Avaliação de plantas cítricas, em diferentes profundidades de plantio, em
latossolo amarelo dos tabuleiros costeiros
FITOTECNIA
Avaliação de plantas cítricas, em diferentes profundidades de plantio, em
latossolo amarelo dos tabuleiros costeiros1
Avaliation of citros crop using differents depths of planting in yellow latosol
of the coastal table band
Laercio Duarte SouzaI; Almir Pinto da Cunha SobrinhoI; Luciano da Silva
RibeiroII; Luciano da Silva SouzaI; Carlos Alberto da Silva LedoI
IPesquisador Embrapa Mandioca e Fruticultura, C.P. 007,Cruz das Almas, BA.
44380-0000 (laercio@cnpmf.embrapa.br, almir@cnpmf.embrapa.br,
lsouza@cnpmf.embrapa.br e ledo@cnpmf.embrapa.br), tel. (75)621-8045/ 8000
IIBolsista PIBIC - CNPq, Embrapa Mandioca e Fruticultura, C. P. 007, Cruz das
Almas, BA. 44380-000
INTRODUÇÃO
O ecossistema dos Tabuleiros Costeiros, que vai desde o Rio de Janeiro até o
Amapá, ocupando a faixa litorânea, é de grande importância econômica para o
Nordeste, pois abriga sete das nove capitais estaduais desta Região, tem
razoável infra-estrutura de portos e rodovias e uma grande demanda de consumo
de hortifrutigranjeiros. A fruticultura é uma das principais atividades
agrícolas desta região, e a citricultura aí estabelecida, nos Estados da Bahia
e Sergipe, segundo e terceiro produtores nacionais, ocupa uma área de 103.559
hectares e representa 11% da área de citros no Brasil (IBGE, 2003).
A produção citrícola nos Tabuleiros Costeiros, onde predominam Latossolos
Amarelos e Argissolos Amarelos, caracterizados como profundos, ácidos e com
presença de horizontes coesos (Jacomine et al., 1977), é realizada praticamente
sem uso de irrigação, pois a região dispõe de uma distribuição de chuvas
regular durante 9 a 10 meses/ano (CNPMF, 1993) e, principalmente, devido ao
fato de não disponibilizar de volume de água suficiente para irrigação, na
região onde estão localizados os pomares.
Os problemas de deficiência de água no solo e conseqüente estresse nas plantas
surgem em função da interação dos horizontes coesos dos Tabuleiros Costeiros
com o clima. Estes horizontes restringem a infiltração da água e o
desenvolvimento das raízes em profundidade, disponibilizando um pequeno volume
superficial do solo para exploração. Giarola et al. (2001) observaram que a
resistência à penetração aumentou com a redução da umidade do solo de forma
exponencial em horizonte coeso dos tabuleiros e de forma linear no não-coeso.
Esta resistência mantém o sistema radicular dos citros com 60% do volume na
profundidade 0-0,20 m e 90% entre 0-0,40 m. (Cintra et al., 1999). Na estação
mais seca, esses solos apresentam deficiências hídricas que podem resultar em
períodos de 10 a 20 semanas sem água disponível às plantas na profundidade de
até 0.90 m (Paiva et al.,1998). Outro agravante são as práticas culturais
utilizadas neste ecossistema para limpeza dos pomares que utilizam a grade de
forma excessiva, aumentando a densidade do solo na superfície e provocando
diminuição da capacidade de retenção de água a baixas tensões, o que diminui a
água disponível às plantas (Portela et al., 2001). Ocorre ainda o aumento do
teor de alumínio em profundidade e a utilização de práticas inadequadas de
calagem e adubação, que concentram os nutrientes na superfície, fazendo com que
prevaleça um valor de pH menor que 5,5 a partir da profundidade de 0,20 m
(Coelho et al.,1993).
