Avaliação física e química de produtos minimamente processados de abacaxi-
'Pérola'
AVALIAÇÃO FÍSICA E QUÍMICA DE PRODUTOS MINIMAMENTE PROCESSADOS DE ABACAXI-
'PÉROLA'1
INTRODUÇÃO
O abacaxi, das cultivares 'Pérola' e 'Smooth Cayene', são bastante consumidos,
tanto in natura como industrializados, pois apresentam ótima qualidade
organoléptica, são boa fonte de vitaminas, açúcares e fibra, além de auxiliar
no processo digestivo (Gonçalves e Carvalho, 2000). No Brasil, mais de 90% do
produzido é consumido in natura,com perdas de 10-15%, de uma produção de 2,8
milhões toneladas, a qual se tem mantido estável nos últimos anos (Agrianual,
2001). Um dos fatores que tem impedido o aumento no consumo desta fruta é a sua
falta de conveniência, uma vez que, para seu consumo, exige descasque
trabalhoso e necessita de equipamento adequado, dado o escorrimento de líquidos
e a dificuldade para redução dos pedaços.
O processamento mínimo de frutas e hortaliças é definido como sendo a operação
que elimina as partes não comestíveis dos mesmos, como casca, talos e sementes,
seguida do preparo em tamanhos menores e prontos para consumo imediato, sem que
o vegetal perca a condição de produto fresco, com qualidade e garantia de
sanidade (Durigan, 2000).
O aumento no grau de conveniência do abacaxi, para os consumidores, poderia ser
efetivado com sua comercialização já descascado e/ou na forma de
"rodelas" e em embalagens que permitissem o consumo direto e
facilitassem sua utilização em serviços de buffet, restaurantes ou lojas de
fast food.
O presente trabalho teve como objetivo avaliar a manutenção da qualidade,
durante o armazenamento refrigerado, de produtos minimamente processados de
abacaxi-'Pérola'.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se frutos de abacaxi-'Pérola' produzidos em Frutal ' MG, colhidos no
ponto de maturação "pintado" (Classificação, 2000) e transportados 24
horas após a colheita para o Laboratório de Tecnologia dos Produtos Agrícolas
da FCAV - Jaboticabal - UNESP. Neste local, foram novamente selecionados,
procurando tornar o lote ainda mais uniforme quanto ao grau de maturação e
ausência de danos mecânicos ou podridões. Em seguida, as coroas foram retiradas
e os frutos lavados com detergente neutro, tendo como ingrediente ativo o
alquil- benzeno sulfonato de sódio, e água corrente e, em seguida, imersos, por
5 minutos, em água fria (5oC) contendo 200 mg de cloro.L-1, para desinfecção e
retirada de parte do calor de campo. As frutas foram então mantidas em câmara
fria (10oC), previamente lavada e higienizada com solução de cloro a 200 mg.L-
1, pelo período de 12 horas.
O processamento foi feito manualmente, com os utensílios, facas, baldes e
escorredores previamente higienizados, com solução de cloro a 200 mg.L-1. Os
operadores utilizaram luvas, aventais, gorros e máscaras, para proteger o
produto de prováveis contaminações.
Os frutos foram descascados, sendo metade dos mesmos cortada em
"rodelas" (1,5 cm de espessura) e a outra parte cortada em
"metades", longitudinalmente. Estes produtos, depois de enxaguados
com água sanitizada (20 mg de cloro.L-1) e escorridos por 2-3 minutos, foram
embalados e armazenados sob refrigeração.
Para embalar o produto em "rodelas", utilizou-se a embalagem Neoform®
nº 14 de polietileno tereftalatado (PET) sem fechamento hermético, com as
medidas 16,00 cm x 17,00 cm x 9,00 cm, e volume de 2,45 litros. Para embalar as
"metades", utilizou-se bandeja de isopor, com 0,50 cm de espessura e
as dimensões 11,50 cm x 19,00 cm x 4,00 cm, recoberta com filme de cloreto de
polivinila (PVC) esticável e espessura de 0,017 mm, e volume de 0,87 litros.
Estes produtos foram armazenados a 3oC, 6ºC e 9oC.
A cada 3 dias, eles foram avaliados quanto à textura, determinada utilizando-se
de penetrômetro FT 327 com ponteira de 8 mm; coloração, determinada utilizando-
se de reflectômetro Minolta Croma Meter CR-200b, que se expressa segundo o
sistema proposto pela Commission Internacional de L'Eclaraige (CIE) em L*a*b*
(color space) o que permitiu calcular o ângulo Hue ou de cor (hº), a
luminosidade (L) e a cromaticidade (Croma); pH, determinado através de
potenciômetro (AOAC, 1997); e os conteúdos de sólidos solúveis totais, acidez
total titulável, ácido ascórbico (AOAC, 1997), e de açúcares solúveis e
redutores (Dubois et al., 1956, Villela et al., 1973). Avaliou-se, diariamente,
a aparência, segundo uma escala de pontos, onde: 1=bom (aparência
"fresca" e coloração natural); 2=regular (sinais de murchamento e/ou
ressecamento e início de amolecimento); e 3=ruim (murchamento e/ou
ressecamento, escurecimento e amolecimento).
