A qualidade do ar de interiores e a química
1. INTRODUÇÃO
A qualidade do ar de interiores (QAI) tornou-se um tema de pesquisa importante
na área de saúde pública nos últimos 15 anos. Esse interesse ocorreu após a
descoberta de que baixas taxas de troca de ar nestes ambientes ocasionam um
aumento considerável na concentração de poluentes químicos e biológicos no ar1.
Como todos passamos boa parte de nossa vida diária em recintos fechados, seja
em casa, no trabalho, no transporte, ou mesmo em locais de lazer, a preocupação
com concentrações de contaminantes no ar em ambientes internos é justificável.
A disciplina que estuda a qualidade do ar de interiores, chamada "Indoor
Air Quality", é nova, com cerca de 25 anos no mundo e com apenas 5 anos no
Brasil. É uma nova área de estudo que reúne profissionais de diferentes
disciplinas, principalmente químicos, microbiologistas, engenheiros, arquitetos
e toxicologistas.
Nessas últimas décadas, houve um grande aumento de queixas relacionadas à
qualidade de ar em locais fechados nos países desenvolvidos, principalmente em
edifícios de microclima artificial. Essas queixas geraram estudos que foram
conduzidos em diferentes países e períodos, indicando que o ar dentro de casa e
outros locais fechados pode estar mais poluído do que o ar externo nas grandes
cidades industrializadas2a-f.
Ironicamente, o movimento mundial de conservação de energia, desencadeado na
decáda de 70, contribuiu de uma forma bastante marcante para as preocupações
atuais referentes à qualidade do ar de interiores. Com o intuito de obter uma
melhor eficiência nos aparelhos de refrigeração e aquecimento e, com isso,
minimizar o consumo de energia, os prédios de escritórios e residenciais
(principalmente em países desenvolvidos localizados em clima frio) a partir
daquela década, foram construídos visando uma vedação térmica mais eficiente,
surgindo os chamados prédios selados.
Paralelamente, houve um grande aumento na diversidade de produtos para
forração, acabamento e mobiliário, que contém substâncias químicas passíveis de
serem dispersas no ar de interiores, disponível no mercado consumidor. Esses
materiais, na maioria dos casos, foram desenvolvidos sem uma preocupação com
suas emissões. Atualmente, sabe-se que uma das causas do deterioramento da
qualidade do ar de interiores é devida a essa emissão de substâncias químicas,
principalmente compostos orgânicos voláteis (COVs), presentes na composição de
materiais de construção3, limpeza e mobiliário4.
A combinação desses dois fatores pode ocasionar, via de regra, uma baixa
qualidade do ar de interiores. Em resumo, a existência de "prédios
doentes" coincide com as mudanças no meio ambiente interno, que ocorrem
não apenas devido à introdução de novos produtos de materiais de construção,
consumo e mobiliário, como também às trocas arquitetônicas no ambiente interno,
com o intuito de economizar energia.
Esses estudos têm sido realizados principalmente na Europa e nos Estados
Unidos. Contudo, a simples comparação desses estudos com a realidade brasileira
não é recomendável. No Brasil, diferenças relacionadas a fatores climáticos,
sócio-econômicos, geográficos e habitacionais são bastante evidentes. Por
exemplo, os países desenvolvidos, situados no hemisfério norte, apresentam um
clima temperado, ao passo que o Brasil possui um clima predominantemente
tropical e subtropical. Somente esta diferença climática acarretará uma
variação considerável na dinâmica dos poluentes atmosféricos nesses dois
sistemas.
Atualmente, no Brasil, está havendo uma conscientização da imprensa não
especializada5sobre a importância da qualidade do ar de interiores em locais
não industriais, tais como escolas, residências, edifícios públicos e
comerciais. Em meados de 1996, o Governo Federal Brasileiro proibiu o fumo em
lugares fechados de uso coletivo, baseado em pesquisas realizadas por agências
internacionais. Contudo, essa lei é bastante simplória, já que induz a pensar
que a fumaça do tabaco é a grande e única culpada da baixa qualidade do ar
respirado em locais fechados.
Apesar do interesse despertado, infelizmente ainda não existe nenhuma medida,
tanto do governo federal quanto do estadual, em avaliar o ar, o qual a
população média brasileira estaria exposta. Na realidade, a discussão em torno
das leis que regulamentam a qualidade do ar de interiores (QAI) em nosso país
esconde questões muito mais abrangentes, dentre as quais a formulação de
conclusões precipitadas, geradas antes mesmo das devidas ponderações.
Em resumo, a QAI envolve a combinação de vários fatores complexos que estão
constantemente sofrendo alterações. Logo, a avaliação e a remediação dos
problemas relacionados à QAI requerem um entendimento das fontes de emissão, da
ventilação do prédio e das salas, e dos processos que afetam o transporte e o
destino dos contaminantes. Juntos, esses processos determinam as concentrações
finais dos contaminantes que, após serem detectados e quantificados,
possibilitam a avaliação da QAI.
As seções seguintes tratarão, com maior destaque, das questões referentes aos
processos de emissões e destino de poluentes químicos. Contudo, em ambientes
climatizados artificialmente, o conhecimento de engenharia de ar condicionado é
sempre muito útil. De uma maneira geral, em um sistema de ar condicionado
central, várias salas são servidas por uma mesma máquina (fan-coil) e nem
sempre, por ocasião do projeto, essas terão o mesmo tipo de atividade (gerando
o mesmo tipo de poluentes). Outro fator complicador é o rearranjo de ambientes
com divisórias, sem levar em consideração os diferentes pontos de captação do
retorno de ar para cada fan-coil.
A Figura_1 ilustra, de uma maneira simplificada, o mecanismo de transporte, em
um sistema de ventilação mecânica, de poluentes presentes no ar. Através desse
processo, fontes desconhecidas de emissão, presentes em um determinado local do
prédio, podem contaminar toda a área em que atua a unidade de ar condicionado.
