Química de materiais no Brasil: um olhar através das reuniões anuais da
Sociedade Brasileira de Química
INTRODUÇÃO
Relativamente nova na Sociedade Brasileira de Química, a Divisão de Química de
Materiais (DQM) foi criada pela Diretoria em 1993, começando a funcionar de
forma institucionalizada em 19941.
Na origem do fato de ter sido formada pela reunião de profissionais advindos,
marcadamente de Química: Inorgânica, Físico-Química, Aplicada e Orgânica, além
de pesquisadores de outras áreas: Engenharia de Materiais e Física (embora em
menor proporção), está a característica fortemente interdisciplinar desta área
do conhecimento químico.
Na Assembléia Divisional de 1994 foram colocadas algumas indagações: Quem
seriam membros da divisão?; Que áreas de atuação estariam contempladas?; Qual a
participação dos alunos de pós-graduação e iniciação científica na mesma?;
Quais as técnicas instrumentais mais usadas no desenvolvimento dos projetos?,
etc. A questão de fundo, pois, estava relacionada ao perfil que assumiria a
nova Divisão.
Prematuro seria realizar este levantamento no início das atividades da Divisão:
anos 1994 e 1995. Pouco depois, 1996, a estratégia adotada foi identificar sub-
áreas e origem dos trabalhos para, agora sim, em 1997, fazer um levantamento
mais fino dos dados, buscando, assim, informações que permitissem, num primeiro
momento, uma avaliação prospectiva da área.
Dado tal cenário, o presente artigo perspectiva apresentar um perfil da Divisão
de Química de Materiais, levando em conta aspectos como: distribuição regional
dos trabalhos; distribuição dos temas de pesquisa; qualificação dos
participantes; técnicas de caracterização mais utilizadas, etc. Procurar-se-á,
ainda, fazer uma análise dos dados que permita apontar e detectar lacunas, viz-
à-viz à atividade em âmbito internacional.
Embora tenham sido fruto desta análise apenas trabalhos de químicos que vêm
participando das Reuniões Anuais da SBQ, não podemos deixar de considerar a
existência daqueles químicos que elegeram outros fóruns para a divulgação de
seus trabalhos2.
PARTICIPAÇÃO GLOBAL E REGIONAL
A figura_1 mostra a participação da Divisão de Química de Materiais nas
Reuniões Anuais (RA) da Sociedade, no período 94-97. Permite que se verifique
ser a presença da DQM relativamente estável, com cerca de 100 trabalhos/ano. O
índice de rejeição, é geralmente, da ordem de 10-15%, fato que eleva este valor
para 100-115 trabalhos submetidos/ano. Tais contribuições mostram que a DQM
participa com 8-10% dos trabalhos totais das RAs.
No ano de 1997, por exemplo, a participação da DQM foi de 8% do total dos
trabalhos, ficando atrás somente das áreas tradicionais: DQO (14,0%); DQI
(13,8%); DQA (12,2%) e PN (10,6%). Considerando-se que a Divisão existe há
apenas 4 anos, pode-se avaliar os resultados como bastante expressivos.
Na tabela_1 é mostrado o percentual de participação das diferentes regiões do
Brasil para as RAs de 1996 e 1997.
A análise da tabela_1 aponta para uma forte concentração da atividade de
Química de Materiais na região Sudeste. Tal situação tem sido também
historicamente observada para as outras áreas da Química. A distribuição,
verifica-se, não é boa, merecendo, portanto, ações coordenadas no sentido de
ampliar a participação de outras regiões, dado tratar-se de área do
conhecimento das mais estratégicas em qualquer planejamento que vise um
desenvolvimento sustentável. É bom que se lembre ser a Química de Materiais
bastante ampla, abarcando em seu bojo tanto materiais avançados para uso em
fotônica como o aproveitamento de materiais porosos naturais em novas
formulações de defensivos agrícolas, entre outros3.
Um dado importante merece destaque: dentro da contribuição do Estado de São
Paulo ¾ 80% da contribuição da Região Sudeste ¾, a quase totalidade dos
trabalhos provém do interior do estado, sobretudo de Campinas e São Carlos,
mais tradicionalmente, e Araraquara, recentemente. Estes fatos revelam a
formação de grupos de pesquisa atuantes, cujos líderes, não-obstante terem sido
formados na Capital, ou mesmo na própria região, atuam em áreas de pesquisa
tematicamente diversas e independentes dos seus grupos de origem.
