MICROPROPAGAÇÃO DO KIWI CV. HAYWARD
MICROPROPAGAÇÃO DO KIWI CV. HAYWARD
1
INTRODUÇÃO
Originário do Sudeste da Ásia, o kiwi (Actinidia chinensisPlanch) vegeta na
forma de vigorosas plantas trepadeiras. Pertence à família Actinidiaceae e ao
gênero Actinidia, o qual engloba mais de cem espécies (Hopping, 1986). Destas,
poucas são cultivadas pelo efeito ornamental ou como frutífera, destacando-se,
neste último aspecto, o kiwi.
A propagação da espécie, tanto por via assexuada quanto pela sexuada, é pouco
estudada em nossas condições. O procedimento geralmente utilizado para a
obtenção de mudas é a estaquia ou a enxertia, sendo que ambos os métodos
produzem mudas de qualidade e muito produtivas, desde que sejam selecionadas as
plantas matrizes. Há, também, outros métodos de propagação do kiwi, tais como a
alporquia e a utilização de ramos adventícios. A propagação gâmica é evitada
devido à dormência das sementes e, pela dioecia que a espécie apresenta,
dificulta-se o estabelecimento de cultivos comerciais, os quais,
preferencialmente, devem ser constituídos por maior número de plantas
pistiladas e produtivas.
A literatura a respeito da micropropagação do kiwi é bastante extensa e vários
trabalhos (Halperin, 1966; Jordan et al.,1986; Leva & Magrini; 1986;
Canhoto & Cruz, 1987; Monette, 1987; Pais & Oliveira, 1987; Wan et al.,
1987; Leva & Bertocci, 1988; Revilla & Power, 1988; Muleo & Morini,
1989; Radice et al., 1989; Sammarcelli & Legave, 1990; Xiao et al., 1991;
Fortes et al., 1995) têm sido desenvolvidos.
A análise crítica da literatura consultada, referente à obtenção de propágulos
de kiwi por meio de cultura de tecidos, permite inferir que, apesar dos
diferentes resultados experimentais, as seguintes linhas gerais de
procedimentos podem ser seguidas, objetivando-se a micropropagação da espécie:
a) o processo de obtenção de plântulas inicia-se pela formação de calo; b) os
calos podem ser formados a partir de diversos tipos de explantes (folhas
jovens, segmentos de caule, nós caulinares, cotilédones); c) as auxinas mais
comumente utilizadas (ANA ¾ ácido naftalenoacético, AIA ¾ ácido indolacético,
AIB ¾ ácido indolbutírico e 2,4-D ¾ ácido 2,4 diclorofenoxiacético) são
efetivas na indução de calos; d) a regeneração dos calos formados é possível,
sendo a BAP (benzilaminopurina) e a ZEA (zeatina) indutoras de brotações
adventícias; e e) o enraizamento pode ser efetuado por meio de subcultivos em
meios contendo baixas concentrações de auxinas ou por imersão das brotações em
soluções mais concentradas das mesmas. Ainda, na literatura consultada, não
foram levantados trabalhos com a micropropagação da espécie a partir do cultivo
de cotilédones, nem informações sobre a histologia de plântulas formadas in
vitro.
A fase de aclimatação ex vitro do kiwi é bastante delicada, sendo obtida,
segundo Sammarcelli & Legale (1990), sob nebulização, em casa de vegetação
e em substrato aerado. Com a associação dessas técnicas, os autores estimaram a
obtenção de três a quatro plantas aclimatadas por explante, obtido em cultura,
em menos de quatro meses.
O objetivo do presente trabalho foi a identificação de procedimentos para a
micropropagação do kiwi, por meio do cultivo in vitrode cotilédones, o de
efetuar estudos histológicos nas plântulas produzidas in vitro, e o estudo da
efetividade de processos para a aclimatação dos propágulos obtidos.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi inicialmente conduzido, durante a fase de micropropagação, no
Laboratório de Cultura de Tecidos de Plantas do Departamento de Biologia
Aplicada à Agropecuária, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias
(FCAV), UNESP, em Jaboticabal-SP.
A aclimatação das mudas obtidas in vitro foi realizada no "Ripado da
Fruticultura", localizado na "Fazenda de Ensino e Pesquisa" da FCAV-
Jaboticabal. A instalação, em condições de campo, das mudas aclimatadas, foi
realizada em área experimental da "Fazenda de Ensino e Pesquisa".
A cultivar de kiwi estudada foi a 'Hayward', devido sua adaptação ao clima e
por ser a que permite os mais longos períodos de armazenamento dos frutos.
