Fotoiniciação de polimerização vinílica
I. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas o estudo de polimerização radicalar tem sido tema de
inúmeras pesquisas em química, em parte devido à sua importância na fabricação
de novos materiais. A maioria dos métodos industriais para obter polímeros são
baseados em processos que se iniciam pela produção térmica de radicais livres.
Grandes esforços tem sido dedicados à elucidação destas reações e, em geral, a
cinética e os mecanismos são bem conhecidos1.
Por outro lado, alguns dos avanços tecnológicos mais importantes, como a
fabricação de componentes micro-eletrônicos teriam sido impossíveis sem as
técnicas de micro-litografia baseadas em fotopolimerização(photoresist
techniques)2. Outras aplicações usuais da tecnologia de fotopolimerização
incluem o uso de resinas fotopolimerizáveis em restaurações odontológicas e na
produção de lentes oftalmológicas3,4. Aplicações modernas da tecnologia de
fotopolimerização incluem também a produção de adesivos foto-sensíveis (fitas
que se tornam aderentes quando irradiadas)4, hologramas e a obtenção de objetos
reais tridimensionais a partir de modelos ou imagens criados em
computadores5,6. Todas estas aplicações requerem que a polimerização ocorra em
regiões relativamente estreitas e bem localizadas. Essa condição não pode ser
obtida usando os métodos habituais de polimerização térmica, já que nesses
casos os processos ocorrem indiscriminadamente em toda a solução. A
fotopolimerização requer a incidência de luz para a iniciação do processo,
sendo que tal fato permite que a velocidade e localização espacial da reação de
polimerização possa ser manipulada através do controle da intensidade, da
energia e da distribuição espacial da luz. Este é um dos motivos pelos quais o
interesse no estudo de polimerizações fotoiniciadas tem tido um crescimento
significativo nesta última década.
Algumas das características desejáveis da radiação usada nestes processos é que
ela seja absorvida por um dos componentes do sistema reacional, que possa ser
obtida em altas intensidades, e colimada em regiões específicas da solução.
Isto levou a um interesse crescente no desenvolvimento de novos sistemas de
fotoiniciação sensíveis à luz visível, o que permitiria o uso de láseres para
desencadear a polimerização5.
Na aplicação de láseres e outras fontes de alta intensidade, tais como os arcos
de Xe e W que emitem intensamente na região do visível (420-650 nm), os
sistemas fotoquímicos terão que incluir necessariamente iniciadores que
absorvam nessa faixa espectral. Corantes orgânicos são uma escolha adequada
para estas finalidades, devido a seus altos coeficientes de extinção (>20.000
M-1 cm-1) e propriedades químicas, tais como serem bons redutores e oxidantes
em seus estados excitados. Por outro lado, podem ser escolhidos corantes que
absorvam luz seletivamente a diferentes comprimentos de onda, como se pode ver
na figura_1. Sistemas contendo corantes tem sido utilizados para iniciar
fotoquimicamente vários tipos de polimerizações, especialmente aquelas
iniciadas por radicais livres7-13.
Apesar da relativa maturidade de alguns aspectos do campo da fotopolimerização,
estudos fotofísicos e fotoquímicos detalhados das fotorreações de sistemas
iniciadores ainda são relativamente escassos, principalmente em meios
organizados. Neste trabalho, pretendemos exemplificar os tipos de processos
envolvidos nas polimerizações fotoiniciadas, e mostrar como a partir de
informações correspondentes às reações individuais é possível predizer o
comportamento das reações de polimerização global.
Embora existam várias possibilidades de fotoiniciação de reações de
polimerização, a discussão será centrada na iniciação radicalar de
polimerização vinílica em meio homogêneo (solvente) e microheterogêneo (micro-
emulsão), com corantes como iniciadores.
