Flavonóides das flores de Stiffitia chrysantha Mikan
INTRODUÇÃO
A família Asteraceae compreende 1100 gêneros com aproximadamente 25000 espécies
encontradas freqüentemente em regiões tropicais, subtropicais e temperadas,
ocorrendo tanto em localidades ao nível do mar como atingir os picos das mais
altas montanhas1.
Stiffitia chrysantha Mikan apresenta-se como arbusto alto muito ramificado,
ocorre desde a Bahia até São Paulo e é comum nas matas do Estado do Rio de
Janeiro. Trata-se de um arbusto ornamental, devido a presença flores vistosas,
sendo muito usada para arranjos florais2. O presente trabalho descreve o
primeiro estudo fitoquímico do gênero Stiffitia onde revelamos o isolamento de
flavonóides e de um esteróide glicosilado das flores de Stiffitia chrysantha.
As estruturas das substâncias isoladas foram estabelecidas com base na análise
de dados espectrais, principalmente RMN 1H e 13C uni e bidimensional.
Nos últimos anos tem-se observado um interesse crescente no estudo da atividade
biológica de plantas que contém flavonóides. Neste sentido tem-se desenvolvido
trabalhos sobre ação dos flavonóides na biologia das plantas, bioquímica
ecológica, quimiotaxônomia, tecnologia de alimentos e farmacologia. Levando em
consideração estes fatores, tornam relevantes os conhecimentos sobre as fontes
naturais de flavonóides. Para melhor contribuir com os estudos da atividade
biológica dos flavonóides é importante sua identificação correta nos extratos
de plantas, até mesmo quando eles se apresentam como traços3. A flavona
luteolina (1) ocorre freqüentemente nos tecidos florais, quercetina (2) dá a
cor creme pálida ou branca às flores que são muito características de
Asteraceae4. Os flavonóides por serem compostos fenólicos agem como potentes
antioxidantes e formam quelatos com os metais. Eles agem contra vírus,
bactérias, fungos e na alimentação, reprodução e desenvolvimento animal,. Podem
também interferir na germinação de sementes e reprodução de mudas5. Devido a
importância e a potencialidade química dos flavonóides, evidencia-se a
necessidade da intensificação das investigações de diversos substratos de
plantas que contenham estas substâncias. Neste primeiro estudo fitoquímico da
espécie Stiffitia chrysantha observamos que esta apresenta-se como uma
produtora em potencial de flavonóides, destacando-se a quercetina pela
atividade inibidora de crescimento e proliferação de células malignas e
promoção de tumores. Estudos recentes revelaram que a quercetina (2) inibe a
atividade de várias enzimas, incluindo a CAMP (independente proteína quinase,
Ca++-fosfolipídeo dependente proteína quinase) associada com tumores mamários.
A atividade anti-tumoral da quercetina (2) tem sido usada como parâmetro de
avaliação da atividade de outros flavonóides6.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Uma mistura dos flavonóides 1 e 2 do extrato etanólico revelou absorção em 3250
cm-1 atribuída ao estiramento de hidroxila fenólica, absorções em 1450 e 1510
cm-1 referentes a presença de estiramento de C=C de anel aromático e a banda em
1640 cm-1 correspondente a estiramento de carbonila conjugada.
A análise do espectro de RMN de 1H mostrou a presença de sinais de hidrogênios
aromáticos. Os dois dubletos (J = 2,0Hz) em d:6,25 e d:6,51 foram atribuídos
aos hidrogênios H-6 e H-8, do anel A, respectivamente. O espectro de RMN
bidimensional de correlação heteronuclear de carbono e hidrogênio ligados entre
si (1Hx13C - COSY - 1JCH) mostrou sinal de correlação entre H-6(d:6,25) com o
sinal dc 98,46(C-6) e H-8(d:6,51) com dc93,60(C-8). Os sinais dos carbonos
quaternários oxigenados presentes nos espectros de RMN de 13C (PND): 164,30;
161,13; 156,63 ppm são compatíveis com as freqüências dos carbonos oxigenados
deste anel.