TEMÁTICAS DE PESQUISA
As temáticas de pesquisa para efeito deste estudo foram divididas
arbitrariamente em duas grandes seções: materiais poliméricos e materiais não-
poliméricos. Os trabalhos foram agrupados dentro das rubricas apresentadas na
tabela_2.
Na figura_2 é mostrada a distribuição dos trabalhos nas RAs de 1996 e 1997,
considerando as rubricas apresentadas na tabela_2 para os materiais
poliméricos, para um total de 59 e 43 trabalhos, respectivamente.
A atividade em materiais poliméricos é dominada por três rubricas: síntese e
caracterização; blendas, compósitos e híbridos e polímeros condutores. Observa-
se que em 1997 houve decréscimo acentuado das atividades de degradação e
estabilização de polímeros e, também, de borracha natural e elastômeros, quando
comparados com 1996.
No caso de materiais não-poliméricos (Figura_3), para as RAs de 1996 e 1997
foram considerados 41 e 53 trabalhos, respectivamente.
Dentre os materiais não-poliméricos, aqueles que apresentaram maior
contribuição foram os materiais usuais, seguidos dos vidros e cerâmicas, e os
materiais não-convencionais. Dois pontos, entretanto, merecem ser salientados.
O primeiro refere-se a uma sólida atividade, que começa a se destacar,
relacionada a vidros e cerâmicas. O segundo diz respeito às atividades de
filmes inorgânicos (da ordem de 10%), inexistente no ano de 1996.
INDICADORES GERAIS DA REUNIÃO ANUAL DE 1997
Procedeu-se para a 20a Reunião Anual, 1997, a uma análise mais abrangente,
objetivando-se aumentar subsídios para uma resposta à questão-título. Os dados
foram coletados diretamente dos resumos estendidos, utilizados pela primeira
vez para a arbitragem dos trabalhos5. Acredita-se que, após cinco anos de
atividade da DQM, os resultados obtidos poderão servir como fonte de informação
inicial sobre a situação da área. Em todos os gráficos e tabelas considerou-se
o universo de 96 trabalhos apresentados.
Autoria dos Trabalhos
Além dos pesquisadores líderes dos diferentes Grupos de Pesquisa (PQ), os
trabalhos apresentam importante participação de estudantes de pós-graduação
(mestrado e doutorado), PG, e de alunos de iniciação científica (IC). Observa-
se, na figura_4, que os estudantes de pós-graduação (PG) participaram em cerca
de 73% dos trabalhos, e aqueles de IC, com 58%.
Em quase 2/3 dos trabalhos apresentados, apontam os dados, têm-se a
participação conjunta de estudantes de PG e IC. Tal resultado, apesar de várias
vezes inferido, fica aqui demonstrado, indicando a participação de equipes de
pesquisa constituídas por autores em diferentes níveis da atividade acadêmica.
É importante lembrar que, pelos critérios da SBQ, os pós-doutores, récem-
doutores e jovens-doutores são reconhecidos como pesquisadores, tal como o CNPq
o faz quando do cadastramento dos grupos de pesquisa6.
Os resultados apresentados no parágrafo anterior podem ser complementados pela
figura_5, na qual se apresenta a percentagem de autores (PQ+PG+IC)/trabalho.
Pode-se verificar que mais de 60% dos trabalhos têm 3 e 4 autores e, cerca de
20%, dois. A fração de trabalhos contendo mais de 4 autores é da ordem de 15%,
não tendo sido observados trabalhos com um único autor.
Um resultado importante deve ser salientado. Diz respeito ao número total de
pesquisadores (PQ) por trabalho. Reiterando o fato de os pesquisadores terem,
no mínimo, o grau de doutor, a análise dos dados, em princípio, pode dar uma
idéia do nível de colaboração entre eles.
A figura_6 mostra que por volta de 48% dos trabalhos têm a participação de dois
pesquisadores, 30% três, e 22% apenas um. Trabalhos com quatro pesquisadores
perfazem 12% e, com mais de cinco, menos de 5%. O fato de se ter maiores
percentagens em dois e três pesquisadores/trabalho denota a existência de
esforços na comunidade, em prol de uma atividade mais cooperativa. Este aspecto
pode já, de algum modo, estar traduzindo ações de algumas agências de fomento,
que têm privilegiado e estimulado a realização de projetos temáticos de equipe,
projetos para equipamentos multi-usuários, projetos integrados, etc. O PRONEX,
por tratar-se de programa com características fortemente aglutinadoras
possibilita que se visualize, para os próximos anos, uma intensificação de
atividades colaborativas conseqüentes de pesquisa.