II. CINÉTICA DE FOTOINICIAÇÃO DE POLIMERIZAÇÃO RADICALAR
i) Sistemas Homogêneos
As reações de fotopolimerização são de dois tipos básicos: reações de foto-
entrelaçamento (photo-crosslinking, ou curing), nas quais a irradiação provoca
a formação de ligações cruzadas entre polímeros pré-formados, dando materiais
de maior massa molecular, e polimerizações em cSadeia fotoiniciadas. O processo
em cadeia apresenta três estágios: (a) iniciação; (b) propagação da cadeia; e
(c) terminação da cadeia1-4. Ao contrário das reações de polimerização
iniciadas termicamente, as reações de fotopolimerização podem ser conduzidas a
temperatura ambiente.
O mecanismo geral de polimerização vinílica por radicais livres está mostrado
na figura_2, onde Incorresponde ao iniciador, R a radicais livres, M ao
monômero, e Mn ao polímero. As reações (a-e) são as de iniciação, transferência
de radicais, propagação, e terminação por recombinação e por
disproporcionamento, respectivamente. Na polimerização térmica, os radicais
livres que iniciam o processo são obtidos geralmente por decomposição de azo-
compostos ou peróxidos, como indicado nas eqs 1 e 2.
(CH3)3C-N=N-C(CH3 )3 ® N2 + 2(CH3)3C (1)
(CH3)3C-O-O-C(CH3 )3 ® 2(CH3)3CO ® (2)
2CH3 + 2CH3COCH3
Usando os critérios de estado estacionário e supondo que as constantes de
velocidade para as reações de propagação não dependem do comprimento da cadeia,
pode ser obtida uma expressão para a velocidade de polimerização térmica1
(3)
Em sistemas nos quais a iniciação é fotoquímica, podem ocorrer duas situações
distintas7,12. No primeiro caso, denominado de unimolecular, a produção de
radicais livres é direta e resultante da cissão homolítica / heterolítica do
iniciador fotoquímico, tal como descrito nas eqs 1 e 2. A reação de
decomposição fotoquímica de azoisobutironitrila é um exemplo destes sistemas e,
em geral, os mesmos iniciadores de polimerização térmica (e.g., peróxidos,
azocompostos, compostos halogenados e carbonílicos) podem ser decompostos
fotoquimicamente. Neste caso, a velocidade de polimerização tem uma dependência
direta com a intensidade da luz absorvida Ia e com o rendimento quântico fd de
fotodecomposição do iniciador
<formula/> (4)
O segundo caso, chamado de iniciação bimolecular, envolve sistemas nos quais o
iniciador (corantes ou cetonas aromáticas) é excitado eletronicamente, reagindo
posteriormente com um co-iniciador (aminas alifáticas, arilsulfinatos), levando
à formação de radicais livres que desencadeiam a polimerização. Para o caso de
corantes
D + hn ® D* (5)
D* + CoIn ® ® R + Produt (6)
onde D e D* correspondem ao corante nos estados fundamental e excitado, e CoIn
é o co-iniciador.
Neste caso a velocidade de polimerização depende da eficiência de formação de
radicais livres a partir dos estados excitados do iniciador. Esta eficiência,
denominada de h, é função de todos os processos elementares envolvidos na eq 6.
Desta forma, a velocidade de polimerização fotoiniciada é dada por8,9
<formula/> (7)
A intensidade de luz absorvida está relacionada com a absorvância do sistema e
a intensidade de luz incidente Iopor:
Ia (8)
= Io (1 - 10-Abs)
onde<formula/>, o produto do coeficiente de extinção
molar do iniciador no comprimento de onda de excitação vezes o percurso óptico
size="2"> e concentração molar do iniciador.
ii) Sistemas Coloidais
A polimerização radicalar com iniciação térmica ou fotoquímica em sistemas
micro-heterogêneos tem sido um campo paralelo de pesquisa e desenvolvimento na
área de polímeros. Podemos incluir neste campo, a polimerização em emulsão,
microemulsão e outros sistemas micelares14-16.
