Maravilha: uma nova seleção de tangerina 'Sunki'
'Maravilha': uma nova seleção de tangerina 'Sunki'1
'Maravilha': a new selection of 'Sunki' mandarin
Walter dos Santos Soares FilhoI; Almir Pinto da Cunha SobrinhoII; Orlando
Sampaio PassosIII; Emerson Dourado Barreto MoitinhoIV
IEngº Agrº, Dr., Pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Bolsista do
CNPq, C.P. 007, CEP 44380-000, Cruz das Almas ' BA, e-mail:
wsoares@cnpmf.embrapa.br
IIEngº Agrº, M.Sc., Rua Manoel Caetano Passos, 174, CEP 44380-000, Cruz das
Almas ' BA
IIIEngº Agrº, Pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, C.P. 007, CEP
44380-000, Cruz das Almas ' BA, e-mail: orlando@cnpmf.embrapa.br
IVBolsista PIBIC ' CNPq, aluno da Escola de Agronomia da UFBA - AGRUFBA, CEP
44380-000, Cruz das Almas ' BA
INTRODUÇÃO
Apesar das variações somáticas identificadas em pomares comerciais e em
coleções de variedades serem geralmente desfavoráveis, apresentando baixa
produtividade de frutos, morfologia foliar atípica ou frutos anormais, inúmeras
mutações espontâneas de inquestionável valor têm sido identificadas (Soost
& Cameron, 1975; Soost & Roose, 1996), haja vista que a grande maioria
das variedades cítricas comerciais surgiu como decorrência de algum tipo de
mutação natural.
Diversas laranjas doces [Citrus sinensis (L.) Osb.] originaram-se dessa forma
em regiões da China, Mediterrâneo e Américas (Nishiura, 1965; Soost &
Cameron, 1975; Soost & Roose, 1996), o mesmo verifica-se com muitos tipos
de tangerina. No Japão, a maioria dos clones comerciais de tangerina 'Satsuma'
(C. unshiu Marc.) proveio de mutações somáticas espontâneas (Nishiura, 1965;
Soost & Cameron, 1975; Kukimura et al., 1976; Iwamasa & Nishiura, 1982;
Soost & Roose, 1996). Na Região Mediterrânea, são conhecidas várias
mutações naturais do grupo da tangerina 'Clementina' (C. clementina Hort. ex
Tan.), distinguindo-se, na Espanha, as seleções 'Oroval', 'De Nules',
'Tomatera', 'Esbal', 'Hernandina', 'Guillermina' e 'Clementard', todas
originadas a partir da 'Clementina Fina', cabendo mencionar, também, as
seleções 'Marisol' e 'Arrufatina', mutações naturais das clementinas 'Oroval' e
'De Nules', respectivamente (Bono et al., 1982; Bono Ubeda et al., 1985).
Outros exemplos incluem diversos tipos de limões verdadeiros [C. limon (L.)
Burm. f.], como as variedades Eureka e Lisboa, e inúmeros pomelos (C. paradisi
Macf.).
Quanto a variedades-porta-enxerto, a identificação de mutações espontâneas
também é freqüente, sendo conhecidos exemplos relacionados a praticamente todas
as principais variedades comerciais, incluindo, entre outros grupos, o dos
limões 'Cravo' (C. limonia Osb.), 'Rugoso' (C. jambhiri Lush.) e 'Volkameriano'
(C. volkameriana Ten. et Pasq.), das laranjas 'Azeda' (C. aurantium L.) e
'Caipira' (C. sinensis) e da tangerina 'Sunki' (C. sunki Hort. ex Tan.), além
de diversas ocorrências em Poncirus trifoliata (L.) Raf.
O presente trabalho diz respeito à identificação, pelo Programa de Melhoramento
Genético de Citros da Embrapa Mandioca e Fruticultura, de uma nova seleção de
tangerina 'Sunki', de origem nucelar, passível de ser introduzida em sistemas
comerciais de produção, cujas características distinguem-na de outros clones
dessa tangerina.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi conduzido na Embrapa Mandioca e Fruticultura, município de Cruz
das Almas, Recôncavo Baiano, nas coordenadas geográficas 12º 40' 39" de
latitude sul e 39º 06' 23" de longitude oeste, com altitude de 226 m. O
clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo BSa, ou seja,
apresenta evapotranspiração potencial média anual maior do que a precipitação
média anual, estação seca de verão e temperatura média superior a 22º C no mês
mais quente do ano (D'Angiolella et al., 1998), estando a umidade relativa
média anual em torno de 80% (Embrapa, 1993).