COLABORAÇÃO INTER-INSTITUCIONAL
A figura_7 revela o nível da interação inter-institucional. Pode-se verificar
que 72% dos trabalhos envolvem somente autores de uma mesma instituição, sendo
que somente 14% referem-se a trabalhos de colaboração entre instituições do
mesmo estado. Este último dado é revelador, na medida em que parece indicar: i)
certo isolamento dos diferentes grupos dentro do próprio estado ou região, e
que ii) as políticas e recursos disponibilizados não estão sendo suficientes
para permitir a formação de redes ou sistemas estaduais de pesquisa em Química
de Materiais. É evidente que estas observações somente se aplicam àqueles
estados nos quais existem várias instituições desenvolvendo atividades na área
(São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais). Outro aspecto que chama à atenção
relaciona-se à pouquíssima colaboração inter-estados (10%), evidenciando que os
centros mais desenvolvidos, apesar de formarem grande parte dos recursos
humanos, não estão sendo capazes de consolidar laços importantes de pesquisa
com grupos emergentes regionais, ou com novas lideranças formadas em seu
próprio meio, que exercem atividades em outros estados. Este tipo de
colaboração precisa ser incentivado, tanto quanto a colaboração intra-estadual,
visando uma melhor distribuição do conhecimento, intercâmbio de facilidades
laboratoriais e bibliográficas, melhoria do nível das pesquisas, troca de
informações, etc.7.
No que diz respeito à colaboração com grupos no exterior (4%), parece que tal
dado é "escondido" das autorias quando da apresentação de trabalho em
congressos nacionais.
A questão da colaboração, não só na área de Química de Materiais como também em
outras áreas da Química, parece estar ligada a certos padrões culturais. Os
pesquisadores até mesmo ensaiam a colaboração, todavia, esta esgota-se no plano
das intenções. Existe uma dificuldade patente para realização de esforços
conjuntos, visando ao ataque de problemas abrangentes e relevantes (as chamadas
task-forces, tão comuns na Europa e Estados Unidos), para os quais um conjunto
de competências se une, do ponto de vista intelectual e das facilidades de
pesquisa, abdicando de parte da individualidade em favor de atingir resultados
muito superiores às realizações individuais. A nova organização esperada para a
atividade de pesquisa experimental talvez possa, com o passar do tempo,
desalojar o velho estilo da auto-suficiência total, altamente pulverizador de
recursos. A criação de facilidades tipo laboratórios nacionais e regionais
certamente é, a nosso juízo, uma inestimável contribuição na direção desta
mudança de cenário.
TÉCNICAS DE CARACTERIZAÇÃO UTILIZADAS
Nos itens que seguem faremos uma avaliação das principais técnicas de
caracterização utilizadas nos trabalhos apresentados na Divisão na RA 97.
Inicialmente seria interessante comentar que dos 96 trabalhos arrolados, pelo
menos duas técnicas de caracterização foram utilizadas, independentemente de
sua natureza: espectroscópica, de espalhamento, térmica, de microscopia, etc.
Este resultado pode estar revelando uma sensível melhora no acesso ao parque
instrumental das diferentes instituições, nas diferentes regiões do Brasil.
Procuramos, na tabela_3 e figura_8, agrupar algumas técnicas, de modo a se ter
uma noção comparativa de suas utilizações.
Nos itens subseqüentes passaremos a fazer uma análise pontual dos resultados
observados na tabela_3, para os grupos com maior ocorrência.
Técnicas Espectroscópicas
Os dados, apresentados na figura_9, revelam que as técnicas de espectroscopia
vibracional, mormente a de infravermelho com transformada de Fourier,
apresentam grande utilização, seguidas das técnicas de emissão/excitação.
Surpreendentemente, a técnica de espectroscopia Raman figura na terceira
posição, considerando-se que existem pouquíssimos laboratórios que
disponibilizam de tal técnica. Um comentário adicional deve ainda ser feito: da
mesma forma que em outros centros - Estados Unidos e Europa, a espectroscopia
Raman vem conquistando novo status,graças à utilização da microscopia Raman
(resolução da ordem de 1 mm ) que possibilita o estudo de complexos sistemas
multifásicos. Vários trabalhos apresentados mostraram resultados que se valeram
da referida técnica.