Um sistema típico de polimerização em emulsão consiste em uma solução aquosa
contendo um monômero pouco solúvel, um emulsificante (surfactante) e o
iniciador. O sistema reacional é formado de gotículas de monômero (de 1-10 µ de
diâmetro) estabilizadas pelo surfactante, bem como de micelas (de 2-20 nm)
contendo uma fração reduzida de monômero solubilizado. No caso de sistemas de
emulsões reversas de água em óleo, o meio de solubilização é um solvente
apolar, os monômeros são hidrofílicos, e as micelas formadas são estruturas
reversas.
Sistemas denominados de microemulsões normais ou reversas consistem em uma fase
líquida contendo somente micelas saturadas de monômero, sendo formadas quando
as concentrações molares de surfactante e monômero são da mesma ordem16.
Iniciadores térmicos tem sido frequentemente utilizados em polimerização em
emulsão. Uma certa restrição ao uso de iniciadores fotoquímicos ocorre devido
ao forte espalhamento de luz que é observado em soluções coloidais, contendo
partículas da ordem de micra. Contudo, em microemulsões normais ou reversas,
onde a dimensão das micelas e partículas formadas são menores que 100 nm, temos
a formação de soluções completamente límpidas permitindo amplamente a aplicação
de métodos fotoquímicos na iniciação de polimerização17-19.
A polimerização em emulsão ou microemulsão tem várias vantagens destacando-se:
(1) a excelente dissipação térmica, devido ao sistema permanecer líquido
durante o transcurso da reação exotérmica de polimerização; (2) a alta
velocidade de polimerização; (3) a obtenção de polímeros de elevado peso
molecular. O produto final encontra-se na forma de um látex que pode ser
diretamente utilizado em aplicações industriais tais como a produção de tintas,
adesivos e elastômeros16. No caso de polimerização em microemulsão, existe a
possibilidade de obtenção de partículas nanométricas praticamente
monodispersas, as quais encontram aplicação na formulação de novos materiais
poliméricos.
A polimerização em emulsão ocorre em três etapas distintas14,15,20. O estágio
inicial envolve a formação de partículas de látex no interior das micelas
devido à migração de radicais livres gerados na fase aquosa para a fase
micelar. O equilíbrio de solubilização é mantido pela difusão de monômeros das
gotículas (que funcionam como um reservatório) para as micelas. Neste estágio
inicial tem-se uma conversão 0-10 %. Ao final da nucleação, inicia-se o segundo
estágio no qual o número de partículas de látex estabilizadas com o surfactante
permanece constante. A taxa de polimerização resulta em um crescimento das
partículas de látex, e a concentração local de monômero permanece constante
enquanto existirem em solução as gotículas ricas em monômero. Esta etapa
compreende uma conversão 10-40 % do monômero em polímero. O terceiro estágio é
caracterizado pelo desaparecimento das gotículas de monômero e uma etapa de
polimerização final com decréscimo na concentração de monômero nas partículas
de látex. A velocidade de polimerização vp e o grau de polimerização DP são
dados por:
<formula/> (9)
<formula/> (10)
onde [L] é a concentração de partículas de látex, ·nÒ é o número médio de
radicais por partícula de látex, [M] é a concentração de monômero, e kp é a
constante de polimerização. A velocidade de geração de radicais vi, para um
processo de iniciação fotoquímica é dado por vi =hIa. A cinética de
polimerização descrita pela eq 9 fica inteiramente determinada pelo número
médio de radicais ánñpor partícula de látex nas diversas fases do processo. A
formulação cinética para o cálculo de ánñ foi descrita primeiramente por Smith
e Ewart20. Devido à característica estatística do número de radicais por
partícula, a polimerização em sistemas de confinamento molecular requer um
tratamento estocástico para o cálculo de ·nÒ, com aplicação de um formalismo
cinético similar ao utilizado frequentemente para descrever reações de estados
excitados em sistemas micelares21.
