Avaliação por RAPD de plantas de abacaxizeiro cultivar Smooth Cayenne derivadas
do seccionamento do talo e cultura de tecidos
INTRODUÇÃO
Muitos são os problemas que têm contribuído para impedir a expansão da
abacaxicultura no Brasil, dentre os quais podemos destacar: a falta de mudas de
boa qualidade e em quantidade suficiente para formação de novas lavouras,
ocorrência de pragas e doenças, ausência de viveiristas, inexistência de mudas
fiscalizadas, entre outros (Ruggiero et al., 1994; Gorgatti et al., 1996; Cunha
et al., 1999).
Na prática, o abacaxizeiro é propagado vegetativamente, por meio de mudas, cuja
qualidade é fator decisivo para obtenção de lavouras uniformes, de bom estado
fitossanitário e altamente produtivas (Usberti Filho et al., 1995).
Este tipo de propagação torna-se um fator limitante para o melhor
desenvolvimento da abacaxicultura no Brasil, já que é ausente a figura do
viveirista, levando os produtores a adquirirem mudas em plantios comerciais ou
até mesmo nos CEASAs, o que compromete a qualidade do material (Ruggiero et
al., 1994).
Observa-se, por outro lado, que pesquisas realizadas têm desenvolvido métodos
de propagação mais adequados que proporcionam a obtenção de mudas sadias, de
boa qualidade e em quantidade suficiente para formação de novas lavouras.
A propagação pelo seccionamento do talo é um método simples, que permite a
formação de mudas através do desenvolvimento de gemas axilares de pedaços
(secções) do talo da planta-mãe. Este processo pode ser usado, não só para
obtenção de mudas livres de pragas e doenças, mas também para produção de mudas
de boa qualidade em um curto espaço de tempo (Cunha & Reinhardt, 1994).
Outra técnica consiste na produção de mudas por cultura de tecidos, a partir de
meristemas e de gemas apicais ou laterais. A micropropagação "in
vitro" é uma técnica mais elaborada, pois envolve laboratórios
especializados para realização deste processo. Entretanto, este método pode ser
usado não só para a produção de mudas sadias e de boa qualidade, mas também
quando há escassez de material para o plantio (Cunha et al., 1999).
Embora muitos estudos tenham sido desenvolvidos com abacaxi, esta é uma planta
pouco conhecida sob o ponto de vista genético. Com os avanços biotecnológicos,
tem sido crescente a utilização de técnicas de marcadores de DNA no estudo da
diversidade genética em plantas. Técnicas como determinação de padrões
isoenzimáticos ou amplificação casualizada de DNA polimórfico (RAPD) têm sido
empregadas na busca de verificar variações somaclonais, mutações e
polimorfismo, entre outras (Ferreira & Grattapaglia, 1996).
Segundo Golembiewsk et al. (1997), o uso de marcadores RAPD permite a pesquisa
de indivíduos dentro de uma população heterogênea e baseia-se na identificação
de proporções de polimorfismo e de marcadores compartilhados, permitindo a
identificação do parentesco entre cultivares e inferências da diversidade
existente entre e dentro de cultivares.
Ruas et al. (1995), em estudos realizados com abacaxi, utilizaram 17
"primers" em reações de RAPD, produzindo 75 marcadores, que
permitiram a discriminação de 4 cultivares de abacaxi. Os resultados obtidos,
destas análises de RAPD, foram similares àqueles obtidos nas avaliações
morfológicas e agronômicas, levando os autores a concluírem que análises de
RAPD podem ser usadas de maneira eficiente para caracterização de recursos
genéticos no gênero Ananas.
O presente estudo teve como objetivo avaliar a viabilidade do processo de
propagação pelo seccionamemto do talo e cultura de tecidos ('in vitro");
avaliar geneticamente, empregando-se marcadores moleculares, as plantas
decorrentes desses dois processos de propagação, comparando-as com as matrizes
de origem.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram coletadas 20 plantas adultas de abacaxizeiro cultivar Smooth Cayenne, em
área comercial existente na Fazenda Córrego dos Bois, município de Canápolis ¾
MG. As coroas destas plantas foram utilizadas para propagação "in
vitro", e os talos foram submetidos à propagação pelo método do
seccionamento do talo.
