Conservação de caqui (Diospyros kaki, L.), cv. fuyu, pela aplicação de 1-
metilciclopropeno
Conservação de caqui (Diospyros kaki,L.), cv. fuyu, pela aplicação de 1-
metilciclopropeno1
Conservation of persimmons fruits (Diospyros kaki,L.), cv. fuyu with aplication
of 1-methylyclopropene
César Luís GirardiI, Aguinaldo ParussoloII, Roque DanieliIII, Adriana Regina
CorrentIV, Cesar Valmor RombaldiV
IEng. Agr., Msc., Embrapa Uva e Vinho, Rua Livramento, 515, Caixa Postal 130,
Cep 95700-000, Bento Gonçalves, RS. girardi@cnpuv.embrapa.br
IIQuímico Industrial, Professor EAFPJK, Rua Osvaldo Aranha, 540, Cep 95720-000,
Bento Gonçalves, RS. aguipar@ig.com.br
IIIEng. Agr., Msc., Professor da EAFPJK, Rua Osvaldo Aranha, 540, Cep 95720-
000, Bento Gonçalves, RS. roquedanieli@zipmail.com.br
IVEng. Agr. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia
Agroindustrial, UFPel, Pelotas, RS. acorrent@hotmail.com
VEng. Agr. PhD. Professor da UFPel, Pelotas, RS. cesarvrf@ufpel.tche.br
INTRODUÇÃO
A expansão da cultura do caquizeiro no Brasil ocorreu a partir de 1980, sendo o
país, atualmente, o segundo produtor mundial. Essa expansão tem-se dado
principalmente pela boa adaptação edafoclimática, rusticidade e produtividade
do caquizeiro. Além disso, associa-se o fato de que esta espécie requer poucos
tratamentos fitossanitários.
No entanto, os caquis são perecíveis, tendo um potencial de conservação pós-
colheita relativamente curto (15 a 30 dias) em câmaras frias sob refrigeração,
que constituem o sistema de estocagem de frutas predominante na Região Sul do
Brasil. Essa perecibilidade deve-se, em grande parte, à alta sensibilidade dos
caquis ao etileno exógeno, apesar de o produzirem em quantidades muito
pequenas.
O etileno é o hormônio desencadeador dos processos de maturação e senescência
de frutas climatéricas, onde se enquadram os caquis. A inibição da síntese de
etileno e/ou de sua ação bloqueia esses processos. Com o objetivo de alcançar a
inibição da ação do etileno em pós-colheita de frutas, tem-se testado o efeito
da aplicação de ciclopropenos sintéticos como o 1-metilciclopropeno (1-MCP)
nessas frutas. O 1-MCP liga-se ao receptor do etileno, prevenindo a ação
fisiológica do mesmo sobre as frutas (Sisler & Serek, 1997), estendendo sua
conservação. Aplicações de 1-MCP inibiram o efeito do etileno em laranjas
(Porat el al., 1999) e flores (Sisler & Serek, 1997) e atrasou a ocorrência
do pico climatérico em ameixas (Abdi et al., 1998) e bananas (Golding et al.,
1998). O 1-MCP estendeu a vida de prateleira de brócolis (Ku & Wills,
1999), tomate (Sisler et al., 1996), banana (Sisler & Serek, 1997) e
retardou a perda da cor verde em laranjas (Porat el al., 1999) e bananas
(Golding et al., 1998).
Em maçãs mantidas em ar refrigerado e em atmosfera controlada, o 1-MCP diminuiu
a respiração e produção de etileno, aumentou o tempo de conservação, manteve
maiores valores de firmeza de polpa, diminuindo o efeito da escaldadura
superficial, sendo que o efeito variou entre as cultivares (Fan et al., 1999;
Watkins et al., 2000).
A ação do 1-MCP varia conforme a concentração, tempo e época de aplicação (Abdi
et al., 1998; Jiang et al., 1999; Porat el al., 1999) e tipo de órgão a ser
tratado (Sisler & Serek, 1997). O 1-MCP, atualmente, está disponível em
forma de pó estável (AgroflechTM)*, com 0,43% de ingrediente ativo em peso).
Dentro deste contexto, estudou-se o efeito do 1-MCP no armazenamento
refrigerado de caqui.
MATERIAL E MÉTODOS
Caquis da cultivar Fuyu foram colhidos no mês de abril de 2000, em um pomar
comercial no município de Farroupilha-RS. No momento da colheita, as frutas
apresentavam uma coloração amarelo-alaranjada, sendo este o ponto de colheita
usualmente praticado na região.
Imediatamente após a colheita, as frutas foram selecionadas e padronizadas
quanto ao estádio de maturação e acondicionadas em câmaras de 300L, para
aplicação do 1-MCP. Pesaram-se quantidades de AgroflechTM em pó suficientes
para proporcionar concentrações finais de 1-MCP de 312; 625 e 1250 nL.L-1.
