Morfologia de frutos de goiabeira
Morfologia de frutos de goiabeira1
Morphology of guava fruits
Fabíola Vitti MôroI; William NataleII; Carlos Ferreira Damião FilhoI, Renato de
Mello PradoII
IDepartamento de Biologia, UNESP/FCAV - Faculdade de Ciências Agrárias e
Veterinárias - Câmpus de Jaboticabal. Via de Acesso Prof. Paulo Donato
Castellane, s/n - 14884-900 - Jaboticabal - SP
IIDepartamento de Solos e Adubos, UNESP/FCAV
INTRODUÇÃO
A aplicação foliar de produtos (hormônios, defensivos, fertilizantes) tem sido
realizada com relativo sucesso, dependendo especialmente de fatores inerentes
às plantas.
Aplicações foliares de nutrientes em plantas frutíferas atingem também os
frutos, quando estes estão presentes. Pouco se sabe, porém, sobre os efeitos
dessas aplicações e o destino dos elementos que neles são pulverizados, por
desconhecer-se a estrutura dos frutos.
Não raro se encontram na literatura relatos da aplicação de elementos químicos
em frutos colhidos, a fim de prolongar sua vida útil, cujos resultados podem
ser positivos, negativos ou inócuos, de forma que os benefícios desta técnica
são contraditórios. Há resultados favoráveis na qualidade pós-colheita em
algumas fruteiras, como em morango (Cheour et al., 1991), maçã (Lurie &
Klein, 1992), maracujá (Silva & Vietes, 2000) e sem efeito significativo,
em jabuticabas (Mota et al., 1997) e goiaba cv. Kumagai (Carvalho et al.,
1998). Em mangueira, aplicações (até 4 vezes) durante o desenvolvimento dos
frutos também não apresentaram efeito benéfico na qualidade da fruta, visto que
não houve incremento de cálcio na polpa (Rabelo et al., 1996; Silva &
Menezes, 2000). Em olerícolas, como o tomateiro, Castellane (1988) recomenda a
aplicação de cálcio diretamente nos frutos, a fim de prevenir a anomalia
conhecida como podridão apical. Apesar de o cálcio ser sabidamente um elemento
imóvel no floema, esse tipo de tratamento é eficiente devido às características
da planta e à pulverização localizada.
Danieli et al. (2002) não obtiveram efeito benéfico na aplicação de CaCl2 no
retardamento da colheita de caqui e, quando combinado ao AG3, o cloreto de
cálcio reduziu os efeitos benéficos do hormônio após a colheita. Objetivando
buscar um controle mais adequado de doenças, Tozello & Ribeiro (1998)
aplicaram CaCl2 no tratamento pós-colheita de goiabas, não obtendo efeito
favorável.
O estudo da morfologia dos frutos poderia responder a algumas questões, como,
por exemplo, se a presença de certas estruturas dificultaria a absorção e
movimento de substâncias.
No caso da goiabeira, planta tipicamente tropical, Môro et al. (1999)
descreveram nas folhas a presença de uma hipoderme com células de paredes
espessadas, grande quantidade de fibras em torno dos feixes vasculares, células
contendo cristais de sílica (drusas) e, também, que as folhas são
hipoestomáticas, isto é, os estômatos estão presentes apenas na superfície
inferior das folhas. Todos esses aspectos são, provavelmente, adaptações dessa
Myrtacea à economia de água, mas que, ao mesmo tempo, poderiam dificultar a
penetração de elementos químicos.
Natale et al. (1999), trabalhando com aplicação foliar de fósforo radioativo
(32P), relataram a baixa absorção do elemento pelas folhas de goiabeira,
provavelmente, descritas por Môro et al. (1999), às quais dificultam a absorção
dos nutrientes.
Tendo em vista o exposto e considerando a importância do conhecimento da
morfologia dos frutos para um manejo mais adequado dos pomares, em termos de
adubação foliar, ou de tratamentos pós-colheita para ampliar a vida útil dos
frutos, desenvolveu-se a presente pesquisa, cujo objetivo foi descrever a
morfologia dos frutos de goiabeira.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados frutos de goiabeira (Psidium guajava L.) da cultivar Paluma.
Para a observação ao microscópio ótico, pequenas porções do pericarpo do fruto
foram colocadas em frascos de vidro contendo solução de FAA (formalina-aceto-
álcool: 90 ml de etanol 50%, 5 ml de ácido acético glacial e 5 ml de
formaldeído a 37%), por 48 horas. Após este período, as amostras foram cortadas
transversalmente, com o auxílio de lâmina de barbear, montadas em lâminas
histológicas contendo safranina aquosa a 1%, cobertas com lamínula e
fotografadas em microscópio ótico.
Para observação ao microscópio eletrônico de varredura, amostras do pericarpo
dos frutos foram fixadas em glutaraldeído a 3%, em solução tampão de fosfato de
potássio a 0,05 M e pH 7,4 por 48 horas, a 10ºC. A seguir, o material foi pós-
fixado em tetróxido de ósmio a 1% na mesma solução tampão e mantido em
refrigerador por 24 horas. As amostras foram então desidratadas em álcool
etílico, na série gradual : 30; 50; 70; 80; 95 e 100%.