A propagação pelo método do seccionamento do talo foi desenvolvida segundo
metodologia descrita por Ventura (1994) e Cunha & Reinhardt (1994), e a
propagação por cultura de tecidos foi realizada em laboratórios qualificados, a
saber: Cia de Promoção Agrícola "CAMPO" ¾ Paracatu-MG, e Instituto
Agronômico de Campinas (IAC), devido ao fato de esses laboratórios já estarem
envolvidos na produção de mudas de abacaxi. Para tanto, foram enviadas 10
coroas à CAMPO e 10 coroas ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Após a propagação e o estabelecimento das plantas, estas foram transferidas
para o campo, em área pertencente ao Departamento de Produção Vegetal da FCAV -
UNESP. Após o plantio, estas mudas tiveram amostras de folhas retiradas para
análise por RAPD.
Análise por marcadores RAPD
Para a extração do DNA, foi utilizada a técnica proposta por Lin & Kuo
(1998), utilizando Plant DNAzol (Gibco BRL) - reagente para extração de DNA
genômico. Foram extraídos os DNAs das folhas de 75 amostras propagadas por
cultura de tecidos; 120 amostras propagadas por seccionamento do talo; bem como
das 20 plantas-matrizes coletadas na fazenda Córrego dos Bois para comparação
com suas descendentes, decorrentes dos dois processos de propagação.
A quantificação do DNA foi realizada em espectrofotômetro, medindo-se a
absorbância nos comprimento de onda de 260 e 280nm. A reação de amplificação
constituiu-se de 30 ng de DNA genômico, tampão de PCR (20mM Tris-HCl pH 8,0 e
50mM KCL) (GIBCO-BRL) , MgCl2 1,5mM (GIBCO-BRL), 200mM de dNTPs, 1,0u de Taq
DNA polimerase (GIBCO-BRL), 0,22mM de "primer", água milli Q q.s.p.
20mL. Os tubos foram colocados em um aparelho termociclador (PTC-100
Programable Thermal Controler- MJ Reserch, Inc.) e submetidos a um ciclo de:
92oC por 3 minutos, 47 ciclos a 92oC por 1 minuto, 36°C por 1 minuto e 45
segundos e 72oC por 2 minutos e, finalmente, 72oC durante 7 minutos (Ruas et
al., 1995). Os "primers" utilizados foram: 226 (CCACTCACCG), 228
(AGGCCGCTTA), 239 (CTGAAGCGGA), 204 (TTCGGGCCGT), 259 (TGCAGTCGAA), 264
(TCCACCGCGC), 231 (AGGGAGTTCC), 240 (ATGTTCCAGG), 248 (GAGTCTACCG) e 256
(TGCAGTCGAA), produzidos pela University of British Columbia (RAPD Oligo
Project) ¾ Biotechnology Laboratory. As amostras amplificadas foram submetidas
'a eletroforese (100V- 1h30min) em gel de agarose a 1,5%, dissolvido em tampão
TEB [89 mM - ácido bórico, 89mM - Tris, 2,5mM - EDTA, contendo brometo de
etídio (0,05µg/ml) e H2O milli- Q]. Como padrão de peso molecular, foi
utilizado "ladder" de 1kb (GIBCO-BRL). A visualização dos resultados
foi realizada em equipamento de fotodocumentação (Gel Doc- 1000 - BioRad).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Propagação pelo seccionamento do talo
Foram obtidas em um período de 8 meses, decorrentes de 20 talos com secções de
10cm cortadas ao meio, aproximadamente 6,5 mudas por talo de plantas-matrizes,
resultando um total de 130 mudas. Foi observado que algumas secções das
matrizes de número 01; 09; 14 e 15 produziram mais de uma muda, fato este
devido à presença de mais de uma gema vegetativa na secção (Tabela_1).