Essas quantidades de pó foram colocadas em frascos de vidro fechados
hermeticamente, onde foram dissolvidas com solução aquosa de dodecil sulfato de
sódio (SDS) a 1000µL. L-1 a 50ºC, utilizando-se de 10mL de solução para cada
frasco. Após a dissolução, os frascos foram abertos dentro das câmaras, para
que o 1-MCP atingisse sua forma gasosa. As câmaras foram fechadas
imediatamente, permanecendo fechadas durante 24 horas, numa temperatura de
25ºC. As frutas-controle foram mantidas nas mesmas condições por 24 horas, sem
tratamento com 1-MCP.
Ao final de 24 horas de tratamento com 1-MCP nas câmaras, os caquis foram
transferidos para câmara de refrigeração à temperatura de 0ºC e umidade
relativa de 90 a 92%.
Para o acompanhamento da maturação e qualidade dos caquis, foram retiradas
amostras na instalação do experimento, aos 30; 60 e 90 dias de armazenagem,
realizando-se as análises três dias após a retirada das frutas da
frigoconservação, período no qual as frutas foram mantidas em temperatura
ambiente (±25ºC), para simular um período de comercialização.
Foram realizadas análises de firmeza de polpa (FP), sólidos solúveis totais
(SST), acidez total titulável (ATT), pH, produção de etileno e cor da epiderme.
Essas análises foram realizadas nos laboratórios da Embrapa Uva e Vinho, de
acordo com a seguinte metodologia: a) Sólidos Solúveis Totais (SST):
determinados com auxílio de refratômetro manual (os resultados foram expressos
em ºBrix); b) Firmeza da Polpa (FP): foi determinada com auxílio de
penetrômetro manual, munido de ponteira de 8 mm, expressando-se os resultados
em Newtons (N). Em cada fruta foram realizadas 2 leituras, em lados
diametralmente opostos, na seção equatorial da fruta e após remoção da
epiderme; c) Acidez Total Titulável (ATT): foi determinada por titulometria de
neutralização com NaOH 0,1N até pH 8,1, utilizando-se de 10 mL de suco de
amostras compostas de 20 frutas, sendo os resultados expressos em % de ácido
málico; d) Cor da epiderme: a cor da epiderme foi medida com colorímetro
Minolta CM-508d. Os valores de L indicam a claridade e variam de 100 (branco) a
0 (preto); as coordenadas a e b indicam a direção da cor: 'a é a direção do
verde e +a é a direção do vermelho; 'b é a direção do azul e +b é a direção do
amarelo. Os valores de C indicam a saturação/intensidade da cor e hé o ângulo.
O ângulo h é definido como iniciando no eixo +a e é expresso em graus, sendo
que 0º corresponde a +a (vermelha), 90º corresponde a +b (amarelo), 180º
corresponde a 'a (verde) e 270º corresponde a 'b (azul). No presente trabalho,
foram apresentados apenas os valores h, que relacionam os valores de a e b
(h=tg-1b/a), e é a variável que melhor representa a evolução da cor da epiderme
de caquis, a qual se desloca da verde, passa pela amarela e vai em direção à
vermelha, durante o processo de amadurecimento; e) pH: medido diretamente no
suco das frutas, com potenciômetro digital, e f) Produção de etileno: a
produção de etileno foi determinada por cromatografia em fase gasosa,
utilizando-se de um cromatógrafo a gás, marca Varian®?, modelo 3300, equipado
com uma coluna de aço inox 1/8", preparado com Porapak®? N, e um detetor
de ionização de chama. Amostras compostas de aproximadamente 1kg de caquis
foram colocadas em frascos hermeticamente fechados. Após 1 hora, retirou-se,
com seringa, 1mL da atmosfera desse frasco, a qual foi injetada no
cromatógrafo. Os resultados da produção de etileno foram expressos em nL.g-1.h-
1.
O experimento foi conduzido segundo o delineamento inteiramente casualizado,
seguindo um esquema fatorial 4x4 (4 dosagens de 1-MCP: 0; 312; 625 e 1250 nL.L-
1 x 4 períodos de armazenamento 0; 30; 60 e 90 dias) com 3 repetições, sendo a
unidade experimental composta por 20 frutas.
Para comparação de médias, foi utilizado o Teste de Tukey, no nível de 5% de
probabilidade de erro.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os teores de sólidos solúveis totais, acidez total titulável e pH não
apresentaram diferença significativa (P<0,05) ao longo do período de
armazenamento entre os quatro tratamentos (Tabela_1), indicando que essas
variáveis não foram afetadas pela aplicação do 1-MCP.
Durante todo o período de armazenamento, tanto para o controle quanto para as
frutas tratadas com 1-MCP, não houve produção de etileno em quantidades
detectáveis.
