Resistência genética à podridão amarga em maçãs, determinada pela taxa de
desenvolvimento da doença em frutos com e sem ferimentos
GENÉTICA E MELHORAMENTO DE PLANTAS
Resistência genética à podridão amarga em maçãs, determinada pela taxa de
desenvolvimento da doença em frutos com e sem ferimentos1
Genetic resistance to bitter rot on apples determined by the development rate
of the disease on fruits with and without wounds
Frederico DenardiI; Onofre BertonII; Márcia Mondardo SpenglerIII
IEng. Agr. M.Sc. Fruticultura de Clima Temperado, UFPEL, Pesquisador em
Melhoramento Genético Vegetal, Est. Exp. Caçador-EPAGRI,-CEP 89500-000,
C.P.591, Caçador, SC. E-mail: denardi@epagri.rct-sc.br
IIEng. Agr. PhD Fitopatologia - Cornell University, USA, Pesquisador em
Fitopatologia, Est. Exp. Caçador-EPAGRI, CEP 89500-000, C.P. 591, Caçador, SC.
E-mail: berton@epagri.rct-sc.br
IIIEng.(a) Agr.(a) M.Sc Estatística e Experimentação Agronômica, USP,
Pesquisadora em Estatística e Experimentação Agronômica, Est. Exp. Caçador-
EPAGRI, CEP 89500-000, C.P. 591, Caçador, SC. E-mail: mmondardo@epagri.rct-
sc.br
INTRODUÇÃO
A maçã é a segunda mais importante fruta de clima temperado no Brasil, com
produção de 857.340 t em 2002, sendo Santa Catarina o principal Estado
produtor, com 55,3% da produção nacional.
Concentrada na Região Sul do Brasil, onde as temperaturas e o regime de chuvas
são elevados durante o verão, favorecendo o desenvolvimento de doenças
(BLEICHER et al., 1986; BONETI et al., 1999), cerca de 95% da produção provém
das cultivares Gala e Fuji, ambas muito suscetíveis à podridão amarga (CAMILO,
1989).
As pesquisas em melhoramento genético da macieira na Epagri têm conseguido
avanços significativos no desenvolvimento de cultivares e seleções resistentes
a importantes doenças como a sarna (Venturia inaequalis) e a mancha foliar de
Glomerella (C. gloeosporioides) nos últimos anos. A incorporação de resistência
simultânea a estas duas doenças e à podridão amarga, principais doenças da
macieira no sul do Brasil, poderá reduzir o uso de fungicidas em mais de 80%.
Isto terá efeitos imediatos, não apenas na redução dos custos de produção, mas
também na proteção do produtor, na saúde do consumidor e na preservação do meio
ambiente.
As perdas de produção de maçãs no sul do Brasil, causadas somente pelo ataque
de podridão amarga, podem chegar a 50% (Bleicher, 1980). No entanto, segundo
Dunegan (1953), as perdas pelo ataque desta doença no Estado de Arkansas, EUA
chegaram a 96% da produção.
Muito embora pareça não existir imunidade genética à podridão amarga (Anderson,
1920), têm sido observadas diferenças na reação de resistência entre as
cultivares já testadas (Dunegan, 1953; Singh & Chand, 1969; Camilo, 1989).
Dunegan (1953) observou que, dentre outras cultivares, a Golden Delicious é
mais suscetível que a Delicious, as duas mais importantes cultivares existentes
no mercado. Camilo (1989) constatou um amplo gradiente de resistência genética
entre os genótipos testados. As cultivares Gala, Fuji e Golden Delicious
revelaram-se susceptíveis. Por outro lado, as cultivares Red Rome e Melrose
mostraram possuir bom nível de resistência. Elevado grau de resistência
genética em sub-espécies de macieira silvestre também tem sido reportado
(Camilo, 1989). Estas sub-espécies, no entanto, produzem frutos de tamanho
muito pequeno. Sendo este um fator geneticamente dominante, os ganhos genéticos
em termos de tamanho são muito lentos. O desenvolvimento de cultivares
resistentes a partir deste tipo de germoplasma levaria várias gerações para se
atingir tamanho comercial. Por isso, a busca de resistência genética dentre os
materiais que já produzem frutos de tamanho comercial é a alternativa mais
indicada, levando em conta o tempo e os recursos financeiros necessários ao
desenvolvimento da pesquisa.
