Modelos para o carbono sp³: quatro pirâmides no tetraedro
MODELOS PARA O CARBONO SP3: QUATRO PIRÂMIDES NO TETRAEDRO
A compreensão de muitos aspectos da Química Orgânica depende fortemente de se
ter uma boa idéia da disposição dos átomos no espaço. Ao ensinar Química
Orgânica o professor em geral não tem dificuldades com os átomos de carbono sp
ou sp2, mas os átomos com hibridização sp3, com os orbitais híbridos apontando
para os vértices de um tetraedro regular, são extremamente difíceis de se
visualizar, constituindo-se assim em considerável barreira para o aprendizado
da matéria. Praticamente nenhum estudante consegue "ver" a disposição
espacial dos orbitais de um carbono sp3 sem examinar demoradamente um modelo
tridimensional de algum tipo; geralmente o estudante precisa recorrer ao modelo
várias vezes, ao longo de meses, para consolidar suas idéias nesse sentido.
Existem excelentes modelos comerciais, produzidos por vários fabricantes, que
resolvem esse problema com facilidade. No entanto, há alguns obstáculos à sua
utilização generalizada, os principais sendo sua relativa inacessibilidade no
Brasil e seu preço relativamente elevado (principalmente para estudantes do
curso secundário, que precisariam adquirir os modelos para deles dispor quando
necessário e por períodos prolongados).
Há algumas boas iniciativas no país para resolver o problema; podemos citar o
caso do antigo IBECC, que produziu modelos de boa qualidade e baixo custo, mas
o fato é que a maioria dos estudantes do segundo grau (e talvez até das
universidades) jamais viu um modelo de carbono sp3.
A solução óbvia para o estudante é recorrer à confecção caseira de seus
próprios modelos, mas isto acaba raramente dando bons resultados: construção de
modelos com bolinhas de isopor e palitos, por exemplo, é muito mais difícil do
que parece à primeira vista, pois para obter ângulos de 109o 28' entre todos os
palitos é preciso dispor de alguma estrutura que suporte os palitos com
orientação adequada no momento de perfurar as bolinhas. Quem nunca tentou, deve
fazê-lo para verificar como é difícil.
A construção de um tetraedro de cartolina com ângulos razoavelmente precisos,
por outro lado, é relativamente fácil,1 e todo estudante deve começar por aí
seus estudos de carbono sp3. No entanto, isso não é uma solução completa, pois
continua sendo difícil imaginar o átomo de carbono no centro do tetraedro e os
orbitais dirigidos para os vértices.
Neste artigo será apresentada a construção, com cartolina, de uma pirâmide que
é 1/4 de um tetraedro regular: juntando-se quatro dessas pirâmides obtém-se um
tetraedro. Mas o que é mais importante é que ao juntar duas dessas pirâmides
obtém-se um sólido geométrico como se fosse um tetraedro aberto, do qual
podemos ver o centro e as linhas que unem o centro aos vértices (figura_1). Em
outras palavras, estaremos vendo o ponto onde se localiza o centro do átomo sp3
e as linhas que indicam a direção dos orbitais híbridos,tudo ao mesmo tempo;
com um mínimo de imaginação vê-se ainda, simultaneamente, o tetraedro inteiro
(basta imaginar uma linha unindo dois vértices; juntar uma terceira pirâmide
facilita muito a visualização), de forma que este modelo permite não apenas a
visualização da disposição espacial dos orbitais sp3, mas também a relação
geométrica dessa disposição com um tetraedro regular. É como se estivéssemos
olhando para um tetraedro transparente que tivesse o centro e as linhas que
unem o centro aos vértices assinalados.
Um tetraedro transparente é muito difícil de construir, mas essas pirâmides
podem ser feitas com relativa facilidade, como se verifica pelas instruções a
seguir.
A maneira mais simples para o leitor construir essas pirâmides é,
evidentemente, fazer cópias xerox, com ampliação ou redução conforme sua
conveniência, da figura_2, colando em seguida as cópias sobre uma folha de
cartolina. Recortar (nas linhas cheias), dobrar (nas linhas tracejadas) e colar
são operações bastante evidentes que não exigem maiores explicações.
Dependendo, naturalmente, do cuidado com que são realizadas essas operações,
obtêm-se ângulos de excelente precisão para a finalidade a que se destinam,
conforme se pode ver na figura_3, que é uma fotografia mostrando um desses
modelos em comparação com um modelo comercial de boa qualidade.
Para os leitores que gostam de desenho geométrico e queiram fazer seu próprio
desenho da pirâmide planificada, damos a seguir alguns procedimentos que podem
ser usados, acompanhados de justificativas sem excessivo rigor matemático,
apenas para satisfazer a possível curiosidade do leitor2.
MÉTODO 1
Traça-se uma reta suporte e sobre esta marcam-se três pontos, determinando dois
segmentos consecutivos: o maior é arbitrário e corresponde ao lado l do
tetraedro; o menor deve ter exatamente a metade do comprimento do segmento
maior.
Em seguida, desenha-se um triângulo equilátero com o lado l, pelo método
normal, e também a sua altura, deixando o arco de círculo inferior (feito com
centro em C e com raio l) um pouco maior para interceptar o arco com centro em
A que será traçado a seguir.
O próximo passo é traçar, com centro em A e raio AC, o arco referido no
parágrafo anterior, determinando o ponto E. Traçam-se a seguir os segmentos CE
e AE. Para traçar a mediatriz de CE (altura do triângulo isósceles ACE), pode-
se aproveitar o ponto A: determina-se F pelo traçado de arcos com centro em C e
E (mesma abertura do compasso, maior que a metade de CE) e une-se A a F.
Determina-se assim o ponto M, ponto de encontro da altura do D ACE com o
prolongamento da altura do D BCD.