2. DESENVOLVIMENTO NO BRASIL
Entre 1965 e 1994, a porcentagem da população brasileira vivendo em áreas
urbanas cresceu de 46% para 75,5%. Na maioria dos casos, a migração da
população residente em áreas rurais para áreas urbanas ocasionou um saturamento
da malha rodoviária dos grandes centros urbanos, ocasionando constantes
congestionamentos, principalmente nas horas de maior movimento. Esse aumento
ocasionou a deterioração da qualidade do ar urbano, refletindo-se na QAI, tendo
em vista que o ar interno procede do exterior.
No início de 1993 foi realizado o primeiro levantamento brasileiro sobre
poluição química do ar de interiores, operacionalizado pelo Laboratório de
Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (LADETEC), do Instituto de Química da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, em cooperação com o Laboratório de
Aerossóis e Gases Atmosféricos (LAGA), do Instituto de Química da Universidade
de São Paulo, São Paulo. Nesse estudo foram avaliados ambientes de escritório,
hotéis e restaurantes nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas6,7,8.
A pesquisa detectou níveis de vários poluentes acima ou próximos aos limites
fixados pelas legislações internacionais.
No final de 1995 e durante o ano de 1996, foi realizado o segundo levantamento
da QAI no Brasil. Foram avaliados escritórios em prédios administrativos na
cidade do Rio de Janeiro e no Museu Nacional de Belas Artes, localizado no
centro do Rio. Valores de contaminantes até dez vezes maiores do que no ar
externo foram encontrados nesses prédios [razão interna/externa de
contaminantes (I/E)], indicando um acúmulo de poluentes no ar interno, devido
primariamente ao fato de o sistema de ar condicionado central operar com baixa
troca de ar9,10,11. No museu que possui ventilação natural12, a razão interna/
externa (I/E) de contaminantes ficou próxima de um, mostrando a importância de
uma ventilação natural diluidora na QAI. Esse estudo concorda com outros
estudos internacionais que indicam que a ventilação deficiente do ar é a
principal causa de problemas de poluição em ambientes internos.
Apesar de QAI ser uma área de pesquisa recente no Brasil, em novembro de 1995
foi instituída a Sociedade Brasileira de Meio Ambiente e Controle de Qualidade
de Ar de Interiores - "BRASINDOOR" - com o objetivo de promover o
intercâmbio de diferentes especialidades na questão da QAI.
Paralelamente à contribuição dos químicos na questão da QAI, já existe o
interesse de outras áreas interligadas a essa questão. É o caso do Sindicato
das Indústrias de Refrigeração, Aquecimento e Tratamento do Ar do Município do
Rio de Janeiro, que contactou o LADETEC-IQ/UFRJ em 1995, solicitando
consultoria e seminários com o intuito de conscientizar seus membros. Existe um
grupo na Faculdade de Saúde Pública da USP realizando estudos referentes à
contaminação microbiológica. Na última conferência internacional referente ao
assunto "INDOOR AIR'96", realizado no Japão, foi observada a
publicação de trabalhos realizados no Brasil por grupos com formação em
engenharia civil e arquitetura e urbanismo13.
A avaliação de contaminantes no ar de ambientes residenciais no estado do Rio
de Janeiro faz parte do nosso próximo projeto nesta área. Até o presente
momento, apenas dois levantamentos de exposição ao radônio foram efetuados em
ambientes residenciais no Brasil14,15. Levando-se em conta que um brasileiro
típico gasta no mínimo 12 horas do seu tempo diário no ambiente doméstico
(considerando, por exemplo, um indivíduo que sai de casa para o trabalho às 6 h
e chega do trabalho às 18h), torna-se de considerável importância a avaliação
da qualidade do ar em residências urbanas brasileiras típicas, com o intuito de
um mapeamento dos níveis de contaminantes encontrados em tais ambientes.
Atualmente, o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana
(CESTEH), da Fundação Oswaldo Cruz, está desenvolvendo um programa de estudos
da Qualidade do Ar de Interiores. Um dos principais objetivos desse programa é
promover o intercâmbio dessa área de pesquisa entre diferentes grupos
brasileiros, através de estudos inter-institucionais.
3. FONTES, TIPOS E INDICADORES DE POLUIÇÃO
As próprias pessoas e suas respectivas atividades ocupacionais são um dos
maiores contribuintes para a poluição do ar em ambientes fechados. Não apenas
pela liberação de dióxido de carbono através da respiração, ou de substâncias
químicas pela transpiração, mas também pelo transporte de microorganismos
(bactérias, fungos, vírus e ácaros). Além disso, o hábito de fumar somado ao
desempenho de funções, como pintar, cozinhar e limpar, contribuem para a
dinâmica de poluição do ar nesse tipo de ambiente16,17.
A rigor, pode-se dividir os tipos de poluentes em: materiais particulados,
aerossóis, vapores e gases. Esses, por sua vez, podem ser classificados em
orgânicos, inorgânicos e biológicos (Tabela_1). Fontes típicas de poluição do
ar, nesse tipo de sistema, incluem materiais de construção, de acabamento e de
escritórios. Itens como, carpetes, móveis, roupas e tapetes não somente liberam
fibras, formaldeído e outras substâncias químicas, como também fornecem
ambiente propício para a proliferação de agentes biológicos, tais como
bactérias, fungos e ácaros (Fig._2). Simples processos de limpeza, como varrer,
aspirar e espanar a poeira, normalmente removem as partículas grandes.
Entretanto, freqüentemente aumentam, por ressuspensão, a concentração de
partículas pequenas no ar.
Indicadores relacionados à QAI são fatores que potencialmente causam18,19,20
(ou estão associados a outros fatores que causam) a chamada Síndrome do
Edifício Doente (SED; seção IV). Estes indicadores podem ser usados para
identificar fontes de poluição, determinar falhas no sistema de ventilação e de
ar condicionado, e correlacionar sintomas dos ocupantes com a qualidade do ar.