A cor da epiderme foi analisada somente até os 60 dias de armazenamento. Aos 90
dias, a epiderme das frutas já não oferecia condições para a medição da cor,
pois apresentava manchas escuras em quase toda a sua superfície. Analisando-se
os dados referentes aos 30 e 60 dias de armazenamento, observa-se que os caquis
tratados apresentaram valores de h menores do que os caquis do tratamento-
testemunha, indicando que a aplicação do 1-MCP proporcionou um maior
desenvolvimento da cor vermelha. A análise visual dos tratamentos confirmou
esta diferença de cor obtida pelo aparelho. Ao contrário do que se observou, o
resultado esperado era que os caquis do tratamento-testemunha apresentassem um
maior desenvolvimento da cor laranja-avermelhada, como conseqüência de um
metabolismo mais acelerado, com maior degradação da clorofila e síntese de
carotenóides e antocianinas. Não há, até o momento, na literatura, indicação
deste fato, que, em princípio, pode contradizer os efeitos esperados do 1-MCP,
como de qualquer outro bloqueador da ação do etileno no desenvolvimento da cor
da epiderme de frutas. A firmeza de polpa (FP) dos caquis do tratamento-
testemunha, aos 30 dias de armazenamento, era significativamente (P<0,05) menor
do que a dos caquis tratados com 1-MCP, o que indica que este produto manteve
maior integridade dos tecidos em comparação às frutas do controle. Aos 60 dias,
no entanto, ocorreu um comportamento inverso, onde as frutas de controle
apresentaram valores de FP (42,12N) maiores do que as tratadas. Possivelmente,
este comportamento deve-se a um murchamento, e conseqüente enrigecimento dos
tecidos, que ocorreu nas frutas de controle, intensificando-se aos 60 dias,
quando este murchamento atingiu uma magnitude suficiente para dificultar a
perfuração da polpa, superestimando os valores de firmeza de polpa. Nas frutas
tratadas, este murchamento não foi verificado, provavelmente porque seu
metabolismo foi reduzido pela ação do 1-MCP, o que pode ter levado a uma menor
intensidade respiratória e menor perda de água. Aos 90 dias, os caquis do
tratamento-controle voltaram a apresentar FP significativamente (P<0,05) menor
do que as tratadas com 1-MCP, provavelmente em decorrência da degradação mais
intensa dos tecidos, a qual suplantou os efeitos do murchamento/enrigecimento e
reduziu a resistência da polpa à perfuração. Observa-se também que os
tratamentos 312 nL.L-1, 625 nL.L-1 e 1250 nL.L-1 não apresentaram diferença
significativa entre si quanto aos valores de FP.
Segundo Mitcham et al. (1998), para que os caquis da cv. Fuyu tenham boa
aceitabilidade para o consumo in natura, a firmeza de polpa (FP) deve estar
entre 20 e 60N. Pela análise dos resultados apresentados na Tabela_1, pode-se
observar que, até os 60 dias, tanto as frutas de controle quanto as frutas
tratadas mantiveram a FP dentro desses níveis. Porém, as frutas de controle
apresentaram sintomas de murchamento e enrigecimento dos tecidos, tendo sua
qualidade comprometida. Aos 90 dias, a FP das frutas de controle apresentou
valores excessivamente baixos (14,01N). Já, as frutas tratadas com 1-MCP
mantiveram a FP dentro dos valores aceitáveis para consumo inclusive aos 90
dias de armazenamento (entre 22 e 23N). No entanto, as frutas mantidas na
câmara durante 90 dias, tanto as de controle quanto as tratadas, apresentaram
problemas como manchas escuras na epiderme, lesões e podridões, não
apresentando condições de comercialização e consumo.
O maior desenvolvimento da cor vermelha nas frutas tratadas é outro aspecto
positivo da aplicação do 1-MCP, visto que as frutas tratadas adquiriram um
aspecto visual mais atrativo em relação às frutas de controle, as quais
permaneceram com a cor da epiderme amarelo-alaranjada.
Para otimizar os efeitos benéficos da aplicação de 1-MCP em pós-colheita de
caquis, é preciso dar continuidade e intensificar as pesquisas, sempre
considerando que a eficácia desse produto depende da relação entre concentração
e tempo de aplicação, espécie e cultivar a ser tratada, estádio de maturação no
momento do tratamento e do fato de que, apesar de a ligação do 1-MCP com o
receptor do etileno ser irreversível, a inibição dos efeitos pode ser
suplantada pela síntese de novos receptores.
CONCLUSÕES
Nas condições em que foi desenvolvido o experimento, pode-se concluir que:
1) A aplicação de até 1250 nL.L-1 de 1-MCP não influencia os parâmetros SST,
pH, Acidez Total Titulável de caquis em armazenamento refrigerado.
2) O 1-MCP na dosagem de 312 nL.L-1 é suficiente para manter a firmeza de polpa
de caquis da cv. Fuyu por um período de até 90 dias em armazenamento
refrigerado.
3) Aos 90 dias de armazenamento, as frutas de todos os tratamentos não
apresentavam condições de consumo e comercialização.
4) O armazenamento de caqui cv. Fuyu por um período superior a 60 dias, nas
condições estudadas, não é recomendado.