Embora G. cingulata possa atacar frutos intactos (Kaul & Munjal, 1981), a
agressividade parece ser maior e a evolução da doença mais rápida em frutos com
ferimentos (Clinton, 1902; Schrenk & Spaulding., 1903). A rapidez da
evolução dos sintomas está diretamente relacionada às condições de temperatura
e umidade relativa do ar (Anderson, 1920). Por outro lado, a severidade da
doença também depende do estádio de desenvolvimento do fruto. Frutos no ponto
de consumo parecem ser mais suscetíveis (Roberts & Pierce, 1918). A
severidade da doença também depende diretamente da concentração do inóculo no
momento da infecção (Camilo, 1989), porém, é variável entre as diferentes
cultivares (Clinton, 1902; Schrenk & Spaulding., 1903).
MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo foi realizado na Estação Experimental de Caçador/Epagri, em Santa
Catarina, localizada a 960 m de altitude, onde a precipitação pluviométrica
anual é de 1.700 mm. A precipitação durante o período verão/outono varia de 182
mm em janeiro a 134 mm em março. As temperaturas médias durante este período
variam de 20,7oC em janeiro a 19,4oC em março, caracterizando condições
favoráveis ao desenvolvimento de doenças de verão como a podridão amarga. Foram
testados os seguintes genótipos de macieira: cultivares Golden Delicious,
Melrose, Gala, Fuji, Condessa, Imperatriz, Fred Hough, Baronesa, Daiane e as
seleções locais M-6/00, M-11/00, M-12/00 e M-13/00.
Os testes foram realizados durante os meses de abril e maio de 2002,
utilizando-se frutos maduros dos genótipos acima. O delineamento experimental
foi inteiramente casualisado, com 3 repetições de 5 frutos cada para os
tratamentos com e sem ferimentos. Os frutos foram divididos em parcelas
compostas pelos genótipos, e sub-parcelas compostas de frutos com e sem
ferimentos. Precedendo a inoculação, os frutos foram lavados com água
destilada, secados, desinfetados com hipoclorito de sódio (NaOCl) a 0,5%,
lavados novamente com água destilada e colocados para secar sobre papel toalha.
O inóculo foi obtido a partir de um isolado de Colletotrichum gloeosporioides
proveniente de frutos da cultivar Fuji com o sintoma típico de podridão amarga,
coletados em Caçador, SC. O isolado foi produzido em cultura pura em placas de
petri, contendo BDA, mantidas em câmara de crescimento BOD, sob regime de luz
de 12 h por 14 dias. Os conídios foram removidos das placas por raspagem,
usando água esterilizada. A concentração foi ajustada para 106 esporos /ml.
Após secos, metade dos frutos foram furados em quatro pontos eqüidistantes, na
região equatorial, com auxílio de estilete de 1 mm de diâmetro por 3 mm de
comprimento e sem ponta. A inoculação nos quatro pontos de cada fruto foi
realizada logo após a perfuração. Na outra metade, os frutos foram apenas
inoculados nos mesmos pontos, porém sem ferimentos. As inoculações foram feitas
em 23/04/2002 com auxílio de um pequeno pincel de pelo de camelo, mergulhando-
o na solução de inóculo e, em seguida, aplicando na superfície a ser inoculada.
Os frutos inoculados foram acondicionados em sacos plásticos, previamente
umedecidos e transferidos para incubadora com temperatura de 250C e fotoperíodo
de 12 horas.
As avaliações foram feitas aos 6, 10, 14 e 17 dias após a inoculação. Foram
avaliadas as seguintes variáveis: a) percentagem de pontos inoculados, com e
sem ferimento, que desenvolveram lesões da doença; b) diâmetro de todas as
lesões onde houve desenvolvimento da doença; c) percentagem de lesões com mais
de 25 mm de diâmetro na presença de ferimentos. As avaliações foram feitas
contando-se os pontos inoculados que desenvolveram sintomas e medindo-se, com
auxílio de paquímetro, o diâmetro das lesões de podridão amarga.
As variáveis diâmetro médio de lesões e percentagem de pontos inoculados com
podridão amarga que resultaram em lesões maiores que 25 mm de diâmetro foram
submetidas à análise da variância para o modelo inteiramente ao acaso e as
médias de tratamentos comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.
Para a variável percentagem de pontos inoculados que resultaram em lesão, foi
aplicada estatística não paramétrica (teste de Kruskal Wallis) que classifica
as médias de tratamentos em pontos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A presença de ferimentos nos frutos parece ser fator essencial para o
estabelecimento da doença. Segundo Camilo (1989), o método de inoculação em
frutos sem ferimentos parece ser menos eficiente e menos consistente do que o
método de inoculação via ferimentos. Aos 10 dias após a inoculação, as
percentagens de pontos inoculados através de ferimentos que desenvolveram a
doença variaram desde 72% na seleção M-6/00 até 100% nas cultivares Imperatriz,
Golden Delicious, Gala, Baronesa e na seleção M-11/00 (Tabela_1). Na ausência
de ferimentos, aos 10 dias a percentagem máxima obtida foi de apenas 8,3% na
'Golden Delicious', sendo que, em muitos genótipos não havia desenvolvimento de
lesões.