No modelo de Smith e Ewart, o número de partículas com n radicais, Ln , é
vinculado ao seguinte esquema cinético,
<formula/> (11)
<formula/> (12)
onde k+ e k- são as constantes de velocidade de entrada e saída do radical da
partícula de látex e R é o radical livre em fase aquosa. kt é a constante de
velocidade de terminação ou recombinação de dois radicais na mesma partícula de
látex. A equação de velocidade correspondente ao esquema cinético é dada por:
<formula/> (13)
sendo que o valor médio é calculado por:
<formula/> (14)
A equação de velocidade para o processo de recombinação de radicais no interior
da partícula de látex (eq 13) é basicamente o mesmo de um processo de
aniquilação triplete-triplete em sistemas micelares com migração22. A diferença
está na condição inicial e na de contorno do problema. No processo de
recombinação de radicais assume-se que no início as partículas não contém
radicais, isto é, Ln(0) = d0,n. A concentração de radicais na fase aquosa é
mantida constante pela geração térmica ou fotoquímica. Uma solução analítica no
caso geral não é conhecida. Contudo no regime estacionário (referente ao
segundo estágio) onde Ln
é constante, o número médio de radicais por partícula é dado por23
<formula/> (15)
onde <formula/> , é a função modificada de Bessel de 1ª
classe de ordem r. Quando a velocidade de recombinação é muito mais rápida que
a velocidade de migração, ánñ ® 0,5, o que significa que as partículas de látex
contém uma ou nenhuma cadeia de propagação, sendo esta uma situação clássica do
modelo de Smith e Ewart20.
Estudos recentes tem demonstrado que o processo de nucleação homogênea
proveniente de radicais gerados na fase aquosa não explica completamente a
dispersão de tamanho de partículas obtidos por medidas de espalhamento de luz.
Os resultados indicaram que a nucleação e o crescimento das partículas de látex
ocorrem em paralelo por um mecanismo de coagulação24.
Embora a descrição original do modelo de Smith e Ewart descreva um processo
bimolecular de recombinação de radicais para a terminação, em certos sistemas
pode ocorrer a presença de processos de transferência de cadeia para aditivos,
tais como emulsificantes e surfactantes, gerando radicais pouco ativos.
Hunkeler e colaboradores25 utilizaram um modelo modificado para a polimerização
em emulsão reversa de acrilamida incluindo terminação unimolecular ou
monoradicalar e um processo de migração de oligômeros. Os resultados
experimentais puderam ser descritos muito satisfatoriamente pelo modelo teórico
proposto.
A polimerização em microemulsão, diferente ao que ocorre no processo em
emulsão, tem uma cinética caracterizada pela nucleação contínua e formação de
partículas de látex de dimensões reduzidas similar à dimensão das micelas
originais que contém o monômero16. Por ser uma técnica nova de polimerização,
estudos teóricos descrevendo a cinética são escassos. Contudo, resultados
experimentais tem demonstrado que a velocidade de polimerização segue uma
equação empírica do tipo<formula/> sendoae b expoentes
característicos para um determinado sistema. Por exemplo, na fotopolimerização
de acrilamida em microemulsões de aerosol AOT em tolueno usando como iniciador
AIBN, o processo de terminação é monoradicalar, proveniente da transferência
degradativa de cadeia ao solvente tolueno, formando radicais benzila que são
razoavelmente estáveis26,27. Neste caso, a velocidade de polimerização segue a
equação
<formula/> (16)
ondekt
é a constante de terminação monoradicalar e [T] é a concentração do agente de
terminação. A polimerização em microemulsão apresenta vantagens e desvantagens
com relação ao processo em emulsão. Em microemulsão obtêm-se partículas de
látex com tamanhos da ordem da micela original, ou seja, partículas
nanométricas praticamente monodispersas e contendo uma macromolécula por
partícula. No transcurso da reação, o sistema microheterogêneo é estável e
transparente. A desvantagem provém do uso de altas concentrações de surfactante
e estabilizantes, o que dificulta processos de separação do produto final, bem
como um aumento do custo na produção de um polímero. Contudo, a obtenção de
polímeros hidrossolúveis via polimerização em micelas reversas resulta em um
produto final já parcialmente hidratado, que permite sua solubilização
praticamente instantânea em água, diferindo do polímero em fase sólida que
usualmente gelifica e exige agitação mecânica intensa para a formação de uma
solução.