Os indicadores mais comuns da QAI são: concentrações de contaminantes,
velocidades de emissão das fontes, velocidades de ventilação do ar, odor e
percepção sensorial, razão de concentração interna/externa e densidade
ocupacional.
Dentre os contaminantes usualmente monitorados estão o dióxido de carbono
(CO2), o monóxido de carbono (CO), os compostos orgânicos voláteis totais e
especiados, os compostos orgânicos semi-voláteis, o radônio, a matéria
particulada, a nicotina, e as concentrações total e específica de
microorganismos21.22. A poluição do ar de interiores por aerossóis alergênicos
tem sido cada vez mais reconhecida como causa de sintomas respiratórios23. A
quantificação de alérgenos específicos para ácaros e fungos, em ar de recintos
fechados, forneceria informações importantes para entender a problemática da
SED. Infelizmente, a caracterização de indicadores confiáveis ainda é
problemática, especialmente para fungos, uma vez que não somente o cultivo e
preparação de extratos, como a própria padronização, são bastante variáveis
entre os laboratórios24,25.
Dentro desse contexto, geralmente são feitos vários tipos de determinações de
diferentes classes de contaminantes. Isso é necessário devido à presença de
diversas fontes de emissão, somadas às diferenças nos processos de transporte e
destino dos contaminantes. Por exemplo, concentrações de COVs e COSVs podem ter
pouca correlação com concentrações de fungos. Similarmente, os COVs podem ter
pouca correlação entre si, devido a fontes diferentes de emissão; por exemplo,
emissão de hidrocarbonetos alifáticos por tinta, formaldeído por resinas, etc.
Os fatos supra-mencionados demonstram que a determinação pura e simples de um
único contaminante não serve como indicador global do problema da QAI.
3.1. Matéria Particulada
Matéria particulada é a forma mais visível de poluição do ar, e é razoavelmente
fácil de se determinar quantitativamente com instrumentação mínima. O termo
matéria particulada total (MPT) refere-se à matéria total, em fase líquida e/ou
sólida no ar, que é coletável. Matéria particulada inalável (MPI) refere-se
somente àquelas partículas que são pequenas o bastante para passar pelas vias
aéreas superiores e alcançar o pulmão (Fig._3). Contudo, existe, ainda, muita
controvérsia relacionada ao tamanho de partícula que é depositada no aparelho
respiratório. Enquanto se discute a faixa de tamanho de partícula que consegue
atingir as diferentes partes do aparelho respiratório, a medida de matéria
particulada inalável, por sua vez, é muito importante, pois parte do que é
inalado pode ser irreversivelmente depositado nas vias respiratórias.
Os diâmetros das partículas determinam o seu destino, isto é, se elas se
depositarão em superfícies horizontais e verticais, se ficarão suspensas no ar,
ou se serão removidas por filtros de ar condicionado ou aspiradores à vácuo. E,
uma vez inaladas, se serão removidas pelas vias aéreas superiores ou se irão
atingir os alvéolos e depositar-se irreversivelmente (Fig._3). A composição
química da matéria particulada no ar, em ambientes fechados, é altamente
variável, constituindo-se de esporos de mofo, amianto, fibras sintéticas,
restos de insetos e comida, pólen, aerossóis de produtos de consumo
(desodorante, fixador de cabelos) e alérgenos26. Portanto, o conhecimento da
composição da matéria particulada de um determinado ambiente possibilitará a
previsão de efeitos específicos que sejam adversos à saúde.
Existem vários mecanismos pelos quais as partículas do ar em recintos fechados
podem ser produzidas, ou tornar-se aéreas27. O atrito entre partes que se
movimentam ou pedaços de móveis produzirão partículas sólidas; varrer, tirar a
poeira, ou limpar utilizando aspiração à vácuo facilita a reentrada de
partículas sólidas no ar; umidificadores e vários tipos de "sprays"
produzem partículas líquidas28. O ato de fumar, ou mesmo cozinhar, produz a
condensação de aerossóis, tanto sólidos, como líquidos, bem como o simples
acionar da descarga de banheiros.
Os problemas causados por partículas, além daqueles relacionados à saúde,
incluem deposição nas superfícies29, resultando em chão e janelas sujas,
estragos nas máquinas de precisão, depósito de sujeira, descoloração de obras
de arte em museus, etc.
3.2. Radônio
O radônio é um gás radioativo produzido pelo decaimento do elemento químico
rádio. Esse gás está presente nos solos, águas freáticas, e em inúmeros
materiais de construção, tais como concreto, pedras e tijolos22. Os mecanismos
de penetração em recintos fechados variam enormemente. O radônio originário do
solo pode entrar em recintos fechados através de fissuras e rachaduras
localizadas no alicerce do prédio, paredes e lajes. Paralelamente, materiais de
construção de origem natural, tais como tijolo de argila, mármore e arenito,
variam amplamente em concentração de radônio, e o nível de radônio em ambientes
fechados pode aumentar consideravelmente pela emissão a partir desses
materiais. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (U. S. EPA) tem
estimado que a concentração de radônio em milhões de residências nos Estados
Unidos é maior que o nível recomendado de 4 pCi/L, e classifica esse gás como
um dos principais poluentes em recintos fechados, pois representa um sério
risco à saúde da população30. Por outro lado, esse limite é discutível e varia
de país para país. No Canadá, por exemplo, o nível máximo recomendado é de 20
pCi/L. Segundo STONE31, um estudo realizado em residências canadenses não
encontrou nenhuma relação entre níveis de radônio e câncer no pulmão. No
Brasil, existem alguns poucos trabalhos realizados sobre o problema do radônio
na atmosfera e em materiais de construção14,15.
