Conservação de goiabas tratadas com emulsões de cera de carnaúba
INTRODUÇÃO
A goiaba (Psidium guajava L.) é um fruto muito perecível, com curto período de
conservação em temperatura ambiente, o que obriga a uma comercialização rápida
para evitar perdas. Os principais aspectos de deterioração são o rápido
amolecimento, a perda de coloração verde e do brilho e a incidência de
podridões (Jacomino, 1999).
Vários métodos podem ser empregados para ampliar a vida de prateleira das
frutas em geral. Estes métodos incluem o uso de atmosfera modificada, que pode
ser pelo acondicionamento das frutas em filmes plástico ou pelo recobrimento
com ceras especiais. Estes tratamentos modificam o ar circundante e interno da
fruta, reduzindo os níveis de O2 e aumentando os níveis de CO2.
Conseqüentemente, reduzem o metabolismo do vegetal, retardando a senescência
(Chitarra & Chitarra, 1990; Gorris & Peppelenbos, 1992). Em goiabas têm
sido utilizadas embalagens plásticas individuais associadas ao vácuo parcial,
especialmente nos frutos destinados à exportação. Porém, há uma série de
problemas relativos à alteração de sabor e custos da embalagem e da operação.
As ceras não são usadas comercialmente, mas podem se constituir numa
alternativa viável.
A cera à base de carnaúba vem sendo testada em frutas e hortaliças. Obtida a
partir de uma palmeira brasileira, tem sido comercializada sob inúmeras marcas,
em diferentes concentrações e misturas. Pode ser aplicada em produtos dos quais
também se consome a casca, devido ao fato de não ser tóxica. Confere brilho e
reduz a perda de matéria fresca dos produtos, além de ser facilmente removível
com água, se necessário (Hagenmaier & Baker, 1994).
Singh & Chauhan (1982), aplicando ceras de carnaúba em goiabas Sardar,
verificaram eficiência na redução da perda de massa dos frutos. Brown &
Wills (1983), além de encontrarem redução na perda de massa, também
determinaram um aumento no brilho da casca e nenhuma alteração na coloração da
casca, na taxa de respiração e na produção de etileno. Singh et al. (1984)
verificaram que o uso de ceras de carnaúba em goiabas Allahabad Safeda aumentou
em 3 dias a vida útil das mesmas, com manutenção da firmeza. Pivetta et al.
(1992) e Tavares (1993) obtiveram aumento na conservação de goiabas Rica e
Paluma, pela aplicação de cera Sta Fresh, também à base de carnaúba. McGuire
& Hallman (1995) verificaram significativa redução na perda da firmeza em
goiabas tratadas com cera à base de carnaúba e McGuire (1997) observou retardo
de dois dias no amadurecimento de goiabas pelo tratamento térmico associado à
cera de carnaúba.
A película de cera aplicada na superfície do produto vegetal apresenta
diferentes taxas de permeabilidade ao O2, CO2 e ao vapor d'água em função das
propriedades da matéria prima, de sua concentração e da espessura da película.
A combinação adequada destes fatores é variável para cada fruta, conforme suas
características fisiológicas (Amarante et al., 2001).
Considerando o curto período de conservação pós-colheita de goiabas em condição
ambiente, objetivou-se no presente trabalho avaliar o efeito de ceras à base de
carnaúba na conservação de goiabas Pedro Sato visando o aumento de sua vida
útil após a colheita.
MATERIAL E MÉTODOS
Goiabas Pedro Sato cultivadas em pomar comercial no município de Vista Alegre
do Alto SP, situado a 48o21' (W) e 21o10' (S), foram colhidas no início da
manhã, selecionadas e imediatamente transportadas ao Laboratório de Pós-
Colheita do Departamento de Produção Vegetal da USP/ESALQ, em Piracicaba SP.
Foram utilizadas frutas sem defeitos, no estádio de maturidade fisiológica e
com massa de 168 ± 15g.
As goiabas foram padronizadas por parcelas e submetidas à imersão em solução de
hipoclorito de sódio (150ppm), colocadas para secar em ambiente ventilado e
submetidas à aplicação de emulsões comerciais de cera de carnaúba nas seguintes
concentrações: Citrosol AK = 18%; Citrosol M = 10%; Fruit wax = 18 a 21%;
Meghwax ECF100 = 30% e Cleantex wax = 18,5 a 20,5%. Frutas sem aplicação de
cera foram utilizadas como controle.
A aplicação das emulsões de cera foi manual, de forma a cobrir toda a
superfície das frutas com uma fina camada. Com o auxílio de uma pipeta graduada
de 1mL foi colocado 0,15 a 0,20mL de cera em cada fruta e com a mão espalhou-se
a cera uniformemente sobre a fruta. Esta quantidade aplicada corresponde a
aproximadamente um litro de cera por tonelada de fruta. Posteriormente as
frutas foram armazenadas sobre bancadas, em condição ambiente (25 ± 2ºC e 75 ±
5% UR).
