Conteúdo de carboidratos em gemas e ramos de macieira durante o outono e
inverno em região de baixa ocorrência de frio
BOTÂNICA E FISIOLOGIA
Conteúdo de carboidratos em gemas e ramos de macieira durante o outono e
inverno em região de baixa ocorrência de frio1
Carbohydrate content in buds and stems of apple trees during autumn and winter
in a region of low chill occurence
Ruy Inacio Neiva de CarvalhoI; Flávio ZanetteII
IEngenheiro Agrônomo, Dr., Professor Adjunto II do Centro de Ciências Agrárias
e Ambientais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Rodovia BR 376, Km
14, CEP 83010-500 - São José dos Pinhais - PR. Fone: (41) 382-1454.
ruy@rla01.pucpr.br
IIEng. Agrônomo, Dr., Professor de Fruticultura do Departamento de Fitotecnia e
Fitossanitarismo da Universidade Federal do Paraná. Rua dos Funcionários, 1540,
CEP 80035-050. Curitiba-Paraná. Fone: (41) 350-5650. flazan@ufpr.br
INTRODUÇÃO
Durante as estações desfavoráveis, as plantas limitam ou cessam seu crescimento
de forma a permitir a sobrevivência em períodos de escassez de água ou de
baixas temperaturas, caracterizando o período de dormência. Nessa fase, as
atividades metabólicas essenciais continuam a ocorrer, embora com intensidade
reduzida (Petri et al., 1996).
Segundo Lang et al. (1987), a endodormência ocorre nos meses mais frios em que
o não-desenvolvimento da gema é resultante de uma série de eventos bioquímicos
e fisiológicos que acontecem em tecidos meristemáticos ou regiões muito
próximas.
A baixa temperatura é um fator ambiental de grande influência na endodormência
de gemas (Crabbé & Barnola, 1996), em especial, de macieira (Pereira et
al., 2001; Zanette et al., 2000). Os processos fisiológicos internos envolvidos
na entrada e saída da endodormência podem estar relacionados com diversos
fatores, dentre os quais o fluxo de carboidratos e a translocação de reservas a
curta distância (Marquat et al., 1999).
Em rosáceas, a maior parte do carbono fixado na fotossíntese é armazenado na
forma de amido no cloroplasto ou é transferido ao citossol e convertido nos
carboidratos solúveis sacarose e sorbitol (Quick & Schaffer, 1996). Apenas
traços de outros carboidratos são encontrados, como a rafinose, a estaquiose e
o mioinositol (Salisbury & Ross, 1992). Desde a década de 1960, o sorbitol
tem sido determinado como o principal assimilado translocado na macieira
(Williams et al., 1967) e, mais recentemente, em outras rosáceas, como a
pereira (Herter et al., 2001) e o pessegueiro (Marquat et al., 1999).
No pessegueiro, os carboidratos totais armazenam-se em ramos, atingindo um
máximo na metade do período de repouso (Flore & Layne, 1996). Em
cerejeiras, os carboidratos não-estruturais (glucose, frutose, sacarose,
rafinose, sorbitol e amido) estão em maior concentração em tecidos perenes
durante a abscisão foliar e decrescem até pouco antes da brotação (Keller &
Loescher, 1989).
Objetivou-se quantificar o conteúdo de carboidratos em gemas e ramos de um ano
de idade de macieira cv. 'Imperial Gala', com ou sem frio suplementar, durante
o outono e inverno, cultivadas em região de baixa ocorrência de frio.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi realizado com ramos de macieira da cultivar 'Imperial Gala'
coletados no período de abril a agosto de 2000, em pomar com 5 anos de idade,
conduzido em plantio adensado (4,0 x 1,35 m), na Fazenda Agropecuária Boutin,
em Porto Amazonas - PR (25,55° latitude Sul, 49,90° de longitude Oeste e 795 m
de altitude). A quantificação do frio ocorrido na região foi determinada
segundo o método do número de horas de frio (HF) abaixo de 7,2° C e pelo método
da conversão de temperaturas para unidades de frio (UF), baseado no modelo
Carolina do Norte, citados por Petri et al. (1996).
Os ramos com comprimento superior a 30 cm e com inserção e disposição espacial
oblíqua foram coletados em sete datas distintas: 19-04, 10-05, 31-05, 21-06,
12-07, 02-08 e 23-08. Após cada coleta, os ramos receberam ou não tratamento
com frio suplementar de 1.440 horas, à temperatura de 4 a 7° C em geladeira.
