Cinética não-isotérmica na análise térmica de sólidos
onde a é a extensão da conversão, t é o tempo, T é a temperatura, k(T) é o
coeficiente de velocidade de conversão, e f(a) é a função que representa o
modelo da reação. A dependência do coeficiente de velocidade de conversão com a
temperatura pode ser descrita pela equação de Arrhenius (2):
(2)
onde Ea é a energia de ativação, A é o fator pré-exponencial, R é a constante
dos gases, e T é a temperatura. Nesse caso, da/dt deverá ser medida em
diferentes temperaturas. Contudo, a maior parte das reações acontecem com
absorção ou liberação de calor, o qual afeta a temperatura do sistema. Esta é
uma das razões pela qual resulta mais conveniente trabalhar em condições não-
isotérmicas controladas. Sendo assim, condições não-isotérmicas são
freqüentemente utilizadas em experimentos como termogravimetria,
termogravimetria diferencial, calorimetria diferencial de varredura e análise
térmica diferencial. Nesses experimentos, uma mudança numa propriedade
extensiva do sistema é medida em função da temperatura (T).
Para um experimento não-isotérmico, o comportamento cinético do sistema pode
ser expresso pela equação (3):
<formula/> (3)
onde b é a taxa de aquecimento (b=dT/dt). Assume-se, em geral, que é imposto ao
sistema um aquecimento linear e que a temperatura muda conforme a relação:
T=T0+bt.
Assim, os parâmetros cinéticos, A e Ea, poderão ser determinados a partir de
medidas de da/dt, desde que se conheça a função f(a). Por sua vez, a função f
(a) deverá ser identificada a partir de dados experimentais a-T ou a-t, sendo
que cada tipo de reação dá origem a um pico característico1,3.
O método tem duas desvantagens5: 1) a influência da temperatura e da conversão
são estudadas simultaneamente, entretanto existe uma clara interação entre
elas, já que a velocidade da transformação é função da temperatura, do tempo e
das conversões a; 2) algumas vezes, decomposições de sólidos, mesmo em reações
aparentemente simples, devem ser descritas assumindo-se dois passos de controle
na taxa de reação.
O método que tem sido proposto5 para separar a influência da temperatura e da
conversão, e quantificar as diferenças entre experimentos isotérmicos e não
isotérmicos é mostrar graficamente a-T-t, ou seja, a variação da conversão, da
temperatura e do tempo simultaneamente.
Este trabalho tem por objetivo propor uma metodologia para simular
transformações não-isotérmicas de sólidos, como ligas metálicas e sólidos
hidratados, a fim de visualizar as diferenças entre alguns modelos e
apresentações dos resultados. As derivadas da/dteda/dTsão expressas por
equações diferenciais obtidas a partir do modelo químico e da função f(a)
proposta. As simulações foram feitas utilizando parâmetros de Arrhenius para
exemplos freqüentemente citados na literatura6-9 e os resultados calculados
foram comparados com as curvas experimentais de varredura.
METODOLOGIA
Dados de análise térmica6-9 foram utilizados para a modelagem cinética de
processos complexos de transformações não-isotérmicas de sólidos. Em
particular, a cinética de uma reação reversível de primeira ordem (em cinética
do estado sólido, este modelo é também conhecido como Modelo de Mampel):
<formula/> (4)
pode ser descrita matematicamente por um sistema de equações diferenciais
ordinárias (5, 6):
cinética isotérmica:
<formula/> (5)
cinética não-isotérmica:
<formula/> (6)
O modelo matemático e os métodos computacionais para descrever um processo
deste tipo já foram descritos detalhadamente na literatura10-15. Neste artigo
foi utilizada uma metodologia semelhante à dos trabalhos anteriores realizados
no nosso laboratório10-12. Entretanto utilizou-se o programa Thermal Kinetics
desenvolvido no nosso grupo e que utiliza uma sub-rotina desenvolvida
recentemente por L. R. Petzold e colaboradores 13.
A dependência das conversões com relação à temperatura foi utilizada para
simular as curvas de análise térmica de acordo com as equações 7 e 8 :
<formula/> (7)
<formula/> (8)
onde I(T) é a intensidade do pico da curva da análise térmica que é
proporcional a taxa de reação (da/dt ou da/dT) por um fator Q (J/mol) que é por
simplicidade assumido ser o efeito térmico4. Entretanto, as expressões para da/
dteda/dTestão dadas pelas equações 1 e 3 , respectivamente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste trabalho foram resolvidos dois exemplos, utilizando dados da literatura8-
9 e o modelo de Mampel de ordem n (Tabela_1).
