Crescimento e desenvolvimento radicular do porta-enxerto de macieira
Marubakaido (Malus prunifolia) micropropagado submetido à inoculação
micorrízica e à poda de raízes
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO RADICULAR DO PORTA-ENXERTO DE MACIEIRA
MARUBAKAIDO (Malus prunifolia) MICROPROPAGADO SUBMETIDO À INOCULAÇÃO
MICORRÍZICA E À PODA DE RAÍZES
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INTRODUÇÃO
A produção de plantas pode ser beneficiada pela obtenção rápida de mudas de
alta qualidade e homogeneidade, proporcionada pela micropropagação. Esta
técnica elimina microrganismos patogênicos, mas também exclui organismos que
podem favorecer o estabelecimento das mudas micropropagadas e seu crescimento
após o transplantio (Granger et al.,1983), como os fungos que formam as
micorrizas. Essas associações mutualísticas, envolvendo fungos do solo e as
raízes da maioria das plantas, constituem uma importante ligação entre os
componentes bióticos e abióticos do solo, e desempenham papel fundamental na
sobrevivência, no crescimento e no desenvolvimento das plantas. As micorrizas
têm efeito positivo no crescimento das plantas, pela melhoria na absorção de
nutrientes, especialmente o fósforo, e pelo aumento da tolerância a estresses
bióticos e abióticos (Saggin & Lovato,1999).
Entre as espécies lenhosas micropropagadas, a macieira é considerada de difícil
enraizamento, característica associada a baixas taxas de sobrevivência em
condições ex vitro. Para superar tais problemas, é adotada a técnica de
submeter a planta, simultaneamente, ao enraizamento e à aclimatização. No
momento de saída das condições in vitro, as plantas micropropagadas são mais
suscetíveis a estresses ambientais, devido ao fraco desenvolvimento do sistema
radicular, à formação incompleta dos estômatos e ao desenvolvimento incipiente
da cutícula das folhas (Hooker et al.,1994). Quando as plantas são enraizadas
in vitro, as zonas de transição entre as raízes e a parte aérea podem ser
anormais (Grout & Aston,1977), e as conexões vasculares são por vezes
incompletas, restringindo a passagem da água absorvida pelas raízes. As raízes
que crescem in vitro, perdem os pêlos radiculares e podem morrer quando
transferidas para o substrato (Debergh & Maene,1981). Por essas razões, é
crescente a adoção do enraizamento ex vitro ou a poda às raízes na saída das
condições in vitro. No entanto, a remoção parcial ou total do sistema radicular
pode ter diferentes efeitos sobre as plantas, e é preciso conhecer o
comportamento de diferentes genótipos. Este trabalho teve por objetivo avaliar
os efeitos da inoculação com fungos micorrízicos e da poda de raízes sobre o
crescimento do porta-enxerto Marubakaido e sobre seu desenvolvimento radicular.
MATERIAL E MÉTODOS
Para a produção das mudas do porta-enxerto Marubakaido - Malus prunifolia
(Willd. Borkh) - bases de brotações oriundas de multiplicação in vitro, com 4-
5 pares de folhas e 3-4 cm de altura, foram imersas em solução 5 mM de ácido
indolibutírico por 20s e transferidas para aclimatização (Nunes et al., 1999).
O experimento (fatorial 2x2x2) foi composto de tratamentos de inoculação
(inoculação micorrízica e não micorrízica), épocas de inoculação (antes e após
a fase de enraizamento), com ou sem poda de raízes. Utilizou-se um delineamento
completamente casualizado, com 12 repetições, os dados foram submetidos à
análise de variância, (programa StatGraphics, versão 7.0) e as médias foram
comparadas pelo teste de Newman-Keuls, p £ 0,05. Cada planta recebeu 1,0 g de
inóculo micorrízico, constituído de uma mistura de Scutellospora pellucida
(isolado nº 2, coleção da UFSC), Glomussp. (isolado nº 35), G. etunicatum
(isolado nº 6) eG. etunicatum(isolado nº 8),multiplicados em vasos com Paspalum
notatum var. sauraeou Tagetes erecta. A microbiota não micorrízica do solo foi
obtida através da suspensão de 100 g do inóculo em 1 L de água destilada. Após
agitação intensa, a suspensão foi passada em papel filtro (abertura de 50 mm) e
adicionou-se 1 mL do filtrado a cada planta nos tratamentos não micorrizados. O
substrato utilizado foi uma mistura de Nitossolo Vermelho Distroférrico,
composto termofílico e areia (1:1:1; v:v:v), desinfestado por 10 minutos em
forno de microondas (National NE 7770KK, 2450 Mhz, 1420W) e distribuído em
bandejas com alvéolos de 120 cm3. As plantas foram transferidas para as
bandejas e aclimatizadas simultaneamente à formação de raízes, sob alta umidade
relativa do ar (~100%), temperatura de 21oC + 3, fotoperíodo de 16 horas e
intensidade de radiação fotossinteticamente ativa (RFA) de 73 µmol m-² s-1.