O delineamento estatístico empregado foi o fatorial 2 x 3 (2 preparos e 3
temperaturas), com 6 tratamentos (épocas de amostragem) e 3 repetições, tendo
como unidade experimental uma embalagem de produto (Gomes, 1982). A análise de
variância e a comparação de médias foram feitas utilizando-se do programa
computacional ESTAT da FCAV/UNESP.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O abacaxi-'Pérola' recém-processado caracterizou-se pelo bom teor de sólidos
solúveis totais (13,7±0,88 ºBrix), que relacionado com o teor de acidez total
titulável (0,64±0,08 g de ácido cítrico.100g suco-1), permite a comprovação de
seu sabor doce (SST/ATT=22,38±3,93), além de apresentar adequado pH (3,8±0,06),
bom teor de ácido ascórbico (21,81±5,41 mg.100g suco-1) e textura suave
(13,2±0,07N). Estes resultados reafirmam os indicados por Gorgatti Netto et al.
(1996), ou seja, acidez total titulável entre 0,60% e 1,62 % de ácido cítrico,
pH de 3,7 a 3,9 e teor de ácido ascórbico ao redor de 17,0 mg.100 g de polpa-
1 e por Giacomelli (1982), que encontrou 0,65-0,95% de acidez total titulável e
14-16ºBrix.
A quantidade de açúcares solúveis mostrou-se bastante elevada (12,66 ±2,22
g.100g-1), da qual cerca de 23% são redutores (3,06±0,03 g.100g-1). Segundo
Dull (1971), cerca de 66% de seus açúcares corresponde à sacarose, enquanto o
teor de amido é bastante baixo (0,49±0,09 g.100g-1). O conteúdo de fibras,
estimado através do resíduo da extração dos açúcares, foi de 1,36 ±0,07%, o que
está ao nível do relatado por Salunkhe e Desai (1984). Em relação à coloração
da polpa, esta mostrou-se amarelo-clara, pouco pigmento (L=73,9±0,86,
hº=98,6º±0,28 e Croma=19,2±1,41).
Durante o armazenamento, não se observou amaciamento na textura da polpa,
encontrado para outras frutas e que tem sido atribuído à modificação nas
estruturas e na composição da parede celular pela ação de enzimas (Chitarra,
1999). Apesar de a textura não ter se modificado durante o armazenamento, as
"metades" (7,9 N) apresentaram-se significativamente menos
resistentes que as "rodelas" (11,1 N), sem que a temperatura
influenciasse neste parâmetro.
Verificou-se que os tipos de preparo não influenciaram no escurecimento dos
pedaços, mas a temperatura de armazenamento influenciou, pois, no 6º dia, os
pedaços mantidos a 9ºC já apresentavam decréscimo significativo no valor L, de
64,7 para 56,8, indicando escurecimento. Os mantidos a 6ºC só diferiram
estatisticamente dos mantidos a 3ºC, no 12ºdia (L = 72,7 para os armazenados a
3ºC e L = 65,9 para os a 6ºC). Tais dados concordam com O'Connor-Shaw et al.
(1994), que avaliaram a qualidade sensorial de abacaxi minimamente processado,
armazenado a 4ºC, e constataram que, no 11º dia de armazenamento, os provadores
detectaram escurecimento na polpa.
Constatou-se que a interação entre o tipo de preparo e a temperatura de
armazenamento exerceu influência no escurecimento dos produtos, pois, aos 9
dias, as "rodelas" armazenadas a 9ºC apresentavam-se mais
escurecidas, e, aos 12 dias, já haviam sido descartadas. Este escurecimento foi
menor nas "metades" armazenadas a 6ºC.
Este escurecimento também foi observado por Martin et al. (1978) e por Chitarra
(1999), que afirmam ser o processo de escurecimento decorrente de reações
químicas e bioquímicas, conseqüentes ao processamento, principalmente devido ao
contato das polifenoloxidases com seus substratos.
Os tipos de preparo influenciaram a cor, ou seja, até o 6º dia, as
"rodelas" apresentaram-se menos amarelas, ou com maiores valores para
o ângulo hue (98,3º para as "rodelas" e 95,0º para as
"metades"). A temperatura não teve influência na cor do produto.
