CRESCIMENTO E RELAÇÕES HÍDRICAS EM PLANTAS DE GOIABEIRA SUBMETIDAS A ESTRESSE
SALINO COM NaCl
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA
No Brasil, aproximadamente nove milhões de hectares são afetados pela presença
de sais, cobrindo sete Estados. A maior área afetada está localizada no Estado
da Bahia (44% do total), seguido pelo Estado do Ceará, com 25% da área total do
País (Gheyi & Fageria, 1997). O excesso de sais de sódio afeta as
propriedades físicas e químicas do solo, pois o Na+ aumenta a espessura da
dupla camada iônica difusa, proporcionando a expansão das argilas e,
conseqüentemente, reduzindo a porosidade e a permeabilidade do mesmo. O aumento
da concentração de sódio decorre da drenagem deficiente de áreas irrigadas e do
uso de água de má qualidade na irrigação (Fassbeider & Bornemuza, 1987).
A presença de sais de sódio no solo provoca a redução generalizada do
crescimento das plantas cultivadas com sérios prejuízos para a atividade
agrícola. A redução no crescimento é conseqüência de respostas fisiológicas,
incluindo modificações no balanço de íons, potencial hídrico, nutrição mineral,
fechamento estomático, eficiência fotossintética e alocação e utilização de
carbono (Flower et al.,1986; Bethke & Drew, 1992).
A salinidade na rizosfera acarreta redução na permeabilidade das raízes para
água, dando origem ao estresse hídrico. Em conseqüência, as plantas fecham os
estômatos para reduzir as perdas de água por transpiração, resultando em uma
menor taxa fotossintética, o que constitui uma das causas do reduzido
crescimento das espécies sob condições de estresse salino (O'Leary, 1971). Além
desse fato, o NaCl afeta a síntese e a translocação para a parte aérea da
planta de hormônios sintetizados nas raízes, indispensáveis para o metabolismo
foliar (Prisco, 1980). A goiabeira está entre as três espécies frutíferas de
maior valor econômico para o Nordeste brasileiro (Gonzaga Neto et al., 1990)
com grande potencial para expansão através do plantio irrigado onde ocorrem
freqüentes problemas decorrentes do acúmulo de sais no solo.
Apesar de sua importância, não há registro de estudos sobre o efeito da
salinidade com NaCl no comportamento desta cultura, particularmente no
crescimento e nas relações hídricas.
O objetivo deste trabalho foi estudar os efeitos do estresse salino sobre as
relações hídricas, o crescimento e a taxa de sobrevivência de plantas de
goiabeira 'Rica', em condições de solução nutritiva.
O estudo foi conduzido em casa de vegetação, na Universidade Federal do Ceará,
Câmpus do Pici, no período de setembro a dezembro de 1997. Foram utilizadas
mudas de goiabeira 'Rica', produzidas a partir de sementes fornecidas pela
EMBRAPA - Centro Nacional de Pesquisa de Agroindústria Tropical.
As plantas foram cultivadas em recipientes plásticos, com cinco litros de
capacidade, em solução nutritiva de HOAGLAND & ARNON (1950), com a seguinte
composição química: K2SO4 (0,5M)= 2 mL L-1; KH2PO4 (1M)= 1 mL L-1; MgSO4 (1M)=
1 mL L-1; Ca (NO3)2 (1M)= 4 mL L-1; (NH4)2SO4 (1M)= 1 mL L-1; FeSO4 (1M)= 4 mL
L-1; EDTA (0,08M)= 1 mL L-1. Para cada litro de solução nutritiva, foi
adicionado 1 mL de solução com micronutrientes contendo H3BO3 (2,86 g L-1);
MnCl2.4H2O (1,81g L-1); ZnSO4.7H2O (0,22g L-1); CuSO4H2O (0,08g L-1); e
H2MoO4.H2O (0,02gL-1).
As plantas foram submetidas a sete tratamentos de estresse salino resultante da
adição de 0 (controle); 25; 50; 75; 100; 125 e 150 mmol L-1de NaCl à solução
nutritiva, correspondendo, respectivamente, às condutividades elétricas (CE) de
1,6; 4,5; 7,1; 9,7; 11,3; 13,9 e 16,2 dS.m-1.
O experimento constou de um delineamento inteiramente casualizado, com três
repetições. As sementes foram colocadas para germinar em canteiros contendo
areia fina peneirada. O substrato, durante a germinação e desenvolvimento das
plantas na sementeira, foi mantido saturado através de irrigações diárias.
