Temperatura e tipo de preparo na conservação de produto minimamente processado
de abacaxi-'Pérola'
TEMPERATURA E TIPO DE PREPARO NA CONSERVAÇÃO DE PRODUTO MINIMAMENTE PROCESSADO
DE ABACAXI-'PÉROLA'1
INTRODUÇÃO
O Brasil produziu cerca de 2,8 milhões de toneladas de abacaxi no ano de 2000,
exportando aproximadamente 15 mil toneladas para Argentina, Uruguai e Portugal.
Esta produção coloca-o em posição de destaque, sendo o segundo maior produtor
mundial. As principais regiões produtoras são a Sudeste e Nordeste, sendo que o
volume comercializado na CEAGESP, no ano de 1999, chegou a 38 mil toneladas,
mostrando a grande importância desta fruta no Estado de São Paulo (Agrianual,
2001).
As cultivares mais plantadas no Brasil são a 'Pérola' e a 'Smooth Cayenne',
sendo a 'Pérola' considerada insuperável para o consumo ao natural, graças a
sua polpa suculenta e saborosa (Gonçalves & Carvalho, 2000).
O abacaxi, apesar de sua grande aceitação e valor nutricional, não prima pela
conveniência, o que vai de encontro ao interesse do consumidor, que tem se
tornado cada vez mais exigente na aquisição de produtos alimentares, com
preferência declarada por produtos com grande conveniência, alto valor
nutritivo e excelente qualidade sensorial. Isto tem feito com que os produtos
minimamente processados ganhem cada vez mais importância no mercado de frutas e
oleráceas.
Segundo Cantwell (1992) e Wiley (1994), o produto minimamente processado é
aquele fresco, tornado conveniente, com qualidade e garantia de sanidade. Estes
produtos, além de facilitar a vida do consumidor, garantem agregação de valor
ao produto, permitindo melhores condições de remuneração (Durigan, 2000).
Produtos hortícolas minimamente processados, devido às lesões sofridas durante
o preparo, como descasque e cortes, sempre apresentam metabolismo mais
acelerado e maior relação superfície/volume do que quando inteiros, o que
facilita a perda de água por seus tecidos (Tatsumi et al., 1991).
Chitarra & Chitarra (1990) recomendam as temperaturas mais baixas para o
armazenamento de vegetais, pois retardam o metabolismo, diminuindo a taxa
respiratória e a atividade enzimática, evitando ou minimizando alterações no
aroma, sabor, textura, cor e demais atributos de qualidade.
O uso de embalagens, geralmente plásticas, modifica a atmosfera de conservação
do produto vegetal, dada a ação da respiração no seu interior, com aumento na
concentração de CO2 e diminuição na de O2(Wiley, 1994). Tais alterações podem
diminuir o desenvolvimento microbiano, assim como o desenvolvimento de
desordens fisiológicas e de deteriorações bioquímicas.
Elevadas perdas pós-colheita e consumo per capita relativamente baixo podem
ser, em parte, atribuídos à falta de conveniência do abacaxi para o consumo ao
natural, pois ele exige descasque trabalhoso, apresenta escorrimento de líquido
e necessita de contenção em vasilhame adequado e equipamento próprio para este
consumo. Procurando tornar o produto mais conveniente, assim como agregar valor
ao mesmo, Carbonari et al. (2000) estudaram a influência do preparo e da
embalagem na conservação do abacaxi-'Smooth Cayenne' minimamente processado e
encontraram vida útil de 11 dias para produtos embalados em polietileno
tereflatado (PET), que foi superior àquela dos embalados em cloreto de
polivinila (PVC). Prado et al. (2000) avaliaram a influência da desinfecção com
hipoclorito de sódio na qualidade do produto minimamente processado de abacaxi-
'Pérola' e concluíram que este sanitizante tem grande importância na
conservação dos produtos, sem influenciar na sua qualidade. Este trabalho teve
como objetivo avaliar o efeito do tipo de preparo e da temperatura de
armazenamento, na conservação de produto minimamente processado de abacaxi-
'Pérola'.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se frutos de abacaxi-'Pérola' produzidos em Frutal ' MG, colhidos no
ponto de maturação "pintado" (Classificação, 2000) e transportados 24
horas após a colheita para o Laboratório de Tecnologia dos Produtos Agrícolas
da FCAV - Jaboticabal - UNESP, onde foram novamente selecionados, procurando
tornar o lote mais uniforme quanto ao grau de maturação e ausência de danos
mecânicos ou podridões. Em seguida, as coroas foram retiradas e os frutos
lavados com detergente neutro, que tinha como ingrediente ativo o alquilbenzeno
sulfonato de sódio, e água corrente, e imersos, por 5 minutos, em água fria
(5oC), contendo 200 mg de cloro.L-1, para desinfecção e retirada de parte do
calor de campo. Estes frutos foram mantidos em câmara fria (10oC), previamente
lavada e higienizada com solução de cloro a 200 mg.L-1, pelo período de 12
horas.