Após 21 dias, fez-se a poda de raízes, sendo que as plantas submetidas a esse
tratamento foram recolocadas em bandejas alveoladas. O experimento foi
conduzido em câmara de crescimento, a 21oC + 3, fotoperíodo de 16 horas e RFA
de 120 µmol m-² s-1. Todas as plantas receberam água diariamente e,
semanalmente, aplicou-se 1 mL de solução nutritiva de Long Ashton (Resh, 1997)
com 10% da concentração original de fósforo. A fim de calcular o incremento em
altura das plantas, medições desta variável foram realizadas ao final do
enraizamento e no momento da coleta. Aos 51 dias após a saída in vitro das
plantas, foram determinados peso da matéria fresca das raízes, peso de matéria
seca da parte aérea e colonização micorrízica, e fez-se a análise do
desenvolvimento do sistema radicular. O número e o comprimento das raízes foram
avaliados pela técnica da grade quadriculada. As raízes foram cortadas e
separadas em placas de Petri conforme a ordem à qual pertenciam (eixos
radiculares, ordem 1, ordem 2, ordem 3 e ordem 4), contando-se o número de
pontos de interseção (N) entre as raízes e as linhas verticais e horizontais da
grade no fundo da placa. O comprimento do sistema radicular (R) da amostra foi
calculado de acordo com a técnica de Tennant (1975). A fórmula utilizada foi: R
= N x Fator de Conversão (0,7857). A intensidade de colonização micorrízica foi
avaliada pela técnica de Trouvelot et al. (1986), após descoloração das raízes
em KOH 10% e coloração com Azul de Tripano em glicerol acidificado (Koske &
Gemma,1989).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A porcentagem de colonização radicular foi significativamente maior no
tratamento inoculado em estágio inicial do enraizamento que nos tratamentos que
receberam inoculação após o enraizamento, e as plantas que sofreram poda de
raízes apresentaram os menores índices de colonização (Tabela_1). Esse índices
estiveram associados a aumentos no crescimento das plantas, confirmando o
potencial de inoculação micorrízica (Uosukainen & Vesteberg, 1994;
Locatelli e Lovato, 2001), e os maiores valores de incremento em altura e de
produção de biomassa da parte aérea ocorreram quando a inoculação com os FMAs
ocorreu antes do enraizamento. A inoculação após o enraizamento também
proporcionou um acréscimo em altura e biomassa das plantas, quando comparadas
com plantas não inoculadas, mas o efeito foi menor que o verificado em plantas
inoculadas antes do enraizamento. Os dados confirmam que a introdução de FMA,
mesmo após a fase de enraizamento, tem um grande potencial nos programas de
produção de mudas micropropagadas. Os aumentos do crescimento do porta-enxerto
Marubakaido estão de acordo com trabalhos sobre micorrização de plantas
micropropagadas (Saggin & Lovato,1999).
A poda de raízes teve efeitos marcantes sobre o crescimento das plantas,
levando a reduções significativas de incremento em altura e peso de matéria
seca da parte aérea (Tabela_1), seja nos tratamentos que receberam o inóculo
micorrízico, seja naqueles que receberam somente a biota não micorrízica do
solo. A redução da massa de raízes, determinada pela poda, levou a planta a
mudar sua estratégia no acúmulo de biomassa, para manter o equilíbrio entre a
parte aérea e o sistema radicular, como preconizado por Hartmann et al. (1997).