Quando as plantas apresentaram quatro pares de folhas definitivas, foram
transferidas para recipientes plásticos com 20 cm de altura, 10 cm de diâmetro
e capacidade para 5 L, contendo solução nutritiva aerada. Foram utilizadas duas
plantas por vaso. Em uma primeira fase, com duração de cinco dias, as mudas
ficaram em contato direto com a solução nutritiva diluída 1:4, e numa segunda
fase, até o décimo dia, a solução foi diluída na razão 1:2 e, a partir de
então, as plantas ficaram em contato permanente com a solução-padrão. Depois de
30 dias em solução nutritiva, as plantas foram submetidas ao estresse salino
(NaCl).
Em todas as unidades experimentais, o pH da solução nutritiva foi monitorado
diariamente, com o uso de peagômetro de campo, e ajustado próximo de 6,0,
usando-se ácido clorídrico ou hidróxido de sódio 0,1M. Para a reposição da água
evapotranspirada, usou-se água destilada. A solução nutritiva foi trocada a
intervalos de sete dias. O cultivo da goiabeira foi mantido até 50 dias após o
estresse (DAE), período em que foram realizadas as determinações das variáveis
estudadas, aos 30 e 50 DAE.
Para fins de análise do crescimento, a matéria seca da planta foi determinada
em duas épocas, aos 30 e 50 dias após a imposição do estresse (DAE). A biomassa
da planta foi seca a 70 oC em estufa de circulação de ar forçado.
A taxa de crescimento relativo (TCR) reflete o aumento de matéria seca de uma
planta num determinado intervalo de tempo, sendo calculada pela expressão:
onde W1 e W2são pesos de matéria seca (g) no período de colheita entre t1=30 e
t2=50 DAE.
Aos 50 DAE, as seguintes variáveis foram determinadas: altura da planta, número
de folhas, área unitária e área foliar por planta. A área foliar foi obtida
através do método da quadrícula descrito por TÁVORAet al.(1982).
A transpiração por unidade de área foliar e a condutância estomática foram
obtidas com o auxílio de um porômetro modelo "LICOR 1600 steady"
fabricado pela LICOR Lincoln, Nebraska, USA. As determinações foram feitas nas
duas faces da folha (adaxial e abaxial), entre as 6 e 8 horas, utilizando
sempre a 4ª, folha a partir do ápice da planta, aos 20; 30; 40 e 50 DAE.
O teor relativo de água (TRA) foi obtido através da seguinte fórmula:
onde Pf, Ps e Pt representam, respectivamente, o peso fresco, peso seco e peso
túrgido de discos foliares com aproximadamente 8 mm de diâmetro, expressos em
g. Na determinação do peso seco, os discos foliares foram secos em estufa a 70
ºC.
O potencial hídrico da folha (Ywf) foi determinado utilizando uma câmara de
pressão modelo 3035 da "Soil Moisture Equipment Corp." (Santa
Bárbara, Ca, USA) semelhante à idealizada por Scholander et al.(1965)..As
determinações foram realizadas em folhas expandidas (quarta folha a partir do
ápice), tomando-se três repetições por tratamento, pela manhã, no horário das 6
às 8 horas. A TCR e o Ywf da folha foram medidos aos 20; 30; 40 e 50 DAE.
Para avaliar os efeitos dos diferentes níveis de salinidade nas variáveis
estudadas, foi utilizado o método da análise de variância pelo teste F e
correlacionaram-se as variáveis em estudo aos níveis de salinidade aplicados.
Durante a condução do experimento, a temperatura ambiente e a umidade relativa
da atmosfera apresentaram valores médios de 30,7 oC e 55,7%, respectivamente. A
radiação solar incidente foi a que apresentou maior variação, com uma média de
69,8 W.m-2.
O estresse salino causou reduções na altura das plantas, e número de folhas, e
área foliar por planta (Figura_1). A área foliar por planta foi a variável mais
afetada com uma redução de 92% quando submetida ao nível de 150 mmol L-1 de
NaCl. A altura da planta e o número de folhas apresentaram reduções
intermediárias de 86 e 84%, respectivamente, no nível mais elevado de
salinidade. A área foliar unitária foi a variável menos sensível ao estresse
salino, apresentando uma redução máxima de apenas 43% no mais alto nível de
salinidade imposto, sem atingir, entretanto, significância estatística.
O número de folhas depende da formação e desenvolvimento de primórdios
foliares, enquanto a área foliar unitária é função da expansão celular. Assim,
os resultados sugerem que a formação e o desenvolvimento dos primórdios
foliares foram mais sensíveis ao estresse salino do que a expansão foliar. O
estresse salino pode afetar o crescimento celular e a expansão das folhas,
tanto através da redução na pressão de turgescência como na extensibilidade da
parede celular (PRISCO, 1980).