As análises de carboidratos foram realizadas em gemas e porções de ramos
adjacentes às mesmas. A coleta das gemas foi feita cortando-se as mesmas e
retirando-se as cinco escamas externas, e dos ramos pelo seu fracionamento em
porções com 1 cm de comprimento e divididas ao meio por um corte longitudinal,
mantendo-se para análise a metade que possuía uma gema já eliminada. As
determinações foram realizadas no Laboratório de Carboidratos de Exsudatos
Vegetais do Departamento de Bioquímica e no Laboratório de Cromatografia e
Espectrofotometria do Departamento de Química da Universidade Federal do
Paraná.
Os carboidratos solúveis totais foram determinados pelo método do fenol-
sulfúrico (Dubois et al., 1956). A extração etanólica foi realizada, tratando-
se 100 mg de amostra com 30 mL de etanol 80 % por 30 min a 100° C, em banho-
maria. Foram utilizadas alíquotas de 50 µL das frações solúveis em etanol, nas
quais foram adicionados 450 µL de água destilada e, posteriormente, 0,5 mL de
fenol e 2,5 mL de ácido sulfúrico concentrado. A leitura foi realizada em
espectrofotômetro por absorbância 490 nm. Calculou-se o conteúdo de
carboidratos solúveis totais em mg.g-1 de matéria seca de material vegetal.
Para a determinação dos carboidratos insolúveis totais, uma amostra de 20 mg da
fração insolúvel em etanol liofilizada foi tratada com hidróxido de sódio 0,02
N em tubo de ensaio, por 30 minutos, a 90° C (Marquat et al., 1999). A fração
solúvel em álcali foi liofilizada, pesada e o rendimento em compostos
insolúveis em álcool foi calculado em mg.g-1 de matéria seca de material
vegetal.
A análise estatística para as gemas e porções de ramos foi realizada
separadamente, resultando em dois experimentos. O delineamento experimental
adotado nos dois casos foi o de parcelas subdivididas no tempo com o fator
principal arranjado em blocos casualizados, com três repetições. A parcela
principal foi o tratamento ou não com frio suplementar, e a subparcela foram as
sete datas de coleta, totalizando 14 tratamentos. A comparação entre médias de
tratamentos foi feita pelo teste de Tukey, ao nível de significância de 5 %.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A quantidade de frio ocorrida na região até agosto foi de 386 horas de frio
abaixo de 7,2° C ou 211,5 unidades de frio, porém até julho, apenas 95 horas ou
- 86,0 unidades de frio haviam sido acumuladas. Embora ainda não tenha sido
definido o requerimento em frio para a macieira da cultivar estudada, segundo
Petri et al. (1996), a macieira da cultivar 'Gala', que originou a cultivar
'Imperial Gala', requer 600 horas de frio abaixo de 7,2° C para a quebra da
dormência, quantidade de frio muito além da ocorrida no pomar de macieiras
estudado.
Os carboidratos solúveis mais os insolúveis representaram de 13,8 a 20,2 % da
matéria seca de gemas de um ano de macieira (Tabela_1), sendo constituintes
essenciais cujas variações podem ser causa ou conseqüência da dormência. Os
carboidratos solúveis (sacarose, glucose, frutose, sorbitol e outros) têm
importância na regulação osmótica e transporte, enquanto os carboidratos
insolúveis, especialmente o amido, são importantes formas de reserva.
A maior porcentagem de carboidratos solúveis em relação aos insolúveis na
entrada em dormência sugere maior predisposição ao transporte pela gema,
enquanto a situação inversa na dormência mais intensa sugere a predisposição ao
armazenamento para uso futuro. A movimentação passiva de carboidratos solúveis
pode ocorrer a pequenas distâncias por meio da difusão simples ou difusão
facilitada por proteínas transportadoras da membrana (Buckhout & Tube,
1996; Raven et al., 2001). Para as gemas não tratadas com frio suplementar, na
dormência mais profunda (12-07), o conteúdo em carboidratos solúveis foi 41,2 %
menor que o conteúdo na entrada em dormência em 19-04, enquanto a situação é
inversa para os carboidratos insolúveis cujo conteúdo foi 19,1 % maior que em
19-04 (Tabela_1).
No período de abril a maio, as gemas que não receberam frio suplementar,
apresentaram acentuada redução do conteúdo de carboidratos solúveis e pequena
redução de carboidratos insolúveis. Possivelmente, a degradação do amido pode
estar relacionada com o fornecimento de glucose aos tecidos para a manutenção
de um gradiente de concentração para proteção em períodos de frio excessivo,
pois o amido possui um efeito osmótico desprezível (Preiss & Sivak, 1996).