O espectro de RMN 2D (1Hx1H-COSY) mostrou sinal de interação entre um duplo
dupleto em 7,71 ppm e os sinais em dH: 6,98 e 7,82 ppm. O número de hidrogênios
hidroxílicos revelados no espectro de RMN de 1H e os sinais adicionais de
carbonos aromáticos quaternários dc: 136,08; 145,38 e 147,99 e dCH: 120,36;
116,27; 115,45 ligados aos prótons que absorvem, respectivamente, em 7,71; 6,98
e 7,82 ppm, são compatíveis com o anel B. O sinal em 136,08 ppm representa um
carbono quaternário carbinólico idêntico ao C-3 da quercetina 1 registrado na
literatura7.
A presença dos sinais de menor intensidade em 6,58(s), 6,98(d, J= 8,0Hz), 7,47
(dd, J= 2,0 e 8,0 Hz), e 7,51(d, J= 2,0Hz) presentes no espectro de RMN de
próton e os demais sinais de menor intensidade presentes no espectro de RMN de
carbono-13 permitiram identificar outra flavona na amostra analisada. O
acoplamento do sinal em 103,3 ppm (C-3) com o sinal em 6,58ppm (H-3) (1JCH) é
compatível com a presença da luteolina 2 como um componente em menor
percentagem na mistura. A Tabela_1 faz comparações dos deslocamentos químicos
dos carbonos de 1e 2 com os modelos da literatura7. Esta comparação facilitou a
identificação dos constituintes da mistura.
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A literatura faz atribuições diferentes para as freqüências dos carbonos C-5 e
C-9 (Tabela_1) e os sinais de interações a duas ligações (2JCH) observados no
espectro bidmensional (1Hx13C-COSY) do H-6 e OH-5 com C-5 e do H-8 com C-
9 permitiram atribuir inequivocamente os deslocamentos químicos dos átomos de
carbono dos componentes na mistura.
Os íons fragmentários correspondentes aos picos registrados no espectro de
massas por impacto de elétrons com m/z: 137(100) e 95(27), serviram para a
confirmação do padrão de substituição do anel B de 1 e 2.
A obtenção do derivado acetilado (1a e 2a) da mistura contendo as substâncias 1
e2 permitiu a confirmação das estruturas propostas. O espectro de RMN1H do
derivado acetilado da mistura revelou três sinais simples correspondentes a
grupos acetoxilicos: 2,32; 2,34; 2,42 ppm. A análise dos sinais de hidrogênios
aromáticos mostra claramente que houve deslocamentos paramagnéticos de H-6
(Dd=0,55 ppm) e H-8 (Dd=0,81 ppm), devido aos efeitos do grupo acetoxilicos já
revelados na literatura8.
O espectro 2D de interação homonuclear (1Hx1H-COSY) do derivado acetilado
mostra a interação entre H-6 (dH: 6,88 d, J= 2,0Hz) com H-8 (dH: 7,31 d, J=
2,0Hz) e de H-6' (dH 7,75 dd, J= 2,0Hz e J= 8,0Hz) com H-5' (dH: 7,4 d, J=
8,0Hz). Isto serviu para confirmar a atribuição do deslocamento químico de H-2'
(dH: 7,70d) em campo mais baixo do que o H-5'.
As diferenças significativas dos deslocamentos químicos dos átomos de carbono-
13 aromáticos da mistura de 1 + 2observadas pela comparação com os dados
correspondentes aos derivados acetilados (1a +2a) foram consistentes com as
alterações eletrônicas provocadas pela conversão dos grupos hidroxílicos em
acetoxílicos. A blindagem dos carbonos ipso C-5, C-7,C-3' e C-4' em1a e C-3, C-
5, C-7, C-3' e C-4' em (2), é devido ao efeito g de proteção exercido pelo
átomo de oxigênio carbonílico e pelo grupo metila da função acetoxila. Os
carbonos em posição orto e para ao grupo acetoxilico sofrem um efeito
desprotetor devido a diminuição da capacidade de blindagem resultante do efeito
mesomérico de átomos de oxigênio. Isto ocorre devido a presença de grupo
carbonila [-OAc- retirador de elétrons (efeito indutivo e mesomérico)] que,
atenua a deslocalização dos elétrons não compartilhados do heteroátomo.
