PERDAS QUALITATIVAS DE MAÇÃS CV. GALA EM ARMAZENAMENTO REFRIGERADO
PERDAS QUALITATIVAS DE MAÇÃS CV. GALA EM ARMAZENAMENTO REFRIGERADO
INTRODUÇÃO
A safra brasileira de maçãs, na Região Sul, começa de fato com o início da
colheita da cv. Gala, normalmente em meados de fevereiro. Antes da cv. Gala são
colhidas algumas poucas cultivares de expressão apenas microrregional.
A cv. Gala é ainda a primeira em volume de produção no Brasil e, como todo
material precoce, tem menor potencial de armazenamento refrigerado. Mesmo sendo
a primeira cultivar a ser colhida e encontrar o mercado ávido para maçã fresca
e de qualidade superior, uma parte da produção tem que ser frigorificada. Esta
necessidade decorre, principalmente, do baixo consumo, algo em torno de 80 mil
toneladas por mês, para uma colheita de aproximadamente 450.000 toneladas/safra
somente da cv. Gala, concentrada, normalmente, na segunda quinzena de fevereiro
(Jornal da Fruta, 2000).
O período de armazenagem não deve ser muito prolongado, porque as perdas
qualitativas podem inviabilizar as maçãs desta cultivar para a comercialização
(Brackmann e Ceretta, 1999). Entre estas perdas, podemos citar a degradação da
firmeza da polpa e a redução acentuada da acidez titulável. Nestas condições,
as maçãs tornam-se farinhentas e com do sabor bastante alterado.
Com o objetivo de dimensionar as perdas de qualidade em três tamanhos de
frutos: pequeno, médio e grande, de maçãs da cv. Gala, foi feito um
acompanhamento em pós-colheita da degradação da firmeza da polpa, de ácidos
orgânicos e evolução dos teores de sólidos solúveis totais (SST) que ocorrem
durante a frigorificação.
MATERIAL E MÉTODOS
As maçãs da cv. Gala utilizadas para o acompanhamento das perdas qualitativas
foram procedentes de pomares comerciais localizados no meio-oeste catarinense.
O experimento foi conduzido por três safras consecutivas. Em cada ano, as maçãs
colhidas foram classificadas em três tamanhos, sendo os pesos médios de cada
tamanho apresentados na Tabela_1.
Após a classificação, as maçãs foram acondicionadas em caixas plásticas com
capacidade para 20kg e transferidas para câmaras frigoríficas comerciais com
temperatura de 0oC e umidade relativa em torno de 92%. Quinzenalmente, durante
90 dias no primeiro ano, 144 dias no segundo ano e 211 dias no terceiro ano,
amostras de 20 a 30 frutos por tamanho foram analisadas em laboratório. As
amostras foram analisadas para firmeza de polpa, teores de sólidos solúveis
totais, acidez titulável e ocorrência de distúrbios fisiológicos. A firmeza da
polpa foi determinada com uso de penetrômetro motorizado com velocidade de
0,8cm/s e ponteira Magness-Taylor de 1cm2. O resultado foi expresso em Newtons.
Os SSTs foram avaliados com uso de refratômetro manual e o resultado expresso
em graus Brix. A acidez titulável foi determinada com a titulação de 10ml de
suco com NaOH 0,1N até pH 8,1 e o resultado expresso em meq.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As variações climáticas e diferenças na fixação de frutinhos ocorridas de ano
para ano foram, provavelmente, a causa principal das diferenças de
comportamento entre os tamanhos dos frutos. Na Tabela_1, observa-se que, no
primeiro ano, os frutos de tamanho médio tiveram praticamente a mesma pesagem
dos frutos considerados pequenos no terceiro ano. Da mesma forma para os frutos
de tamanho médio do terceiro ano comparados com os de tamanho grande do
primeiro ano. Portanto, no terceiro ano, os frutos estavam maiores que nos anos
anteriores. Segundo FIDLER et al. (1973), frutos grandes têm menor potencial de
armazenamento refrigerado, além de não apresentarem boa qualidade e serem mais
suscetíveis à incidência de podridões e distúrbios fisiológicos. As maçãs do
presente experimento, no entanto, não evidenciaram este efeito de forma
significativa na ocorrência de alterações fisiológicas.
Os parâmetros qualitativos e de maturação, assim como o tamanho das maçãs,
também apresentaram diferenças de ano para ano durante o período de
armazenamento refrigerado. Estas variações são decorrência das condições de
desenvolvimento durante o período vegetativo e do ponto de colheita. Todavia,
cada cultivar tem um padrão médio em torno do qual as variações ocorrem.