Patil et al.(1984) observaram que plantas de goiabeira, quando cultivadas em
solos contendo 60 mmol L-1de NaCl com 180 e 360 dias de estresse, apresentaram
reduções na altura de 10% e 80%, respectivamente, em relação ao controle. Os
autores constataram, ainda, reduções de 17% e 86% para o número de folhas e
área foliar por planta, respectivamente, aos 180 dias de estresse salino, em
relação ao controle. Desai & Singh (1980) observaram, em plantas de
goiabeira cultivadas em solução nutritiva com 30 e 60 mmol L-1 de NaCl,
reduções de apenas 22% na altura e número de folhas e de 13% na área foliar
unitária. Estes resultados estão de acordo com os dados obtidos neste estudo.
As respostas menos expressivas nos trabalhos citados podem refletir diferenças
nas condições em que os estudos foram conduzidos.
A produção de matéria seca total (MST) pelas plantas de goiabeira diminuiu com
o aumento da salinidade da solução de cultivo. Quando se estabeleceu a relação
entre a produção relativa de MST e a condutividade elétrica da solução (CEss),
verificou-se que apresentaram uma relação linear significativa (Figura_2). A
salinidade máxima para produção relativa de 100% de MS ou salinidade limiar
(SL), calculada pela equação de regressão, foi de CEss = 2,4 dS m-1, valor que
permite estimar a SL do extrato de saturação do solo (CEes) e da água de
irrigação (CEa) de 1,2 e 0,8 dS m-1, respectivamente (Ayers e Wescot, 1991).
Estes resultados sugerem que a goiabeira é uma planta sensível à salinidade
devido apresentar CEes <1,3 dS m-1 (MAAs, 1984).
A sobrevivência das plantas não foi afetada até a aplicação de um estresse
salino de 125 mmol L-1 de NaCl. Quando submetidas a 150 mmol L-1, apenas
sobreviveram 25% das plantas em estudo. Estes resultados indicam que o limite
de tolerância da goiabeira cultivada nessas condições é elevado, situando-se
acima de 125 mmol L-1 de NaCl (Figura_3). Desai & Singh (1980) encontraram,
em plantas de goiabeira, cv. Allahabad Saseda, um limite máximo de tolerância
de 60 mmol L-1 de NaCl, mais baixo que o aqui relatado. Por outro lado, Nabil
& Coudret (1995) não observaram perdas totais de plantas de Acacia nilotica
submetidas a 100 mmol L-1 de NaCl.
A taxa de crescimento relativo (TCR) apresentou acentuado decréscimo com o
aumento da salinidade (Figura_4). Na concentração máxima (150 mmol L-1),
verificou-se uma redução de cerca de 70% no crescimento (TCR) em relação ao
controle. Nabil & Coudret (1995) registraram uma redução na TCR de 13 e
37%, em Acacia nilotica, respectivamente, para as subespécies Cupressiforme e
Tomentosasubmetidas a 100 mmol L-1 de NaCl. Em Lycopersicon pimpinellifolium L.
e L. esculentum, Guerrier (1996) constatou decréscimos de 48 e 50%,
respectivamente, na TCR das plantas cultivadas na mesma concentração salina. A
goiabeira, por ter apresentado maior redução no crescimento, no mesmo nível de
estresse salino, mostrou-se mais suscetível ao estresse com NaCl que estas
espécies.
A condutância estomática decresceu com o aumento da salinidade e com o tempo de
estresse salino (Figura_5). Para o nível de salinidade mais elevado (150 mmol
L-1 de NaCl), a redução na condutância foi mais acentuada, com redução de
aproximadamente 86%, com 50 dias de estresse em relação ao controle.
Aos 50 DAE, o decréscimo da condutância estomática em resposta à salinidade foi
mais rápido que nos períodos anteriores (20; 30 e 40 DAE). Nesta data, foram
constatadas reduções de 85% na condutância estomática entre o controle e o
nível de 150 mmol L-1 de NaCl. As reduções constatadas foram mais severas que
as obtidas por Tattini et al.(1997) em oliva submetida a 78 mmol L-1 de NaCl
(50% de redução) e Ball & Farquhar (1984) com Mangrove (Algiuras
corniculatum e Avicentina marina) submetida a 150 mmol L-1 de NaCl (75%).
Prisco (1980) comenta que o NaCl provoca alteração na síntese de hormônios que
conduz à redução da condutância estomática.