Para a quebra de dormência das sementes de kiwi, estas foram imersas em solução
de ácido giberélico (GA3), grau III, na concentração de 500 mg.L¾1durante seis
horas, de acordo com metodologia indicada por Carvalho & Damião Filho
(1993).
Sob condições assépticas, as sementes foram esterilizadas superficialmente e
semeadas em tubos de cultura, com capacidade volumétrica de 125 ml, contendo,
cada tubo, 10 ml da solução salina de Murashige & Skkog (1962) - MS,
diluída na metade da concentração original (MS1/2), sendo o pH ajustado para
5,7 e o meio semi-solidificado com 0,6% de ágar bacteriológico, autoclavado a
120 ºC e 1 atm de pressão, durante vinte minutos.
Os recipientes contendo as sementes foram colocados sob luz difusa, no interior
do laboratório, permanecendo nestas condições durante trinta dias. Após este
período, as plântulas obtidas, com dois cotilédones totalmente expandidos,
foram utilizadas como fonte de explantes.
As plântulas obtidas in vitro foram conduzidas para câmara asséptica e, com
auxílio de instrumental esterilizado, foram retiradas dos tubos de culturas,
colocadas sobre placas de vidro esterilizadas, sendo ambos os cotilédones
excisados de cada uma das plântulas matrizes. Os cotilédones, juntamente com os
respectivos pecíolos, serviram como explantes para o processo de
micropropagação.
Num primeiro cultivo, os cotilédones foram transferidos para o meio básico MS,
contendo três diferentes doses de duas auxinas: MSaia, suplementado com ácido
indolacético (AIA) nas concentrações de 0,125; 0,250 e 0,375 mg.L-1, e MSaib,
suplementado com ácido indolbutírico (AIB) nas concentrações de 0,125; 0,250 e
0,375 mg.L-1. Para cada tratamento, foram feitas 75 repetições (tubos de
cultura), contendo um cotilédone por tubo. Os explantes permaneceram nestes
meios durante 35 dias. Após esse período, os explantes oriundos de cada um dos
tratamentos anteriormente descritos foram transferidos para o meio básico,
contendo benzilaminopurina, MSba, nas concentrações de 0,5; 1,0 e 1,5 mg.L-1.
Para cada tratamento deste subcultivo, foram feitas 25 repetições (75
repetições originais distribuídas aleatoriamente em meio MSba, com três
concentrações do regulador de crescimento). Os explantes permaneceram nos meios
de subcultivo durante 35 dias. A seguir, foram transferidos para o meio básico
MS, sem a adição de reguladores de crescimento, permanecendo em tais condições
durante 40 dias. Ao término deste período experimental, as plântulas obtidas
foram submetidas a avaliações morfológicas, e os dados foram analisados
estatisticamente.
O delineamento experimental adotado foi o inteiramente casualizado, com os
tratamentos dispostos no esquema fatorial 2 x 3 x 3, com dois tipos de auxinas
em três doses, combinadas com três doses de benzilaminopurina, com 25
repetições cada tratamento.
Dez plantas representativas de cada tratamento foram retiradas dos recipientes
de vidro e analisadas quanto ao peso de matéria fresca e ao peso de matéria
seca da plântula, número total de raízes emitidas, número de brotações
(referindo-se à quantidade de partes aéreas formadas), altura da parte aérea e
número de folhas.
Para a realização dos estudos histológicos, testaram-se dois métodos de
emblocamento do material, ou seja, "Método da Historresina-2-Hidroxietil
Metacrilato" e o método descrito por Constabel, citado por Gamborg & Wetter
(1975). Para ambos os métodos, os fragmentos foram conservados em solução
fixadora de "Bouin-Hollande" por um período mínimo de 24 horas, para fixação.
Decorrido o tempo de fixação, as amostras foram submetidas à seqüência de
desidratação alcoólica, descrita por cada autor. As lâminas histológicas,
obtidas em ambos os métodos, foram analisadas e documentadas com o auxílio de
fotomicroscópio ótico, marca Docuval. A análise de ambas as superfícies
foliares foi feita por meio de impressão "em cola" (adesivo à base de éster de
cianoacrilato), em lâmina de vidro.
A fase de aclimatação consistiu da retirada das plantas provenientes do cultivo
in vitro, seguindo-se de imersão em água corrente para a remoção total do meio
de cultura e transferência das mesmas para copos plásticos, perfurados,
contendo vermiculita como substrato. Tais copos foram acondicionados em câmara
de nebulização intermitente, em ripado com 50% de incidência solar onde a
umidade relativa do ar foi mantida em, aproximadamente, 90%.