O método do seccionamento do talo, quando comparado com a propagação pelo
método convencional, onde se obtém na cultivar Smooth Cayenne de zero a 3
filhotes e um a dois rebentões por planta, em um período de aproximadamente 18
meses (Cunha et al., 1999), torna-se viável, ou seja, produz um maior número de
mudas em um menor espaço de tempo, além de permitir um exame visual das mudas
para verificar incidência de pragas e doenças, principalmente a ocorrência da
fusariose.
Propagação por cultura de tecidos
Das 10 coroas de plantas-matrizes enviadas para a firma de Biotecnologia CAMPO,
apenas 3 foram propagadas com sucesso, sendo obtidas 4 mudas da matriz de
número 3; 1.700 mudas da matriz de número 7; e 1.500 mudas da matriz de número
9; o restante foi perdido por contaminação. Das 3.204 mudas obtidas, foram
utilizadas para o plantio no campo 4 mudas da matriz de número 3; 500 mudas da
matriz de número 7; e 500 mudas da matriz de número 9.
Da mesma forma, ocorreu no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), onde apenas
3 coroas de plantas matrizes foram propagadas; entretanto, foi obtido um menor
número de mudas por coroa, sendo 2 mudas da matriz de número 16; 16 mudas da
matriz de número 20; e 80 mudas da matriz de número 15. O insucesso ocorreu
devido à perda por contaminação, baixa taxa de germinação das gemas inoculadas
e, em alguns casos, esta germinação não ocorreu. Todas as 98 mudas obtidas
foram utilizadas para o plantio no campo.
Embora a propagação por cultura de tecidos tenha sido desenvolvida em
laboratórios qualificados (Firma de Biotecnologia "Campo" e Instituto
Agronômico de Campinas - IAC), houve uma perda significativa do material em
estudo, restando poucas matrizes para serem propagadas, ou seja, 20 coroas de
plantas-matrizes foram enviadas para os laboratórios, mas apenas 6 coroas foram
utilizadas na propagação. Dentre as 6 matrizes propagadas, além do longo
período utilizado para esta multiplicação, aproximadamente 18 meses, não foi
obtida uma quantidade de mudas esperada.
Ventura (1994) relata que a maioria dos trabalhos com micropropagação de
abacaxizeiro se refere ao estabelecimento e composição dos meios de cultura,
sem considerar o número de plantas regeneradas em função do tempo e o efeito
dos genótipos utilizados, indicando que as técnicas de cultura "in
vitro" do abacaxizeiro ainda não estão totalmente dominadas para a maioria
das cultivares, desconhecendo-se, também, a possível variabilidade induzida no
processo.
Entretanto, podemos observar, através das dificuldades surgidas, que esta
técnica de propagação ("in vitro") precisa ser melhor estudada,
principalmente em relação à quantidade e ao tempo necessário para produção de
mudas, estabelecimento das culturas "in vitro", porcentagem de
pegamento no campo e avaliação fenotípica das plantas.
Marcadores RAPD
1) Seccionamento do talo
Dentre os 100 "primers" testados para a amplificação do DNA genômico
das plantas-matrizes, foram selecionados 10, os quais forneceram maior número
de bandas, para a utilização nas análises de RAPD das plantas propagadas pelo
seccionamento do talo.
Para a análise de RAPD, foram utilizados os DNAs das 120 plantas existentes no
campo, decorrentes do processo de seccionamento do talo, bem como os DNAs das
20 plantas-matrizes, para posterior comparação.
Através da técnica de RAPD, pôde-se observar que as plantas decorrentes do
seccionamento do talo mostraram um perfil diferente quando da utilização de um
mesmo "primer". De um modo geral, os 10 "primers"
selecionados geraram um número apreciável de bandas, principalmente em relação
à intensidade.
