Armazenamento de pêssegos (Prunus persica (L.) Batsch), cv. Chiripá, em
atmosfera controlada
ARMAZENAMENTO DE PÊSSEGOS (Prunus persica(L.) Batsch), cv. CHIRIPÁ, EM
ATMOSFERA CONTROLADA1
INTRODUÇÃO
A crescente expansão do cultivo de pêssegos para consumo "in natura"
vem aumentando significativamente a oferta do produto. O 'Chiripá' é uma
cultivar de maturação tardia que a torna bastante apta para o armazenamento,
visando ao abastecimento do mercado por um período maior. No entanto, o pêssego
é extremamente perecível e não se presta a períodos prolongados de
armazenamento a frio. De acordo com Haerter & Araujo (1994), esta alta
perecibilidade está associada às altas taxas respiratórias, ocasionando curta
vida de armazenamento e maior suscetibilidade à perda de qualidade e valor
alimentar do fruto. Segundo Holland et al. (1994), o pêssego pode ser
armazenado em temperaturas de -1ºC a 2ºC, dependendo da cultivar; entretanto,
nestas temperaturas, algumas cultivares desenvolvem sintomas de danos pelo
frio, os quais limitam o tempo de vida pós-colheita dos frutos. Para Luchsinger
& Walsh (1998), a lanosidade é o principal dano pelo frio de importância
comercial em pêssegos e nectarinas.
A redução dos níveis de O2 e/ou elevação dos níveis de CO2 retarda o
amadurecimento dos frutos (Lana & Finger, 2000), diminui o metabolismo de
pigmentos, de compostos fenólicos e voláteis (Beaudry, 1999), reduz a síntese e
a ação do etileno sobre o metabolismo dos frutos e a ocorrência de podridões
(Brackmann & Chitarra, 1998). Segundo Lana & Finger (2000), os níveis
mínimos de O2 e máximos de CO2 são limitados pela sensibilidade dos tecidos à
indução de respiração anaeróbica e injúria por CO2, respectivamente.
Entretanto, de acordo com Ke et al. (1993), pequeno estresse por baixo O2 e/ou
elevado CO2 não induz metabolismo fermentativo. Nestas condições, a taxa de
respiração e o consumo de reservas são reduzidos, mantendo uma melhor qualidade
dos produtos, além de prolongar o período de armazenamento.
A firmeza de polpa e a coloração da epiderme, de acordo com Rushing &
Dinamarca (1993), são as duas características de qualidade em pêssegos mais
consistentemente afetadas pelo controle de atmosfera. Segundo os mesmos
autores, o armazenamento em atmosfera controlada também controla podridões em
frutos de caroço durante o amadurecimento a 20ºC e, de maneira geral, reduz o
surgimento de lanosidade, principalmente quando o período de armazenamento é
prolongado.
Segundo Eris et al. (1994), pêssegos, cv. Hale Haven, podem ser mantidos sob
armazenamento em AC na condição de 2kPa de O2, associada a 5 e 10kPa de CO2,
por um período de 30 dias, a 0ºC e 90-95% de umidade relativa (UR), mais 4 dias
a 20-23ºC. Por outro lado, Chitarra & Chitarra (1990) afirmam que pêssegos
podem ser armazenados até 6 semanas em atmosfera controlada com 1-2kPa de O2,
mais 3-5kPa de CO2, na temperatura de -1 a 0,5ºC.
As pesquisas demonstram que as cultivares de pêssegos respondem de forma
diferenciada às pressões parciais de gases, bem como ao período de
armazenamento. O presente trabalho objetivou avaliar diferentes pressões
parciais de O2e CO2 sobre a qualidade físico-química de pêssegos, cv. Chiripá.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado no Núcleo de Pesquisa em Pós-colheita (NPP) do
Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria. O material
experimental constou de frutos da cultivar Chiripá, oriundos de um pomar
comercial localizado em Farroupilha-RS, sendo que as amostras experimentais
foram homogeneizadas e armazenadas em minicâmaras experimentais de ferro
galvanizado hermeticamente vedadas, com volume de 70 e 185L.