3.3. Compostos Orgânicos
São os que apresentam maior variedade. Em sua maioria, são considerados inócuos
quando em concentrações baixas. Contudo, existem pessoas que, com o passar do
tempo, desenvolvem uma sensibilidade a um determinado composto químico. As
principais classes de compostos com potencial mutagênico são as N-nitrosaminas,
aldeídos e hidrocarbonetos insaturados e/ou aromáticos. A reação de compostos
orgânicos com NO2, gerado pela queima de tabaco e processos de combustão, pode
acarretar num acréscimo adicional de compostos orgânicos nitrados com potencial
mutagênico32.
3.3.1. Compostos Orgânicos Voláteis
A evaporação de COVs oriundos de materiais de construção, acabamento, decoração
e de mobiliário, é uma das principais fontes de COVs em recintos fechados33.
Outras fontes importantes são os processos de combustão e emissões metabólicas
de microorganismos34. Contribuem ainda para agravar o quadro, os processos que
melhoram o transporte desses compostos para a fase vapor35, tais como
umidificadores, uso de produtos à base de aerossol36 e até mesmo os sistemas de
ar condicionado, supostamente purificadores e condicionadores de ar, que podem
ser uma das causas principais de poluição no ar interno37.
Como fontes comuns de COVs em ambientes fechados podemos citar os materiais de
construção do próprio prédio, o sistema de ar condicionado, os produtos de
consumo utilizados para manutenção e cuidados pessoais, móveis e decoração, e a
incursão de ar externo. Atividades específicas como fumar cigarros e tirar
fotocópias contribuem com um acréscimo de COVs38. Cada uma dessas fontes
citadas faz com que os COVs em ambientes fechados sejam altamente variáveis,
tornando difícil a detecção da fonte. Em outras palavras, as fontes de COVs são
numerosas, e uma fonte relativamente pequena pode ocasionar um grande impacto
na qualidade do ar, devido a baixos fatores de diluição, ou seu alto grau de
toxidez.
Alguns COVs são relacionados a uma ou outra fonte principal, tais como
formaldeído e clorofórmio. A maior fonte do formaldeído são os produtos de
madeira, com ou sem acabamento, com resina de uréia-formaldeído. O clorofórmio
é amplamente introduzido em ambientes fechados devido ao simples ato de tomar
banho ou abrir a torneira doméstica de água39.
3.3.2. Compostos Orgânicos Semi-Voláteis
Quando um composto orgânico semi-volátil (COSV) é emitido para o ar, talvez a
partição vapor-partícula seja o processo físico-químico mais importante que
governa o destino do composto. De fato, a extensão na qual a partição ocorre
desempenhará um papel fundamental na determinação da importância relativa de
deposição úmida, isto é, condensação de vapores, ou deposição seca. Existe,
portanto, um interesse considerável em saber a maneira pela qual um determinado
composto distribui-se entre as fases vapor e particulada40,41,42.
Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), variando em tamanho desde
naftaleno (2 anéis) a coroneno (6 anéis), têm sido detectados em ambientes
fechados. Os mais mencionados são o naftaleno e seus derivados metilados,
antraceno e fenantreno, benzo[a]pireno e benzo[e]pireno, dibenzo[a,b]antraceno,
benzo [g,h,i]perileno, indeno[1,2,3-cd]pireno e coroneno. O interesse em HPAs
cresceu em 1978 quando Pitts et al. 43 demostraram que os HPA podem reagir com
NOx para formar nitroarenos. A partir dessa data grandes esforços tem sido
feitos, para detectar essa classe de composto no meio ambiente.
Os COSV são encontrados em emissões veiculares (especialmente veículos movidos
a diesel), mas também nos cartuchos de fotocopiadoras, queima de madeira e
tabaco. Estudos que visam a determinação da concentração de HPAs como agentes
carcinogênicos, freqüentemente determinam concentrações de benzo[a]pireno e /ou
"HPAs total"44. A determinação de benzo[a]pireno é muito importante,
pois este composto exibe atividade carcinogênica alta em testes com animais e é
considerado um provável agente carcinogênico em seres humanos45.
3.4. Queima do Tabaco
A fumaça de tabaco contém milhares de constituintes químicos, e ela pode ser,
em casos extremos, a maior fonte de matéria particulada respirável do ar em
recintos fechados. Portanto, a queima de tabaco produz uma mistura complexa de
poluentes, muitos dos quais são irritantes respiratórios46,47.
Sabe-se que concentrações altas de fumaça de tabaco incomodam e irritam os
indivíduos, e que existe uma preocupação com relação aos efeitos potenciais na
saúde48. Portanto, onde existe alta incidência de fumantes e mínima ventilação
pode haver acúmulo da fumaça do tabaco, causando irritação, particularmente no
sistema respiratório superior.
De todos os constituintes da fumaça do cigarro encontrados no ar, somente a
nicotina, e outros alcalóides derivados da nicotina, algumas nitrilas, e alguns
derivados da graxa da folha do tabaco, são fornecidos, quase que
exclusivamente, pela fumaça do tabaco. A nicotina (I), uma piridina substituída
na posição 3 pela N-metilpirrolidina, é um alcalóide da Nicotiana tabacum; é o
principal alcalóide do tabaco. Durante o processo de fumar o cigarro, o tabaco
queimado emite nicotina para a atmosfera. Em ar de recintos fechados, a
nicotina é considerada o constituinte principal da fumaça do cigarro. Devido a
sua alta afinidade por superfícies, a nicotina na fase vapor decai mais
rapidamente que os outros constituintes da fumaça de cigarro49. Essa
particularidade faz com que a nicotina não seja considerada um marcador ideal
para processos de queima do tabaco. Contudo, enquanto se pesquisa um melhor
marcador, o monitoramento da nicotina em ar de recintos fechados é uma prática
aceitável.
Com relação às atividades fisiológicas, a nicotina é tóxica quando inalada,
causando estresse excessivo nos sistemas circulatório e nervoso, e tem sido
relacionada ao aumento da suscetibilidade para o desenvolvimento de câncer50. O
Instituto Nacional para a Segurança e Saúde Ocupacional dos EEUU (NIOSH)
estabeleceu um TLV para nicotina em local de trabalho de 0,5 mg/m351.