A variação dos SSTs é o exemplo mais típico. Os valores iniciais dos três anos
de observação variaram de 12,7 a 13,7oBrix. Não há um valor mínimo de SST
préestabelecido no ponto de colheita para a cv. Gala. Tentativas para
estabelecer este valor tem firmado em torno de 12o a 13o Brix como mínimo
aceitável de SST (Brackmann e Cereta, 1999)
No período de pós-colheita, a evolução foi muito diferenciada em valores
absolutos, mas assemelhando-se no comportamento. No primeiro e terceiro anos de
avaliação, houve uma tendência de aumento dos SSTs durante o período de
frigorificação. Este aumento, conforme FRIEDRICH et al. (1978), decorre da
hidrólise do amido ainda não degradado na colheita, proporcionando um aumento
do teor dos SSTs. A tendência observada mostra que entre dois e três meses todo
o amido foi hidrolisado (Figura_1) e que, a partir deste momento, há o
decréscimo gradativo dos teores de SST consumidos pela respiração das maçãs.
No primeiro e segundo anos, foi observado que durante o período de armazenagem
houve uma elevação bem mais significativa dos SSTs em comparação ao último ano
de avaliação (Tabela_2; Figura_1). Este fato deve ser conseqüência,
principalmente, da quantidade de amido acumulada durante o período vegetativo.
Havendo boas condições de desenvolvimento, os frutos podem acumular mais
substâncias de reserva. Em anos climaticamente favoráveis, há um melhor acúmulo
de reservas. Estas situações, aparentemente, ocorreram em todos os anos do
acompanhamento. No primeiro e segundo anos de acompanhamento, a julgar por este
parâmetro, o período vegetativo foi favorável para o pleno desenvolvimento das
maçãs, o que, no entanto, não resultou em frutos de tamanho maior,
especialmente no primeiro ano, mas permitiu que, durante a armazenagem, os
teores máximos observados de SST atingissem até 14,7oBrix (Figura_1). No último
ano, os valores máximos observados ficaram apenas ao redor de 13,9oBrix.
No entanto, apesar das variações em termos absolutos, confirmados pelos baixos
coeficientes de determinação das equações, a tendência para o comportamento da
variável SST foi definido. Colhendo-se maçãs da cv. Gala com ponto de colheita
visando a armazenamento refrigerado e, portanto, com uma quantidade de amido
ainda presente, como indicado pelo teste de iodo-amido, os teores de açúcares
aumentam até um determinado ponto, normalmente por até dois a três meses após a
colheita, a partir do qual diminuem gradativamente.
No segundo ano de avaliação, as correlações dos teores de SST com o período de
armazenagem foram muito baixas, e os testes dos modelos de regressão linear e
quadrático não foram significativos. Este comportamento, observado nos três
anos do experimento, não permite que se utilize esta variável para monitorar
perdas qualitativas da cv. Gala em frigorificação. Não foi determinada
diferença significativa dos teores de SST entre os três tamanhos de frutos
(Tabela_2), embora houvesse uma tendência de os frutos grandes apresentarem
menores teores de SST, ou porque ocorreu um esgotamento maior das substâncias
de reserva ou porque há, pelo maior tamanho dos frutos, um fator de diluição
dos açúcares, conforme já foi observado por Oster e Brackmann (1999) na cv.
Golden Delicious de maçãs.
A cultivar Gala apresenta baixa conservabilidade e uma predisposição acentuada
ao murchamento durante o armazenamento em ar-refrigerado, como pode ser
observado no primeiro e segundo anos de avaliação, em que, já ao final de dois
meses de frigorificação, houve um aumento da resistência da polpa (Figura_2).
Este aumento pode indicar perda de turgescência dos tecidos de acordo com
observações de De Belie et al. (2000), em maçãs, e de Ben e Gaweda (1992) em
ameixas.
No terceiro ano de avaliação, os valores de firmeza de polpa no início da
armazenagem foram menores que nos anos anteriores, em função de que os tamanhos
das maçãs utilizadas no experimento foram maiores que nos anos precedentes
(Tabela_1).
A variável firmeza de polpa também mostrou uma baixa correlação com o tempo de
armazenagem, principalmente no primeiro ano de avaliação (Tabela_3). O método
de determinação da firmeza da polpa pelo teste penetrométrico é menos sensível
a mudanças de firmeza da polpa e de menor reprodutibilidade em comparação a
métodos como, por exemplo, de impulsos acústicos (De Belie et al., 2000). Esta
pode ser uma das causas da variabilidade determinada ao longo dos 3 anos de
avaliação.