Uma das etapas de avaliações compreendeu quatro seleções de tangerina 'Sunki':
'Comum', 'da Flórida', 'Tropical' e 'Maravilha'; as duas primeiras possuem
características típicas dessa tangerina e a terceira distingue-se,
particularmente, pelo relativamente elevado número médio de sementes por fruto
que apresenta (Soares Filho et al., 2002a), sendo a última o foco principal da
presente pesquisa. Trinta frutos de cada seleção, obtidos a partir de
polinização livre ou aberta, sob condições ambientais semelhantes, foram
colhidos e, no Laboratório de Cultura de Tecidos, sofreram lavagem em água
corrente e tiveram suas sementes removidas, tomando-se o cuidado de garantir a
integridade das mesmas. A seguir, as sementes viáveis foram quantificadas, em
nível de cada fruto, e lavadas com solução de água e detergente, secadas e
despojadas do integumento externo (testa). Mediante corte longitudinal,
respeitando certa distância da região micropilar da semente para evitar
injúrias aos embriões, procedeu-se a remoção do integumento interno (tégmen). A
quantificação da poliembrionia baseou-se na excisão e contagem do número de
embriões de cada semente, sendo estes procedimentos realizados sob
estereomicroscópio equipado com uma fonte luminosa, empregando-se bisturi,
pinça e estilete. A contagem e a classificação dos embriões com relação ao
tamanho ocorreram simultaneamente às excisões dos embriões das sementes,
valendo-se do auxílio de papel milimetrado esterilizado. Com base nos dados
obtidos, os seguintes caracteres foram avaliados, relativamente às diferentes
seleções de tangerina 'Sunki' estudadas: número médio de sementes por fruto,
número médio de embriões por semente, intervalo de variação do número de
embriões por semente (números mínimo e máximo de embriões encontrados nas
sementes amostradas), porcentagem de poliembrionia (porcentagem de sementes com
dois ou mais embriões em relação ao total de sementes obtidas) e tamanho de
embrião. Os embriões foram separados em quatro classes de tamanho, referindo-se
à dimensão do embrião propriamente dito, incluindo os cotilédones: classe 1 -
embriões grandes (³5,0 mm); classe 2 - embriões médios (3,0 mm - 4,9 mm);
classe 3 - embriões pequenos (1,0 mm - 2,9 mm); classe 4 - embriões muito
pequenos (<1,0 mm).
Outra etapa de estudo disse respeito a avaliações relativas à porcentagem e à
velocidade de germinação de sementes, esta última medida com base em
observações, ao longo do tempo, da emissão de seedlings em canteiros de isopor,
bem como ao vigor de seedlings, quantificado com base em medições da altura e
do número de folhas verdadeiras, realizadas mensalmente, estando os seedlings
com cerca de sete meses de idade no início dessas mensurações. Nesta etapa, a
seleção 'Maravilha' de tangerina 'Sunki' foi comparada com porta-enxertos
tradicionais: limões 'Cravo' e 'Volkameriano' e tangerina 'Cleópatra' (C.
reshni Hort. x Tan.). Cabe mencionar que as sementes dessas variedades tiveram
o integumento externo removido, de modo a facilitar a germinação, à exceção da
'Sunki Maravilha', cujas sementes apresentam uma ruptura natural do integumento
externo, dispensando, portanto, essa prática.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela_1 mostra, claramente, que as seleções 'Maravilha' e 'Tropical'
destacaram-se das demais no tocante ao número médio de sementes por fruto
(NMSF), com valores de 7,7 e 18,7, respectivamente. Essas seleções
distinguiram-se, também, quanto aos caracteres número médio de embriões por
semente (NMES), intervalo de variação do número de embriões por semente (IVNES)
e porcentagem de poliembrionia (Tabela_1). Pode-se afirmar que, em decorrência
da elevada porcentagem de poliembrionia manifestada por esses genótipos, a
acentuada expressão dos caracteres NMES e IVNES já era esperada, conforme
resultados obtidos por Vásquez Araujo (1991), Soares Filho et al. (1994, 2000 e
2002b), Moreira (1996) e Medrado (1998) em estudos sobre poliembrionia em
citros. 'Maravilha' e 'Tropical' fogem ao padrão verificado na maioria dos
clones conhecidos de tangerina 'Sunki', a exemplo das seleções 'Comum' e 'da
Flórida', que via de regra apresentam baixa porcentagem de poliembrionia e
reduzido NMES (Tabela_1) (Soares Filho et al., 1995, 2000 e 2002b; Moreira,
1996; Medrado, 1998).
Existe uma nítida associação positiva entre o grau de poliembrionia verificado
em sementes de diferentes variedades de citros e a freqüência de seedlings de
origem nucelar. Cruzamentos controlados utilizando diferentes parentais
femininos, desde monoembriônicos a altamente poliembriônicos, comprovam essa
afirmação (Vásquez Araujo, 1991; Soares Filho et al., 1994, 2000 e 2002b;
Moreira, 1996; Medrado, 1998). Com base nisso, em função da elevada porcentagem
de poliembrionia que possuem, pode-se inferir que sementes das seleções
'Maravilha' e 'Tropical' darão origem a seedlings bastante uniformes, uma vez
que sua grande maioria será de origem nucelar, portanto geneticamente idênticos
à planta-mãe, o que é extremamente importante sob o ponto de vista de seu
emprego como porta-enxertos comerciais. Este é outro aspecto de distinção
dessas seleções em relação aos clones conhecidos de tangerina 'Sunki', cujas
freqüências de seedlings de natureza apogâmica (nucelares) são relativamente
baixas, em razão do grau de poliembrionia relativamente baixo que apresentam.