Decorridos dez dias, as plantas foram repicadas para substrato constituído por
terra, areia e esterco de curral curtido na proporção de 1:1:1, contidos por
sacos pásticos de polietileno preto. Após a transferência, as plantas foram
retornadas para a câmara de nebulização por, aproximadamente, dez dias. Em
seguida, as plantas foram transferidas para condição de ripado, com irrigação
diária por microaspersão, pela manhã e à tarde.
Aos seis meses após o início do processo de aclimatação, as mudas foram
transplantadas para o campo, num total de dezessete plantas, em covas
individuais, no sistema de espaldeira. Procedeu-se irrigação diária na primeira
semana, seguindo-se irrigações em dias alternados, até a verificação do
"pegamento" das mudas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As sementes de kiwi são pequenas, e a estimativa do desvio-padrão da média dos
pesos das amostras, com valor próximo a zero (0,00128), evidencia que tais
sementes são estenospérmicas, ou seja, apresentam pequena variação entre si. Um
grama de sementes contém, aproximadamente, 740 unidades.
A primeira manifestação morfológica dos explantes ocorreu após 35 dias da
inoculação, constituindo na emissão de raízes, geralmente na base dos pecíolos
dos cotilédones cultivados, independentemente do meio de cultura e tratamentos
utilizados. Constatou-se, também, intensa formação de pêlos radiculares nas
raízes oriundas dos explantes (Figura_1).
Concomitantemente, ou com pequeno intervalo de tempo após a emissão de
primórdios radiculares, observou-se a emissão de primórdios foliares, também na
porção terminal (próxima ao hipocótilo da plântula) do pecíolo do cotilédone de
kiwi excisado.
Aos 110 dias após a inoculação dos explantes, por ocasião do início do processo
de aclimatação, as plântulas produzidas in vitro apresentavam-se desenvolvidas,
com uma média de 10 folhas, aproximadamente (Figura_2).
Apesar de todos os tratamentos serem eficazes para a morfogênese do kiwi, o
número de raízes e o peso de matéria seca de plântulas foram as duas variáveis
que diferiram significativamente das demais, em função do tipo de auxina
utilizada, conforme pode ser observado na Tabela_1.
Com relação às demais variáveis, nota-se que, pela análise dos dados, há
indicação da menor dose de AIB (0,125mg.L-1), como sendo a que melhores
respostas determinou, indicando não haver diferenças nas doses de AIB
utilizadas, mas, sim, nos efeitos das auxinas e das doses empregadas.
Os resultados anteriormente apresentados, referentes aos efeitos dos
reguladores de crescimento do grupo das auxinas, o AIB e o AIA, sobre os
explantes cotiledonares do kiwi e a formação de primórdios radiculares, não
diferem dos amplamente citados na literatura da cultura de tecidos de plantas.
Flick et al. (1983) afirmam que as auxinas, isoladamente ou em combinação com
uma baixa concentração de citocinina, são importantes na indução de primórdios
radiculares e George & Sherrington (1984) corroboram o fato, apontando que
a rizogênese é decorrente do tratamento com altas concentrações de auxina em
relação à de citocinina, em cultivos in vitro.
Apesar de não ocorrerem diferenças significativas quanto às variáveis "número
de brotações", "altura da parte aérea" e "número de folhas", os resultados
indicam uma tendência de que plantas cultivadas em meio de cultura suplementado
com AIB, independentemente das doses utilizadas, são mais compactas (de menor
altura média), apresentando, porém, maior número médio de brotações e de
folhas.
Os tecidos foliares do kiwi (Figura_3_-_A), em estágio inicial de crescimento
in vitro, apresentam-se diferenciados, acompanhando os padrões morfológicos
típicos de uma folha de dicotiledônea. A epiderme superior é composta por
células epidérmicas relativamente de maior calibre que as da epiderme inferior,
com parede periclinal externa mais espessa que a interna, sendo ambas com
formato tabular. O mesófilo é composto por células parenquimáticas irregulares,
com braços, havendo presença de amplos espaços intercelulares. A primeira
camada de células, abaixo da epiderme superior, apresenta-se formada por
células parenquimáticas mais adensadas (próximas umas das outras),
assemelhando-se a um parênquima paliçádico em formação, ainda não completamente
diferenciado. Na região da nervura central, observa-se que o tecido
parenquimático, acima da epiderme inferior, é formado por células com poucos
espaços intercelulares (mais compactas), de calibre maior do que as voltadas
para a epiderme superior. O feixe vascular central apresenta-se bem formado,
diferenciando-se tecido xilemático voltado para a epiderme superior e
floemático, para a inferior. No xilema, na região protoxilemática, observam-se
lacunas, originadas por esse tipo de desenvolvimento celular; também, são
observados elementos de vaso, com paredes secundárias em início de formação.
Ressalta-se a existência de uma bainha de células, rodeando o tecido vascular.
