Teores de Arsênio em solos de três regiões do estado de Santa Catarina
1. INTRODUÇÃO
O Arsênio (As) é o vigésimo elemento mais abundante na crosta terrestre e pertence ao
grupo V da tabela periódica (Roy et al., 2015). Apresenta alta toxicidade para a saúde humana
e animal e está extensamente distribuído na atmosfera, hidrosfera e biosfera, sendo associado
tanto a fontes naturais, quanto antropogênicas. São fontes naturais, o intemperismo das
rochas, atividades biológicas e emissões vulcânicas (Alonso et al., 2014). As fontes
antropogênicas incluem herbicidas, fertilizantes fosfatados, atividades de mineração, resíduos
industriais e atividades relacionadas à preservação da madeira (Chirenje et al., 2003; Alonso
et al., 2014; Roy et al., 2015).
O As é um elemento calcófilo (Goldschmidt, 1958) e sua mobilidade no solo é regulada
pelo seu estado de oxidação (Tarvainen et al., 2013). No solo, em condições óxicas (Eh >
200 mV; pH 5–8) o As é encontrado na forma As5+, enquanto que o As3+ é encontrado em
condições anóxicas (Mcbride, 1994; Singh et al., 2015). O controle da solubilidade do As na
solução do solo em condições aeróbias é feito pelas formas Ca3(AsO4)2, Mg3(AsO4)2 e As2O5
e em condições anaeróbias, As, As2S3 e As2O3 (Hayes e Traina, 1998).
O comportamento do arsenato no solo é semelhante ao do fosfato e vanadato (Mcbride,
1994; Rosas-Castor et al., 2014). O arsenato sofre adsorção em óxidos de Fe e Al,
aluminossilicatos não cristalinos e, em menor extensão, em argilossilicatos. O arsenato é o
ânion do ácido forte H3AsO4 (ácido arsênico) que possui valores de pKa 2,24; 6,94 e 11,5;
sendo adsorvido efetivamente em pH baixo (Mcbride, 1994). Os ânions AsO2-, AsO4 3-, -HAsO4 2-e H2AsO3 são formas móveis de As, sendo sorvidas em pH entre 7.9 (Mcbride,
1994). O As3+ é 10 vezes mais tóxico que o As5+ (Rosas-Castor et al., 2014). O As está
classificado pela Agency for Toxic Substances and Disease Registry – ATSDR (ATSDR,
2013) em primeiro lugar como a substância mais perigosa à saúde humana.
A maioria dos humanos está exposta a baixas concentrações de As, principalmente
através de ingestão de alimentos e água (Singh et al., 2015). A ingestão de água contaminada
com As talvez seja a via mais comum de intoxicação de seres humanos (Fitz e Wenzel, 2002).
Entretanto, Zakharova et al. (2002) observaram que a exposição a As via ingestão de produtos
agrícolas, contato com a pele e ingestão de solo resultam em alto risco à saúde. A ingestão de
solo pode não ser uma via significante de contaminação para os adultos, porém pode ser
considerável para crianças, particularmente em locais próximos a indústrias ou a locais que
recebem descarte de resíduos de mineração e outros (WHO, 2001).
A importância de se conhecer os teores naturais de elementos-traço no solo, sem
interferência humana, é necessária para o monitoramento e a remediação de áreas
contaminadas e, além disso, contribui para o entendimento da magnitude dos riscos que a
população está exposta diariamente (Tsuji et al., 2007). O acúmulo desses elementos, seja ele
causado por atividades agrícolas ou industriais é preocupante, devido a uma possível
transferência desses elementos para animais e seres humanos (Su e Yang, 2008).
A litologia e os processos de formação do solo estão interligados com os teores de
elementos-traços no solo, sendo comum comparar a composição química do solo com o
material de origem na avaliação de um solo contaminado (Parra et al., 2014). Para monitorar a
contaminação do solo por um elemento, primeiramente, é necessário determinar a
concentração do mesmo no solo em seu estado natural (Tarvainen et al., 2013) e, assim, obter
os VRQ (Valor de Referência de Qualidade) dos solos (Biondi et al., 2011; Mendoza-Grimon
et al., 2014). Os solos apresentam características específicas determinadas pela geologia,
geomorfologia e clima, que determinam os processos pedogenéticos regionais, o que torna
inadequado o uso dos valores genéricos para países e áreas diferentes do local de obtenção
dos dados (Biondi et al., 2011).
A determinação dos teores de As no estado de Santa Catarina, que possui uma área
territorial de 95.913 km2, representando 16,61% da Região Sul e 1,11% da área total do Brasil
(Embrapa, 1998) é de suma importância no auxílio da identificação de áreas contaminadas e
no gerenciamento das mesmas.
Considerando o exposto, o objetivo desse trabalho foi determinar os teores naturais de As
em solos de três regiões do estado de SC sem ação antrópica, que possam ser aplicados em
estudos de monitoramento e remediação no Estado.
2. MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa foi realizada em três regiões do estado de SC, sendo Planalto Sul,
Metropolitana e Litoral Sul (Figura 1).