Finalmente determina-se o último ponto: colocando o compasso com centro em E e
com abertura EC corta-se AE em G.
Resta apenas traçar os segmentos de retas unindo o ponto M aos pontos B, C, E e
G, eliminando em seguida os traços em excesso para obter um desenho como o da
figura_7.
Justificam-se os pontos principais do seguinte modo (observar figura_7a):
a) Os lados externos dos três triângulos pequenos têm que ser iguais
ao lado do tetraedro, pois terão que superpor-se aos lados do
triângulo equilátero (\ CE = EG = BC);
b) Os três triângulos pequenos são iguais e isósceles; como
conseqüência, o ponto M tem que estar localizado sobre o
prolongamento da altura do triângulo equilátero se DBCD e DMBC já
estão unidos por um lado;
c) Os ângulos dos triângulos em torno do ponto M (isto é, ângulo BMC,
ângulo CME e ângulo EMG) são os ângulos do tetraedro (ângulo entre as
alturas do tetraedro) de 109o 28' ou, mais exatamente, arc cos (-1/
3), que em notação decimal fica aproximadamente 109,4712206;
chamaremos esse ângulo de a para simplificar os cálculos abaixo;
d) Prolongando-se o segmento EG até encontrar o prolongamento de BC
forma-se o triângulo AEC que tem que ser isósceles, pois os ângulos
da base (ACE e AEC) são iguais; é evidente que, por razões
semelhantes, o ponto M tem que estar localizado sobre a altura desse
triângulo AEC;
e) Considerando os triângulos BCM e CEM, é fácil ver que o ângulo ACE
vale 180o-a; daí, considerando-se o triângulo AEC conclui-se que o
ângulo EAC vale 2a-180o e, conseqüentemente, o ângulo MAC (metade de
EAC) vale a-90o; como se sabe que cos a = (-1/3), é claro que sen (a-
90o) = 1/3; conclui-se assim [aplicando-se este valor de sen (a-90o)
no triângulo retângulo AHC] que o segmento CH (que sabemos ser igual
à metade do lado do triângulo equilátero) é igual a 1/3 do segmento
AC, o que justifica o posicionamento do ponto A como foi indicado no
início da construção.
MÉTODO 2
Traça-se uma reta suporte, marca-se sobre ela um segmento AB igual ao valor
desejado para a aresta do tetraedro. Constrói-se um triângulo equilátero e um
quadrado com o lado AB, como mostrado na figura_8, traçando-se também as
diagonais do quadrado.
Em seguida marca-se o ponto G com o compasso com centro em A e com abertura AF;
similarmente, com centro em B e mesma abertura, marca-se H; traçam-se os
segmentos de reta AH e BG que se cruzam no ponto M, que é o terceiro ponto do
triângulo procurado (AMB):
A partir daí o resto é bem evidente, basta prosseguir com o compasso (abertura
AM e AB) marcando os pontos para obter uma figura como a do método 1.
Justificativa: o modo mais simples de justificar essa construção é lembrando
que as diagonais do cubo fazem entre si o mesmo ângulo que existe entre as
alturas do tetraedro; ora, as diagonais do cubo são também as diagonais de um
retângulo cujo lado menor é o lado de um quadrado (a face do cubo) e cujo lado
maior é igual à diagonal do mesmo quadrado, como se vê na figura_10.
Na figura_9 o triângulo AFB pode ser considerado como sendo a metade de um
quadrado cujo lado vale AF e cuja diagonal vale AB; assim o retângulo ABHG (o
segmento HG não foi traçado), da maneira como foi construído, tem as mesmas
proporções que o retângulo no interior do cubo da figura_10, e portanto o
ângulo AMB tem o valor desejado. É evidente que o triângulo AMB, pela sua
construção, é isósceles, como requerido.
MÉTODO 3
Traça-se um triângulo equilátero e sua altura a partir do segmento arbitrário
AB marcado sobre uma reta suporte. O compasso, com abertura AB, pode ser usado
para marcar C e D. Para marcar o ponto E usa-se o compasso com abertura CH
(altura do triângulo equilátero ABC), com centro em C e em B.
O ponto M procurado é o ponto de encontro das alturas do triângulo isósceles
BCE. A altura pelo vértice E pode ser traçada unindo-se E a A; para traçar
outra altura, por exemplo pelo vértice B, primeiramente marca-se o ponto F
sobre o prolongamento de CE com o compasso centrado em B e com abertura BC;
depois, com centro em C e em F, com a mesma abertura BC, marca-se o ponto G.
Unindo-se B e G tem-se a segunda altura. A terceira pode ser traçada
aproveitando-se o próprio ponto M.
Justificativa (bem simplificada): o triângulo BCE é idêntico ao triângulo que
existe no centro do tetraedro, conforme se vê na figura_13, e por isso as
alturas do triângulo correspondem às alturas do tetraedro.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem ao Prof. Dr. Timothy John Brocksom e ao Prof. Dr. Gil
Valdo José da Silva por suas valiosas sugestões.
NOTAS
1. Está sendo presumido que o leitor saiba ou possa descobrir facilmente
como construir um tetraedro de cartolina. Se este não for o caso, estamos
à disposição para fornecer instruções. Considerem-se também as
observações da nota 2.
2. Os procedimentos e suas justificativas são dados de forma bem resumida
principalmente porque são acessórios, mas também porque são destinados a
pessoas que tenham sólidos conhecimentos básicos de desenho geométrico e
de geometria elementar. O leitor, estudante ou professor de Química, que
tiver dificuldades para compreender o texto e estiver interessado pode
recorrer a seus professores ou colegas da área de desenho geométrico ou
matemática, ação que deverá resultar em frutífera colaboração inter-
disciplinar.
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