Verificou-se a existência de estômatos (Figura_3_-_B) com formato reniforme e
células epidérmicas fundamentais, com formato irregular, compondo a epiderme
inferior. Não se observou a presença de tricomas, os quais, entretanto, se
encontravam presentes em ambas as epidermes, antes do preparo das lâminas
histológicas. O desaparecimento destes é atribuído ao método empregado para o
preparo das lâminas, ou seja, impressão com adesivo (éster de cianoacrilato).
Os estômatos, em sua maioria, apresentam-se com os poros estomáticos fechados,
indicando que as condições de cultivo in vitro não influíram no mecanismo de
abertura e fechamento dos poros estomáticos.
A raiz, vista em corte transversal na Figura_4, mostra-se como órgão com
histologia típica de uma raiz-"padrão" de dicotiledônea. O revestimento da raiz
é constituído por uma epiderme, na qual se encontram células epidérmicas com
expansões tubulares, os pêlos epidérmicos. Abaixo da camada celular epidérmica,
há uma exoderme bem evidente, com espessamento na parede periclinal externa. O
restante do córtex segue-se à exoderme, sendo constituído por células
parenquimáticas, com pequenos espaços intercelulares, e nas quais não se
observa acúmulo de organelas citoplasmáticas, com a mesma intensidade do que
nas folhas. Há presença de alguns idioblastos, sendo a substância segregada
nestes provavelmente (pela coloração apresentada) de composição tanínica. A
endoderme, última camada celular do córtex, está presente e bem diferenciada. O
cilindro central é formado por um periciclo e quatro pólos de xilema, que se
alternam com tecido floemático, em configuração tetrarca.
A Figura_5_-_A, que detalha a porção mais superficial do caule, mostra que esse
órgão é revestido por uma epiderme formada por células compactas, sem espaços
intercelulares. Logo abaixo da epiderme, ainda em formação e, portanto, não
completamente diferenciada, verifica-se uma exoderme, composta por uma a duas
camadas celulares. O córtex é formado por células parenquimáticas de formato
irregular, densamente arranjadas, com pequenos espaços intercelulares entre si,
mostrando acúmulo, em seus citoplasmas, de organelas que, em alguns casos, se
depositam próximas das paredes celulares e, em outros, espalham-se pelo
interior do protoplasma.
A Figura5_-_B revela, em detalhes, o cilindro vascular. Compondo este,
encontram-se células xilemáticas mais especializadas e conspícuas, com espessa
parede secundária e coloração vermelha, resultado da reação dos componentes
dessa parede celular com safranina. O floema apresenta-se com células menores,
em posição externa ao xilema, e há indicações, no momento da amostragem, de que
estava ocorrendo intensa divisão celular.
De maneira geral, pode-se afirmar que, em virtude dos aspectos morfológicos e
anatômicos das plântulas de kiwi, obtidas in vitro, não diferirem dos padrões
regulares de crescimento de uma plântula de dicotiledônea, o sistema de cultivo
não ocasionou mutações - ao menos expressivas - nas plântulas de kiwi obtidas
por esse processo.
Aproximadamente 12 meses após o início do experimento, ou seja, desde a
inoculação dos explantes (folhas cotiledonares) em meio de cultura, as plantas
foram transplantadas para condições de campo. Houve em torno de 88% de
sobrevivência das plantas transplantadas, ou seja, das 17 mudas, apenas duas
não sobreviveram às condições de campo, evidenciando que os procedimentos
usados na aclimatação das mesmas foram efetivos.
CONCLUSÕES
De acordo com os resultados obtidos, dentro das presentes condições
experimentais, pode-se concluir que:
1) O kiwi é uma espécie com elevado potencial morfogenético aos meios de
cultura e os reguladores de crescimento utilizados, e ambas as auxinas
testadas, AIA e AIB, foram eficazes na multiplicação in vitro do kiwi, cv.
Hayward.
2) A interação entre auxinas e a citocinina BAP, nas doses experimentais
testadas, não ocasionaram diferenças significativas nas características
avaliadas.
3) O estudo da histologia das partes constituintes das plântulas de kiwi
obtidas in vitro demonstrou não ter ocorrido alterações morfológicas, quando da
comparação das mesmas com tecidos de dicotiledôneas obtidas por propagação
gâmica.
4) De maneira geral, verificou-se que os melhores resultados para a obtenção de
mudas de kiwi, a partir de folhas cotiledonares, com a utilização de cultura de
tecidos, foram por meio da suplementação do meio de cultura MS com o ácido
indolbutírico, na dose de 0,125 mgL-1.
5) Mudas produzidas in vitro e transplantadas para campo, apresentaram uma alta
taxa de sobrevivência.