Identificação de componentes de óleos voláteis: Análise espectroscópica de
misturas de sesquiterpenos
1. INTRODUÇÃO
A grande maioria dos trabalhos com óleos voláteis existentes na literatura
descreve a identificação de seus constituintes através da técnica de
cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas e/ou associada ao
cálculo do índice de Kovatz. o uso desta técnica requer bancos de dados que
contenham os valores dos tempos de retenção e/ou os espectros de massas para
serem confrontados com os dados experimentais obtidos. Tais dados nem sempre
estão disponíveis e muitas vezes sequer existem. No caso de sesquiterpenos, as
análises por CG/EM não têm se mostrado eficientes uma vez que tais substâncias
rearranjam-se facilmente formando fragmentos com m/z iguais, o que origina
espectros que diferem apenas quanto às intensidades relativas dos picos1. Além
disso, existe muita variação entre espectros obtidos em instrumentos
diferentes.
A RMN de 13C parece ser a técnica espectroscópica mais indicada para a
identificação dessas substâncias, uma vez que os sesquiterpenos constituem uma
classe de substâncias naturais com uma gama muito grande de possibilidades
estruturais. Um fator limitante para o uso de tal técnica é a existência de
poucos dados de RMN de 13C disponíveis na literatura, os quais possam ser
empregados como modelos, especialmente quando se tratam de sesquiterpenos sem
oxigenação ou mono-oxigenados, ou seja, aqueles que comumente fazem parte dos
óleos voláteis. Apesar desta dificuldade, a utilização da metodologia aqui
descrita tem proporcionado a identificação de vários sesquiterpenos, inclusive
alguns inéditos.
2. METODOLOGIA
2.1. Separação dos constituintes
Primeiramente deve-se analisar o cromatograma obtido por CG do óleo volátil
bruto*. Os valores dos tempos de retenção, obtidos em condições cromatográficas
preestabelecidas, indicarão se os constituintes são predominantemente
hidrocarbonetos sesquiterpênicos, sesquiterpenos mono-oxigenados, di-oxigenados
e eventualmente diterpenos2,3. O espectro de RMN de 1H deverá confirmar a
predominância da natureza terpênica do óleo já que aril-propanóides também são
componentes frequentes de óleos voláteis.
A seguir o óleo volátil deve ser submetido a uma cromatografia rápida em coluna
de sílica gel, utilizando-se para tal um sistema sob pressão. Os solventes
utilizados como eluentes devem ser de baixo ponto de ebulição, como pentano e
CH2Cl2. Misturas de CH2Cl2 e MeOH podem ser utilizadas ao final do processo,
desde que o álcool esteja presente em pequena proporção. As frações obtidas
desse primeiro fracionamento cromatográfico serão reagrupadas após a análise
dos cromatogramas de cada uma delas, obtidos por CG. Para a reunião deve-se
considerar a proporção de cada um dos constituintes das diversas frações, a fim
de que sejam obtidas misturas com diferentes proporções dos mesmos
constituintes. Isso favorece a análise dos espectros de RMN de 13C, uma vez que
facilita a identificação dos sinais pertencentes a cada um dos sesquiterpenos
presentes nas misturas. Através desse procedimento é possível identificar
diversos componentes, mesmo aqueles presentes em pequenas concentrações, sem
necessidade de purificá-los.
As frações de menor polaridade devem ser reunidas e submetidas a uma
cromatografia em coluna de sílica gel impregnada com AgNO34, já que essas são
normalmente constituídas por sesquiterpenos com uma ou mais ligações duplas. A
maior ou menor disponibilidade dos elétrons dessas ligações fará com que os
terpenos sejam diferencialmente retidos pelo AgNO3 e logo eluídos
separadamente. Aqueles com maior número de ligações duplas serão eluídos por
último. Os eluentes utilizados também devem ter baixo ponto de ebulição, sendo
que os mais indicados são pentano, CH2Cl2 e acetona. As frações mais polares
que contenham terpenos com grupamentos hidroxílico, cetônico ou anel epóxido,
por serem um pouco menos voláteis, podem ser submetidas as técnicas
cromatográficas usuais. Em qualquer um dos casos deve-se monitorar o
fracionamento por cromatografia a gás.
* Análises cromatográficas
As condições utilizadas nos trabalhos do grupo para as análises cromatográficas
foram: Cromatógrafo HP-5890 Series II. Coluna capilar HP-5 (5% de fenil em 95%
de metil silicone, 30 m de comprimento, 0,32 mm de diâmetro interno, 0,25 mm de
espessura do filme). Condições: injetor automático HP 7673 (razão de divisão 1:
50): 180oC; detector por ionização de chama: 260oC; gás carreador: H2, vazão: 6
mL/min (30oC); temperaturas programadas: 100oC (2 min) - 100 -240oC (5oC/min) -
240oC (5 min).
2.2. Identificação dos sesquiterpenos
Para a análise dos espectros de RMN de 13C das misturas sesquiterpênicas
seguiu-se a metodologia descrita para misturas de triterpenos 5,6. Esse método
sugere que sinais de intensidades semelhantes, relativos a átomos de carbono
ligados ao mesmo número de hidrogênios, devam pertencer à mesma substância.
Desta forma é possível agrupar os sinais de cada constituinte da mistura desde
que eles não estejam presentes na mesma proporção. A porcentagem relativa de
cada um dos constituintes é dada pelo cromatograma da mistura obtido por CG.
