Armazenamento refrigerado de limões 'Siciliano' tratados com etileno
Armazenamento refrigerado de limões 'Siciliano' tratados com etileno1
Cold storage of 'Siciliano' lemon treated with ethylene
Angelo Pedro JacominoI; Kiára MendonçaII; Ricardo Alfredo KlugeIII
IEngº Agrº, Dr., Dep. Produção Vegetal, ESALQ/USP C.P. 9 13418-900 Piracicaba-
SP. Bolsista do CNPq. jacomino@esalq.usp.br, fone: (019)3429.4190
IIAluna de Graduação em Engenharia Agronômica da ESALQ/USP. Bolsista de
Iniciação Científica da FAPESP. kmendonca@usa.net, fone: (019)3429.4190
IIIEngº Agrº, Dr., Dep. Ciências Biológicas, ESALQ/USP. Bolsista do CNPq. E-
mail: rakluge@esalq.usp.br, fone: (019)3429.4136
INTRODUÇÃO
A coloração externa é um atributo de qualidade de grande importância e
constitui um dos fatores determinantes para a comercialização das frutas
cítricas (Mazzuz, 1996). A mudança na coloração da casca das frutas cítricas em
geral deve-se à degradação da clorofila e à síntese ou manifestação dos
pigmentos do grupo dos carotenóides (Casas & Mallent, 1988a; Baldwin,
1993). Estas alterações são influenciadas por inúmeros fatores, tais como
temperatura, espécie e variedade, nutrição, porta-enxerto, posição das frutas
na planta, umidade relativa do ar, luminosidade e irrigação (Sinclair, 1984;
Casas & Mallent 1988a e 1988b; Goldschmidt, 1988; Agustí & Almela,
1991; Ortolani et al., 1991; Mazzuz, 1996).
O desverdecimento é uma prática necessária para a exportação do limão
'Siciliano', tendo em vista que os consumidores europeus exigem que a fruta se
apresente com a casca completamente amarela. Assim, a técnica do
desverdecimento tem como objetivo melhorar a coloração externa da fruta,
possibilitando o aparecimento da cor típica da variedade. É uma operação de
pós-colheita na qual o desaparecimento da clorofila da casca é acelerada e são
proporcionadas condições para a manifestação dos pigmentos carotenóides, cuja
síntese também é aumentada (Jimenez-Cuesta et al., 1983).
Um dos efeitos mais marcantes da aplicação exógena do etileno em frutas não
climatéricas é a elevação na taxa respiratória (Abeles et al., 1992). O efeito
prático do etileno em citros ocorre sobre a coloração da epiderme, que passa
mais rapidamente de verde para amarela ou laranja, como resposta à aplicação
exógena do regulador vegetal. O etileno promove aumento na atividade das
enzimas clorofilase e oxidases (Shimokawa et al., 1978; Yamauchi et al., 1997),
responsáveis pela degradação da clorofila e desaparecimento da cor verde. Ao
mesmo tempo, o etileno estimula a carotenogênese, o que promove o aparecimento
da cor amarela ou laranja (Stewart & Wheaton, 1972) e conduz à decomposição
das giberelinas responsáveis pela manutenção da coloração verde da fruta
(Goldschmidt & Galili, 1974; Schechter et al., 1989).
A eficiência do desverdecimento realizado depende da espécie, variedade,
concentração de etileno aplicada, temperatura e tempo de tratamento (Jimenez-
Cuesta et al., 1983; Knee et al., 1988; Mazzuz, 1996). Mazzuz (1996) esclarece
que o tempo de desverdecimento sofre influência da variedade, sendo que o
mínimo necessário para o tratamento não deve ser inferior a 24 horas, e o
máximo não superior a 120 horas. Cita o autor que a temperatura durante o
tratamento deve estar entre 18 e 25ºC, o que favorece a degradação da clorofila
e a síntese de carotenóides.
Quanto à concentração de etileno, valores entre 1 e 10µL.L-1 são os mais
indicados para as diferentes variedades cítricas (Mazzuz, 1996). Concentrações
acima de 10µL.L-1 não são indicadas por Jimenez-Cuesta et al. (1983), pois não
aumentam a eficiência do processo e podem ser prejudiciais às frutas.
O armazenamento refrigerado das frutas após o desverdecimento retarda o
desenvolvimento de patógenos causadores de podridões (Chitarra & Chitarra,
1990). Os estudos de conservação pós-colheita de frutas cítricas desverdecidas
são importantes, pois podem determinar a durabilidade da fruta durante o
transporte a longas distâncias, como no caso de exportação, e proporcionar o
prolongamento do período de comercialização.