As condições de atmosfera controlada foram estabelecidas um dia após a
instalação do experimento, mediante diluição do O2através da injeção de
nitrogênio no interior das minicâmaras, o qual foi obtido por um gerador do
tipo PSA ("Pressure Swing Adsorption"). As pressões parciais de CO2
foram estabelecidas por meio da injeção do gás proveniente de cilindros sob
alta pressão para o interior das minicâmaras. O monitoramento das concentrações
de gases foi realizado diariamente com o auxílio de analisadores de gases de
fluxo contínuo.
As pressões parciais de O2 e CO2 testadas foram: 0,8kPaO2/3kPaCO2; 1kPaO2/
3kPaCO2; 1kPaO2/4kPaCO2; 1kPaO2/5kPaCO2; 2kPaO2/6kPaCO2; 2kPaO2/7kPaCO2,
2kPaO2/8kPaCO2, Ar/10kPaCO2 e tratamento-controle mantido sob armazenamento
refrigerado (AR), em que 1kPa é equivalente a 1% ao nível do mar. A umidade
relativa das minicâmaras foi mantida em torno de 95 e 97% para o armazenamento
refrigerado e para os tratamentos com controle de atmosfera, respectivamente.
Em cada minicâmara, foram colocadas oito amostras de 20 frutos para as
avaliações, que foram realizadas com quatro repetições para cada avaliação,
após 4 e 8 semanas de armazenamento, a -0,5ºC ± 0,2ºC, mais dois dias a 20ºC, a
fim de simular o período de beneficiamento e comercialização dos frutos. Os
parâmetros avaliados foram: firmeza de polpa, determinada pela resistência da
polpa a um penetrômetro com ponteira de 5/16 polegadas (7,9mm); teor de sólidos
solúveis totais (SST), obtido por refratometria a partir do suco extraído de
cada amostra de 20 frutos; acidez titulável, obtida através da titulação de
10mL de suco, obtido das amostras de frutos, diluído em 100mL de água destilada
e titulada com uma solução de NaOH a 0,1N até pH 8,1; coloração da epiderme,
determinada com o auxílio de um colorímetro pelo sistema CIE L*a*b*, que
representa uma escala de cores, em que "L" indica a intensidade de
claridade (preto ao branco), "a" indica a progressão da cor verde à
vermelha e "b" indica a progressão da cor azul à amarela; incidência
de podridões, determinada pela contagem dos frutos que apresentaram lesões de
tamanho superior a 5mm de diâmetro e com características típicas de ataque de
fungos; perda de peso, obtida pela diferença de peso das amostras no momento da
instalação do experimento e o peso final das mesmas na saída das câmaras;
incidência de lanosidade, determinada de forma subjetiva através do
pressionamento dos frutos entre os dedos e pela visualização direta da presença
ou ausência de suco e/ou polpa farinácea. A intensidade do dano foi expressa
por meio de um índice de lanosidade, onde se consideraram: índice 1= frutos com
ausência de suco e polpa farinácea (totalmente lanosos); índice 2= frutos com
teor médio de suco (pouco a medianamente lanosos) ; índice 3= frutos com muito
suco (não-lanosos); produção de etileno, obtida por cromatografia gasosa por
meio de cromatógrafo equipado com coluna paropak e detector de ionização de
chama, na temperatura de 90; 120 e 200ºC para o injetor, coluna e detector,
respectivamente;respiração, determinada pela produção diária de CO2 através de
um analisador de fluxo contínuo de gases.