A classificação das regiões utilizadas nesse estudo é a indicada pela Embrapa (1998) que
realizou o levantamento de reconhecimento de solos do estado de SC. Os 14 solos avaliados
(Tabela 1) são provenientes de um Banco de Solos da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC) e foram coletados, descritos e classificados por Paes Sobrinho (2009);
Costa (2013); Ferreira (2013); Lunardi Neto e Almeida (2013) e Teske et al. (2013).
Figura 1. Mapa de Localização das Regiões Planalto Sul, Metropolitana e Litoral
Sul no estado de SC.
Os perfis foram descritos e amostrados em corte de barranco de estrada, em locais sob
vegetação natural de campo ou de mata, sendo que as amostras utilizadas neste estudo
proveram do Horizonte A. Os mesmos autores que realizaram, descreveram e classificaram os
solos deste estudo, também determinaram os atributos físicos e químicos dos solos, que se
encontram na Tabela 2.
Tabela 1. Regiões, classes pedológicas, material de origem e localização no Estado.
Nota: *Simbologia das Classes de 1º, 2º e 3º níveis de acordo com a Embrapa (2013).
Tabela 2. Atributos físicos e químicos1 e óxidos de Al e Fe2 dos solos.
Fontes: 1Paes Sobrinho et al. (2009); Costa et al. (2013); Ferreira (2013); Lunardi Neto e Almeida (2013); Teske et al. (2013);
conforme metodologia da Embrapa (1999); 2próprio autor, conforme Método USEPA 3051 A (USEPA, 1998); *Dados não
determinados. CO: Carbono Orgânico; pH: potencial Hidrogeniônico; CTC: Capacidade de Troca de Cátions; SB: Soma de
Bases; Al: Alumínio; Fe: Ferro.
As análises foram conduzidas ao Laboratório de Análise Ambiental do Departamento de
Solos e Recursos Naturais do Centro de Ciências Agroveterinárias – UDESC/CAV. As
amostras, após secas ao ar, foram moídas e passadas em peneira com abertura de 2 mm. Após
homogeneizadas, as amostras foram maceradas em almofariz de ágata até pó fino e tamisadas
em peneira de 0,106 mm de abertura. Adicionaram-se 0,25 g de amostra de solo e 6 mL de
solução de HNO3 14,5 mol L-1 em tubos de teflon, os quais foram levados para forno de
Micro-ondas Multiwave 3000 para a digestão segundo método USEPA 3051 A descrito pela
United States Environnmental Protection Agency – USEPA (1998).
Após a digestão e filtragem, o volume final foi completado até 10 mL com água
ultrapura. As análises foram realizadas em duplicata. Em cada bateria foi inserido amostra
referência SRM 2709 San Joaquin soil, certificada pelo National Institute of Standards and
Technology (NIST) e provas em branco para cálculo do Limite de Detecção Qualitativo do
Método Analítico (LDQM) (Tabela 3).
Tabela 3. Teores de As na amostra-controle SRM 2709 determinado e
certificado, teores recuperados e LDQM.
Notas: 1O certificado NIST SRM 2709 apresenta valores de % de recuperação
para lixiviação ácida para As método USEPA 3050 B em bloco digestor.
**valores não determinados pelo NIST (2002).
O LDQM foi calculado segundo a equação LDQM = Fd × (M . t × s) (APHA et al.,
1998), em que Fd é o fator de diluição das amostras, M é a média das provas em branco, t é o
valor t-Student para um intervalo de confiança de 99%, em função do número de graus de
liberdade de medições repetidas; e s, o desvio padrão das provas em branco.
Os teores de As foram determinados por espectrofotometria de absorção atômica com
atomização eletrotérmica (EAA-FG CONTRAA 700 ANALYTIK JENA). As curvas de
calibração foram preparadas a partir de uma solução padrão de 1.000 mg L-1 certificada NIST,
marca MERCK, utilizando-se água ultrapura para diluição. A condição de leitura utilizada
para As foi a temperatura de pirólise de 700 a 1100ºC e como modificador químico Pd (NO3)2
a 1% conforme recomendação do fabricante.
Não foi possível comparar a taxa de recuperação porque o protocolo não apresentou a
porcentagem recuperada para o método lixiviado para As, método similar ao deste estudo.
As análises estatísticas foram conduzidas utilizando-se o programa Sisvar 5.3 (Ferreira,
2010) e o software SAS® (SAS Institute, 2003). Os resultados foram submetidos à análise de
variância e teste de Scott-Knott. Para todos os testes, foi considerado o nível mínimo de 5%
de significância. Os solos da região Litoral Sul foram excluídos das análises estatísticas, pois
todos os resultados analíticos ficaram abaixo do LDQM.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os teores de As nesse estudo variaram de < 0,48 a 9,36 mg kg-1 (Tabela 4).
Tabela 4. Teores médios de As para as regiões Planalto Sul, Metropolitana e Litoral Sul.