A copolimerização em emulsão e microemulsão com iniciação fotoquímica tem sido
bastante investigada,15,18,19 porém modelos cinéticos para processos envolvendo
mais de um tipo de monômero são questões pouco exploradas neste campo de
pesquisa.
III. SISTEMAS E MECANISMOS FOTOQU&IACUTE ;MICOS ENVOLVENDO CORANTES
Em geral, a presença de um corante que absorve a luz e de um co-iniciador (ver
Figuras_3 e 4), leva a algumas modificações cinéticas das reações descritas na
figura_2.
Nesta nova situação deverão ser consideradas as conversões entre os estados
excitados do corante e seu decaimento ao estado fundamental, as reações de
supressão dos estados singlete e triplete tanto pelo co-iniciador como pelo
monômero, e os equilíbrios ácido-base do co-iniciador e do corante nos estados
eletrônicos excitados. Devido à sua configuração eletrônica, com um elétron no
orbital LUMO e uma vacância no orbital HOMO, o corante no estado excitado é
bastante reativo e melhor redutor ou oxidante que o mesmo no estado
fundamental. Portanto, depois de excitados, os corantes geralmente tem
condições termodinâmicas favoráveis para a abstração (ou doação) de um elétron
de um doador (ou aceptor) apropriado presente na solução. Estes doadores e
aceptores de elétrons (ver Figura_4) são chamados de co-iniciadores e devem
estar presentes na mistura reacional para a formação de radicais livres.
Um esquema simplificado das reações que são consideradas em um sistema de
polimerização fotoiniciada em presença de um corante D e um doador de elétrons
A é apresentado na figura_5. Quando em presença de doadores de elétrons, como
aminas alifáticas terciárias, os corantes catiônicos no estado triplete
abstraem um elétron do co-iniciador para formar as espécies semirreduzidas do
corante e um radical cátion da amina. Em geral, as espécies semirreduzidas não
são muito eficientes para a iniciação da polimerização. Pelo contrário, podem
agir como agentes terminadores de cadeia. Por outro lado, a iniciação pela
espécie derivada do corante também não é desejável, já que isso poderia
resultar em consumo gradual do corante diminuindo a taxa de absorção de
radiação.
Os co-iniciadores ideais devem apresentar uma série de propriedades, tais como:
potencial de oxidação (ou de redução) relativamente alto, para uma doação (ou
abstração) eficiente de elétron no processo redox com o corante excitado; alta
reatividade na adição do radical à dupla ligação; não absorver luz no mesmo
comprimento de onda de irradiação do corante; não reagir nem interagir com o
corante ou com os monômeros no estado fundamental; suprimir pouco o estado
singlete excitado do corante, visto que uma desativação fotofísica não conduz a
radicais livres.
i) Corante / Amina
Para ilustrar os processos envolvidos e as reações que devem ser consideradas
em um caso específico, analisaremos o processo da fotoiniciação de
polimerização em metanol de 2-hidroxietilmetacrilato H2C=C(CH3)CO2CH2CH2OH (M)
pelo corante safranina T (SfH+) em presença de trietanolamina N(CH2CH2OH)3 (:
Am)30.
Em primeiro lugar temos que analisar as possíveis reações entre as espécies
presentes no sistema no estado fundamental. Estas incluem a auto-agregação do
corante (eq 17), e as interações entre corante e amina, corante e monômero, e
amina e monômero.
<formula/> (17)
Os corantes quando em solução moderadamente concentrada podem sofrer uma auto-
agregação evidenciada inequivocamente pela variação no espectro de absorção do
sistema31-33. No presente caso, este processo não ocorre pois o espectro uv-vis
da solução não apresenta novas bandas, ou modificações vinculadas a dímeros ou
agregados maiores. De forma similar, a invariança do espectro de absorção do
corante na presença de monômero ou de aminas indica que não há interação no
estado fundamental.
