A formulação ab-initio da segunda lei da termodinâmica
b) A seguinte pergunta, conveniente e justa, sempre aparece durante o ensino da
segunda lei segundo Carnot: Se mudarmos a máquina térmica a segunda lei
continua válida? A resposta é certamente sim, mas para de fato provarmos isto
temos que seguir o raciocínio novamente para esta nova máquina térmica. Ao
terminamos teremos provado a segunda lei da termodinâmica para esta nova
máquina térmica e não de uma maneira geral. Portanto nos nossos cursos
tradicionais de físico-química não provamos a segunda lei da termodinâmica.
Somente damos fatos que evidenciam a sua veracidade. Para o aluno mais crítico
isto certamente não é suficiente.
c) A segunda lei é desenvolvida para um processo no qual temos duas variáveis
independentes, como T e V na equação acima. O que acontece com a segunda lei
quando temos mais de duas variáveis independentes, como por exemplo num sistema
no qual o número de partículas está variando? Usando o formalismo de Carnot
dificilmente chegaremos a uma resposta adequada para esta pergunta.
d) A associação do conceito de entropia com maquinas térmicas é bastante
perigoso, pois mais tarde o aluno irá aprender o conceito de entropia associado
com gases, líquidos, sólidos, reações químicas, etc. A analogia destes sistemas
com máquinas térmicas nem sempre é possível, apesar de que em alguns casos isto
pode ocorrer. Mas estes artifícios não resolvem completamente o problema.
e) A prova desta nova função de estado é invariavelmente dada utilizando-se
gases ideais. Novamente a pergunta se a entropia existe para gases reais é
bastante apropriada.
Mas será que existe uma solução para estes problemas? Tentaremos dar uma
resposta nos próximos itens.
2. BASES HISTÓRICAS SOBRE A FORMULAÇÃO DE CARATHÉDORY DA SEGUNDA LEI DA
TERMODINÂMICA
2.1. Max Born e a Termodinâmica
É difícil imaginar um aluno de química que não tenha escutado o nome do
cientista alemão, Max Born (1882-1970). O seu envolvimento com este cientista
já começa num curso de química geral onde ele estuda o ciclo de Born-Haber. Ao
estudarmos química quântica a situação é ainda mais evidente. Quem não conhece
a interpretação estatística da função de onda, elaborada por Max Born? Qual
estudante de química que, já no seu último ano de curso, não ouviu falar da
aproximação de Born-Oppenheimer? A situação se repete mais tarde quando
estudamos teoria de espalhamento, teoria de sólidos, teoria de líquidos, ótica,
etc.
O que poucos estudantes sabem é o envolvimento de Max Born com a segunda lei da
termodinâmica, assunto primordial nos nossos cursos de físico-química. Para
apreciarmos melhor este envolvimento de Born com a termodinâmica iremos
primeiro mencionar alguns fatos ocorridos durante este século.
2.2. Born e Carathéodory.
Os problemas relacionadas com a formulação de Carnot aparecem porque a
formulação de Carnot não é uma formulação baseada em princípios fundamentais. A
preocupação de se fazer uma formulação ab-initio(isto é, que se baseia em
princípios fundamentais) da segunda lei remonta ao princípio deste século. Para
mostrar isto consideremos o seguinte texto2:
Exceto pelo meu curso experimental com Searle, eu não tinha nada a
fazer e passava a maior parte do tempo numa canoa lendo Gibbs, a quem
começava a entender. Um considerável progresso na termodinâmica foi
feito por causa disto, não por mim mas pelo meu amigo Carathéodory.
Eu tinha tentado, a duras penas, entender dois teoremas clássicos e
fundamentais feitos por Clausius e Kelvin; eles me pareciam alguma
coisa maravilhosa, como um milagre feito por um condão mágico, mas eu
não podia achar a raiz lógica e matemática destes resultados
maravilhosos. Um mês mais tarde visitei Carathéodory em Bruxelas e
conversei com ele sobre minhas preocupações. Disse que estava
convencido de que um teorema colocado em termos matemáticos, ou seja,
a existência de uma função de estado como a entropia, com
propriedades definidas, teria que ter uma prova usando argumentos
matemáticos...
Born deixa claro também nesta conversa com Carathéodory que apesar dos
argumentos matemáticos a ligação com a termodinâmica deveria ser feita nos
fatos experimentais.