Pouco se conhece das condições ideais para a execução do desverdecimento do
limão 'Siciliano' no Brasil, bem como da capacidade de conservação refrigerada
desta fruta após o desverdecimento. A tecnologia, aqui empregada, é semelhante
à utilizada em outros países, e os resultados são muitas vezes inconsistentes
ou indesejáveis. O objetivo deste trabalho foi determinar os efeitos do
desverdecimento na conservação refrigerada de limão 'Siciliano'.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados limões 'Siciliano', adquiridos em pomar comercial no município
de Mogi Mirim-SP, cujas coordenadas geográficas são latitude 22 26' 04''S,
longitude 46 57' 32''W, e altitude de 640 m. O clima da região é Cwa: tropical
de altitude, com inverno seco e verão chuvoso. Após a colheita, as frutas foram
imediatamente submetidas a rigorosa seleção, visando a obter um lote uniforme,
composto de limões de tamanho médio (150 ± 10g), sem defeitos, e apresentando
estádio de maturação em que a casca se apresenta com quebra de coloração verde-
escura, também chamada de "color break" (ângulo de cor hº=100,21±2). Em
seguida, os frutos foram transportados em caixas de papelão, no mesmo dia da
colheita, ao laboratório de pós-colheita do Departamento de Produção Vegetal da
USP/ESALQ, em Piracicaba.
Logo após a seleção, foi feita a sanitização das frutas, através de lavagem,
utilizando esponja macia e detergente neutro (Essasol), e imersão em solução
fúngica com thiabendazole na concentração de 8 g L-1 do produto comercial
Tecto. As frutas foram colocadas em câmaras para os tratamentos com etileno,
onde variaram as concentrações do regulador vegetal e o tempo de tratamentos.
As concentrações de etileno utilizadas foram 0; 3; 6 e 12µL.L-1, e os tempos de
tratamento 2; 4 e 6 dias. O delineamento experimental foi o inteiramente ao
acaso, em esquema fatorial 4 x 3, sendo com 4 concentrações de etileno e 3
tempos de aplicação. Foram utilizadas 4 repetições de 6 frutas para cada
tratamento.
Foram utilizadas câmaras herméticas com capacidade para 180 L, equipadas com
mini-ventiladores em seu interior para promover uma circulação homogênea de
etileno. As câmaras foram colocadas em ambiente com temperatura controlada e
ajustada para 20Cº. A fonte de etileno utilizada foi o gás Azetil (5% etileno e
95% nitrogênio). A aplicação foi feita com seringas graduadas, injetando-se o
gás Azetil através de septos de silicone existentes nas câmaras, sendo
utilizados os seguintes volumes do gás: 11; 22 e 44 mL para gerar as
concentrações 3; 6 e 12µL.L-1, respectivamente. Uma câmara sem aplicação do gás
foi utilizada como controle. A renovação de ar foi feita em todas as câmaras, a
cada 24 horas, seguida da reaplicação do etileno até finalizar cada tratamento.
Após os tratamentos, as frutas foram armazenadas a 10ºC e 90% UR, em câmara de
refrigeração com capacidade para 16 m3, dotada de controle automático de
temperatura e umidade, durante 21; 28 e 35 dias, sendo avaliadas após cada
período.
As variáveis avaliadas foram:
a) Coloração da casca: foi utilizado um colorímetro Minolta modelo CR-300,
determinando-se os valores de L, a* e b*, e calculados o ângulo de cor e o
croma, conforme McGuire (1992). Foram realizadas duas leituras em lados
opostos, na região equatorial de cada fruta.
b) Perda de massa: foi determinada pela diferença, em porcentagem, entre a
massa inicial e a massa verificada imediatamente após os períodos de
conservação.
c) Teor de sólidos solúveis totais: foi medido através de um refratômetro
digital, sendo os resultados expressos em ºBrix.
d) Acidez total titulável: foi determinada por titulação potenciométrica, com
NaOH (0,5N) até pH 8,10. Os resultados foram expressos em porcentagem de ácido
cítrico.
e) Rendimento em suco: cada repetição foi pesada e extraído o suco das frutas.
A porcentagem de suco foi calculada através da fórmula: porcentagem de suco =
(MS/MF) x 100, onde MS = massa do suco (g) e MF = massa da fruta (g).
f) Podridões: foi anotado o número de frutas com podridões e calculada a
porcentagem de frutas afetadas. Os patógenos incidentes foram identificados por
análise morfológica de suas estruturas, em laboratório.