Práticas culturais que atenuem as restrições impostas pelas camadas coesas,
assim como plantas com maior capacidade para o desenvolvimento das raízes,
neste ecossistema, começam a ser adotadas. São conhecidas as diferenças entre
porta-enxertos de citros quanto à capacidade de desenvolver as raízes nas
camadas coesas e suprir a planta de água (Cintra et al., 2000), assim como
práticas culturais, como a utilização de leguminosas nas entrelinhas e
herbicidas nas linhas, em áreas subsoladas a 0,50 m de profundidade, que foram
capazes de aumentar o volume do sistema radicular dos citros neste ecossistema
entre 68 e 148% e a produção de frutos entre 28 e 40%, respectivamente
(Carvalho et al.,1999). Relação positiva entre desenvolvimento de raízes e
produção de frutos cítricos nos Tabuleiros Costeiros também foi encontrada por
Rezende et al.(2002). As práticas mais conhecidas, mas ainda pouco utilizadas,
para romper as camadas coesas destes solos são a subsolagem e/ou o uso de
leguminosas de raízes pivotantes e agressivas. As razões para isto, no caso do
subsolador, são o custo do implemento e a exigência de um trator de grande
potência para sua utilização. Uma alternativa é o aumento da profundidade da
cova de plantio, como uma prática mais acessível a pequenos e médios
citricultores desta região.
A premissa básica dessas práticas é que, se o desenvolvimento do sistema
radicular no perfil do solo possibilita maior capacidade de absorção de água e
nutrientes pela planta, haverá maior desenvolvimento da parte aérea e da
produção de frutos.
O objetivo desse trabalho foi romper as camadas coesas características dos
solos dos Tabuleiros Costeiros, para permitir maior desenvolvimento do sistema
radicular da laranjeira 'Valência' enxertada sobre o limoeiro 'Cravo',
aumentando sua capacidade de absorção de água e nutrientes, melhorando seu
desenvolvimento e produção de frutos.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi instalado na área experimental da Embrapa Mandioca e
Fruticultura, situada em Cruz das Almas, Bahia, a 12º 40'19" de latitude sul
39º 06' 22" de longitude oeste. O solo, com uma declividade de 3 a 5 %, é um
Latossolo Amarelo distrófico. O clima da região é uma transição entre os tipos
Am e Aw, com pluviosidade média anual da ordem de 1.244 mm com dois a três
meses de seca ao ano (Embrapa, 1993).
O pomar foi instalado em 1992, com laranjeira 'Valência' enxertada em limoeiro
'Volkameriano', no espaçamento de 6,0 x 4,0 m. O delineamento experimental foi
em blocos casualizados, com seis blocos, sendo cada bloco constituído de cinco
tratamentos, com as profundidades de plantio: 0,40; 0,60; 0,80; 1,00 e 1,20 m.
Na linha de bordadura, foi utilizado o tratamento 0,40 m. A parcela
experimental foi constituída de cinco plantas por linha, totalizando 25 plantas
úteis e cinco de bordadura por bloco. A adoção do delineamento em blocos foi em
função da variação das profundidades inicial e final das camadas coesas nos
solos cultivados dos Tabuleiros Costeiros.
As covas foram abertas com um implemento em forma de rosca, com 0,50 m de
diâmetro, acoplado ao hidráulico do trator, em virtude da grande dificuldade de
ultrapassar a profundidade de 0,40-0,50 m, onde se inicia a coesão, utilizando-
se de cavadores manuais. As covas foram corrigidas e adubadas, e as mudas
plantadas ao nível da superfície do solo.
As avaliações da parte aérea das plantas foram realizadas em 1996, 1998, 2000 e
2002, para a produção de frutos, altura da planta, diâmetro da copa e do caule.
Todas as avaliações foram realizadas com cinco repetições por tratamento/bloco.
O sistema radicular foi avaliado em uma planta por tratamento/bloco,
totalizando 5 plantas/bloco. A amostragem foi iniciada em 2000, eliminando um
bloco/ano, avaliando três blocos até o ano de 2002.
As raízes foram avaliadas com o sistema SIARCS (1994), segundo a metodologia de
Crestana et al. (1994). Foi aberta uma trincheira para cada tratamento, no
sentido perpendicular à linha de plantio, a 0,5 m da planta analisada, com
dimensões 3,0 x 1,0 e 1,5 m de profundidade. A parede da trincheira, mais
próxima à planta, foi escarificada com tábua de pregos, e as raízes pintadas de
branco para contrastar com o solo. Foi colocada uma moldura com fios de náilon
na parede da trincheira, com três profundidades (0,40; 0,80 e 1,20 m) e seis
distâncias em relação à planta com 1,20 m para cada lado, divididos a cada 0,40
m, perfazendo 18 quadros de 0,40 x 0,40 m. As raízes de cada quadro foram
avaliadas em imagens obtidas com câmara digital, capacidade de resolução de 300
dpi, posteriormente analisadas no programa SIARCS, sendo avaliadas quanto ao
comprimento total de raízes por área de cada quadro de 0,16 m2. Para analisar a
distribuição das raízes nos perfis (cm de raiz . cm-2 de solo), o delineamento
utilizado foi em blocos casualizados, no esquema fatorial 5x3x3x6, sendo cinco
tratamentos, três repetições, três profundidades e seis distâncias em relação à
planta. No tratamento 5, no bloco 2, houve uma perda de 50% dos dados, o que
exigiu uma análise desbalanceada, na qual se utilizou a soma de quadrados tipo
III no procedimento GLM do programa de análise estatística SAS (1995).