Este texto, tirado da autobiografia de Max Born, mostra a origem da nova
formulação da segunda lei da temodinâmica. O matemático grego Constantin
Carathéodory(1873-1950) levou a sério as idéias de Born e em 1908 publicava o
que seria considerado a formulação mais precisa da segunda lei da
termodinâmica3. Este trabalho não teve o impacto esperado por Max Born como ele
afirma mais tarde4,
Este trabalho não foi definitivamente levado em conta pelo mundo da
física... . A maioria dos físicos não dá atenção a uma, dentre as
publicações sobre termodinâmica em anais de matemática, onde não
aparece uma vez um processo cíclico. E o trabalho vale a pena ser
lido, não somente para esclarecer os conceitos básicos, mas também
pelas vantagens que a nova posição oferece para o ensino .
As referências4, 5 e 6constituem a primeira tentativa de Born de popularizar a
termodinâmica de Carathéodory. Nestes artigos Born realmente não poupa críticas
sobre a termodinâmica de Carnot, como podemos ver em algumas passagens,
a) Não existe nenhuma outra área da física onde são aplicadas
considerações que tenham qualquer semelhança com o ciclo de Carnot e
correlatos. b) Tem-se que admitir que a termodinâmica, no seu modelo
tradicional, ainda não realizou o ideal lógico da separação entre o
conteúdo físico e a descrição matemática. c) É preciso fazer uma
remoção de entulhos, que uma tradição cheia de piedade demais até
aqui, não ousou remover.
Em 1921 Born pede a opinião de Einstein sobre o assunto na seguinte carta7:
Frankfurt, 12 de fevereiro de 1921. Prezado Einstein:... . Em teoria
não tenho feito muito. Escrevi uma exposição da termodinâmica de
Carathéodory que aparecerá em breve no Physikalische Zeitschrift. Me
interessa muito a sua opinião.
É interessante notar que na carta resposta de Einstein o assunto nem é
mencionado. Também não é encontrado, nas cartas trocadas entre estes dois
cientistas, qualquer manifestação de Einstein sobre o assunto.
Este fato deve ter realmente perturbado os planos de Born pois abandona o
assunto por aproximadamente trinta anos. Em 1948 ele retoma ao problema, agora
escrevendo em inglês8. Neste texto, ao refletir sobre o fato de que a maioria
dos cursos ainda ensinava a segunda lei segundo Carnot, Max Born é ainda mais
claro sobre a sua posição ao escrever,
Isto foi há mais de 40 anos (falando sobre a idéia que teve ao ler
Gibbs) mas ainda todos os livros textos reproduzem o método
"clássico"... . Esta situação me parece de um
conservadorismo prejudicial....
As aspas na palavra clássico acima mostram uma certa ironia por parte de Born.
Hoje quase 90 anos após o artigo de Carathéodory podemos certamente dizer que
esta é também uma formulação clássica. Apesar disto a situação ainda não
mudava, e em torno de 1969, Born fazia o seu último comentário sobre o assunto
[8],
A minha interpretação sobre a termodinâmica de Carathéodory não teve
o efeito esperado de desprezar os métodos clássicos, pesados e
matematicamente pouco claros. Somente nos últimos anos (em torno de
1960) tem aparecido textos que tratam do assunto.
Em torno de 1960 livros textos realmente começaram a aparecer que tratam da
termodinâmica de Carathéodory, como por exemplo a referência9, mas o assunto
foi obviamente esquecido nos cursos de físico-química.
Mas afinal, será que é possível ensinar a termodinâmica de Carathéodory num
primeiro curso de físico-química? Para mostrar que a resposta é afirmativa
apresentaremos neste artigo a formulação de Carathéodory da segunda lei da
termodinâmica.
3. BASE MATEMÁTICA PARA O ESTUDO DA FORMULAÇÃO DE CARATHÉODORY DA SEGUNDA LEI
DA TERMODINÂMICA
3.1. Equações de Pfaff
Antes de aprendermos a segunda lei da termodinâmica lidamos com as seguintes
diferenciais na termodinâmica . Durante o
desenvolver de um curso de físico-química lidamos com várias outras
diferenciais tais como,dH = TdS + Vdp e dG = SdT + Vdp + m1dN1 + m2dN2 +º+
mndNn. As diferenciais acima podem ser colocadas na forma genérica,
onde u = u(x,y,x,º,w) e com dependência análoga para X,Y,Z...W.Este tipo de
equação é conhecido como equação de Pfaff (Johann Friedrich Pfaff, matemático
alemão, 1765-1865), ou forma diferencial de Pfaff. As equações de Pfaff
desempenham um papel central na termodinâmica e é portanto natural que
estudemos as suas propriedades. Dividiremos o nosso estudo das equações de
Pfaff em dois grupos: a) O grupo das equações de Pfaff em duas variáveis
independentes, e b) O grupo das equações de Pfaff em três ou mais variáveis
independentes.