O espectro de I.V. da substância 3 apresentou banda de absorção em 3300 cm-1que
foi atribuída a estiramento de grupos hidroxílicos, absorção em 1650 cm-1,
referente ao estiramento do grupo carbonila conjugada e as bandas em 1600 e
1450 cm-1que indicam a presença de anel aromático.
O espectro de RMN 1H possui dois sinais na região de prótons aromáticos: dH:
7,02 (d, J= 2,0Hz, 1H); dH: 6,86 (d, J= 2,0Hz, 2H) e o sinal de 2H em dH: 5,94
(d, J= 2,0Hz ). Os sinais de absorção de carbono-13 presentes no espectro 1D
(PND) em dC: 114,74; 115,94; 119,20; 96,74 e 95,83, são compatíveis com sinais
de cinco carbonos metínicos aromáticos protegidos. O sinal de próton
carbinólico: dH: 5,38(dd, J= 12,60 e J= 3,10Hz) e os dois duplo dubletos de
dois prótons metilênicos em dH: 2,74 (dd, J= 17,10 e J= 3,10Hz) e dH: 3,13 (dd,
J= 12,60 e J= 3,10Hz) permitem propor a estrutura da flavona eriodictiol 3já
registrada na literatura7. Os valores das constantes de acoplamento (J= 3,1Hz e
J= 12,6Hz) permitiram sugerir a posição axial para H-2. O valor dos
deslocamentos químicos de H-3ax e H-3eq contrariam a generalização de maior
proteção para hidrogênios em posição axial em relação ao hidrogênio em posição
equatorial. Isto mostra que o hidrogênio em posição equatorial (H-3eq) está
dentro do cone de proteção da carbonila (3c).
O derivado metilado da substância 3, permitiu a confirmação da estrutura
através da análise do espectro obtido por experiência com irradiação dupla nas
freqüências dos prótons metoxílicos e posterior diferença de espectro. A
irradiação emdH: 3,82 (MeO-7) gerou NOE de 11% emdH: 6,06 (H-6 e H-8). Esta
interação espacial entre os prótons revela claramente a proximidade de H-6 e H-
8 com este grupo metoxila. A posição orto das hidroxilas do anel B, foi
confirmada com a irradiação dos prótons metoxílicos do derivado (MeO-4': 3,86 e
MeO-3': 3,91 ppm) que exerceu NOE em H-5' (6,89 ppm; 5%) e em H-2' (6,98 ppm;
7%), respectivamente.
O espectro I.V. da substância natural 4 apresentou absorções em: 3370 cm-
1 devido a estiramento de OH e as absorções em 2950, 2850, 1420, 1380 cm-1que
são dos grupos -CH, -CH2 e -CH3 da substância analisada.
A amostra foi insolúvel nos solventes orgânicos usuais para registro de
espectro de RMN 1H e 13C e, consequentemente, foi necessário preparar o
derivado acetilado (4a). Os espectros de RMN 13C e DEPT q = 90o e 135o
forneceram o número de átomos de carbono correspondentes a C, -CH, -CH2 e -CH3
e permitiu identificar o derivado 4a como um esteróide glicosilado.
Os resultados obtidos através dos espectros de RMN 13C do derivado acetilado
foram utilizados, também, para analisar corretamente os deslocamentos químicos
dos átomos de carbono-23 (-CH2: 25,94 ppm) e 25 (CH: 29,06ppm). Isto confirma
as observações de Alves e col.9 e Itoh e col.10 que chamaram a atenção para as
atribuições incorretas existentes na literatura11.
Os íons fragmentários correspondentes aos picos m/z: 256(21), 169(17), 109(20),
97(42) e 69(65), entre outros, estão de acordo com a estrutura proposta para
esta substância. O pico m/z:109(20) confirma a presença da dupla ligação entre
os carbonos 5 e 6. Todos estas informações permitiram definir a estrutura para
as atribuições da substância natural 4como 3 b-O-b-D-glicopiranosilsitosterol.