Foram feitas simulações em condições não-isotérmicas, para se observar as
diferenças na utilização das equações 1 e 3, e a utilização de duas funções f
(a). Este assunto tem sido muito discutido na literatura pois muitos autores
utilizam a equação 1 e outros utilizam a equação 3, sugerida por Brown et al.1.
Os resultados são apresentados nas figuras_1 e 2 para a liga de Cu-Al e nas
figuras_3, 4 e 5 para o oxalato de cálcio monohidratado.
Exemplo 1 - Liga Metálica de Cu-Al
Este exemplo foi estudado experimentalmente por Varschavsky8 para três
composições de liga Cu-Al. Os parâmetros de Arrhenius não-isotérmicos estão
mostrados na tabela_2 e o mecanismo da transformação é mostrado logo abaixo
(9). A simulação deste exemplo foi feita para se observar o efeito da taxa de
aquecimento b na temperatura de transição.
Transições de fase:
fase 1 ® fase 2 ® fase 3 ® fase (9)
Na figura_1 são mostrados os resultados de I(T)/Q calculado segundo a equação
7, com dados obtidos pela integração da equação 1. A curva representa a
derivada da taxa de reação com o tempo (da/dt)em função da temperatura do
sistema. Neste caso, o acréscimo da temperatura foi introduzido no código
computacional a fim de corrigir as constantes de velocidade k(T) para as
diferentes temperaturas ao longo do experimento. Já a figura_2 mostra os
resultados calculados usando a equação 8 com dados obtidos pela integração da
equação 3. A curva representa a derivada da taxa de reação com a temperatura
(da/dT)em função da temperatura do sistema. Os resultados desta segunda
modelagem apresentam um razoável acordo com os dados experimentais de
Varschavsky8 tanto no que se refere à localização das temperaturas de transição
como no formato das curvas.
Comparando-se as figuras_1 e 2, pode-se observar que a localização do máximo e
dos mínimos coincidem, e que taxas de aquecimentos (b) maiores produzem um
deslocamento dos picos para a região de mais alta temperatura assim como um
aumento na largura dos mesmos. Os máximos e mínimos das curvas correspondem às
temperaturas de transição de fase. Cada pico, positivo ou negativo, representa
uma etapa da reação. A representação dos picos com valores positivos ou
negativos é arbitrária e depende da função que está sendo representada (aAou
aB)nas equações 5 e 6. Para cada pico negativo (a do reagente) existirá um pico
positivo (a do produto).
Quanto a intensidade e o formato dos picos representados nas figuras_1 e 2, são
diferentes porque estão sendo representadas diferentes quantidades: a figura_1
fornece uma medida do gradiente da conversão a com o tempo e a figura_2 fornece
uma medida do gradiente da conversão a com a temperatura. Isso fica mais
evidente na tabela_3 onde são mostrados os valores de da/dt e da/dT para o
primeiro mínimo, a relação entre os dois valores é o fator b. A diferença entre
os valores obtidos nas colunas da/dt e (da/dT)xb está mostrada na última coluna
da tabela e é devida às aproximações do método numérico de integração. Assim,
as curvas representam duas magnitudes diferentes, relacionadas através de uma
função e da taxa de aquecimento que, neste caso particular, é uma constante.
Exemplo 2 - Decomposição de Oxalato de Cálcio Monohidratado
A decomposição térmica do oxalato de cálcio monohidratado é freqüentemente
utilizada como uma "reação modelo" para analisar modelos cinéticos e
verificar técnicas experimentais. Muitos destes estudos foram resumidos nos
artigos de Dollimore9a e de Ceipidor et al.9b. Os parâmetros de Arrhenius não-
isotérmicos estão mostrados na tabela_4 e o mecanismo da decomposição é
mostrado logo abaixo (10). A simulação deste exemplo foi feita para se observar
o efeito da taxa de aquecimento b na temperatura de transição e, também, para
notar as diferenças do Modelo de Mampel de ordem 1 e o de ordem fracionária.