O processamento foi feito manualmente, a 10oC, com os utensílios (facas,
baldes, escorredores, etc.) previamente higienizados, com solução de cloro a
200 mg.L-1. Os operadores usaram luvas, aventais, gorros e máscaras, procurando
proteger ao máximo o produto de prováveis contaminações.
Os frutos foram descascados, cortados em "rodelas" (1,5 cm de
espessura) ou em "metades" longitudinais, que foram enxaguadas com
água sanitizada (20 mg de cloro.L-1) e escorridas por 2-3 minutos, e a seguir
embaladas e armazenadas sob condições refrigeradas.
Utilizou-se para embalar o produto em "rodelas" a embalagem Neoform®
nº 14 de polietileno tereftalatado (PET), sem fechamento hermético, com as
seguintes medidas: 16,00cm x 17,00cm x 9,00cm, e volume de 2,45 litros. Bandeja
de isopor com 0,50cm de espessura e as dimensões 11,50cm x 19,00cm x 4,00cm,
recoberta com filme de cloreto de polivinila (PVC) esticável e espessura de
0,017 mm, perfazendo um volume total de 0,87 litros, foi usada para a embalagem
dos frutos cortados ao meio. Os produtos foram armazenados a 3oC, a 6ºC e a
9oC.
O rendimento em produtos minimamente processados foi determinado pela relação
percentual entre o peso de produto processado e o peso do fruto inteiro, com
coroa. Determinou-se a intensidade respiratória dos frutos inteiros, antes dos
cortes, e a dos pedaços foi avaliada por até 26 horas após o preparo, mantendo-
os em ambiente hermético por 01 hora e com determinações da quantidade de CO2,
antes e após este tempo. A atmosfera interna na embalagem foi determinada
diariamente e durante todo período de armazenamento. As determinações dos
teores de CO2 foram feitas, utilizando-se cromatografia gasosa (Cromatógrafo
Finnigan 9001). Determinaram-se também, diariamente, a perda de massa fresca,
mediante pesagem, e a aparência, segundo a seguinte escala de notas: 1=bom
(aparência "fresca" e coloração natural); 2=regular (sinais de
murchamento e/ou ressecamento e início de amolecimento); e 3=ruim (murchamento
e/ou ressecamento, escurecimento e amolecimento). A quantidade de suco drenado
na embalagem, através da relação percentual entre o peso do produto e o peso do
líquido drenado, e a presença de bactérias mesofílicas e coliformes, totais e
fecais, foram avaliadas a cada 3 dias (APHA, 1992, ICMSF, 1978). Testaram-se
também a textura, o sabor e a preferência pelos consumidores, em comparação ao
produto fresco, no início e após 5 dias para os produtos armazenados a 9ºC e
após 7 dias, para os armazenados a 3ºC e 6ºC (Stevens e Albright, 1980). As
amostras eram oferecidas a provadores não treinados, em quantidade suficiente
para a prova, codificadas e em ambiente neutro. As avaliações eram feitas em
escala não estruturada.
O delineamento estatístico foi o inteiramente casualizado, com esquema fatorial
2 x 3 (2 preparos e 3 temperaturas), com 6 tratamentos (épocas de amostragem) e
3 repetições, tendo como unidade experimental uma embalagem de produto (Gomes,
1982). A análise de variância e a comparação de médias foram feitas,
utilizando-se do programa computacional ESTAT da FCAV/UNESP.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O rendimento dos abacaxis nos produtos minimamente processados foi de 61,84 ±
1,07%. As embalagens com os produtos em "rodelas" apresentavam massa
de 558,31±10,98g e as com "metades", 337,02±8,63g.
Durante o período de armazenamento, houve decréscimo no conteúdo de O2 nas
embalagens que continham os frutos cortados em "metades", cuja
variação foi de 18,03% para 4,80% em 12 dias, enquanto nas embalagens com as
"rodelas", isto não aconteceu, e a variação foi de 18,23% a 18,04%
(dados não mostrados). Estes valores foram reflexo da associação entre o tipo
de preparo e a embalagem, dada a menor permeabilidade da embalagem com o filme
de PVC a trocas gasosas do que a de PET, a qual permite grandes trocas com o
ambiente de armazenamento, devido ao seu fechamento não hermético.
Conforme o indicado por Wiley (1994), a concentração de CO2 dentro das
embalagens aumentou com o período de armazenamento. Os maiores valores foram
atingidos naquelas contendo as "metades" embaladas com PVC (20,0% aos
12 dias), enquanto, nas contendo as "rodelas" embaladas em PET, os
valores máximos foram de 1,11% e 1,86%, aos 5 e 7 dias, respectivamente, com
diminuição até o 12ºdia (0,64%).
Verificou-se, também, efeito significativo das diferentes temperaturas, com os
produtos a 9ºC apresentando os maiores conteúdos médios de CO2 (12,26%),
enquanto os armazenados a 3ºC e 6ºC apresentaram os menores valores (5,77% e
9,72%, respectivamente). Não houve interação entre os fatores preparo e
temperatura de armazenamento para esta variável.