3.2. Equações de Pfaff em duas variáveis.
As equações de Pfaff em duas variáveis independentes,
representam uma classe especial destas equações, como veremos adiante. Se a
expressão acima representa uma diferencial exata vale então (a dependência em x
ey será doravante omitida),
ou ainda,
Procuremos agora a solução de du = 0, isto é, procuremos as curvas cujas
tangentes satisfaçam,
Achar as soluções desta equação diferencial corresponde a traçar curvas no
plano xy que tenham em todos os pontos a tangente acima. Para ilustrar esta
idéia consideremos que Y = l e X = -l o que nos fornecerá
A solução deste problema é obviamente f(x,y) = y - x = c onde c é uma constante
qualquer.
Considerando agora um caso genérico vemos que para uma equação diferencial de
Pfaff em duas variáveis é sempre possível achar a solução du = 0. Basta que
tracemos as curvas cujas derivadas <formula/> sejam iguais
a <formula/> desde que estas derivadas existam.
Investiguemos então qual a conseqüência de uma equação de Pfaff, em duas
variáveis independentes, admitir a solução du = 0. Como antes, assumindo que as
curvas soluções são dadas por f(x,y) = c teremos,
Mas esta expressão tem também que ser igual a zero, pois df= dc = 0. Podemos
portanto concluir que
Então,
Portanto du, que em geral não é uma diferencial exata, após divisão porl
transforma-se sempre numa diferencial exata. Este resultado importante pode
sempre ser colocado na forma:
Uma equação de Pfaff em duas variáveis independentes sempre admite um fator
integrante.
As conseqüências deste teorema na termodinâmica serão vistas mais tarde.
3.3. A Condição de Integrabilidade em Várias Variáveis Independentes
Quando uma diferencial du aceita um fator integrante dizemos que du é
integrável. Procuremos então a condição de integrabilidade de uma equação de
Pfaff em três variáveis,
Se esta diferencial for exata então valerá, como antes, a igualdade (onde
omitimos também a dependência em x, y e z).
Portanto temos que satisfazer,
Mas a exemplo do que fizemos em duas variáveis independentes podemos tomar
derivadas das funções acima para que estas condições possam ser colocadas numa
forma conveniente. Tomando estas derivadas cruzadas tiramos então,
No caso de várias variáveis independentes o desenvolvimento é completamente
análogo ao acima.
3.4. Fatores Integrantes em Várias Variáveis Independentes
Já que aprendemos a condição de integrabilidade para uma equação de Pfaff em
três variáveis independentes podemos agora perguntar se a equação de Pfaff em
três variáveis admite um fator integrante. A resposta é: em geral não. A
existência de fatores integrantes neste caso representa uma exceção.
Para ilustrar este ponto consideremos a seguinte equação de Pfaff,
exemplo usado por Born em seu artigo de 19214. Vamos admitir então que df = du/
l represente uma diferencial exata onde l = l(x,y,z). Para que isto seja
verdade teremos que ter,
Das duas primeiras equações obtemos,
e,
A terceira equação pode ser desenvolvida como,
ou ainda,
Substituindo as expressões obtidas para <formula/> e [/
img/fbpe/qn/v21n4/3200s6.gif] obteremos,
o que nos mostra que o fator integrante não existe. Este exemplo particular
mostra que em geral não podemos achar um fator integrante para uma equação de
Pfaff com mais de duas variáveis independentes e que estas funções não são,
normalmente, integráveis. Entretanto é possível achar este fator integrante
para uma equação de Pfaff em três variáveis independentes. O raciocínio é
semelhante ao usado para uma equação de Pfaff em duas variáveis independentes.
3.5. A Unicidade das Soluções.
Vimos que para cada ponto do espaço só passa uma solução de du=Xdx+Ydy=0.
Consideremos agora uma equação de Pfaff em três variáveis du=Xdx+Ydy+Zdz=0. A
curva solução f(x,y,z) =0 pode ser representada na forma paramétrica x=x(s,t),
y=y(s,t) e z=z(s,t) de tal forma que a equação de Pfaff acima torna-se,
ou seja, uma equação de Pfaff de duas variáveis. Portanto por cada ponto do
espaço só pode também passar uma solução da equação du=Xdx+Ydy+Zdz=0. Um
raciocínio análogo pode ser usado para uma diferencial em várias variáveis
independentes.
3.6.O Ordenamento das Soluções da Equação de Pfaff.