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado com 6 tratamentos e 4
repetições de 5 frutas por parcela, com 4 épocas de avaliação.
As frutas foram caracterizadas imediatamente após a colheita e avaliadas após
2, 4 e 6 dias de conservação.
As variáveis analisadas foram: a) Perda de massa: determinada pela diferença
entre a massa inicial e a massa final com balança digital e expressa em
porcentagem da massa inicial; b) Teor de sólidos solúveis totais (SST):
utilizando-se uma amostra centrifugada da polpa da fruta e determinado através
de leitura direta em refratômetro digital, expressando-se os resultados em
ºBrix; c) Teor de ácido ascórbico: determinado por titulação com 2,6
diclorofenilindofenol (DCFI), de acordo com a metodologia de Carvalho et al.
(1990); d) Coloração da casca e da polpa: determinada com colorímetro Minolta
CR-300 e expressa em L* (Luminosidade), C* (Chroma), hº (Ângulo de cor).
Realizaram-se duas leituras por fruta, em lados opostos da região equatorial
para a cor da casca e uma leitura na região central da fruta (placenta),
cortada em duas metades para a cor da polpa; e) Firmeza da polpa: determinada
com penetrômetro manual com ponteira de 8mm de diâmetro, tomando-se duas
leituras por fruta, em lados opostos da região equatorial; f) Acidez total
titulável (ATT): determinada por titulometria, de acordo com a metodologia
descrita por Carvalho et al. (1990); g) Análise sensorial: as goiabas foram
cortadas em fatias e oferecidas a 4 provadores treinados que atribuíram notas
para sabor e odor estranhos com base em uma escala de 5 pontos, onde:
1=ausente, 2=leve, 3=moderado, 4=intenso e 5=muito intenso; h) Incidência de
podridão: determinada pela contagem do número de frutos com pelo menos uma
lesão de diâmetro maior ou igual a 3mm, sendo os resultados expressos em
porcentagem de frutos com podridão.
Os dados coletados foram submetidos à análise de variância (teste F) e as
médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De maneira geral, houve decréscimo da firmeza ao longo do armazenamento (Tabela
1). As frutas foram colhidas com firmeza da polpa de 47,74N e após 6 dias de
armazenamento os valores encontravam-se entre 11,21 e 22,13N, dependendo do
tratamento. Apenas no 6o dia houve influência da cera, sendo que as frutas
tratadas com a cera Meghwax ECF100 estavam mais firmes que aquelas tratadas
com as demais ceras ou não tratadas. Verificou-se também, que as frutas
tratadas com a cera Meghwax ECF100 perderam cerca de 53% da sua firmeza
inicial, enquanto aquelas tratadas com Fruit wax perderam cerca de 64% e nos
demais tratamentos a perda da firmeza variou de 70 a 75%.
O ângulo de cor (hº) é uma medida utilizada para expressar a variação da
coloração em produtos vegetais (McGuire, 1992). O hº assume valor zero para a
cor vermelha e 90º para a cor amarela. Na Tabela_2 observa-se que a cor da
casca evoluiu de verde-claro para verde-amarelado, ou seja, o hº era de 117,38º
no momento da colheita e diminuiu para valores entre 105,54º e 110,24º, após 6
dias. De maneira geral, as ceras com maior concentração de soluto (Meghwax ECF-
100, Citrossol AK, Fruitwax e Cleantex wax) proporcionaram leve retenção da cor
verde da casca em relação às frutas não tratadas ou tratadas com Citrossol M,
que possui apenas 10 % de cera de carnaúba. Porém, a cera Meghwax foi a única
que diferiu significativamente do controle no 6º dia de armazenamento,
retardando em 2 dias, aproximadamente, a evolução da cor da casca. Esses
resultados são semelhantes aos obtidos por Nascimento et al. (1991a, b),
Pivetta et al. (1992) e McGuire (1997).
As mudanças na coloração da casca durante o amadurecimento são devido tanto a
processos degradativos quanto a processos sintéticos que ocorrem ao mesmo tempo
(Chitarra & Chitarra, 1990). Durante a conservação das goiabas não foi
observado anormalidade no desenvolvimento da coloração.
Quanto à cor da polpa, observou-se que esta mudou de rosa para vermelho com o
decorrer do armazenamento (Tabela_3). A cromaticidade indica a saturação ou
intensidade da cor. Observou-se que a saturação da cor vermelha aumentou com o
armazenamento, passando de rosa (32,62), no início do experimento, para
vermelho intenso (43,73), no 6º dia de armazenamento. As frutas tratadas com
Meghwax ECF100 não desenvolveram a coloração característica desta variedade,
diferindo dos demais tratamentos no 6º dia de armazenamento. Esta cera, por
apresentar elevada concentração de soluto (30%), por ter causado elevação do
teor de CO2 e redução do teor de O2 muito intensas no interior da fruta,
resultou em efeitos indesejáveis, conforme preconizado por McGuire (1997),
Baldwin et al. (1999) e Amarante et al. (2001).