Na instalação do ensaio, foi caracterizado o perfil do solo, realizando
análises físicas e químicas por horizonte. Posteriormente, foram realizadas
análises na área experimental, divididas em linha e entrelinha de plantio, nas
profundidades de 0-0,20 m e 0,20-0,40 m. Foram realizadas seis amostras
compostas (cinco subamostras) para cada local e profundidade. Determinaram-se o
pH em água, cátions trocáveis, soma de bases (S), saturação por bases (V),
capacidade de troca catiônica (CTC), fósforo e matéria orgânica. As análises
foram realizadas nos laboratórios da Embrapa Mandioca e Fruticultura, segundo a
metodologia EMBRAPA (1997).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As análises químicas do perfil do solo estão na Tabela_1, na qual se observou
que o horizonte Ap, com uma profundidade de apenas 0-0,09 m, é o único com
nível de nutrientes, pH, S e CTC apropriado para plantas cítricas. A partir do
horizonte AB até o horizonte Bw2, o valor de V está próxima de 30% e o pH entre
4,6 e 4,7, ambos considerados muito baixos (Rezende et al., 2002). As análises
físicas (Tabela_2) mostraram que, apesar do aumento da argila em profundidade,
a CTC diminuiu, demonstrando que seu maior valor no horizonte Ap é devido à
matéria orgânica. Houve aumento da densidade do solo no horizonte AB, o que
significa aumento da resistência à penetração (Rosolem et al., 1994); ocorreu
também diminuição da porosidade total e da macroporosidade, medidas que
caracterizaram este horizonte como coeso, dificultando a passagem de água e a
penetração de raízes.
A análise do solo da área experimental nas profundidades de 0-0,2 m e 0,2-0,4
m, encontra-se na Tabela_3, na qual se observaram baixos valores para pH, S e
CTC e que diminuem mais ainda com a profundidade, o que significa menor teor de
nutrientes e maior presença de hidrogênio e/ou alumínio adsorvido às argilas.
As diferenças entre as profundidades amostradas (0-0,2 m e 0,2-0,4 m) foram
significativas para todos os parâmetros avaliados, diminuindo todos os
nutrientes em profundidade e aumentando Al e H + Al. As diferenças entre linha
e entrelinha, ao contrário dos resultados obtidos por Sanches et al. (1999),
não foram significativas para nenhuma das variáveis no teste de Tukey a 5%.
Estes dados confirmam levantamento do estado nutricional de 60 pomares
cítricos, estabelecidos nos Tabuleiros Costeiros, realizado por Coelho et al.
(1993), demostrando a necessidade da adoção de práticas que efetuem a correção
e a adubação destes solos em profundidade.
A análise dos tratamentos para o sistema radicular das plantas cítricas está na
Figura_1. Houve diferenças significativas para a variável comprimento de raiz
entre os tratamentos, nas três profundidades do solo e nas seis distâncias em
relação à planta. Observou-se que nos tratamentos onde se utilizaram as
profundidades de plantio de 0,40; 0,60 e 0,80 m foram semelhantes para o
comprimento de raiz, enquanto, nas profundidades de plantio de 1,00 m e 1,20 m,
essa variável foi maior e diferente das demais (Figura_1A), mostrando que o
rompimento da camada coesa provocou efeito no desenvolvimento das raízes a
partir da profundidade de 1,00 m. A distribuição do sistema radicular em
profundidade (Figura_1B) mostrou uma concentração de raízes de 47% na
profundidade de 0-0,40 m, 24% entre 0,40-0,80 m e 29% na camada de 0,80-1,20 m.