Uma vez irradiada a solução, o corante é inicialmente levado ao primeiro estado
excitado singlete.
<formula/> (18)
Os principais processos que afetam o estado excitado são: decaimento ao estado
fundamental por emissão de um fóton (fluorescência) ou dissipação térmica de
energia (conversão interna) e a conversão para o estado triplete. Na ausência
de supressores, o tempo de vida do estado singlete da safranina é 2,3 ns (em
metanol), e a eficiência de sua conversão ao triplete é de aproximadamente
20%34-38. Assim, para otimizar o processo devemos evitar que a reação de
desativação do estado singlete do corante pela amina, ou pelo monômero,
diminuam a quantidade de triplete formado. A reação entre o estado singlete e a
amina forma um complexo de transferência de carga (eq 19), que por conservação
de momento de spin na coordenada de reação, conduz preferencialmente para o
estado fundamental do corante (eq 20), com uma produção reduzida de radicais
livres (eq 21)
<formula/> (19)
<formula/> (20)
<formula/> (21)
Estudos da supressão da fluorescência da safranina por trietanolamina
permitiram determinar que a constante de supressão é de 4,1x109 M-1 s-1, um
valor próximo ao limite difusional em metanol35-37. Portanto, para
concentrações de amina maiores que 1 M praticamente não se forma uma população
apreciável de estado triplete. Isto estabelece um limite superior para a
concentração que deva ser usada do co-iniciador. Por outro lado, não foi
observado experimentalmente um aumento da velocidade de polimerização com o
aumento da concentração de co-iniciador. Ao contrário, observou-se um
decréscimo desta velocidade a partir de certa concentração de amina,
confirmando que a interação do estado singlete com a trietanolamina não leva a
uma eficiente produção de radicais iniciadores de polimerização. No presente
sistema, não foi observada supressão da fluorescência da safranina pelo
monômero. Isto indica que a etapa de fotoiniciação do sistema estudado ocorre a
partir do estado excitado triplete reagindo com a trietanolamina.
A fotorredução do corante envolve o estado triplete devido ao tempo de vida
mais longo desta espécie (em torno de 15 µs, dependendo do solvente). No caso
específico da safranina, existe um equilíbrio prototrópico no estado excitado
triplete34-37.
3SfH+ ® Sf+H+ (22)
com pKa diferente do estado fundamental. Assim, o primeiro processo do estado
triplete será sua desprotonação com transferência do próton para a amina
3SfH++:Am ® 3Sf + :AmH+ (23)
Através da técnica de fotólise por pulso de laser foi comprovado que a
velocidade de supressão do estado triplete da safranina protonada tem uma
constante bimolecular de 1,3x107 M-1s-1, o que é alto demais para um processo
de transferência de elétron quando comparado com a velocidade de supressão do
estado singlete35,36. No mecanismo cinético, o triplete desprotonado é
posteriormente suprimido pela amina via transferência de elétron similar ao do
estado singlete (eq 24), mas com a diferença que neste caso a produção de
radicais livres (eq 25) é muito mais eficiente que o decaimento ao estado
fundamental.
<formula/> (24)
<formula/> (25)
O cátion radical da amina perde rapidamente um próton dando lugar ao radical
que efetivamente inicia o processo de polimerização
Am+® Am + (26)
Com estas avaliações é possível postular uma expressão de estado
fotoestacionário para a velocidade de produção de radicais livres30
<formula/> (27)
onde as KSV (= kq.t)representam as constantes de Stern-Volmer para supressão
dos estados singlete e triplete protonado e desprotonado pela amina, e fisc é o
rendimento quântico de formação de triplete na ausência de supressores.
Na figura_6 está representada a velocidade inicial de polimerização em função
da concentração de trietanolamina na solução. A curva corresponde a avaliação
feita usando-se a eq 27 enquanto que os pontos são experimentais. Os valores
dasKSV foram determinados anteriormente para sistemas que não incluíam
monômeros e os valores usados foram 1KSV
= 7,4 M-1, <formula/>, e
.