Aos 17 dias após a inoculação, a média de pontos inoculados via ferimentos que
resultaram em sintomas típicos de podridão amarga ultrapassou 98%, enquanto que
apenas 8,6% dos pontos sem ferimento desenvolveram lesões, confirmando os
resultados obtidos por Camilo (1989). Os resultados mostram um gradiente de
desenvolvimento da podridão amarga entre os genótipos testados. Este gradiente
de reação demonstra a existência de variação no grau de resistência genética
entre os diferentes genótipos estudados. As cultivares Condessa, Golden
Delicious, Gala e Fuji revelaram-se suscetíveis e a cv. Melrose apresentou
nível intermediário de resistência, confirmando os resultados obtidos por
aquele autor. As novas cultivares Condessa e Imperatriz, descendentes da Gala,
e Baronesa, descendente da Fuji, mostraram alto grau de susceptibilidade,
principalmente na presença de ferimentos (Tabela_1).
Embora os dados da Tabela_1 mostram não existir alta resistência a G. cingulata
entre os genótipos estudados, observou-se que, mesmo em genótipos procedentes
de parentais suscetíveis, é possível selecionar materiais com bom nível de
resistência. Na presença de ferimentos, os menores índices de desenvolvimento
de lesões de podridão amarga foram obtidos com as seleções M-6/00 e M-13/00,
descendentes diretas da Imperatriz e da Fred Hough, cultivares que se mostraram
susceptíveis neste estudo (Tabela_1).
A seleção M-13/00 mostrou percentagem relativamente alta de lesões na ausência
de ferimentos. No entanto, as lesões evoluíram mais lentamente do que nas
cultivares Imperatriz, Gala e Condessa (Tabela_2).
Na presença de ferimentos, a reação de resistência da seleção M-6/00
evidenciou-se pela menor percentagem de pontos inoculados que resultaram em
lesões da doença (Tabela.1) e pelo menor tamanho das lesões, comparativamente
às cultivares Imperatriz, Condessa e Gala (Tabelas_2 e 3). Aos 6 dias após a
inoculação, a seleção M-13/00 desenvolveu lesões significativamente menores do
que as da cv. Melrose, constatada como resistente por Camilo (1989).
Segundo Camilo (1989), a progressão e o tamanho final das lesões de podridão
amarga parecem expressar melhor a resistência relativa entre diferentes
genótipos de macieira, em relação a outras variáveis. As cultivares Imperatriz,
Gala, Condessa e Golden Delicious e a seleção M-11/00, não só foram as que
tiveram as maiores percentagens de ferimentos inoculados que resultaram em
lesão, mas também foram as que tiveram a progressão mais rápida da doença, com
as maiores percentagens de lesões com diâmetro acima de 25 mm a partir do 10o
dia da inoculação (Tabela_3). Aos 14 dias após a inoculação, nestes genótipos
já havia mais de 91% das lesões com mais de 25 mm de diâmetro. No outro
extremo, as seleções M-6/00 e M-13/00, nas quais não havia lesões acima de 25
mm de diâmetro aos 10 dias após a inoculação, aos 14 dias apenas 33% e 26,7%
das lesões haviam crescido mais de 25 mm, respectivamente. Na cultivar Melrose
houve progressão intermediária da doença, mostrando possuir grau intermediário
de resistência.
A baixa incidência de lesões de podridão amarga na ausência de ferimentos é um
bom indicativo da importância de se manter os frutos bem protegidos do ataque
de insetos, notadamente a mosca-das-frutas, Anastrepha fraterculus
(Wied.,1830). Os resultados obtidos neste estudo indicam que ferimentos
provocados na epiderme do fruto facilitam o ingresso, o estabelecimento e o
desenvolvimento da podridão amarga em maçãs.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos no presente estudo permitiram as seguintes conclusões:
1) G. cingulata se estabelece mais rapidamente em frutos com ferimentos do que
em frutos sem ferimentos.
2) Para estudos de resistência genética à podridão amarga em maçãs, o
estabelecimento da doença na presença de ferimentos é muito mais rápido do que
em frutos sem ferimentos, indicando que o emprego deste método em trabalhos de
melhoramento genético pode resultar na eliminação de materiais que, na ausência
de ferimentos, poderiam expressar bom nível de resistência.
3) Existe segregação genética para resistência a G. cingulata em macieira,
possibilitando o desenvolvimento de novas cultivares resistentes, mesmo a
partir de cruzamentos entre algumas das atuais cultivares tidas como
suscetíveis.