As reações químicas propostas são:
1) CaC2O4.H2O ® CaC2O4 + H2O
2) CaC2O4 ® CaCO3 + CO (10)
3) CaCO3 ® CaO + CO2
Pelas figuras_3, 4 e 5 pode-se observar, novamente, que os picos foram
deslocados para a região de mais alta temperatura quando se utilizam taxas de
aquecimento maiores. A figura_3 foi obtida da mesma forma que a figura_1,
enquanto que as figuras_4 e 5 foram obtidas da mesma forma que a figura_2.
Pela comparação das figuras_4 e 5, pode-se observar que, neste caso, a função f
(a) não modifica a temperatura em que ocorre a transição, e sim o formato da
curva. Os resultados da figura_5 correspondem às condições utilizadas por
Ceipidor et al. 7 que obteve os parâmetros de Arrhenius usando a função f(a)=
(1-a)ncom os valores de n apresentados na tabela_4. Novamente pode-se observar
que as curvas da/dt e da/dT apresentam formatos diferentes relacionadas pela
taxa de aquecimento b.
CONCLUSÕES
Neste trabalho foram simuladas as curvas de análises térmicas para as
transições de fase da liga metálica Cu-Al e para a decomposição do oxalato de
cálcio monohidratado. As curvas calculadas foram obtidas de duas formas
diferentes: a) a partir da derivada da taxa de reação com o tempo da/dt, e b) a
partir da derivada da taxa de reação com a temperatura da/dT. Em ambos os casos
foram utilizados os parâmetros de Arrhenius obtidos experimentalmente. As
curvas obtidas por integração das equações 1 e 3 mostram um acordo razoável com
as curvas experimentais obtidas por ajuste dos dados termogravimétricos
experimentais das referências 8 e 9. As curvas calculadas possuem o mesmo
comportamento que as curvas experimentais. Em geral observa-se que a
temperatura de transição calculada é sempre menor que a experimental. A
diferença pode ser estimada em menos que 25% e é devida, principalmente, aofato
de que se considerou que a temperatura do sistema fosse igual a temperatura do
compartimento onde ocorre a reação.
Na descrição dos sistemas foram realizadas várias aproximações e
simplificações: a) que a equação de Arrhenius é apropriada para reproduzir a
dependência da constante de velocidade com a temperatura; b) que os processos
cinéticos acontecem numa única etapa; c) que a temperatura do sistema é
uniforme e igual à temperatura do compartimento onde ocorre a reação, não
existindo gradientes nem fluxos de matéria e energia, simplificação essa que
compromete os resultados; d) que as reações são termoneutras e/ou que o calor
liberado/absorvido no processo químico não modifica a temperatura do sistema;
e) que a influência da pressão dos produtos gasosos é desprezível; f) que
processos heterogêneos complexos podem ser representados por uma cinética
simples para auxiliar na interpretação de resultados. Mesmo com estas
aproximações e simplificações, o modelo mostrou-se útil no acompanhamento de
experimentos de análise térmica como calorimetria diferencial de varredura,
termogravimetria, termogravimetria diferencial, etc., pois auxilia na
interpretação dos resultados experimentais, possibilitando a utilização de
diferentes funções f(a) e a comparação da modelagem teórica com os dados de
laboratório. A simulação é rápida, e sendo assim possibilita que se ganhe muito
tempo na análise dos experimentos de laboratório. Como já foi mencionado, uma
função matemática pode estar associada a mais de um modelo cinético.
Entretanto, a escolha do modelo que melhor representa o processo deverá ser
feita após a análise de um grande número de sistemas em diversas condições. A
utilidade e validade do modelo para explicar um sistema é demonstrada pela sua
habilidade para reproduzir dados experimentais e para predizer o seu
comportamento em condições diferentes daquelas em que o modelo foi
originalmente proposto.
O fato de que as curvas calculadas usando a equação 3, coincidem razoavelmente
com as curvas experimentais, tanto no formato como na localização das
temperaturas de transição (dentro do erro já discutido) demostra que o processo
observado experimentalmente é devido, principalmente, aos fenômenos descritos
por essa equação. Já as curvas calculadas usando a equação 1, explicam o
fenômeno experimental e reproduzem as temperaturas de transição em forma
aproximada. As diferenças de formato entre as curvas obtidas por integração das
equações 1 e 3 é devida ao fato de que estão sendo representadas quantidades
físicas diferentes, da/dt e da/dT, respetivamente. As curvas diferem no fator b
que é a taxa de aquecimento. Os dados experimentais informados na literatura
geralmente correspondem a valores de da/dT.