Região
As (mg kg-1)
Planalto Sul 6,79 A
Metropolitana 5,55 A
Litoral Sul < 0,48
Nota: As comparações entre as regiões foram testadas pelo teste
de Scott-Knott a nível mínimo de 5% de significância, sendo que
médias seguidas da mesma letra não diferem entre si.
Não houve diferença estatística entre as regiões Planalto Sul e Metropolitana (Tabela 4),
enquanto que para a região Litoral Sul os teores de As dos solos ficaram abaixo do LDQM.
Isso pode ser explicado pelas diferenças no material de origem e relevo das regiões. Os solos
do Litoral Sul são formados por sedimentos recentes de rochas sedimentares, nos quais são
encontrados altos teores de areia, que possivelmente não apresentam minerais que contenham
As, além da baixíssima capacidade de adsorção química desse material. Outra questão é que
os solos do Litoral Sul se encontram em relevo plano e são bem drenados (Costa et al., 2013),
o que permite uma maior lixiviação dos elementos presentes nos mesmos.
Quando comparado às classes de solos dentro de cada região, verifica-se que não houve
diferença significativa nos teores de As (Tabela 5).
Tabela 5. Teores médios de As dos solos das regiões Planalto Sul e Metropolitana.
Nota: As comparações entre classes de solos
dentro de cada região foram testadas pelo teste
de Scott-Knott a nível mínimo de 5% de
significância, sendo que médias seguidas da
mesma letra não diferem entre si.
Na análise de correlação (Tabela 6) os teores de As tiveram correlação significativa e
positiva com a argila (0,89), CO (0,72) e os óxidos de ferro (0,74). Segundo Mcbride (1994) e
Kabata-Pendias (2011) a mobilidade desse elemento é reduzida devido à forte sorção por
argilas, hidróxidos e matéria orgânica.
Tabela 6. Correlação entre os atributos físicos e químicos e os teores de As.
pH Óxidos Óxidos
Notas: **significativo ao nível de 1% de probabilidade (p < 0,01); *significativo ao nível de 5% de
probabilidade (0,01 = p = 0,05) e ns não significativo (p = 0,05); CO: Carbono Orgânico; pH: potencial Hidrogeniônico; CTC: Capacidade de Troca de Cátions; SB: Soma de Bases; Al: Alumínio; Fe: Ferro.
Segundo Wang e Mulligan (2006), a matéria orgânica pode aumentar a mobilidade de
As, pois eles competem pelos sítios de adsorção disponíveis, no entanto, ácidos orgânicos
podem reduzir a mobilidade, sendo agentes de ligação ou formando complexos insolúveis,
especialmente quando saturado com cátions. O As tem alta afinidade por óxidos, motivo pelo
qual houve significativa correlação entre As e óxidos de ferro. Segundo Chirenje et al. (2003),
que obtiveram o mesmo comportamento para solos dos Estados Unidos, os óxidos geram
superfícies reativas, em que o As é adsorvido, formando compostos estáveis e imóveis. Em
geral, solos derivados de rochas ricas em óxidos de ferro, como o basalto, possuem maiores
teores de As, devido à forte adsorção do elemento aos óxidos de Fe. Correlação significativa e
positiva (0,59) foi encontrada com a CTC. Isso ocorre devido à afinidade do oxiânion As de
se ligar nos sítios disponíveis na CTC. Dudka e Market (1992) também encontraram
correlação de 0,75** com a CTC.
Na região Planalto Sul ocorrem solos derivados de rochas ígneas, que originam solos
mais argilosos, com maior capacidade de adsorver o As. São solos menos lixiviados, pois o
relevo é suave ondulado a forte ondulado e moderadamente drenado (Costa et al., 2013;
Ferreira, 2013; Teske et al., 2013).
Campos et al (2013) encontraram teores de 2,03 mg kg-1 para solos do Bioma Cerrado.
Biondi (2010) encontrou teor médio de As de 0,44 mg kg-1 para solos do Estado de
Pernambuco. E para solos do Espírito Santo o teor médio determinado foi de 6,80 mg kg-1
(Paye et al., 2010). Para solos da Cuba, Alfaro et al. (2015) obtiveram 10,8 mg kg-1 de As.
Dantu (2010) encontrou 10,65 mg kg-1 de As para solos na Índia.
Essas diferenças dos teores de As encontrados para os solos de SC em relação a outros
Estados brasileiros e a outros estudos encontrados na literatura internacional se deve às
peculiaridades locais, como a composição do material de origem, a influência dos processos
pedogenéticos e aos atributos físicos e químicos dos solos, que são intrínsecos para cada
ambiente. Por isso, é essencial que os Estados brasileiros e os países estabeleçam seus VRQ.
4. CONCLUSÃO
Não houve diferença entre as classes de solos para as regiões Planalto Sul e
Metropolitana, sendo que na Região Litoral Sul os teores ficaram abaixo do LDQM.
Os teores de As correlacionaram-se positivamente com os teores de argila, CO, CTC e
óxidos de Al e de Fe.