia formal para gestão do desenvolvimento de produto e que diversas melhorias e a adoção de novas ferramentas foram realizadas em desenvolvimentos posteriores.

O estudo aponta que diferenças entre o que está documentado no PDP da empresa e de fato o que as pessoas estão fazendo. Isto reflete a dificuldade de rastrear as informações. A premissa inicial era a de que a informação estaria disponível, pois é isto que os procedimentos internos exigem. Contudo somente 8% das alterações de produto analisado permitem o rastreamento dos seus respectivos custos diretos.

Além disso, variedade da fonte e da forma de registro dos dados pelas pessoas, dificultando inclusive inferir os custos indiretos destas modificações, o que se comprova também pela grande parcela de documentos, não permitindo determinar se se tratavam ou não de alterações de produto. Uma prova de que o PDP não está adaptado às pessoas, mas está exigindo delas a adaptação.

Enfim, acredita-se que esta pesquisa aliada a outros indicadores permita auxiliar na identificação de mudanças no PDP da empresa, moldando-o para a realidade do seu mercado de atuação e assim buscar a evolução do seu PDP.


Download text