PARTE EXPERIMENTAL
Procedimentos Experimentais Gerais. A análise das frações foi feita por
cromatografia usando Sílica-gel da Merck para coluna e GF 254 para camada fina
analítica e preparativa. As substâncias foram reveladas utilizando vapores de
iodo e/ou irradiação ultravioleta nos comprimentos de onda 254nm e 366nm. Os
solventes utilizados foram da Merck ou Vetec. A eliminação dos solventes do
extrato e das frações de colunas cromatográficas foi feita em evaporador
rotatório BUCHI à pressão reduzida.
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Os pontos de fusão foram determinados em aparelhos MEL-TEMP II e não foram
corrigidos.
Os espectros de I.V. foram registrados em pastilhas de KBr num espectrômetro
Perkin-Elmer 1420, existente no departamento de Química da UFRuRJ.
Os espectros uni-(1D) e bidimensionais (2D) foram registrados em um
espectrômetro AC-200 do Bruker, operando a 200 MHz para hidrogênio e 50,3 MHz
para carbono-13 com pulsos de freqüência e transformada de Fourrier. As
amostras para análise foram dissolvidas em acetona-d6 ou em CDCl3, tendo TMS
como referência interna e colocada em tubo de 5 mm de diâmetro.
Os espectros de massas foram registrados em AutoSpecQ EI + Magnet Bpm: 55,
existente no Núcleo de Produtos Naturais (NPPN) da UFRJ.
Material vegetal. As flores de Stiffitia chrysantha de um especimem coletado no
campus da UEL (Universidade Estadual de Londrina) foram submetidas a secagem em
estufa a 60oC. O material seco (267 g) foi exaustivamente extraído com etanol
95% resultando em 130,99 g de extrato bruto.
Isolamento da mistura de 1 e 2. O extrato bruto foi fracionado por meio de
cromatografia em coluna, utilizando-se Sílica-Gel 60 e eluentes em polaridades
crescentes (diclorometano e acetato de etila), com estes solventes foram
eluídas 554 frações de 500 ml cada. A análise das frações por cromatrografia em
camada delgada revelou que as frações de 3 a 449 eram análogas. Após destilação
do solvente destas frações, obteve-se um sólido amarelo (p.f 278-280oC).
Isolamento da flavanona 3. As frações 1 e 2 apresentaram-se como um solido
vermelho após evaporação do solvente (p.f. 278-280oC). Nesta amostra foi
identificado o Eriodctiol.
Isolamento do esteróide 4.
As frações de 500-554 foram reunidas com base em análise por cromatografia em
camada delgada e forneceu um precipitado branco após a evaporação do solvente
(p.f. 295-300oC).
Acetato da mistura de 1 + 2 e das amostras 3 e 4.
A mistura dos componentes 1 + 2 (116,7mg) e das amostras 3(20,7 mg) e 4
(100mg), foram acetiladas com anidrido acético (2,0 ml) na presença de piridina
(1,0 ml) a temperatura ambiente. Após 24 horas, as amostras foram submetidas ao
tratamento usual de extração: H2O, HCl (5%), e secagem com Na2SO4fornecendo
assim os derivados acetilados 1a+2a, 3a e 4a. Estes derivados foram
identificados através da análise dos espectros de RMN de 1H.
Derivado metilado da mistura de 1 e 2 e da amostra 3. A metilação destas
amostras foi realizada utilizando-se diazometano. Este reagente foi preparado
usando Diazald em éter e KOH alcoólico em banho-maria (40oC) seguido de
destilação para fornecer a solução etérea do diazometano. Após adição do
reagente o produto foi submetido a uma partição com hexano e clorofórmio. As
fases clorofórmicas que continham os derivados foram concentradas em evaporador
rotatório e os produtos secos em pistola de secagem Abder-Haldem forneceram
1b+2b(8,0mg) e 3b (3,0 mg). Estes produtos foram identificados através da
análise dos espectros de RMN de 1H.