Consideremos três soluções f(x,y,z) tal que f1(x,y,z) =c,
f
2(x,y,z) = c + dc e
f
3(x,y,z) = c +2dc e perguntemos, tomando f1como referência, qual seria o
ordenamento corretof1, f2e f3ou f1 e f3,
f
2?
Para resolvermos este ponto consideremos que as soluções sejam ordenadas como
(f1,f3,f2). Mas como f é uma função de estado temos que a variação de f indo de
qualquer ponto em f1 para qualquer ponto em f2 será sempre igual a dc. Esta
variação é também igual a dc quando vamos de qualquer ponto em f2 para qualquer
ponto em
f
3. Estas variações nos fornecem então informação sobre as distâncias entre as
soluções. O ordenamento(f1,f3,f2)não é portanto aceitável pois f3-
f
1= 2dce ao afastarmos de
f
1teremos f2 - f1= co que nos leva a uma contradição. O ordenamento correto é
portanto (f1,f2,
f
3).
4. O TEOREMA DE CARATHÉODORY
4.1. Primeira Prova
Com os resultados dos últimos itens podemos agora seguir o seguinte raciocínio:
a) Se a solução de du= 0, f= constante, puder ser encontrada, então
esta solução será única.
b) A existência desta solução implica também na existência de um
fator integrante.
c) As soluções de du = 0são ordenadas de forma crescente ou
decrescente.
d) Se na vizinhança de um ponto P da solução du = 0 existem infinitos
caminhos inacessíveis a este ponto por du = 0 (devido a unicidade da
solução!) então du admite um fator integrante.
A conclusão apresentada no ítem d) é conhecida como o teorema de Carathéodory
que enunciaremos abaixo para que seu uso fique mais claro posteriormente,
Teorema de Carathéodory:
Se uma diferencial de Pfaff, du, tem a propriedade de que, na
vizinhança de um ponto P existirem infinitos pontos inacessíveis a
este ponto P por du = 0, então a diferencial de Pfaff admite um fator
integrante.
4.2. Segunda Prova
Consideremos que um ponto P é inacessível a T por du = 0 num problema de várias
variáveis. Digamos agora que exista um segundo ponto R acessível a T também por
du = 0. Então T e R estão na mesma superfície solução de du = 0. Mas R tem que
ser também inacessível a Ppois se ele fosse acessível, então, através da
passagem por R, P seria acessível a T, o que contradiz a nossa hipótese. Os
pontos acessíveis a P não podem então estar em superfícies vizinhas. Temos
então que ter, como conseqüência da não acessibilidade, várias superfícies em
forma paramétrica, f(x,y,z)=c. Sob estas superfícies temos que ter df= 0 e du =
0 donde concluímos quedu e df são proporcionais, isto é,
. Estabelecemos então, novamente, o teorema de Carathéodory. Este
foi o argumento usado por Born em 1921 na tentativa de popularizar a
termodinâmica de Carathéodory.
5. A ENTROPIA E A SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA SEGUNDO CARATHÉDORY
O raciocínio matemático usado nos últimos itens pode agora ser traduzido para a
termodinâmica. A quantidade u que usamos anteriormente é aqui o calor e será
representada por Q. A solução f é na termodinâmica a função entropia, (df= C
dS), e o teorema de Carathéodory fica na forma,
Para um ponto P, que representa o equilíbrio termodinâmico, existem
infinitos pontos que não podem atingir este ponto por caminhos
adiabáticos.
O princípio de Carathéodory encerra, de uma forma rigorosa, a segunda lei da
termodinâmica. Nos resta, portanto, mostrar que a segunda lei da
termodinâmica,DS³0, é equivalente ao princípio acima.
Se existe um ponto em equilíbrio que pode ser atingido por um processo
adiabático, partindo-se de um outro ponto em equilíbrio, estes dois pontos
terão então, como conseqüência do princípio de Carathéodory, a mesma entropia.
Na mesma superfície os pontos têm a mesma entropia e conseqüentemente DS = 0
para uma transformação sob esta superfície.
O ordenamento das superfícies, como provado anteriormente, e também facilmente
retirado do princípio de Carathéodory. Se temos pontos acessíveis e
inacessíveis por caminhos adiabáticos e sabemos que DS = 0, na mesma
superfície, temos que concluir que os pontos inacessíveis (por caminhos
adiabáticos) estão, forçosamente, em superfícies vizinhas. Em outras palavras,
os pontos em superfícies vizinhas não podem ser atingidos por caminhos
adiabáticos. Como conseqüência destes argumentos, e sabendo-se que a solução é
única, temos que a entropia irá aumentar ou diminuir quando passamos, de um
estado de equilíbrio para outro, em superfícies vizinhas.