Comparando os resultados relativos à classificação de tamanho de embriões
(Tabela_2) com aqueles concernentes às porcentagens de poliembrionia das
seleções estudadas (Tabela_1), constata-se uma associação negativa entre as
porcentagens de poliembrionia e de embriões de maior tamanho, o que está de
acordo com pesquisas realizadas por Vásquez Araujo (1991), Soares Filho et al.
(1994, 2000 e 2002b), Moreira (1996) e Medrado (1998). Aqui, novamente,
observa-se uma clara distinção das seleções 'Maravilha' e 'Tropical' em relação
às demais, podendo-se caracterizá-las por uma predominância de embriões de
menor tamanho, visto que mais de 74% de seus embriões ficaram compreendidos nas
classes de tamanho pequeno (1,0 mm ' 2,9 mm) e, principalmente, muito pequeno
(< 1,0 mm) (Tabela_2).
No que concerne à porcentagem e à velocidade de germinação, resultados obtidos
a partir de amostras de sementes, de tamanhos variados, dos limões 'Cravo' e
'Volkameriano' e das tangerinas 'Cleópatra' e 'Sunki Maravilha' indicaram que
esta última, a exemplo do limão 'Cravo', apresentou porcentagem de germinação
superior a 80% e relativamente alta velocidade de germinação, conforme se
observa na Tabela_3. As baixas porcentagens de germinação de sementes
apresentadas pelo limão 'Volkameriano' e pela tangerina 'Cleópatra' não são
concludentes, uma vez que essas variedades são amplamente empregadas como
porta-enxertos comerciais. Quanto ao comportamento da tangerina 'Sunki
Maravilha' no tocante à sua velocidade de germinação, este pode ser atribuído
ao fato de muitas de suas sementes caracterizarem-se por apresentar uma ruptura
natural de seus integumentos externo e interno, facilitando sua germinação.
Considerando caracteres relacionados ao vigor, avaliações realizadas em
seedlings nucelares dos limões 'Cravo' e 'Volkameriano' e das tangerinas
'Cleópatra' e 'Sunki Maravilha' indicaram um comportamento destacado para esta
última, conforme se depreende pelos resultados expostos nas Tabelas_4 e 5. O
vigor de planta relativamente elevado apresentado por seedlings nucelares da
tangerina 'Sunki Maravilha' confirma o comportamento, em nível de campo, da
planta matriz dessa seleção, sob a condição de pé-franco, cujo vigor, aos cerca
de 13 anos de idade, é digno de nota. Esse seedling nucelar resultou de uma
mutação espontânea da tangerina 'Sunki da Flórida', identificado dentro de um
conjunto de nove seedlings dessa variedade, plantados em campo em espaçamento
de 7,0 m x 4,0 m.
Além das características já mencionadas, outra qualidade de inquestionável
importância da 'Sunki Maravilha', que destaca essa seleção das demais
conhecidas dessa tangerina, refere-se à resistência de sua planta matriz à
gomose de Phytophthora, observada em nível de campo. Enquanto todos os
referidos seedlings nucelares de 'Sunki da Flórida' vieram a perecer em
decorrência dessa doença fúngica, o seedlingque originou a 'Sunki Maravilha'
permanece vivo e muito vigoroso, conforme já mencionado. Avaliações visando
confirmar essa importante característica encontram-se em curso, baseadas em
inoculações artificiais, sob condições controladas, de espécies desse fungo,
particularmente P. citrophthora e P. parasitica.
Com base no conjunto de informações obtidas, a seleção 'Sunki Maravilha', a
exemplo do que se deu para a 'Sunki Tropical' (Soares Filho et al., 2002a),
pode ser indicada como alternativa viável em um programa de diversificação de
porta-enxertos, considerando-se condições ambientais e combinações com
variedades-copa em relação às quais a tangerina 'Sunki' apresenta bom
comportamento agronômico. Espera-se que essa seleção, à semelhança do que vem
sendo observado em clones tradicionais de tangerina 'Sunki', seja tolerante à
Morte Súbita dos Citros, problema de origem ainda desconhecida que tem causado
sensíveis prejuízos em pomares assentados sobre limão 'Cravo', particularmente
no Sudeste do Brasil.
CONCLUSÕES
1) A seleção 'Maravilha' pode ser indicada como alternativa de uso em programas
de diversificação de porta-enxertos nas condições em que a tangerina 'Sunki'
apresenta bom comportamento agronômico, principalmente em função de seu
relativamente elevado número médio de sementes por fruto (7,7) e de sua
previsível uniformidade de seedlings, esta decorrente da elevada porcentagem de
poliembrionia que manifesta (100%), além de sua provável resistência à gomose
de Phytophthora.
2) Com o aumento do grau de poliembrionia verifica-se, em sementes
poliembriônicas de tangerina 'Sunki', uma maior concentração de embriões nas
classes de menor tamanho (< 3,0 mm).