Na análise entre plantas-matrizes/descendentes, obtiveram-se padrões de bandas
diferentes, indicando a existência de variabilidade genética; entretanto,
"dentro" de cada matriz/descendente, não houve variabilidade
genética, ou seja, as plantas decorrentes do seccionamento do talo mantiveram
as mesmas características das matrizes, indicando, desta forma, que
geneticamente são iguais, ou seja, são clones de suas matrizes. Este fato que
pode ser observado na Figura_1 , utilizando como exemplo o "primer"
BC 259. Também foram encontradas bandas monomórficas, que estão relacionadas
com as características da variedade em estudo.
Através destes resultados, pode-se observar que as plantas propagadas pelo
seccionamento do talo conservam as mesmas caraterísticas genéticas das plantas-
matrizes, proporcionando desta forma a obtenção de clones que garantirão um
material geneticamente igual à planta-mãe e de boa qualidade.
2) Cultura de tecidos
Para análise de RAPD das plantas propagadas por cultura de tecidos, foram
utilizados os 10 "primers" selecionados na análise das plantas
decorrentes do seccionamento do talo.
Foram utilizados para esta análise, os DNAs de 75 plantas decorrentes da
propagação por cultura de tecidos , sendo 3 plantas decorrentes da matriz de
número 3; 20 plantas decorrentes da matriz de número 7; 20 plantas da matriz de
número 9; 2 plantas da matriz de número 16; 10 plantas da matriz de número 20;
e 20 plantas da matriz de número 15, bem como as matrizes correspondentes
coletadas na fazenda Córrego dos Bois ¾ MG, para posterior comparação.
Através das análises de RAPD, pôde-se observar que as plantas propagadas por
cultura de tecidos apresentaram, em todos os "primers" utilizados,
bandas monomórficas, fato evidente na utilização de plantas da mesma cultivar
(Figura_2). Entretanto, foram observados, em algumas amostras dentro das
plantas descendentes, padrões de bandas diferentes para alguns dos
"primers" utilizados (Figura_3). Segundo Benega et al. (1996), a
variação somaclonal proveniente da instabilidade genética das divisões
celulares não homogêneas do tecido dos calos tem levado a uma regeneração de
indivíduos diferenciados.
A variação somaclonal em plantas cultivadas "in vitro" está
freqüentemente associada a alterações cromossômicas, podendo ocorrer deleção ou
duplicação das seqüências de determinados genes, originando plantas com
características indesejáveis (Ventura et al., 1994).
Pode-se considerar que a produção de mudas de abacaxi por cultura de tecidos é
um processo viável; entretanto, a metodologia precisa ser melhor adequada, uma
vez que foi verificada uma perda de 70% do material em decorrência da ausência
de desenvolvimento das gemas inoculadas, assim como o comprometimento com
contaminantes.
Desta forma, fica evidente a maior eficácia da propagação pelo seccionamento do
talo, onde as mudas se desenvolveram a contento, não ocorrendo perda por
contaminação, como também não foi observada variação somaclonal.
CONCLUSÕES
1) A propagação pelo método do seccionamento do talo foi eficiente na produção
de mudas de abacaxizeiro, tanto em quantidade quanto em qualidade, além de se
manterem geneticamente idênticas às plantas-matrizes.
2) A propagação "in vitro" para a cultivar Smooth Cayenne não foi
eficiente, sendo necessárias novas pesquisas para se adequar os protocolos,
desde o recebimento do material, até as técnicas inerentes ao processo a nível
de laboratório, para que possamos utilizar com segurança esta técnica na
formação de novas lavouras.
AGRADECIMENTOS
Ao IAC e à CAMPO, pelo auxílio na produção de mudas por cultura de tecidos, ao
Eng. Agro José Roberto da Silva (EMATER) ¾ Monte Alegre de Minas, pelo auxílio
prestado na coleta das plantas-matrizes no campo, e à FAPESP, pelo auxílio
financeiro.