As maçãs da cv. Gala normalmente não são colhidas com firmeza de polpa inferior
a 70N (=16 libras)quando a intenção é o armazenamento por períodos mais longos.
Já para o limite mínimo de firmeza de polpa ao final da armazenagem, não há
muito consenso, mas, quando a firmeza se aproxima de 50N (=11,2 libras), há
riscos de mais danos às maçãs durante a comercialização. Estes são valores
comumentemente praticados pelos produtores de maçãs no Sul do Brasil. Mesmo não
havendo uma comprovação embasada em experimentação, aparentemente, são limites
aceitáveis. Há referências como, por exemplo, em Saquet et al. (1997), que
apresentam valores abaixo deste mínimo praticado e aos quais são atribuídos
perdas significativas de qualidade, o que pode auxiliar na proposição, mesmo
que preliminarmente, do valor mínimo de 50 N de firmeza de polpa para a cv.
Gala.
Nos três anos do experimento, apenas as amostras do último ano entraram com
valores iniciais baixos de firmeza, chegando a ultrapassar o limite mínimo
proposto com menos dias de armazenagem. Com relação ao tamanho de maçãs,
observou-se um comportamento diferenciado durante a armazenagem. As maçãs de
tamanho menor, ao longo dos três anos, entraram em armazenamento refrigerado
com valores de firmeza de polpa mais elevados que os valores das maçãs de
tamanho médio e grande, e assim se mantiveram durante a armazenagem. Este fato
decorre, segundo BRAMLAGE (1983), de que ¼ de polegada (=0,63cm) de diferença
de diâmetro da maçã pode proporcionar uma diferença de uma a duas libras na
firmeza da polpa.
A partir destas observações, conclui-se que o comportamento da firmeza da polpa
de maçãs armazenadas deve ser monitorado constantemente, mas é imprescindível
que seja bem conhecido o padrão de cada cultivar.
Os ácidos orgânicos constituem, juntamente com os açúcares, o substrato da
respiração e estão intrinsecamente ligados à conservabilidade das maçãs
(BENDER, 1989). Ao contrário da firmeza da polpa e dos SSTs, a acidez titulável
apresentou as maiores correlações com o tempo de armazenagem (Tabela_4), fato
também observado com maçãs da cv. Fuji (BENDER & STUKER, 1990). Isso indica
que se deve dar atenção à diminuição dos teores de ácidos orgânicos durante a
armazenamento refrigerado e que poderia ser possível predizer o fim do período
de armazenagem da cv. Gala em se tendo definido o valor mínimo de acidez
titulável para maçãs desta cultivar. Este teor mínimo aceitável de ácidos deve
ser definido por painel organoléptico.
A Figura_3 apresenta as curvas de melhor ajuste aos teores de ácidos
determinados. Nos três anos de observações, as maiores diferenças foram
encontradas entre anos, sendo que entre tamanhos as diferenças não foram tão
acentuadas. Entretanto, frutos de tamanho menor sempre apresentaram os menores
valores de acidez titulável. A razão provável de menores teores de ácidos é
que, normalmente, frutos pequenos são originários de gemas fracas, localizadas
no interior da copa. Em decorrência, podem ter mais dificuldades de receber o
aporte de fotoassimilados das folhas, resultando em menor acúmulo de
substâncias de reserva. Outra causa de frutos pequenos, principalmente na cv.
Gala, é o excesso de carga na planta. Gemas mal raleadas ou que sofreram pouco
raleio produzem frutos de tamanho menor (Pereira et al., 1986).
As diferenças observadas entre anos, nos teores de ácidos orgânicos na cv.
Gala, podem ser atribuídas a dois aspectos: ponto de colheita e condições de
desenvolvimento durante a fase vegetativa. Quanto ao segundo aspecto, condições
para o desenvolvimento das maçãs, as variações podem ocorrer e não há como
exercer um controle, no entanto, é perfeitamente possível executar a colheita
no ponto ideal.
CONCLUSÕES
1. A acidez titulável e a firmeza de polpa fornecem as informações mais
precisas sobre as perdas de qualidade de maçãs cv. Gala em armazenamento
refrigerado.
2. Frutos menores apresentam maiores perdas nas variáveis qualitativas, SST e
acidez titulável, com exceção da firmeza de polpa.