A aplicação de ceras reduziu a perda de massa ao longo do armazenamento (Tabela
4). As frutas não tratadas apresentaram a maior perda de massa (8,41%) após 6
dias, diferindo estatisticamente dos demais tratamentos, enquanto que as
tratadas com Cleantex wax e Citrosol M mostraram as menores perdas. Em todos os
tratamentos as perdas foram inferiores ao limite de 15% para goiabas em
condições de consumo, segundo relatado por Manica et al. (2000). McGuire (1997)
observou perdas de 9,2 e 13,3% quando tratou goiabas Ruby com ceras e armazenou
por sete dias a 12ºC.
Os valores da acidez total titulável (ATT) apresentaram variações durante o
armazenamento, reduzindo-se de 0,62% de ácido cítrico no momento da colheita
para valores entre 0,54 e 0,55% ao final do 6º dia de conservação (Tabela_5).
Estes resultados são semelhantes aos observados por Mercado-Silva et al. (1998)
que também verificaram diminuição no teor de acidez durante armazenamento de
goiabas a 25ºC.
Houve redução no conteúdo de ácido ascórbico com o tempo de armazenamento
(Tabela_6), de 64,32 mg.100g-1 de polpa, para valores entre 47,98 e 52,77
mg.100g-1 de polpa ao final de 6 dias de armazenamento. Yamashita & Benassi
(2000), trabalhando com goiabas Pedro Sato, observaram valores médios de ácido
ascórbico maiores que os encontrados neste experimento em torno de 135,58
mg.100g-1 de polpa. Segundo Pereira (1996) e Mattheis & Fellman (1999),
vários fatores podem influenciar o teor de vitamina C para uma mesma variedade,
tais como a época da colheita, o estádio de maturação e as condições climáticas
durante o desenvolvimento das frutas.
O teor SST apresentou pequeno aumento após a colheita, passando de 8,56ºBrix no
momento da colheita para valores entre 9,00 e 10,31ºBrix ao final do
experimento (Tabela_7). Estes resultados são diferentes dos observados por
Yamashita & Benassi (2000), que verificaram redução no teor de SST após a
colheita de goiabas Pedro Sato. É possível que a degradação de polissacarídeos
tenha contribuído para o aumento no teor de SST durante o armazenamento, pela
liberação de hexoses (Awad, 1993), superando o consumo de açúcares na
respiração. Além disso, a perda de massa, que foi de 6,6%, em média, pode ter
contribuído para concentrar os açúcares (Chitarra & Chitarra, 1990; Tucker,
1993).
A porcentagem de frutas com podridões no 6º dia de armazenamento apresentou
variação de 5 a 30% (Figura_1). As frutas do Controle apresentaram a maior
percentagem de podridões (30%), enquanto que as tratadas com Meghwax ECF100
apresentaram a menor incidência (5%). Nos demais tratamentos, a porcentagem de
frutas com podridões variou de 10 a 20%. Este fato, provavelmente, foi devido à
atmosfera modificada promovida pela cera, que retardou o amadurecimento e a
senescência das frutas, reduzindo a susceptibilidade dos tecidos à infecção por
patógenos (Petracek et al., 1998; Durigan, 1999; Benato, 1999; Lana &
Finger, 2000).
De maneira geral, a cera Meghwax ECF100 foi a que mais contribuiu para
retardar o amadurecimento das goiabas. As frutas tratadas com este produto
mantiveram a coloração verde por mais tempo em relação às não tratadas. Esta
cera proporcionou brilho e menor incidência de podridão. Por outro lado, estas
goiabas apresentaram menor evolução da cor da polpa, além de discretos sabor e
odor alcoólicos, possivelmente devido ao início do processo fermentativo
(Figura_2). Essas alterações podem ser atribuídas à alta concentração de cera
de carnaúba (30%) contida no produto, uma vez que, a concentração de soluto é
um dos fatores que interfere na taxa de permeabilidade da emulsão. Isso,
provavelmente, ocasionou um aumento na concentração de CO2 e diminuição do
nível de O2 no interior da fruta para níveis indesejáveis (Salunke & Desai,
1984; McGuire, 1997; Baldwin et al., 1999).
CONCLUSÕES
1) A utilização de ceras à base de carnaúba é uma alternativa para ampliar o
tempo de conservação de goiabas Pedro Sato em condição ambiente.
2) A aplicação de ceras de carnaúba em goiabas Pedro Sato retarda o
amadurecimento, reduz a incidência de podridões e a perda de massa, além de
conferir maior brilho às mesmas.
3) A cera Meghwax ECF100 apresenta potencial para utilização em goiabas, porém
há necessidade de ser avaliada em maior diluição.
AGRADECIMENTO
À empresa VAL FRUTAS pela doação das goiabas utilizadas no experimento.