No que diz respeito à espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN), a
despeito da aquisição de número considerável de equipamentos de grande porte
por todo o país, não há, ainda, cultura que permita que se tire vantagens
diferenciais dela, especialmente pela utilização de técnicas avançadas
bidimensionais e de sólidos (ângulo mágico).
As técnicas de emissão/excitação (19%) refletem aspectos históricos da Química
de Compostos Inorgânicos no Brasil, relacionados a estudos envolvendo terras-
raras.
Outras técnicas, entre elas espectroscopias Mössbauer e ressonância
paramagnética de elétrons (RPE), são ainda muito pouco utilizadas pela
comunidade de Química de Materiais.
Técnicas de raios-X
Quase a totalidade dos trabalhos (94%) que utilizaram técnicas envolvendo a
radiação X como fonte de excitação ou espalhamento, estão associados à difração
de raios-X de pó (DRX), como pode ser visto na figura_10. A fluorescência de
raios-X (FRX) aparece com 6%.
Espalhamento de Baixo Ângulo (SAXS), Espectroscopia de Raios-X (XANES e EXAFS)
ou mesmo Espectroscopia Fotoeletrônica usando radiação síncrotron, são técnicas
que não figuram ainda nos trabalhos apresentados. Acredita-se que com o
funcionamento do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), deva aumentar o
número de trabalhos que se valerão das técnicas mencionadas, sobretudo aquelas
de XANES e EXAFS8, que aportam informações relevantes relativas à estrutura de
materiais desordenados ou não-cristalinos: vidros, géis, polímeros, colóides,
etc.
Microscopia Eletrônica e Óptica
Relativamente às técnicas de microscopia eletrônica, do conjunto de trabalhos
que as utilizaram 79% deve-se à microscopia eletrônica de varredura (MEV) e 9%
à microscopia eletrônica de transmissão (MET).
Como pode ser constatado, técnicas modernas, entre elas as de microscopia de
força atômica (MFA) e tunelamento (MT), ainda não fazem parte da instrumentação
utilizada pelos Químicos de Materiais.
Tal cenário tende a modificar-se profundamente nos próximos anos, quando se
considera que modernos microscópios envolvendo as diferentes técnicas
mencionadas foram recentemente adquiridos por várias instituições no país9. A
microscopia óptica participa com 12% deste Grupo.
Técnicas Térmicas
A situação relativamente às técnicas térmicas (Figura_12) mostra a
predominância da Calorimetria Diferencial de Varredura (CDV) - cerca de 60% dos
trabalhos -, seguida da Análise Termogravimétrica (ATG) - 33% -, tendo a
Análise Térmica Diferencial (ATD) representado 7%. A Análise Termomecânica
(ATM) não figura neste conjunto de trabalhos.
Também não figurou neste Grupo de técnicas as determinações de coeficiente de
expansão térmica.
Medidas Elétricas
Como pode ser verificado na figura_13 as medidas elétricas concentram-se na
determinação da condutividade utilizando métodos de quatro pontas ou medidas de
impedâncias complexas. A concentração nestas técnicas tem muito a ver com a
importante atividade, no país, da área de polímeros condutores.
Dentro deste conjunto há ainda um destaque para as medidas de voltametria e
amperometria. É importante notar que a quase totalidade destas medidas foram
realizadas em sistemas poliméricos.
Outras Técnicas
Observam-se, ainda, outras técnicas utilizadas na caracterização de materiais,
embora com percentagens bastante inferiores. Dentre elas temos a viscosimetria
(6,3%) e as técnicas de superfície (BET, Adsorção de gases), também com 6,3%. O
quadro completa-se com um grupo de técnicas (10,4%) representadas pela
sedigrafia, determinação de peso molecular e densidade, análise química,
ensaios mecânicos, entre outras.
AVALIAÇÃO
A área de Química de Materiais apresenta notável crescimento nos últimos cinco
anos. Não resta a menor dúvida de que a Divisão de Química de Materiais, da
Sociedade Brasileira de Química, propiciou a organização da mesma, conferindo-
lhe a visibilidade que hoje possibilita a identificação dos pesquisadores
atuantes, produtivos e responsáveis pela formação dos recursos humanos nas
diferentes sub-especialidades.
A grande maioria dos pesquisadores identificados é de jovens, sendo que suas
lideranças foram constituídas em menos de oito anos de seu doutoramento.