Submeteram-se as amostras à secagem em secador de ponto crítico e,
posteriormente, as mesmas foram fixadas sobre suportes metálicos, recobertas
com uma camada de 35 nm de ouro-paládio e observadas ao microscópio eletrônico
de varredura.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nos cortes transversais, observados em microscópio ótico, verificou-se a
presença de cutícula espessa (Figura_1A). O grau de espessamento da cutícula
pode ser usado como caráter taxonômico (Rosso, 1966). Entretanto, Withner et
al. (1974) relataram que o padrão de espessamento da cutícula é determinado
pela exposição ao sol, sendo que a parte vegetal mais exposta tende a exibir
uma cutícula mais espessa.
Observou-se, abaixo da epiderme, três camadas subepidérmicas de células
compactas, arredondadas, poligonais e de diferentes tamanhos (Figura_1B).
Segundo Kurzweil et al. (1995), células epidérmicas maiores estão relacionadas
à função de reserva de água.
As camadas tissulares subseqüentes são constituídas de células parenquimáticas
poliédricas, entremeadas por esclereídeos agrupados (células pétreas). O tecido
vascular não é evidente nesse tipo de corte. Observou-se, ainda, a presença de
grande quantidade de estruturas secretoras internas (cavidades lisígenas) logo
abaixo da epiderme (Figura_1C).
Pela Figura_2, observa-se, na superfície externa do pericarpo, ao microscópio
eletrônico de varredura, a presença de manchas claras que, em vista frontal,
correspondem à cera epicuticular que, em corte transversal, estariam
relacionadas às saliências irregulares da cutícula (Figura_1A). Karcz (1996)
também observarou a presença de cera epicuticular nas células da epiderme de
frutos da Valeriana officinarum. Ainda na Figura_2, verificaram-se estômatos
paracíticos salientes, com células-guarda reniformes semelhantes àqueles
observados na face inferior de folhas de goiabeira cv. Paluma por Môro et al.
(1999). Porém, a presença de estômatos nos frutos é considerada esporádica e
dispersa quando comparadas às folhas. Resultados semelhantes, quanto à presença
dispersa de estômatos em frutos, foram relatados em Ribes rubrum (Blanke, 1993)
e em abacate (Blanke & Lovatt, 1993). Porém, Landrigan et al. (1994)
verificaram a presença de grande quantidade de estômatos em frutos de Nephelium
lappaceum (Rambutam).
Sabe-se que os estômatos apresentam permeabilidade relativa à passagem de
nutrientes. Assim, informações obtidas neste tipo de estudo permitem inferir
que os parcos resultados positivos verificados com a aplicação de nutrientes, a
exemplo do Ca, na qualidade pós-colheita de frutos, podem decorrer da ausência
ou presença esporádica de estruturas permeáveis nos frutos.
Cabe ressaltar que existem situações em que o nutriente aplicado ao fruto pode
até aumentar o teor total do elemento no tecido, embora sem reflexos na
qualidade. Este fato é explicado por Malta (2000), tendo em vista que o teor
total do elemento, obtido pela digestão nitroperclórica e utilizado na análise
química de rotina, parece não ser melhor indicativo do statusnutricional, pois,
através dessa análise, não se pode ter certeza da localização subcelular do
nutriente. Assim, o elemento pode estar tanto adsorvido à cutícula do fruto
como fora dos sítios de maior atividade metabólica da célula. Neste sentido, a
análise química padrão, pelo teor total, deve ser utilizada com restrição, pois
determinações mais específicas, como a análise do nutriente em nível subcelular
(parede celular, cloroplasto e o solúvel), utilizando metodologia conhecida
(Favero, 1992), podem auxiliar e melhorar as interpretações do verdadeiro
estado nutricional dos frutos e definir a real eficiência de uso da tecnologia
de aplicação de nutrientes ou substâncias via frutos.
Por outro lado, os resultados positivos na qualidade pós-colheita com a
aplicação de nutrientes em determinados frutos, como morango (Cheour et al.,
1991), maçã (Lurie & Klein, 1992) e maracujá (Silva & Vieites, 2000),
podem decorrer do tipo de morfologia presente nestes frutos, que facilitariam a
penetração e metabolização de nutrientes.
Assim, o conhecimento prévio da morfologia dos frutos, determinando-se as
estruturas que os formam, pode ser utilizado para fundamentar estudos de
viabilidade de aplicação de nutrientes e outras substâncias em frutos, visando
à qualidade pós-colheita, visto que a expressão dos efeitos benéficos das
aplicações na melhoria da qualidade da fruta é proporcional à quantidade
absorvida, metabolizada e acumulada nos tecidos vegetais.
Observou-se, ainda, que os esclereídeos, na face interna do pericarpo, possuem
parede secundária bastante espessa (Figura_3A). As cavidades lisígenas, ao
microscópio eletrônico de varredura, mostram-se contornadas por várias camadas
de células (indicadas na seta) (Figura_3B). Pode ainda observar-se que as
células que constituem a camada mais interna da cavidade são salientes no
sentido do lume da cavidade. Essas células devem ser as responsáveis pela
secreção dos óleos essenciais para o interior da cavidade.
CONCLUSÕES
As características observadas, como a presença de cutícula espessa, cera
epicuticular, três camadas subepidérmicas de células compactas e grande
quantidade de esclereídeos, bem como a presença esporádica e dispersa de
estômatos, poderiam constituir-se em barreiras para a absorção e movimentação
de nutrientes e substâncias nos frutos de goiabeira.