A Figura_1 apresenta o comportamento respiratório dos produtos minimamente
processados do abacaxi-'Pérola', para os dois tipos de preparo e armazenados a
3ºC, 6ºC e 9ºC. O padrão respiratório foi semelhante em todos os tratamentos.
Ocorreu um pico de evolução de CO2 na primeira hora após o preparo, seguido de
redução e estabilização. Tal comportamento também foi observado por Rosen &
Kader (1989), em peras e morango. Chitarra (1999) afirmou que este aumento na
atividade respiratória se inicia nos primeiros minutos após o preparo.
O abacaxi em "rodelas" apresentou maiores taxas respiratórias do que
o cortado ao meio, independentemente da temperatura de armazenamento (Figura
1). Esta diferença pode ser atribuída à maior intensidade do estresse causado
pelo preparo em "rodelas" (Tatsumi et al., 1991). Este efeito foi
minimizado com o armazenamento sob temperaturas mais baixas, havendo uma
diferença menor entre "rodelas" e "metades" para os
produtos armazenados a 3ºC.
Os produtos armazenados a 3ºC e 6ºC mantiveram aparência adequada para a
comercialização, indicada pela nota 2, até o 9º dia, enquanto os armazenados a
9ºC a mantiveram por 6 dias, sendo descartados no 9º dia (dados não mostrados).
Prado et al. (2000) também observaram que o abacaxi-'Pérola', quando
minimamente processado e armazenado a 8ºC, manteve aparência e sabor adequados
ao consumo, por até 6 dias.
Fez-se também uma avaliação visual dos produtos quanto à preferência e à
possibilidade de compra. No início, 92,3% dos provadores mostraram sua
preferência e opção de compra pelo abacaxi em "rodelas", mas esta
porcentagem diminuiu para 60% após 7 dias (dados não mostrados).
A análise sensorial também permitiu verificar que a textura dos produtos não
diferiu significativamente do cortado na hora ("fresco"), mesmo após
armazenamento (Tabela_1). Não se observou diferença estatística entre os
tratamentos, indicando que o processamento mínimo, independentemente da
temperatura ou do tipo de preparo, não afetou esta variável. Os produtos
mantiveram o sabor natural, indicado pela ausência de diferença significativa
entre os tratamentos e destes com o produto "fresco", apesar de
diminuição nos valores das notas recebidas. A preferência confirmou o observado
para o sabor e, mesmo após armazenamento, os produtos não diferiram do produto
"fresco", indicando que o mesmo se encontrava bom para o consumo. Os
produtos armazenados a 3ºC e a 6ºC reuniram as melhores características além de
apresentarem as maiores vidas de prateleira.
Os produtos perderam suco durante o período de armazenamento, e o tipo de
preparo influenciou significativamente nesta perda, que foi menor no produto em
"metades" (Tabela_2). A maior perda de líquido pelas
"rodelas" pode ser atribuída à maior injúria sofrida no corte, já
que, em produtos minimamente processados, quanto maior a intensidade dos
cortes, maior será o rompimento de estruturas, facilitando a perda de líquido
pelos tecidos, o que é aumentado com o tempo de armazenamento (Tatsumi et al.,
1991). Temperaturas mais altas de armazenamento também levaram a maiores
porcentagens de perda de líquido.
A perda de massa fresca, durante o período de armazenamento, pelo produto
submetido aos diferentes tratamentos, foi sempre maior no cortado em
"metades" (Figura_2A).
Apesar de as "rodelas" terem perdido mais líquido (Tabela_2), não se
verificaram maiores perdas de massa fresca, pois este líquido ficou retido na
embalagem. Os produtos armazenados a 9ºC foram os que apresentaram as maiores
perdas de massa fresca durante o armazenamento, enquanto, a 3ºC, os valores de
perda foram sempre os menores (Figura_2B).
O controle das condições higiênicas, durante o processamento dos frutos, foi
bastante eficiente, pois não se detectou a presença de coliformes totais ou
fecais durante o armazenamento. A evolução da contagem de mesófilos foi muito
pequena e, somente após 7 dias, os produtos armazenados a 9ºC atingiram os
valores de 105 UFC.g-1, os quais são maiores que o valor 103 UFC.g-1permitido
pelo RDC nº 12 de 02-01-2000 publicada no Diário Oficial da União de 10-01-
2000, o que levou ao descarte dos mesmos. Estes mesófilos não foram oriundos da
contaminação pelo ambiente de preparo ou de armazenamento, uma vez que foi
coincidente com a flora detectada em frutos "frescos". Os produtos
armazenados a 3ºC ou a 6ºC mantiveram-se microbiologicamente adequados por até
13 dias após o processamento.
CONCLUSÃO
As "rodelas" e "metades" de abacaxi-'Pérola', quando
embaladas em contentores de PET e PVC esticável, respectivamente, conservam boa
aceitabilidade durante o armazenamento a 3ºC, 6ºC e 9ºC. Os produtos
armazenados a 3ºC e a 6ºC apresentaram vida de prateleira mais longa (9 dias)
em relação aos armazenados a 9ºC (6 dias).