Estabelecemos então que DS > 0 ou DS < 0.Enfatizamos que a palavra ou é
importante, pois se pudéssemos satisfazer simultaneamente as duas condições
acima durante processo, estaríamos quebrando o princípio que nos diz que estas
superfícies estão ordenadas de forma crescente ou decrescente.
Se a entropia vai aumentar ou diminuir dependera só do sinal da constante C em
<formula/>. Como observado em [6]:
Escolhe-se esta constante de tal forma a se ter a temperatura
absoluta positiva. Assim um só experimento é suficiente para fixar
esta constante.
Neste ponto o formalismo de Carathéodory fica ainda mais fascinante. Ao invés
de usar o princípio de Boltzmann ou a desigualdade de Clausius, Born e
Carathéodory preferiram usar fatos experimentais para completar a teoria. Já em
torno de 1908 Born conseguiu ver que este ponto seria necessário. Ao fazer
isto, ao deixar o sinal da constante C como um ponto que seria ditado por fatos
experimentais, fizeram com que as duas possibilidades fossem possíveis. O bom
senso mandava escolher DS ³0, mas não excluíram, nem Born nem Carathéodory, o
fato de a entropia poder diminuir, DS < 0, isto é, temperatura absoluta
negativa. Este fato entretanto é impossível na termodinâmica de Carnot.
6. O FRUTO MADURO
Para que os resultados do último ítem não fujam aos objetivos deste artigo
iremos aplicá-los a gases, em duas variáveis independentes e gases ideais, como
normalmente é apresentado na termodinâmica de Carnot.Este ítem será então
adequado para que uma comparação justa possa ser feita entre estes dois
formalismo.
A solução du = 0 assumira aqui então a forma dQ = 0 que representa um processo
adiabático. A solução desta equação, considerando temperatura e volume como
variáveis independentes, é dada por,
que fará portanto a ligação entre a teoria matemática e a termodinâmica como
desejado por Born. A teoria de Carathéodory nos fornece que a diferencial da
função acima representa a diferencial de uma função de estado. (Note que este
fato é bastante obscuro no formalismo de Carnot). Então,
Mas a solução da expressão entre parêntesis nos fornece exatamente a solução
(26) o que nos leva a concluir que o termo parêntesis é exatamente o calor.
Então (fazendo c=1),
é uma nova função de estado. Esta nova função de estado é conhecida como
entropia e, como dissemos, será denotada por S.
É muito importante que paremos agora para refletir a facilidade com que a
função entropia foi introduzida, sem falarmos de máquinas térmicas. O uso de
máquinas térmicas para provar a existência de uma função de estado em duas
variáveis e no mínimo um desperdício de esforço. Não precisamos montar nenhuma
máquina térmica imaginária simples ou complicada, para provar isto pois temos
garantia de que esta função de estado sempre existe em duas variáveis
independentes.
CONCLUSÕES
Apresentamos neste trabalho o formalismo de Carathéodory da segunda lei da
termodinâmica, de um ponto de vista histórico e matemático.
Por considerações históricas podemos perceber claramente que a segunda lei
segundo Carathéodory teve sua origem nas preocupações de Born em se estabelecer
um formalismo baseado em princípios fundamentais.
O tratamento matemático foi feito para duas e três variáveis independentes.
Este último caso foi feito para exemplificar, de uma maneira didática, as
equações de Pfaff em várias variáveis independentes. Após o tratamento ter sido
estabelecido de maneira geral, a aplicação foi feita para um gás ideal em duas
variáveis, como normalmente é feito no ensino da segunda lei na formulação de
Carnot.
O desenvolvimento matemático foi apresentado de tal forma a obedecer o pré-
requisito necessário para um primeiro curso de físico-química. Este pré-
requisito eqüivale também a um material ensinado num primeiro curso de cálculo.
O presente texto, com algumas modificações, foi adotado anteriormente10 para
alunos de físico - química onde pudemos observar que as idéias acima foram
facilmente absorvidas. A introdução histórica ao assunto servia também de
motivação para aprender o formalismo de Carathéodory apesar do investimento
matemático necessário.
Como o próprio Born disse há quase 70 anos4:
É preciso dar apenas um pequeno passo adiante, na investigação sobre
integrabilidade das equações diferenciais, para que uma das fórmulas
prontas da termodinâmica caia no nosso colo como um fruto maduro.