A partir de 31-05, o conteúdo de carboidratos solúveis apresentou uma pequena
redução, enquanto o conteúdo de carboidratos insolúveis apresentou uma elevação
(Tabela_1).
O tratamento com frio, no mês de abril e início de maio, não alterou a dinâmica
de redução do nível de carboidratos solúveis, porém, nos outros meses,
favoreceu o acúmulo nas gemas. As variações dos conteúdos de carboidratos
insolúveis em gemas que receberam frio suplementar, não foram significativas em
todo o período estudado (Tabela_2). A redução de carboidratos insolúveis que
ocorreu nas gemas sem frio suplementar no início da endodormência, não
aconteceu quando o frio foi aplicado, sugerindo que este metabolismo de
hidrólise do amido pode estar relacionado à redução gradual de temperatura de
outono e não ao frio intenso e constante. Os resultados indicam que a
ocorrência de frio precoce antecipa o acúmulo de carboidratos de reserva
enquanto o frio, durante a endodormência, promove o acúmulo de carboidratos de
transporte. Os carboidratos solúveis acumulados nas gemas poderiam ser
provenientes dos ramos adjacentes às gemas, uma vez que os carboidratos
insolúveis nas gemas, possíveis fontes de carboidratos solúveis, mantiveram
níveis constantes quando foi fornecido frio suplementar. O amido poderia sofrer
hidrólise produzindo glicose que, por sua vez, poderia formar sorbitol,
importante açúcar álcool de transporte nas plantas da família Rosaceae
(Loescher & Everard, 1996; Quick & Schaffer, 1996; Williams et al.,
1967).
A baixa temperatura pode inibir o transporte de açúcares na planta, porém,
mesmo sob a manutenção do frio, pode ocorrer a retomada do fluxo cuja dinâmica
está em função da magnitude ou da taxa de resfriamento (Thorpe & Minchin,
1996). Estes fatos sugerem que, mesmo no outono e no inverno, o transporte de
carboidratos a curta distância pode ocorrer, caracterizando-se por um dos
eventos fisiológicos que regulam a capacidade de desenvolvimento das gemas
(Lang et al., 1987; Marquat et al., 1999). A movimentação passiva de
carboidratos (Raven et al., 2001), mesmo em período de reduzida atividade
metabólica (Petri et al., 1996), predispõe reservas para o início de um novo
ciclo de crescimento, seja para formação de ramos mistos estruturais seja para
ramos especializados em frutificação (dardos e esporões). A brotação uniforme e
vigorosa de gemas floríferas e vegetativas, em virtude da disponibilidade de
reservas, é componente de influência direta para a formação dos frutos.
O conteúdo de carboidratos solúveis mais os insolúveis, nos ramos de um ano,
encontraram-se na faixa de 9,9 a 15,3 %, indicando que são componentes
essenciais durante o período de dormência da planta (Tabela_3). Mesmo na
entrada em dormência, o conteúdo de carboidratos solúveis foi menor que o de
carboidratos insolúveis, em decorrência da maior lignificação dos tecidos dos
ramos, com maior quantidade de celulose.
Com a entrada no período de dormência, a redução do conteúdo de carboidratos
solúveis ocorrida nas gemas também ocorreu nos ramos, indicando que, nesta
etapa, há também transporte de carboidratos para regiões do ramo mais distantes
das gemas ou utilização na respiração dos tecidos. A partir de maio, com o
desenvolvimento da endodormência, o conteúdo de carboidratos solúveis aumentou,
possivelmente devido ao acúmulo dos carboidratos solúveis provenientes das
gemas. As variações do conteúdo de carboidratos insolúveis nos ramos não foram
significativas, talvez pela elevada concentração de outros carboidratos
insolúveis (celulose), que faz com que pequenas variações no conteúdo de amido
não possam ser observadas (Tabela_4).
CONCLUSÃO
1. Os carboidratos solúveis mais os insolúveis representaram de 13,8 a 20,2 %
da matéria seca de gemas e 9,9 a 15,3 % da matéria seca de ramos de um ano de
macieira.
2. Em gemas de macieira, houve maior porcentagem de carboidratos solúveis na
entrada em dormência e maior porcentagem de carboidratos insolúveis na
dormência mais intensa.
3. A ocorrência de frio precoce antecipou o acúmulo de carboidratos insolúveis
nas gemas, enquanto o frio, durante a endodormência, promoveu o acúmulo de
carboidratos solúveis.
4. Houve aumento do conteúdo de carboidratos solúveis em ramos com o
desenvolvimento da endodormência, enquanto as variações do conteúdo de
carboidratos insolúveis não foram significativas.