Outros corantes catiônicos, como a tionina, podem ser utilizados como
fotoiniciadores na reação redox com aminas. Por exemplo, a reação entre a
tionina no estado triplete com trietanolamina segue a cinética similar à da
safranina com formação de a-aminoradicais (eqs 24-26). O estado triplete é
suprimido pela amina em uma reação rápida com constante de velocidade da ordem
de 1,6x107 M-1s-1 39. O decaimento de triplete da tionina na ausência e
presença de trietanolamina obtido pela técnica de fotólise por pulso de laser é
apresentado na Figura_7, mostrando a supressão do corante excitado pelo co-
iniciador.
ii) Corante / sulfinato
Arilsulfinatos são co-iniciadores efetivos para polimerização radicalar onde
corantes catiônicos atuam como fotoiniciadores em um processo redox7-9,40-
44.Estudos de supressão de fluorescência, medidas de rendimento quântico e
estudos de fotólise estabeleceram que o processo de iniciação pode ser
representado pelo seguinte esquema cinético
<formula/> (28)
<formula/> (29)
Embora a reação de formação de radicais via triplete seja mais eficiente, em
concentrações elevadas de sulfinato o processo via estado singlete também
contribui. Os radicais ArSO2 são muito reativos, podendo ser utilizados na
polimerização de derivados de estireno. Contudo neste caso os monômeros
vinílicos derivados de estireno suprimem eficientemente o estado singlete de
corantes catiônicos sem a geração de radicais ativos43. Esta reação competitiva
reduz a eficiência global da etapa de iniciação e formação de radicais
sulfinato, afetando marcadamente a velocidade de polimerização. O decaimento de
fluorescência de um corante catiônico (acridina) na ausência e presença de um
derivado de estireno é ilustrado na figura_8. As constantes bimoleculares de
desativação de corantes catiônicos por derivados de estireno são da ordem do
limite difusional, ocasionando uma eficiência muita baixa do sistema iniciador
fotoquímico em polimerização em fase homogênea43.
Uma das alternativas para aumento da eficiência da etapa de iniciação
fotoquímica é confinar o sistema iniciador no interior de uma micela reversa
visto que ambas as espécies corante e co-iniciador neste caso são íons43,44.
Neste procedimento existem duas vantagens. A baixa solubilidade do monômero na
microfase aquosa, reduz em uma a duas ordens de grandeza a taxa de supressão de
fluorescência. Tal fato fica evidente no gráfico comparativo de intensidade
relativa em função da concentração de monômero em meio homogêneo e em meio
micelar reverso no caso do sistema acridina / estireno conforme visto na figura
9. Para este sistema, a razão entre a constante de supressão na fase micelar
reversa e na fase homogênea (metanol) tem o valor de 0,06. Por outro lado, o
confinamento molecular de corante e co-iniciador na estrutura nanométrica de
uma micela reversa amplifica extraordinariamente a taxa de reação foto-redox
devido à diminuição do volume livre dos reagentes. O radical sulfinato formado,
sendo uma espécie neutra, tende a migrar para a fase apolar reduzindo a
probabilidade de recombinação intramicelar, e dando condições para a reação de
iniciação por adição ao monômero vinílico solubilizado na fase apolar.
Esta estratégia de confinamento molecular do sistema iniciador fotoquímico em
micelas reversas foi aplicada na polimerização de estireno com obtenção de um
polímero com peso molecular da ordem de 310.000 g/mol e polidispersividade de
2,1, valores estes determinados via cromatografia de permeação em gel44.
IV. MÉTODOS EXPERIMENTAIS
Em geral as velocidades e taxas de fotopolimerização são estudadas usando os
mesmos métodos que são usados para as polimerizações térmicas, mas mantendo
alguns cuidados específicos necessários em sistemas submetidos a irradiação uv-
visível.