Utilizando-se uma designação bastante em moda nas agências de fomento, tratam-
se de Grupos Emergentes ou em Consolidação. Este aspecto deve ser considerado
positivo, na medida em que serão pesquisadores com um longo percurso em
pesquisa e que estarão formando e consolidando novos Grupos que atuarão na
área, tendo grandes chances de se constituírem, também, em lideranças.
Pôde-se constatar nas páginas precedentes que a distribuição da atividade de
Química de Materiais no país não é razoável. Um esforço deve ser feito no
sentido de se melhorar este quadro. A realização de pesquisas conjuntas, cursos
itinerantes, workshops temáticos, seminários, etc., com a participação de
pesquisadores mais experientes ¾ nacionais e/ou estrangeiros ¾ pode ser uma
forma para a mudança desta situação. A Sociedade Brasileira de Química, neste
particular, apoiada pelas suas secretarias e lideranças regionais, poderá vir a
dar inestimável contribuição à mudança, na medida em que poderá atuar como
interlocutora, com representatividade, junto aos órgãos de fomento.
Relativamente às temáticas enfocadas nos trabalhos ao longo destes anos,
observa-se equilíbrio entre sistemas políméricos e não-poliméricos, o que, no
limite, revela a própria gênese da Divisão.
Itemizamos, abaixo, alguns pontos, para uma reflexão crítica e prospectiva:
Sente-se a necessidade de um esforço na direção de uma prospectiva mais
integrada visando ao entendimento dos aspectos básicos e às aplicações dos
materiais, considerando-se que os conceitos de estrutura (cristalina e
molecular), ligação química e propriedades são comuns a todos os materiais,
sejam eles constituídos por moléculas orgânicas, retículos inorgânicos ou
cadeias poliméricas;
Utilização de métodos convencionais na preparação de materiais. Pequena ou
ausência de métodos modernos, dentre eles: métodos de deposição química por
vapor (CVD, MOCVD, etc); métodos de altas temperaturas e pressões; preparação
de filmes (dip-coating, melt-spinning, Langmuir-Blodgett, etc); métodos de arco
elétrico; métodos de combustão; desenvolvimento de precursores visando a novas
rotas de síntese, entre outros. Preparação de materiais com elevado valor
agregado;
Utilização maciça de métodos instrumentais, entretanto, em grande parte em
operação de rotina; ausência de medidas em condições especiais, baixas e altas
temperaturas e de experiências que permitam a observação de efeitos in situ,
com resolução espacial ou temporal; desenvolvimento e utilização de métodos de
microanálise elementar;
Interpretação convencional e carente de aprofundamento para a maioria das
técnicas de caracterização utilizadas, sobretudo as espectroscópicas, apontando
claramente a necessidade de uma formação mais forte e adequada em Físico-
Química moderna;
Necessidade do aumento da cultura ligada à modelagem e à simulação nos
sistemas estudados, ou seja, maior envolvimento com a química teórica e
técnicas quimiométricas;
Pouca atividade envolvendo materiais orgânicos sintéticos (exceto polímeros),
materiais de origem natural e biomateriais;
Aprofundamento no estudo das propriedades (ópticas, elétricas, magnéticas,
etc) na direção de sua maximização e controle visando ao efetivo
aproveitamento; pequena realização de ensaios;
Dificuldade para a realização de pesquisas coletivas (task-forces) envolvendo
vários grupos em assuntos novos, importantes ou estratégicos para o país, com
demanda de várias competências, tais como: supercondutores, novas formas de
carbono, sistemas mesoscópicos (nanopartículas, nanocompósitos, etc); materiais
para matriz energética, dentre outros.
Pouco intercâmbio internacional com grupos "efetivamente" de alto
nível e atuando na fronteira do conhecimento da área.
Os pontos elencados foram observados desde a perspectiva da Química de
Materiais, inserida num contexto internacional. Acredita-se que tais itens
tenham sido caracterizados segundo uma linha que objetiva criar um fecundo
substrato para a formação de pesquisadores, pesquisadores estes capazes de
enfrentar os desafios científicos e tecnológicos de um horizonte futuro. Trata-
se, pois, de recursos humanos capazes de responder a problemas claramente
identificados de pesquisa fundamental, tecnológica, ou ambos, para a resolução
de problemas imediatos, em sintonia com o contexto econômico e social.