Em 1996, o governobrasileiro proibiu o fumo em locais públicos, o que não
impediu que os ocupantes ainda fumassem em tais locais. Recentemente, o
Instituto Nacional do Câncer (INCa) apresentou um relatório indicando que a
grande mortalidade devida ao câncer do pulmão está relacionada ao fumo (11. 950
mortes).
3.5. Oxidantes
Tem havido um interesse considerável em se determinar a concentração de
oxidantes no ar de interiores52. Simulando as condições do ar em ambientes
internos, ZHANG et al.53 mostraram reações de O3e NO2 com COVs insaturados,
formando aldeídos e ácidos orgânicos. Sabe-se que o ozônio é um agente oxidante
muito poderoso; esse gás reage rapidamente com certas classes de compostos
orgânicos, especialmente aquelas que contém ligação insaturada carbono-carbono,
gerando aldeídos e/ ou cetonas. Além de reações em fase gasosa, o ozônio
participa também de reações em meio heterogêneo (exemplo, ozônio e borracha),
gerando uma série de produtos de oxidação54 e, conseqüentente, causando a
deterioração de materiais de construção e mobiliário dos recintos fechados.
Este mesmo ozônio é gerado usualmente, em pequena quantidade, por máquinas
fotocopiadoras55 e impressoras a laser. Recentemente, Andersson et al.56
mostraram a reação entre estireno e ozônio em equipamento de ventilação
simulada. A reação foi realizada num tempo de 23 segundos, tempo esse
suficientemente razoável para o ar externo passar através dos dutos de ar de um
determinado prédio, mostrando que a mesma reação entre COVs e ozônio é possível
em condições ambientais reais.
Já o oxigênio, por sua vez, pode interagir com substâncias reativas e / ou luz,
formando espécies reativas, tais como dióxido de nitrogênio, oxigênio
singlete57, superóxido, peróxido de hidrogênio e peróxidos orgânicos. Esses
transientes podem desempenhar um papel importante em reações redox, em
atmosfera de ambientes fechados.
Outro gás freqüentemente encontrado tanto em ar externo quanto interno é o
dióxido de nitrogênio. Esse gás oxidante é normalmente produzido por processos
de combustão. Segundo Samet et al.58, a U. S. E. P. A. estabeleceu como
concentração máxima anual média permitida de NO2 na atmosfera o valor de 53
ppb.
Atualmente, existem vários estudos sendo publicados tratando da problemática da
presença de agentes oxidantes na formação/transformação de contaminantes no ar
de recintos fechados59a-b,60. Essa nova tendência de pesquisa torna o estudo do
ar de interiores ainda mais atraente.
3.6. Contaminantes externos
No Brasil, onde a ventilação do ambiente geralmente é feita deixando-se as
janelas abertas, a poluição do ar externo, principalmente por fumaça de
veículos e emissões industriais, é o principal determinante da qualidade do ar
de interiores, tanto em residências como em escritórios e casas comerciais
situados próximos ao nível da rua61. A qualidade do ar externo é de importância
óbvia na qualidade do ar interno. Se o ar externo não é de boa qualidade, o ar
interno dificilmente será bom. Nesses casos, o ar externo deveria ser limpo
através dos equipamentos de ventilação, antes de entrar no ambiente fechado.
Entretanto, medidas sérias deveriam ser tomadas a fim de se reduzir a poluição
do ar urbano.
As emissões de COVs por veículos desempenham um papel importante na formação do
"smog" fotoquímico, que tem ocorrido em áreas urbanas populosas no
mundo inteiro62. O "smog" fotoquímico é uma mistura de poluentes
secundários tais como ozônio, dióxido de nitrogênio, ácido nítrico, aldeídos e
outros compostos orgânicos, formados a partir de reações fotolíticas entre
dióxido de nitrogênio e hidrocarbonetos63. Portanto, a queima de combustível
por veículos é uma das maiores fontes de poluentes em áreas urbanas, da qual
uma boa porcentagem migra para os prédios, contribuindo para a poluição do ar
interno64.
Vários estudos têm demonstrado que a qualidade do ar externo tem um impacto
significativo no ar interno. FIELDet al. 65 monitoraram uma ampla variedade de
poluentes no ar tanto interno quanto externo durante uma inversão térmica em
Londres. Foi observado, nesse estudo, que porcentagens significativas de
concentração de COVs específicos encontrados no ar externo estavam presentes no
ar interno.
Apesar da importância do conhecimento da composição de poluentes na atmosfera
urbana, existem poucos estudos relacionados a esse problema no Brasil66,67,68.
Grande parte desses estudos foram realizados no eixo Rio-São Paulo, tendo como
principal objetivo estudos de níveis de aldeídos em atmosferas urbanas
brasileiras. Esse interesse se deve, em parte, à utilização de etanol como
combustível alternativo no país69a-d,70. Ainda assim, existem muitas lacunas a
serem preenchidas, e existe uma necessidade imediata de estudos mais
sistemáticos relacionando à interação de diferentes poluentes na atmosfera
urbana tropical. Lamentavelmente, apesar do Brasil estar localizado em uma
região tropical, não existe nenhum grupo de pesquisa brasileiro estudando os
efeitos fotoquímicos em atmosfera tropical. Em resumo, o estudo da poluição
atmosférica no Brasil ainda é pouco desenvolvido e aquele relacionado à QAI,
praticamente inexistente6-12.