Os resultados foram submetidos à análise de variância (teste F) e a diferença
mínima significativa foi determinada. Diferenças entre dois tratamentos maiores
que a soma de dois desvios-padrões foram consideradas significativas (P <
0.05), de acordo com Steel et al. (1996). Os resultados expressos em
porcentagem foram transformados segundo arco-seno
, para análise estatística.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores médios iniciais de ângulo de cor e croma foram 110,21º e 33,61,
respectivamente. Segundo McGuire (1992), valores de hº mais distantes de 90º
representam frutas mais verdes, ao passo que, quanto mais próximos a 90º, mais
amarelas são as frutas. Já o croma define a intensidade da cor, assumindo
valores próximos a zero para cores neutras (cinza) e ao redor de 60 para cores
vívidas. Assim, maiores valores de croma significaram maior intensidade da
coloração amarela.
De maneira geral, a aplicação de etileno foi eficiente em promover um maior
desverdecimento da casca das frutas, o que pode ser verificado pelos menores
valores do ângulo de cor e maiores valores do croma das frutas armazenadas por
21 e 28 dias (Figura_1). Das concentrações avaliadas, observou-se que já a
partir de 3µL.L-1 houve uma redução nos valores de hº, sendo esta redução mais
rápida à medida que a concentração de etileno foi aumentada. Quanto ao tempo de
aplicação, 4 e 6 dias promoveram resultados melhores que 2, porém não diferiram
entre si; portanto, é desnecessário aplicar o tratamento por 6 dias. Após 35
dias de armazenamento, as diferenças entre os tratamentos foram menores. De
fato, foram observados valores de ângulo de cor muito próximos a 90º e,
visualmente, as frutas estavam complemente amarelas. A diferença mais
perceptível, neste tempo de armazenamento, pôde ser notada no croma, pois os
frutos tratados com etileno apresentavam coloração mais intensa que os não
tratados. O etileno é um hormônio vegetal cuja função nas frutas é alterar o
comportamento de eventos associados à maturação. No caso de frutos
climatéricos, como os citros, sua atuação restringe-se sobre a casca dos
frutos, fazendo que a cor verde desapareça mais rapidamente, considerando que o
etileno aumenta a atividade da clorofilase, que quebra a molécula de clorofila.
A perda de massa não teve influência das concentrações de etileno aplicadas,
mas teve incremento de acordo com o aumento no período de exposição ao gás
(Tabela_1). O rendimento em suco desta variedade cítrica teve pouca variação
durante o experimento, tendo oscilado de 47,70 a 52,50%, sem diferenças entre
os tratamentos (Tabela_2).
Não houve diferenças significativas para as variáveis SST e ATT, sendo que o
teor de SST variou de 6,91 a 7,30ºBrix (Tabela_3) e o de ATT de 6,42 a 6,94%
(Tabela_4). O fato de o limão ser uma fruta não climatérica, justifica estes
resultados, considerando que este padrão respiratório implica poucas alterações
na maioria das características físico-químicas das frutas (Brady, 1987).
A elevação nas concentrações de etileno aplicadas, bem como o maior tempo de
exposição das frutas ao regulador vegetal, refletiu-se em maior perda da
coloração verde da casca, possivelmente em decorrência da aceleração do
processo degradativo da clorofila e da síntese de carotenóides, conforme
preconizado por vários autores (Stewart & Wheaton, 1972; Shimokawa et al.,
1978; Yamauchi et al., 1997).
A vantagem das maiores concentrações de etileno e do maior tempo de exposição
das frutas ao regulador vegetal é a rápida queda nos valores de hº, ou seja, um
desverdecimento mais rápido que, associado com o aumento dos valores de croma,
promovem uma sensível melhoria na qualidade do produto. Entretanto, altas
concentrações de etileno, associadas ao tempo longo de exposição, podem
predispor as frutas à incidência de podridão, considerando que, após 35 dias de
armazenamento, 8% das frutas tratadas com etileno a 12µL.L-1, durante 6 dias,
apresentaram podridão causada por Penicillium digitatum. Nos demais períodos e
concentrações, não foram verificadas podridões. Além disso, este tratamento
longo com etileno pode não ser viável economicamente, considerando a
necessidade de rápida comercialização e movimentação da fruta no mercado,
principalmente em caso de exportação. Assim, o período de 6 dias de tratamento
com etileno não é recomendado.
Portanto, a aplicação de etileno na concentração de 6µL.L-1, durante 4 dias,
mostrou ser o tratamento mais recomendável, por proporcionar ótima qualidade
visual dos frutos, sem ocorrência de podridão.