Constatou-se, também, que o tipo de preparo e a temperatura de armazenamento
não tiveram influência na cromaticidade (14,0-15,0), ou seja, na quantidade de
pigmentos.
Os abacaxis cortados em "rodelas" apresentaram menores teores de
ácido ascórbico do que os cortados em "metades" (Tabela1). Isto
mostra que, quanto maior o estresse causado pelo preparo, maior a perda desta
vitamina, o que também foi observado por Chitarra (1999), que atribuiu esta
maior perda ao aumento na atividade enzimática, e por Martin et al. (1978), que
destacaram a importância da escolha dos equipamentos e dos métodos de
processamento na manutenção das características iniciais do fruto.
Observou-se também, na Tabela_1, que, quanto mais alta a temperatura de
armazenamento, menor foi a conservação do teor de ácido ascórbico nos produtos,
sendo que a 9ºC este efeito foi significativamente prejudicial, confirmando
Chitarra e Chitarra (1990). Não se observou interação significativa entre os
parâmetros, preparo e temperatura, até o 9º dia de armazenamento. A interação
observada no 12º dia não foi considerada como importante, pois os produtos já
não se apresentavam comercializáveis.
Os teores de sólidos solúveis totais dos diferentes produtos apresentaram
pequena variação, ou seja, mantiveram-se entre 12ºBrix e 14º Brix. Pequenas
variações também foram observadas por Singleton e Gotner (1965), pois o abacaxi
tem metabolismo reduzido (Chitarra e Chitarra, 1990). Não se observaram
diferenças atribuíveis ao preparo ou às temperaturas, mostrando que estes
fatores não afetaram o conteúdo de sólidos solúveis totais dos produtos.
A variação nos teores médios de acidez total titulável são mostrados na Tabela
2 e indicam acréscimo durante o período de armazenamento, o que vem ao encontro
de resultados obtidos para o 'Smooth Cayenne' (Silva, 1980). O tipo de preparo
não mostrou efeito significativo neste conteúdo, mas a temperatura influiu
significativamente. Os produtos mantidos a 9ºC apresentaram os menores valores,
indicando senescência mais rápida, e não se observou diferença entre as
temperaturas de 3ºC e 6ºC. Não se observou interação significativa entre os
parâmetros, preparo e temperatura até o 9º dia de armazenamento, com a
interação observada no 12 dia não tendo sido considerada, pois os frutos já não
se apresentavam comercializáveis.
O acréscimo na acidez titulável implicou decréscimo no pH, pois as variações no
pH traduzem as variações na acidez titulável (Teisson, 1979). O tipo de preparo
e a temperatura de armazenamento não chegaram a afetar os valores de pH,
conforme o observado por Silva (1980), quando trabalhou com o armazenamento de
abacaxis ao ambiente e sob refrigeração.
A relação entre os teores de sólidos solúveis totais e de acidez total
titulável (SST/ATT) não foi influenciada pelo tipo de preparo, mas foi pela
temperatura, ou seja, os produtos mantidos a 9ºC apresentaram os maiores
valores, como conseqüência da redução nos seus teores de acidez. No entanto, o
acréscimo ocorrido no conteúdo de acidez dos produtos armazenados a 3ºC ou a
6ºC levou a decréscimo nesta relação.
Observou-se uma pequena redução nos teores de açúcares solúveis, de 12% para
10%, durante o armazenamento. Quanto aos conteúdos de açúcares redutores,
observou-se um pequeno aumento, de 2,8% para 3,8%, durante o armazenamento, o
qual não foi afetado pela temperatura (dados não mostrados).
O conteúdo de resíduos da extração de carboidratos, que estima o teor de fibras
do produto, foi maior no início do período de armazenamento, no produto em
"rodelas" e no armazenado a temperaturas mais altas (dados não
mostrados). Isto pode ser relacionado com a perda de suco pelo produto que
sofreu corte mais drástico. Não se observou efeito interativo entre estes
parâmetros.
A vida útil dos produtos foi limitada pela temperatura de armazenamento, pois
os armazenados a 9ºC apresentaram características comerciais até o 6º dia,
enquanto os armazenados a 3ºC e 6ºC permaneceram com estas características até
o 9º dia.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos permitem concluir que:
1. A manutenção da qualidade dos produtos minimamente processados de abacaxi-
'Pérola' não foi influenciada pelo tipo de preparo.
2. A temperatura de armazenamento favoreceu o escurecimento, a redução nos
teores de ácido ascórbico e de acidez total titulável e o aumento na relação
SST/ATT, sendo, portanto, o fator decisivo no estabelecimento da vida útil
deste produto.