Há cinco ou seis anos atrás, esta lista certamente, incluiria entre seus itens
um relativo à atualização do parque instrumental. Este, hoje em dia, talvez não
seja um problema crucial para muitos centros universitários brasileiros,
entretanto, a nosso juízo, um outro tipo de problema se coloca: o da falta de
técnicos de nível superior (seniores) capazes de fazer funcionar, no
"estado-da-arte", equipamentos de grande-porte ¾ já adquiridos ¾, e
que hoje constituem as chamadas Centrais Analíticas ou Laboratórios de
Caracterização, e que têm, fundamentalmente, caráter institucional. A só
importância do parque instrumental instalado, já justifica a presença de tal
profissional, desejavelmente com título de doutor, treinamento no exterior, e
com grande vocação para instrumentação: desenvolvimento de técnicas,
metodologias de amostragem, aconselhamento (consultoria) para a solução de
problemas afeitos à determinada técnica ou conjunto de técnicas, upgradede
instrumentação, treinamento de usuários, etc. Certamente, tal lacuna tem muito
a ver com alguns pontos itemizados anteriormente. É importante que tal
profissional faça parte das equipes de pesquisa, e que tenha possibilidades de
progressão profissional além, é claro, de remuneração competitiva e mecanismos
de avaliação diferentes dos aplicados aos docentes.
O encaminhamento das soluções de muitos destes pontos passa, logicamente, por
vários níveis; entretanto, julgamos que neste momento seja fundamental o
reconhecimento da Química de Materiais como uma especialidade da área de
Química, viz-à-viz às agências de fomento (FAP's e CNPq), com possibilidade de
participação nos Comitês Assessores. A falta de representação nestes tem
causado vários problemas de competência, quando da análise de projetos
claramente identificados como sendo de Química de Materiais.
De importância neste processo também seriam as iniciativas institucionais
baseadas na revisão de currículos de cursos de graduação, visando a
apresentação de conteúdos de Química de Materiais, tanto teóricos quanto
experimentais, e sua interligação com outras áreas da Química, sobretudo a
Físico-Química moderna. Praticamente muito pouco sobre materiais é disseminado
nos cursos de graduação em Química. A maioria dos estudantes toma contato com
estes conteúdos tão-somente quando da realização dos projetos de iniciação
científica ou nos programas de pós-graduação.
Outro ponto crítico, não elencado, que todavia nos parece importante mencionar,
refere-se ao distanciamento da comunidade acadêmica (da área) do setor
produtivo envolvido com tecnologia (high-tech ou não) dependente de forte
conhecimento químico básico. Tal questão deverá ser enfrentada, não segundo uma
perspectiva antagônica ou alternativa, mas sim, num contexto de parceria, de
realização conjunta, disponibilizando as vocações intrínsecas, detectando novas
oportunidades de pesquisa e, por que não, realizando negócios. Muitas
universidades já têm mecanismos estabelecidos e bem sucedidos no trato desta
questão, sobretudo no que diz respeito às salvaguardas necessárias.
A Química, de modo geral, mudou bastante no Brasil, nos últimos 10 anos10.
Pertence ao passado a prática de viajar ao Exterior a fim de ir
"buscar" linhas de pesquisa para, depois, apregoar-se como pioneiros,
em nosso país. Tal prática já não mais garante prestígio e notoriedade, e nem
mesmo as "colaborações científicas geracionais" com grupos no
Exterior.
O bem-vindo acesso às informações através de meios eletrônicos, não só confere
efetivamente grande transparência à atividade científica e tecnológica, como
ainda permite, ¾ com rapidez ¾, que se identifique quem é quem, em que. Jovens
estudantes podem, assim, fazer suas escolhas com base em informações concretas,
o que serve para reduzir drasticamente a desinformação, tão comum em tempos
passados.
CONCLUSÕES
A Química de Materiais, não obstante contar com uma comunidade ainda pequena,
organizada há pouco tempo, caminha a passos largos para a solução de suas
contradições, dificuldades e desafios. A despeito de poucos ainda, podem ser
detectados no país Grupos de excelente nível, com atividades e temáticas
originais comparáveis àqueles grupos atuando nos melhores laboratórios da
Europa e Estados Unidos. Tais Grupos constituem-se no melhor exemplo de que é
possível se fazer pesquisa, no caso em Química de Materiais, de forma
produtiva, conseqüente e contextualizada segundo os interesses do país e da
ciência em geral.