4. SÍNDROME DO EDIFÍCIO DOENTE
A baixa qualidade do ar de interiores têm sido relacionada a um número de
efeitos adversos à saúde humana, levando a Organização Mundial da Saúde (OMS) a
classificar a Síndrome do Edifício Doente como um problema de saúde pública. O
termo Síndrome do Edifício Doente (SED) é utilizado para descrever situações
nas quais os ocupantes de um determinado edifício experimentam efeitos adversos
à saúde e ao conforto. Esses efeitos parecem estar vinculados ao tempo de
permanência no edifício, mas nenhuma doença específica, ou causa, pode ser
identificada. As reclamações podem estar localizadas em uma determinada área ou
sala, ou podem estar disseminadas por todo o edifício. Esse tipo de síndrome
ocorre principalmente em edifícios selados, embora também tenha sido observada
em edifícios que são ventilados naturalmente. A SED é um problema mundial, e a
circulação mecânica do ar parece ser um fator bastante importante na sua
prevalência. Milhões de pessoas, no mundo inteiro, trabalham em locais onde a
ventilação é regulada através de sistema de circulação mecânica do ar71,72.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a SED é causada por emissões de
contaminantes por fontes de várias origens, isoladas ou associadas, e pode
produzir diversos sintomas. Essas condições ambientais adversas produzem altas
taxas de absenteísmo e considerável redução dos níveis de produtividade do
trabalhador. Os sintomas decorrentes da síndrome podem estar ligados a
poluentes de origem química ou biológica.
As pessoas podem reclamar de um ou mais dos seguintes sintomas: irritação e
obstrução nasal; desidratação e irritação da pele, ocasionalmente associada a
rachaduras na superfície da pele exposta ao ambiente; irritação e secura na
garganta; irritação e sensação de secura nas membranas dos olhos; dor de
cabeça, letargia e cansaço generalizado, levando à perda de concentração.
Normalmente, esses sintomas aumentam durante a permanência no prédio (hora de
trabalho) e diminuem rapidamente ao sair do prédio para o almoço e ao retornar
para casa. A maioria dos sintomas, com exceção dos sintomas cutâneos, melhoram
nos fins de semana e desaparecem completamente nas férias. Enfim, a Síndrome
dos Edifícios Doentes implica, necessariamente, em um local de trabalho
desagradável, com eficiência de trabalho reduzida e aumento nas faltas.
5. DOENÇAS, ALERGIAS E CONTAMINANTES QUÍMICOS
Atualmente, uma proporção cada vez maior de pessoas está trabalhando em
ambientes de escritórios em empregos relativamente sedentários. Como resultado,
tem havido uma maior preocupação relacionada à exposição crônica, a níveis
baixos de poluentes presentes usualmente em ambientes fechados. A resposta do
trabalhador à qualidade de ar precária freqüentemente resulta numa reclamação
de saúde não específica, reclamação essa que raramente pode ser diretamente
relacionada a um determinado agente químico ou biológico presente no meio
ambiente de escritório.
Dentre os poluentes analisados nesta revisão, os compostos orgânicos voláteis
totais (COVsT) têm sido associados à presença de odores73, irritação nos olhos,
nariz e boca. Numerosos estudos investigaram o efeito na saúde relacionados à
inalação de formaldeído. Segundo SAMET et al.74,o limite humano para detectar o
odor desse gás está na faixa de 60-1200mg/m3. Já a faixa de exposição na qual
foi diagnosticada irritação na garganta oscila entre 120 e 3000mg/m3 na maioria
dos indivíduos, enquanto irritação nos olhos tem sido registrada em níveis de
100mg/m3. LEISLIE75 relata vários trabalhos relacionados aos efeitos do
formaldeído na saúde humana e, em particular, ao potencial carcinogênico dessa
substância. Segundo HAYS et al.76, o grupo de estudos da OMS, responsável pela
exposição de poluentes no ar interno, concluiu que concentrações de formaldeído
menores que 0,05 ppm são aceitáveis, enquanto que concentrações maiores que
0,10 ppm são preocupantes.
Foi comprovado que níveis elevados de material particulado estão associados com
o decréscimo da função pulmonar e aumento prevalente de doenças
respiratórias77,78,79. Estudos realizados por DOCKERY mostraram que
concentrações relativamente baixas de matéria partículada respirável têm sido
associadas a um aumento de risco de bronquite aguda em crianças. Outro estudo,
bastante interessante, realizado por POPE et al.80, mostrou que a matéria
particulada inalável (MPI) tem sido associada ao aumento de sintomas
respiratórios e uso de medicação. Por exemplo, uma concentração de 150µg/m3 de
MPI durante um período de 24 horas, foi associada a um aumento de 26% em
sintomas respiratórios superiores e a um aumento de 217% no uso de medicação
usual para asma, quando comparada com o número de casos numa concentração de
50µg/m3.
Atualmente, já está mais do que provado que a exposição de não-fumantes à
fumaça de tabaco (o que caracteriza o chamado fumante passivo ou involuntário)
está associada ao aumento de casos de doenças respiratórias e decréscimo das
funções pulmonares81,82 e do crescimento. MURRY e MORRISON83 relataram um
aumento de reação bronquial e da severidade de sintomas, em crianças com asma,
que moram com mãe fumante. Recentemente, a Administração de Alimentos e
Medicamentos Americana (FDA), classificou a nicotina (principal alcalóide do
cigarro) como droga, regulamentando seu uso.
Devido a sua alta reatividade, os compostos oxidantes exercem um efeito
bastante nocivo à saúde. O ozônio, um gás insolúvel em água, é conhecido por
causar mudanças funcionais e efeitos bioquímicos e morfológicos adversos às
vias respiratórias84,85,86. Já o gás NO2 causa efeitos similares ao ozônio, mas
requer concentração mais elevada. Este gás causa dano oxidativo via geração de
radicais livres, que podem oxidar aminoácidos no tecido protéico. O NO2 também
inicia a peroxidação de ácidos graxos poliinsaturados nas membranas celulares
do pulmão87.
Paralelamente, a níveis baixos, o CO pode produzir sintomas não específicos,
parecidos com a gripe. BAKER et al88observaram sintomas como dores de cabeça,
letargia, náusea ou desmaios em crianças com níveis de carboxihemoglobina entre
2% e 10%. O nível normal é de 0,6%89. Níveis de até 3% podem ser encontrados em
não fumantes, podendo ainda ser considerados dentro do limite normal90. Segundo
esses autores, níveis entre 10 e 15% podem ser registrados após fumar-se um
cigarro. O poder carcinogênico do gás radônio é confirmado pelo consenso de
opiniões de agências de saúde internacionais91.