Os dados foram analisados segundo um delineamento inteiramente casualizado, com
4 repetições. Havendo diferença significativa entre os tratamentos pelo teste
F, as médias foram comparadas pelo teste de Duncan, em nível de 5% de
probabilidade de erro.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A firmeza da polpa foi bruscamente reduzida em relação à firmeza na colheita em
todos as condições de armazenamento testadas (Tabela_1); entretanto, entre a 4ª
e a 8ª semana de armazenamento (Tabela_2), essa redução não foi observada. Com
exceção dos tratamentos com 2kPa de O2, associado a 7 e 8kPa de CO2, que se
manteve inalterada, verificou-se aumento na firmeza de polpa dos frutos. Este
fenômeno, segundo Purvis (1993) e Luchsinger (2000), é devido à geleificação
das pectinas parcialmente degradadas da parede celular dos frutos. No entanto,
o efeito das pressões parciais de O2 e CO2 sobre a firmeza dos frutos foi mais
evidente após 8 semanas de armazenamento (Tabela_2), quando a firmeza de polpa
se manteve mais elevada na condição de 0,8kPa de O2, associada a 3kPa de CO2,
seguida pelos tratamentos com 1kPa de O2, associados a 3 e 4kPa de CO2. Após 4
semanas de armazenamento, os frutos mantidos sob armazenamento refrigerado,
enriquecido com 10kPa de CO2,apresentaram um índice de lanosidade superior aos
demais tratamentos testados (Tabela_1). Verificou-se, após este período de
armazenamento, que o controle da concentração de gases teve pequeno efeito na
redução dos sintomas de lanosidade, quando somente os tratamentos com 1kPa de
O2, associado a 4kPa de CO2 e 2kPa de O2, associado a 8kPa de CO2 promoveram
uma pequena inibição dos sintomas, proporcionando um teor mais elevado de suco
nos frutos. Segundo Zoffoli et al. (1997), a lanosidade em pêssegos, cv.
'Elegant Lady', foi reduzida unicamente quando mantidos na pressão parcial de
1kPa de O2, associada a 30kPa de CO2; entretanto, nesta condição, ocorreu falta
de sabor e aroma ("off flavor") devido ao acúmulo de etanol. Ao final
de 8 semanas de armazenamento, a condição de 1kPa de O2; associada a 3kPa de
CO2, contraditoriamente aos resultados obtidos após 4 semanas de armazenamento,
reduziu os sintomas de lanosidade, onde os frutos apresentaram alto teor de
suco (Tabela_2). Este resultado parece indicar que, nesta condição de
armazenamento, houve um restabelecimento do amadurecimento normal dos frutos em
função do aumento da atividade das enzimas responsáveis pela degradação das
pectinas da parede celular dos tecidos, o que está em acordo com Purvis (1993).
Este autor afirma que o componente crítico do armazenamento em AC, para reduzir
a severidade dos danos pelo frio, parece ser o CO2 nas pressões parciais
inferiores a 5kPa, por manter a capacidade dos frutos em produzir níveis
adequados de enzimas pectolíticas e manter a integridade das membranas
celulares nas temperaturas de amadurecimento. Para Von Mollendorff et al.
(1992), o incremento no conteúdo de suco nos estádios mais avançados de
maturação é, provavelmente, devido ao prolongamento da atividade das
Poligalacturonases (PG) sobre as pectinas de alto peso molecular,
transformando-as em pectinas de baixo peso molecular, as quais não formam gel.
Observou-se, nos frutos lanosos, após 4 semanas de armazenamento, que a
lanosidade é um processo reversível. A reversão dos sintomas de lanosidade
ocorreu, parcialmente, após 2-3 dias na temperatura de amadurecimento de 20ºC,
onde os frutos apresentaram menor firmeza e um restabelecimento parcial do teor
de suco (dados não apresentados). Estes resultados concordam com Zhou et al.
(2000), Luchsinger (2000) e Von Mollendorff et al. (1992), que afirmam também
que a temperatura e a firmeza de polpa durante o amadurecimento são fatores
envolvidos no processo de reversão.
Verificou-se considerável aumento na incidência de podridões ao longo do
período de armazenamento, principalmente nos tratamentos submetidos às menores
pressões parciais de O2 e CO2 testadas (Tabelas_3 e 4). O tratamento com 2kPa
de O2, associado a 8kPa de CO2,mostrou ser a melhor condição de armazenamento
para a prevenção da incidência de podridões (Tabela_3); entretanto, não
diferindo dos tratamentos com 1kPa de O2, associado a 5kPa de CO2 e 2kPa de O2,
associado a 6 e 7kPa de CO2, Ar+10kPaCO2 e do tratamento-controle. Estes
resultados parecem estar relacionados ao efeito do alto nível de CO2 sobre o
crescimento de microorganismos causadores de podridões, principalmente fungos,
pois, nestas condições de armazenamento, não se dispõe de evidências concretas
da influência direta do nível de O2 sobre o desenvolvimento de vários fungos
causadores de podridões em pêssegos (Agar et al., 1990; Brackmann et al.,
1996). Resultados semelhantes foram obtidos após oito semanas de armazenamento
com os tratamentos com 2kPa de O2, associados a 6, 7 e 8kPa de CO2 (Tabela_4).