A determinação do tipo de esqueleto carbônico da molécula é um passo importante
no processo de elucidação estrutural. Sesquiterpenos possuem uma gama muito
grande de possibilidades estruturais e, por serem moléculas pequenas, qualquer
alteração na estrutura ocasiona variações consideráveis nos valores de
deslocamentos químicos de vários átomos de carbono da molécula, o que torna
difícil a associação desses valores a um tipo único de esqueleto carbônico.
A fórmula molecular do composto, assim como o número de deficiência de
hidrogênios da estrutura de cada sesquiterpeno, são deduzidos a partir do
espectro de massas associado ao tempo de retenção e ao espectro de RMN de 13C.
Embora o pico correspondente ao íon-molecular possa, no caso, ser suficiente
para a determinação da fórmula molecular, ele nem sempre está presente nos
espectros de massas dos sesquiterpenos hidroxilados, devido a perda de água.
Nesses casos, o valor do tempo de retenção é usado para definir a presença de
oxigênio na molécula2. O espectro de RMN de 13C revela o número de ligações
duplas da molécula, através dos sinais relativos a átomos de carbono sp2, sendo
então possível determinar o número de anéis da estrutura, uma vez que a fórmula
molecular esteja estabelecida. Este dado, juntamente com o número de grupos
metílicos, metilênicos, metínicos e de átomos de carbono quaternários, também
obtidos pelos espectros de RMN de 13C (PND e DEPT), indica as possibilidades
estruturais do esqueleto sesquiterpênico. Um levantamento bibliográfico
mostrará quais tipos de esqueletos carbônicos possuem as características
apontadas por essa análise7.
A seguir os espectros de RMN de 13C e de 1H bem como o espectro de massas devem
ser avaliados mais detalhadamente. Assim, a presença de anéis ciclopropânicos,
grupos isopropílicos, grupos metílicos ligados a grupo CH, a átomos de carbono
sp2 ou quaternários, além de outras funções, podem ser detectadas na estrutura
molecular. Estes dados também são relevantes para se concluir qual o tipo de
esqueleto dos sesquiterpenos analisados. Deve-se então comparar os dados de RMN
de 13C obtidos com os fornecidos pela literatura. Quando esses não são
encontrados, torna-se necessária a utilização de diversas estruturas como
modelos para que uma atribuição correta dos valores de deslocamentos químicos
de 13C seja feita. Mesmo assim, nem sempre existem modelos adequados,
principalmente para os sesquiterpenos sem oxigenação7.
3. APLICAÇÃO
Utilizando-se a metodologia descrita, dez sesquiterpenos foram identificados no
óleo volátil da casca do tronco de Guarea guidonia(L.) Sleumer (Meliaceae):b-1
(10)-epóxi-b-cariofil-4(15)-eno (1), a-1(10)-epóxi-b-cariofil-4(15)-eno (2), 1
(10)-epóxi-humula-4,7-dieno (3), cariofila-1(10),4(15)-dieno (4), germacra-1
(10),4(15),5-trieno (germacreno D, 5), cis-cadina-4,10(14)-dieno (g-
muuroleno,6), trans-cadina-4,10(14)-dieno (7), cadina-1(10),4-dieno (d-
cadineno, 8), elema-1,3,11-trieno (b-elemeno, 9), humula-1(10),4,7-trieno (a-
humuleno, 10)8. A Tabela_1 mostra o reagrupamento das frações provenientes do
fracionamento do óleo volátil bruto, em colunade sílica gel impregnada com
AgNO3, assim como os constituintes de cada uma delas com os seus respectivos
temposde retenção. As Figuras_1 e 2 mostram, respectivamente, os cromatogramas
e os espectros de RMN de 13C para os Grupos IV e V.
Os óleos voláteis das espécies descritas abaixo também foram analisados através
desta metodologia, tendo sido identificados os seguintes sesquiterpenos:
G. guidonia, folhas: 14b,15b-eudesma-5,7-dieno (11); 7b,14b-eudesma-4,11-dieno
(12); 7b,14b-eudesma-4(15);11-dieno (13); 5a,6a-epóxi-14b,15b-eudesm-7-eno
(14); 14b-eudesm-6-en-4a-ol (15); 14b,15b-eudesma-5,7-dien-2a-ol (16); 5a,6a-
epóxi-14b,15b-eudesm-7-en-9-ol (17); 5a,6a,7a,8a-diepóxi-14b,15b-eudesmane (18)
e guaia-6-en-10b-ol (19)3.
Xylopia emarginata Mart (Annonaceae), folhas: cariofileno (4); epóxicariofileno
(1), espatulenol (20) e alismol (21)9.
X. emarginata, frutos: germacreno D (5), espatulenol (20) e alismol (21)9.
Porcelia macrocarpa (warm.) R.E. Fries (Annonaceae), folhas: espatulenol (20),
germacreno D (5) e biciclogermacreno (22)10.
4. CONCLUSÕES
Pode-se observar que, através desta metodologia, foi possível detectar
substâncias com diferenças estruturais muito sutis, como por exemplo os
sesquiterpenos 1 e 2. Vale a pena ressaltar que 2 não tinha sido, até então,
detectado como produto natural, mas só como produto de oxidação do b-
cariofileno 11.