Enfim, já existem muitos estudos relacionados ao efeito adverso na saúde para
várias classes de poluentes. Contudo, ainda há muitas lacunas a serem
preenchidas, principalmente relacionadas ao efeito sinérgico desses poluentes
na saúde humana e a um consenso dos níveis de exposição em ambientes não
industriais.
6. SINERGISMO E SENSIBILIDADE QUÍMICA MÚLTIPLA
Compreender os possíveis efeitos na saúde associados aos contaminantes do ar em
ambientes internos é fundamental para diagnosticar e remediar os problemas de
qualidade do ar nestes ambientes. Todos os contaminantes analisados nesta
revisão são responsáveis por inúmeros efeitos prejudiciais à saúde. Contudo,
existe uma considerável incerteza relacionada ao período de exposição e
concentração desses contaminantes para ocasionar problemas de saúde
específicos, uma vez que o ser humano reage muito diferentemente à exposição
aos poluentes. Além disso, do ponto de vista de diagnóstico, é muito difícil
relacionar a exposição, nessas condições, à sintomatologia dos ocupantes dos
recintos fechados. Essa é uma área da Epidemiologia e da Clínica Médica que
necessita amadurecer.
O desenvolvimento de doenças alérgicas em indivíduos saudáveis é o resultado da
interação entre a predisposição genética para reagir com antígenos e a
exposição a fatores ambientais. Existem vários estudos na literatura92,93
indicando que fatores ambientais têm um papel fundamental no desenvolvimento de
doenças alérgicas em gêmeos idênticos. Em outras palavras, pessoas que são
expostas a poluentes no ar interno por um período de tempo mais longo são
freqüentemente aquelas mais suscetíveis à poluição em ambientes internos. Tais
grupos incluem as crianças, os idosos, e os pacientes que sofrem doenças
crônicas, especialmente as respiratórias e cardiovasculares.
Vários poluentes químicos usualmente presentes em ar de ambientes internos,
tais como o benzeno e o formaldeído, são agentes carcinogênicos. Os poluentes
biológicos podem comportar-se como patogênicos ou alergênicos e, de acordo com
seu desenvolvimento, provocam a queda de produtividade ou o absenteísmo. Os
ambientes fechados climatizados artificialmente têm como principal fonte de
poluição biológica as bandejas de condensação das máquinas de ar condicionado.
Mesmo quando os níveis de contaminantes individuais não representam risco à
saúde significativo, pequenas concentrações desses poluentes podem causar um
efeito clínico em seres humanos, tendo em vista que a exposição é regular. Esse
efeito sinergístico tem sido diagnosticado como "sensibilidade química
múltipla".
A sensibilidade química múltipla é uma condição na qual um determinado
indivíduo é sensível a um número específico de substâncias químicas, todas em
concentrações muito baixas. FIEDLER et al.94 mostraram que os sintomas não são
consistentes com as propriedades toxicológicas das substâncias envolvidas, nem
com o nível de exposição. Existe muita controvérsia relacionada à questão da
sensibilidade química múltipla. Ainda se discute se existe realmente uma doença
física, ou se ela é psicossomática.
Recentemente, GÓRSKI et al.95 publicaram um estudo mostrando a ocorrência de um
efeito sinergístico entre a presença da fumaça do tabaco (fumante passivo) e
concentrações baixas de formaldeído (<25,0-50,0mg/m3), na prevalência de asma.
7. PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO
Além dos problemas de saúde, existe também o problema da deterioração de obras
de arte e literárias pelos contaminantes presentes no ar. Os principais agentes
de deterioração de acervo documental são: umidade e temperatura, insetos,
fungos e roedores, poluição ambiental e iluminação96-100.
Os materiais orgânicos em geral, especialmente os de origem natural, como o
papel, o couro e o pergaminho, necessitam de uma determinada quantidade de água
em sua estrutura molecular. Em ambientes úmidos, como na maior parte do Brasil,
estes materiais tendem a absorver água. O excesso de umidade favorece a
combinação com poluentes atmosféricos, formando ácidos, que por sua vez
promovem reações de hidrólise da celulose. O desenvolvimento de
microorganismos, responsáveis pela deterioração biológica, também está ligado a
essas condições.
Dentre os poluentes mais agressivos às obras, destacam-se a poeira101,102. 103,
o gás ozônio104e os óxidos ácidos gerados a partir da queima de combustíveis
(NOx, SOx ). A deposição contínua da poeira sobre os documentos prejudica a
estética das peças, favorece o desenvolvimento de microorganismos e pode
acelerar a deterioração do material arquivístico devido aos ácidos nele
contidos105a-b. Por outro lado, os óxidos ácidos agridem mais rapidamente a
estrutura química dos materiais construtivos das peças do acervo.
A luz, natural ou artificial, é um tipo de radiação eletromagnética capaz de
produzir alterações físico-químicas na estrutura dos materiais usualmente
utilizados na confecções de documentos, induzindo a um processo de
envelhecimento acelerado106. As radiações são classificadas de acordo com seus
comprimentos de onda. Desse modo, a radiação ultravioleta situa-se entre 200 e
400 nm, a radiação visível entre 400 e 700 nm e a infravermelha acima de 700
nm. Embora as três radiações mencionadas sejam potencialmente agressivas à
documentação gráfica, os mecanismos de fotodegradação são diferentes, devido às
diferenças de energia envolvidas, correspondentes aos comprimentos de onda107.
A deterioração fotoquímica depende de diversos fatores como, por exemplo, a
faixa de comprimento de onda, a intensidade de radiação, e o tempo de exposição
e natureza química do material documental (papel, pergaminho, couro, etc. ).
Em resumo, a presença de contaminantes químicos pode danificar o material
artístico e bibliográfico mantido em museus e bibliotecas espalhadas pelo
Brasil.