O fato de o comprimento de raízes ser menor na profundidade intermediária que
na camada inferior, indica a dificuldade e o afunilamento que sofrem as raízes
em transpor esta camada. A distribuição de raízes em relação a distância da
planta (Figura_1C) mostrou boa simetria em todas as profundidades, diminuindo o
total de raízes à medida que se afastou da planta. Houve diferenças apenas
entre as posições 0-0,40 m e 0,80-1,20 m.
Não houve diferenças significativas para nenhuma das interações. A distribuição
das raízes em relação à profundidade do solo por tratamento, mostrou que as
plantas com as profundidades de plantio de 0,40; 0,60; 0,80 e 1,00 m
distribuíram suas raízes de forma semelhante em termos de porcentagem, mantendo
50 - 20 -30% para as profundidades de 0-0,40 m, 0,40-0,80 m e 0,80-1,20 m,
respectivamente; apenas o tratamento com cova para plantio a 1,20 m alterou
esta proporção para 32 - 32 - 36%. Mesmo com diferenças não significativas, a
distribuição das raízes desse tratamento no perfil do solo deve ser ressaltada
em função de que a maior porcentagem de suas raízes ficou na maior
profundidade.
Estes resultados nos permitem supor que a camada coesa está localizada no
horizonte AB (0,09-0,38 m) e em parte do Bw1 (0,38-0,72 m), com o que concorda
Ribeiro (2001), que afirma que o caráter coeso não está limitado a um
horizonte, normalmente se localiza nos horizontes AB e parte do Bw1 em
Latossolos ou AB e parte do Bt em Argissolos dos Tabuleiros Costeiros. Estes
horizontes apresentam uma visível redução dos macroporos e diminuição brusca da
concentração de raízes em relação aos horizontes sobre e subjacentes.
As análises estatísticas, utilizando o Teste de Tukey, a 5% de probabilidade
para a avaliação de aspectos morfológicos das plantas, realizada em 1996, com o
pomar com quatro anos de idade, mostraram que não houve diferença significativa
entre tratamentos para os parâmetros altura de planta, diâmetro de copa e
diâmetro do caule. A avaliação para produção de frutos (colheitas em 1996,
1998, 2000 e 2002) também não mostrou diferenças entre os tratamentos, apesar
das diferenças no desenvolvimento das raízes entre os mesmos. O que demonstra
que a capacidade de explorar maior volume de solo em profundidade, e
conseqüentemente de água, nestes solos, não refletiu nos aspectos morfológicos
da parte aérea nem viabilizou um aumento na produção de frutos das plantas
cítricas.
Os resultados positivos que foram obtidos no aumento da produção de frutos,
como conseqüência do aumento do volume do sistema radicular, no ecossistema dos
Tabuleiros Costeiros, ocorreram em trabalhos que utilizaram, além dos
mecanismos usuais para romper a camada coesa (subsolagem e plantas com sistema
radicular pivotante e agressivo), o uso da incorporação de outros materiais que
adicionaram nutrientes ou matéria orgânica ao solo. Carvalho et al. (1999)
formaram palhadas nas linhas de plantio. Resende et al. (2002) interagiram com
doses de calcário e gesso. Estes trabalhos incorporaram matéria orgânica ao
solo, que aumentou a CTC, e cátions básicos via calcário e gesso que aumentaram
a saturação por bases em profundidade, medidas complementares ao rompimento da
camada coesa, as quais foram fundamentais para viabilizar o aumento da produção
de frutos, pois as raízes passaram a dispor de água e também de nutrientes nas
camadas mais profundas.
CONCLUSÕES
1. Os tratamentos que utilizaram as profundidades de plantio de 1,00 e 1,20 m,
para as plantas de citros, aumentaram significativamente o comprimento de raiz
por área, em todo o perfil do solo, em relação às demais profundidades de
plantio.
2. Ocorreram restrições ao desenvolvimento das raízes de citros na camada de
0,40-0,80 m de profundidade, pois a concentração de raízes desta camada foi
menor que nas camadas sobre e subjacente.
3. Disponibilizar maior volume de solo em profundidade e conseqüentemente de
água, para o sistema radicular das plantas cítricas nos solos dos Tabuleiros
Costeiros, é uma condição necessária, mas não foi suficiente para viabilizar
aumento na produção de frutos.