Além disso, pode ser mais importante para a planta restabelecer o sistema
radicular eliminado pela poda do que acumular reservas na parte aérea, visto
que um volume maior de raízes é determinante no processo de retomada de
crescimento das plantas após a passagem para a aclimatização (Ziv, 1995). No
presente trabalho, a redução do volume de raízes determinou um menor acúmulo de
biomassa na parte aérea, por ter diminuído a eficiência na captação de água e
de nutrientes importantes para o crescimento inicial da planta, como observado
por Wraigth e Wraigth (1998).
A época de introdução dos FMAs e da biota não micorrízica do solo não teve
efeito significativo sobre o acúmulo de biomassa das raízes. No entanto, as
plantas que receberam os inoculantes contendo FMA antes da fase de
enraizamento, tenderam a apresentar massa da matéria fresca de raízes maior que
plantas que receberam os inóculos após a fase de enraizamento. Isso indica que
a produção de biomassa radicular esteve relacionada não somente à presença de
FMA, mas também à ação de outros microrganismos presentes no substrato ou na
rizosfera. É preciso considerar, porém, que a biomassa não é o melhor parâmetro
para indicar a eficiência das raízes, o que exige que se conheça seu
desenvolvimento, expresso pela arquitetura do sistema radicular (Hetrick,1991).
O desenvolvimento do sistema radicular do porta-enxerto Marubakaido, avaliado
através do número e do comprimento totais de raízes (Tabela_2), foi mais
afetado pela poda que pela inoculação micorrízica. Os dois tratamentos que
tiveram poda de raízes - com inoculação micorrízica ou com adição somente de
biota não micorrízica do solo - apresentaram uma redução de cerca de 40% no
número e comprimento totais de raízes, quando comparados aos tratamentos que
não foram submetidos a tal procedimento. A redução no número total foi composta
pela diminuição no número de raízes de ordem 1 e ordem 2, enquanto, no
comprimento, a redução ocorreu nos eixos radiculares e nas raízes de ordem 1.
No que se refere ao número e comprimento de raízes nas diferentes ordens, a
comparação de plantas micorrizadas e não micorrizadas mostra que, dentro de
cada combinação dos outros fatores, as plantas com micorrizas tenderam a
apresentar médias superiores no número de eixos radiculares e de raízes de
ordem 1. Mesmo que as diferenças não tenham sido significativas pela análise
estatística, a repetição do comportamento, nessas duas variáveis, sugere um
efeito da simbiose, sobre a arquitetura radicular, como constatado em plantas
lenhosas por Tisserant et al. (1996). A época de introdução dos FMAs no sistema
não proporcionou diferenças no número ou no comprimento total de raízes. O
tratamento sem poda de raízes e com adição da biota não micorrízica do solo,
antes da fase de enraizamento, teve plantas com número e comprimento totais de
raízes equivalentes aos dos tratamentos que receberam inóculo micorrízico. No
entanto, aquele tratamento apresentou os maiores valores de número e
comprimento de raízes de ordem 2 e ordem 3, o que evidencia que a biota não
micorrízica do solo teve um efeito sobre o desenvolvimento do sistema radicular
do porta-enxerto utilizado.
Os resultados indicam, portanto, que, para o porta-enxerto Marubakaido, a poda
de raízes é uma prática nociva e não deve ser utilizada. Isso está em desacordo
com trabalhos que recomendam a remoção parcial ou total das raízes produzidas
in vitro, porque tal procedimento resultaria em melhor formação de raízes
adventícias e plantas mais uniformes (Thomas & Ravindra,1997). O efeito
negativo da poda sobre o crescimento e a arquitetura radicular do porta-enxerto
Marubakaido, observado por Fráguas et al.(1997), foi confirmado por este
trabalho, que demonstrou também efeitos dos fungos micorrízicos arbusculares, e
mesmo da biota não micorrízica do solo, sobre tais variáveis.
CONCLUSÕES
A poda de raízes é prejudicial e a inoculação micorrízica, no início do período
de aclimatização e enraizamento, é benéfica para a produção de mudas
micropropagadas do porta-enxerto Marubakaido.