A técnica tradicionalmente usada para medir polimerizações é a dilatometria,
que está baseada no aumento de volume específico associado a reações de
polimerização45. Quando se estudam fotopolimerizações30,38,46 deve se ter
especial cuidado com a termostatização, já que pequenas variações de
temperatura podem produzir mudanças bastante significativas na variação de
altura no dilatômetro.
Outro método geralmente usado e que não oferece maiores dificuldades é a medida
gravimétrica do polímero. Nestes casos, é necessário separar alíquotas do
sistema reacional e precipitar o polímero, geralmente pelo agregado de algum
não-solvente. A velocidade polimerização vp em mol/Ls é calculada a partir de47
<formula/> (30)
onde W é a massa de polímero recuperada, V o volume da alíquota,t o tempo de
reação e Mw a massa molecular do monômero. Como a velocidade de polimerização
varia com o avanço da reação é conveniente extrapolar a velocidade para tempo
zero para poder ter valores significativos. Esta metodologia tem sido aplicada
a sistemas homogêneos39 e micelares48. Uma aplicação interessante do método
gravimétrico foi desenvolvida por Sudesh Kumar e Neckers49 para avaliar o
rendimento quântico de fotopolimerização por laser.
Mais recentemente foram desenvolvidos outros métodos que utilizam tecnologias
mais modernas. Para baixas taxas de conversão, o número de cadeias poliméricas
presentes como partículas coloidais é proporcional à quantidade de monômero
polimerizado. Como estas partículas espalham a luz, medidas da intensidade do
espalhamento permitem avaliar o grau de avanço da reação, já que existe uma
correlação direta entre a massa precipitada do polímero e o grau de
espalhamento50.
O monitoramento da banda vibracional do grupo vinila na região de 800-820 cm-
1 usando a espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier é outra
forma de acompanhar a velocidade da polimerização51. Esta técnica é referida,
às vezes, como RTIR (real-time infrared spectroscopy).
Em geral, as polimerizações são exotérmicas, o que permite um acompanhamento
das reações medindo a evolução de calor em um microcalorímetro52. A variação da
viscosidade e da micropolaridade a medida que avança a polimerização, são
propriedades que podem ser aproveitadas para seguir a polimerização. Isto é a
base da utilização de sondas fluorescentes que mudam suas propriedades
espectroscópicas com a mudança do meio nas quais estão localizadas53.
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES
A utilização de corantes em reações foto-redox com co-iniciadores compreende
uma classe de sistemas fotoquímicos úteis para a geração de radicais livres
ativos para polimerização de monômeros vinílicos, tanto em fase homogênea como
em fase micro-heterogênea. O prospecto deste artigo está limitado a uma
discussão de sistemas investigados no Laboratório de Fotoquímica - IQSC@, porém
vários outros sistemas envolvendo corantes tem sido descritos na literatura
especializada7-12. Alguns dos aspectos centrais de pesquisa nesta área envolvem
a otimização da polimerização para um aumento no percentual de conversão, visto
que para alguns sistemas baseados em corantes os rendimentos de formação de
polímero são relativamente baixos quando comparados aos processos térmicos. Por
outro lado, é de interesse a utilização de formulações fotopolimerizáveis para
usos biológicos ou biomédicos, onde deve evitar-se a presença de resíduos de
co-iniciadores relativamente tóxicos. Para isso deveriam estudar-se reações
foto-redox com corantes em sistemas de baixa toxicidade, como p. ex., usando
aminoácidos (fenilglicina e derivados) ou carboxilatos (ácido ascórbico).
Finalmente, um polímero obtido por meio de reações fotoquímicas envolvendo
corantes não deve a priori apresentar a coloração do iniciador. Assim pesquisas
na área de corantes suportados em sistemas como argilas, membranas poliméricas
trocadoras de íons e sistemas de micro-encapsulamento constituem-se de novos
campos de estudo, que permitem obter polímeros com maior estabilidade
fotoquímica, além de recuperar os corantes iniciadores.