A transpiração foi afetada pelo aumento na salinidade, com decréscimos
significativos, à medida que os níveis de sal aumentaram entre 20 e 50 dias de
imposição do estresse salino (Figura_6). As folhas apresentaram transpiração
nas duas faces, sendo que a da superfície abaxial correspondeu a
aproximadamente 80% da transpiração total. Houve respostas significativas com
relação ao efeito do período em que as plantas foram submetidas ao estresse. O
decréscimo na transpiração, em resposta à salinidade, foi mais rápido aos 50
DAE. Os dados indicam que os efeitos tóxicos dos íons Na+ e Cl- são
intensificados à medida que o tempo de estresse é prolongado.
A transpiração apresentou resultados semelhantes aos obtidos com a condutância
estomática. Na prática, a redução na taxa de transpiração traz conseqüências
diretas, tanto na absorção de nutrientes, como no processo de transporte e
redistribuição de elementos e substâncias importantes aos processos
fisiológicos da planta.
Os dados alcançados confirmam resultados obtidos com diversas espécies
vegetais, porém, nesses relatos, os níveis de redução da transpiração foram
menos acentuados (Storey, 1995, em citros;Tattini et al., 1997, em oliva).
O potencial hídrico foliar (Ywf) decresceu com o aumento dos níveis de NaCl na
solução e com o aumento do período de estresse salino (Figura_7). As retas que
relacionam o Ywf com os níveis de salinidade apresentam quedas mais rápidas
para o primeiro, com o aumento do período de estresse a que as plantas foram
submetidas. Estes resultados podem refletir o acúmulo de íons soluto nas
células do tecido foliar, de modo a propiciar à planta a manutenção de um
gradiente de Ywcom a solução externa.
Katerji et al.(1997), trabalhando com beterraba açucareira sob condições de
estresse salino (NaCl), observaram que o potencial hídrico da folha decresceu
com a salinidade de -0,25 para -1,5 MPa quando era cultivada em 0 e 200 mmol L-
1 de NaCl, respectivamente. Prisco (1980) relata que, em algodão, o potencial
hídrico tende a decrescer em plantas cultivadas em ambiente salino. O autor
observou que o potencial osmótico da solução externa de -0,05; -0,35; -0,65 e -
0,85 correspondeu, respectivamente, a valores de Ywf de -0,06; -0,90; -1,1 e -
1,3 MPa. Segundo o mesmo, a redução do potencial hídrico, nesta situação, está
associada, provavelmente, à presença de íons solúveis permeáveis nas células da
raiz.
O teor relativo de água apresentou uma tendência geral de redução com os níveis
crescentes de sal e com o prolongamento do tempo de estresse (Figura_8). Houve,
igualmente, uma queda no TRA com a evolução do crescimento da planta, inclusive
para o tratamento-controle. As alterações no TRA, causadas pelo aumento na
salinidade, foram mais acentuadas com o aumento da exposição da planta ao
estresse. Aos 50 DAE, o TRA foi reduzido de 83 % para 65 % no nível máximo de
salinidade utilizado (150 mM de NaCl). Resultados semelhantes foram encontrados
por Chartzoulakis & Loupassaki (1997) em plantas de oliva cultivadas em
diferentes concentrações de NaCl (0; 10; 25; 50; 100 e 150 mM), em solução
nutritiva, durante seis semanas. O TRA teve valor de 88% nas plantas não
estressadas enquanto, naquelas onde o nível de sal foi de 150 mM de NaCl,
diminuiu para 65%.
Nabil & Coudret (1995), estudando os efeitos do NaCl sobre plantas de
Acácia nilótica, constataram valores de TRA de 89; 84; 82 e 74%, para os níveis
de sais de 0; 75; 100 e 200 mM de NaCl, respectivamente. Esta sensível redução
deveu-se, segundo os autores, possivelmente, ao ajustamento osmótico da planta
em altos níveis de salinidade. É muito provável que o aumento do TRA observado
no presente estudo também reflita o acúmulo de sais solúveis responsáveis pelo
ajustamento osmótico. Com base nos resultados pode-se concluir que:
1 - As plantas jovens de goiabeira são sensíveis à salinidade, com uma
salinidade limiar no estrato de saturação do solo de 1,2 dS.m-1.
2 - Dentre as variáveis estudadas, a área foliar por planta foi a mais afetada
com uma redução de 92% quando submetida ao nível mais elevado de salinidade de
150 mmol L-1.
3 - A condutância estomática e a transpiração decresceram com o incremento do
nível de salinidade e com o tempo de exposição ao estresse salino.
4 - O potencial hídrico da folha (Ywf) e o teor relativo de água (TRA)
decresceram com o aumento dos níveis e do tempo de exposição ao NaCl, reduzindo
a capacidade de absorção de água pelas plantas.
5 - A taxa de sobrevivência foi reduzida de 75% quando as plantas foram
submetidas a 150 mmol L, até 50 dias após o estresse.