8. EDUCAÇÃO E CONSCIÊNCIA AMBIENTAL DA POPULAÇÃO
A educação, no contexto sugerido por essa seção, está limitada à divulgação de
informações, para os ocupantes de prédios e residências, da existência de
poluentes no ar de interiores e a importância de se entender os mecanismos/
ações que os ocupantes podem realizar a fim de reduzir, ou mesmo eliminar,
contaminantes geralmente encontrados em ambientes fechados.
A literatura está repleta de estudos indicando que a maioria dos prédios em que
ocorrem reclamações dos ocupantes, procedimentos de manutenção inadequados,
tais como filtros de ar condicionado sujos ou mesmo inexistentes, dutos e
bandejas de ar condicionado sujos, e fotocopiadoras sem sistema próprio de
exaustão têm sido o motivo principal do desconforto.
O conhecimento, pelos ocupantes desses ambientes, de situações que poderiam
contribuir para o aumento das concentrações de agentes químicos e biológicos em
recintos fechados, possibilitaria uma remediação mais efetiva por parte do
pessoal encarregado da manutenção do prédio, ou do proprietário da residência.
Nos últimos anos, têm ocorrido inúmeras reportagens abordando a problemática da
poluição do ar de interiores, realizadas pela imprensa falada e escrita108,109.
Contudo, a disponibilidade de informações para o público leigo não fornece
nenhuma garantia de que a informação será utilizada. O uso da informação
dependerá da motivação do indivíduo e disponibilidade de ação, pois muitas das
vezes os ocupantes de prédios comerciais não possuem nenhum controle sobre o
seu ambiente de trabalho. Logo, o simples conhecimento das possíveis causas de
desconforto e habilidade de detectar possíveis fontes possibilitaria ao
ocupante esclarecido exercer pressões junto ao setor responsável pela
manutenção do seu local de trabalho. Por exemplo, a pressão para a prática de
simples padrões de higiene pessoal, tais como dar descarga no toalete após uso,
pode reduzir a contaminação por agentes microbiológicos gerados por atividades
humanas. Além disso, os ocupantes podem pressionar os responsáveis pela
manutenção do prédio a seguir os padrões mínimos de ventilação e limpeza no
sistema de circulação mecânico do ar, práticas essas que minimizam o potencial
de contaminação química e biológica.
Essa educação pode ter a forma de informações gerais através de cartilhas,
palestras e vídeos, elaborados numa linguagem simples e rica, com exemplos de
maneiras de detectar e remediar as fontes mais comuns de poluição do ar em
recintos fechados. Da mesma maneira, o pessoal ligado à manutenção do prédio
deve ser treinado para entender aspectos da QAI na rotina de seu trabalho.
Muitas atividades de manutenção afetam diretamente a QAI, e algumas podem
ocasionar problemas graves. Logo, os ocupantes devem estar conscientes dos
aspectos básicos da QAI e de como suas atividades podem ter um impacto direto
na sua saúde e conforto.
9. PERSPECTIVAS
A QAI é uma área de pesquisa emergente no Brasil, e ainda existem inúmeras
lacunas a serem preenchidas. Dentre os assuntos que merecem atenção futura
estão:
A avaliação química e microbiológica de ambientes residenciais, escolares,
hospilares e de lazer. Dentre esses ambientes, o residencial merece atenção
especial, uma vez que é o local no qual a maioria das pessoas passa grande
parte do seu tempo.
A necessidade de implantação de metodologias analíticas para outros tipos de
contaminantes usualmente encontrados em tais ambientes. Dentre os principais
contaminantes que precisam ter metodologia implantada no Brasil, estão o
ozônio, NO2 e outros gases oxidantes, radônio, compostos orgânicos semi-
voláteis, micotoxinas, endotoxinas e alérgenos de microorganismos e ácaros
domésticos.
Avaliação, em nível nacional, da QAI. As pesquisas até agora realizadas estão
concentradas no eixo Rio-São Paulo. Com a implantação do Programa de Qualidade
do Ar de Interiores no CESTEH - ENSP - FIOCRUZ espera-se a adesão de outros
grupos no país, com o intuito de fazer um levantamento mais abrangente das
condições ambientais em tais sistemas, em âmbito nacional. Seria, também,
extremamente importante, a participação de profissionais especializados em
engenharia de ar condicionado, arquitetura e urbanismo, saúde pública,
epidemiologia, toxicologia, catálise, e fotoquímica da atmosfera.
Levantamento estatístico dos dados ligados à questão da QAI. O atual estágio
de desenvolvimento da QAI no Brasil não permite nenhum estudo estatístico
relacionando os problemas de saúde à baixa qualidade do ar respirado em locais
fechados. Espera-se que futuros trabalhos apresentem uma avaliação
epidemiológica junto com o monitoramento químico e microbiológico.
A implantação e consolidação de uma estrutura legislativa fundamentada em
estudos sistemáticos e com o consenso de opiniões de autoridades científicas
que atuem em diferentes áreas de pesquisa. Provavelmente, a melhor solução
seria a criação de um grupo, sem vínculo com o governo federal, para
coordenação de assuntos relacionados à legislação, junto aos ministérios
governamentais competentes (Ministério do Trabalho e da Saúde). Talvez, a
BRASINDOOR possa servir de elo entre a comunidade científica e as autoridades
governamentais.
Estudo da dinâmica de poluentes e a variação de parâmetros físicos, assim
como o estudo cinético da reatividade de contaminantes no ar de ambientes
internos.
A criação de um banco de dados de emissão de COVs por produtos produzidos no
país. Isto pode servir de base para orientar a indústria e os consumidores no
sentido de utilizar materiais com níveis de emissões reduzidos.
Esses são apenas alguns exemplos do muito a ser realizado pela Química, em
benefício da QAI. Um programa de Qualidade do Ar de Interiores bem estruturado
pode servir como uma das vértice de um programa de medicina preventiva no país.