A alta incidência de podridões nos tratamentos com atmosfera controlada parece
estar relacionada à elevada umidade relativa no interior da minicâmara, a qual
foi mantida em torno de 97%.
A perda de peso, de modo geral, foi menor nos tratamentos em AC (Tabela_3), a
qual pode ser explicada pela menor atividade respiratória e, principalmente,
pelo efeito da menor transpiração dos frutos em conseqüência da UR mais elevada
nas minicâmaras de AC em relação à câmara de AR. Entre os tratamentos com
controle de AC, praticamente não se observaram diferenças significativas na
perda de peso dos frutos (Tabelas_3 e 4 ).
A acidez titulável foi maior, após 4 semanas de armazenamento, nas pressões
parciais de 1kPa de O2, associadas a 3; 4 e 5kPa de CO2 e no tratamento em AR
enriquecido com 10kPa de CO2(Tabela_1). Estes resultados podem ser explicados,
em parte, pela menor taxa respiratória dos frutos durante o armazenamento
(dados não mostrados) e, conseqüentemente, menor utilização dos ácidos
orgânicos como fonte de energia para o processo respiratório. Após 8 semanas de
armazenamento, praticamente não se observaram diferenças significativas entre
os tratamentos (Tabela_4 ).
De maneira geral, houve um pequeno aumento no teor de SST nas 4 primeiras
semanas de armazenamento em relação ao teor no momento da colheita, com pequena
redução posterior até o final do período de armazenamento (Tabelas_1 e 2).
Porém, os tratamentos testados tiveram pequeno efeito sobre o teor de sólidos
solúveis totais dos frutos ao longo do período de armazenamento.
A cor de fundo verde da epiderme dos frutos foi significativamente degradada
durante as 4 primeiras semanas de armazenamento em relação à cor de fundo na
colheita, sofrendo pequena alteração a partir deste período até o final do
armazenamento (Tabelas_3 e 4). Contudo, a cor de fundo da epiderme manteve-se
mais verde em todos os tratamentos com controle de atmosfera após 4 semanas de
armazenamento (Tabela_3). Isto, possivelmente, ocorreu pela redução da
atividade enzimática, principalmente das clorofilases sob o processo de
degradação da clorofila e pela menor síntese de outros pigmentos. Estes
resultados concordam com os deWankier et al. (1970). Após 8 semanas de
armazenamento, a cor de fundo da epiderme manteve-se mais verde nos tratamentos
com pressões parciais de 0,8kPa de O2, associada a 3kPa de CO2 e 1kPa de O2,
associada a 4 e 5kPa de CO2 (Tabela_4), mostrando a eficiência do baixo nível
de O2 e alto nível de CO2 na inibição da degradação das clorofilas (Brackmann,
1984; Chitarra & Chitarra, 1990; Awad, 1993).
CONCLUSÕES
1. O controle de atmosfera reduz a degradação de clorofila da epiderme, bem
como a perda de peso, porém tem pouco efeito sobre a firmeza, teor de SST e
acidez titulável dos frutos.
2. A pressão parcial de 1kPa de O2, associada a 3kPa de CO2, previne a
manifestação dos sintomas de lanosidade, quando o período de armazenamento é
superior a 4 semanas.
A pressão parcial de 2kPa de O2 e 8kPa de CO2reduz a incidência de podridões
até 8 semanas de armazenamento.
3. Tanto o armazenamento refrigerado quanto o armazenamento sob atmosfera
controlada mantêm uma boa qualidade dos frutos por 4 semanas a -0,5ºC, mais 2
dias a 20ºC. O armazenamento por 8 semanas em AC é um período muito prolongado
para uma satisfatória manutenção da qualidade de pêssegos da cultivar Chiripá.
4. A elevada incidência de podridões e de lanosidade é o fator que mais
contribui para a redução da qualidade de pêssegos, cv. Chiripá, durante 4
semanas de armazenamento. Após 8 semanas de armazenamento, estes problemas
agravaram-se, deixando os frutos sem condições de comercialização.