Planejamento experimental em milho
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Introdução
Nas etapas finais de um programa de melhoramento genético de milho (Zea mays
L.), o desempenho agronômico de cultivares é avaliado em ensaios de competição,
realizados em distintos ambientes. Nesses experimentos, além da produtividade
de grãos, outros caracteres têm sido pesquisados. É importante que esses
experimentos tenham uma precisão experimental adequada para que as inferências,
em relação aos caracteres em avaliação, tenham confiabilidade.
No planejamento experimental, a utilização do número adequado de repetições é
uma técnica importante a ser considerada, e esse número tem sido um
questionamento comum entre os pesquisadores. Na cultura do milho, o número
adequado de repetições tem sido investigado por Oliveira et al. (2005), Velini
et al. (2006), Catapatti et al. (2008) e Cargnelutti Filho et al. (2010). De
maneira geral, esses trabalhos destacaram a melhoria da precisão por meio de um
planejamento experimental adequado. Outras técnicas experimentais em milho,
abordando aspectos relacionados ao tamanho ótimo de parcela (ALVES; SERAPHIN,
2004; MARTIN et al., 2005a; SOUZA SOBRINHO et al., 2004; STORCK et al., 2006b),
às bordaduras das fileiras (CARGNELUTTI FILHO et al., 2003; CONCEIÇÃO; SILVA;
MACHADO, 1993), ao tamanho de amostra (MARTIN et al., 2005b; SILVA et al.,
1993; STORCK et al., 2007) e a correção da produtividade de grãos de parcelas
experimentais (SCHIMILDT et al., 2006), foram consideradas eficientes na
melhoria da precisão experimental.
Estimativas de coeficiente de repetibilidade, por meio da análise de variância
(CRUZ, 2006), têm sido utilizadas no dimensionamento do número de repetições,
para avaliar a produtividade de grãos, em nove ensaios de cultivares de feijão
(CARGNELUTTI FILHO; RIBEIRO; STORCK; 2009), em 216 ensaios de genótipos de soja
(STORCK et al., 2009) e em 286 ensaios de cultivares de milho (CARGNELUTTI
FILHO; STORCK; GUADAGNIN, 2010). A abordagem adotada nesses trabalhos permitiu
concluir que: 1) ensaios com quatro repetições possibilitam a identificação de
cultivares superiores de feijão em relação à produtividade de grãos, com 85% de
exatidão no prognóstico de seu valor real (CARGNELUTTI FILHO; RIBEIRO; STORCK;
2009); 2) ensaios com quatro repetições e analisados com o método de Papadakis
possibilitam a identificação de genótipos superiores de soja em relação à
produtividade de grãos, com 80% de precisão (STORCK et al., 2009); e 3) ensaios
com três e quatro repetições identificam cultivares superiores de milho, em
relação à produtividade de grãos, com, respectivamente, 72,40 e 81% de exatidão
no prognóstico de seu valor real (CARGNELUTTI FILHO; STORCK; GUADAGNIN, 2010).
O dimensionamento do número de repetições, a partir das estimativas de
coeficiente de repetibilidade, obtidas por meio da análise de variância, é uma
técnica de análise que minimiza custos e aproveita os dados experimentais
existentes para redefinição ou manutenção de planejamentos experimentais. No
entanto, para a cultura do milho, foi encontrado, na literatura, estudo sobre o
emprego da análise de repetibilidade para a estimativa do número de repetições,
somente para a produtividade de grãos.
O objetivo deste trabalho foi determinar o número de medições (repetições)
necessárias para avaliar os caracteres número de dias da semeadura até 50% do
florescimento masculino, alturas de planta e de espiga na colheita e número de
espigas na colheita, de cultivares de milho.
Material e métodos
Foram usados os dados do número de dias da semeadura até 50% do florescimento
masculino (DF), das alturas de planta (AP) e de espiga (AE) na colheita e do
número de espigas na colheita (NE), coletados em 16 experimentos de competição
de cultivares de milho. Os experimentos foram realizados no Estado do Rio
Grande do Sul e classificados conforme a categoria (estadual e indicado), o
ciclo (precoce e superprecoce) e o ano agrícola (2002/2003, 2003/2004 e 2004/
2005) (TAB._1). Em todos os experimentos, as unidades experimentais, que
continham as cultivares, foram casualizadas conforme o delineamento blocos ao
acaso com três repetições, sendo as unidades experimentais constituídas de duas
fileiras com 5 m de comprimento, com espaçamento entre 0,7 e 0,9 m.
Em cada um dos 16 experimentos, os dados dos quatro caracteres (DF, AP, AE e
NE), seguiram um modelo estatístico de delineamento em blocos ao acaso dado
por: Yij =μ+τi +βj +εij, no qual Yij é o valor observado da variável resposta
na parcela ij,μé a média geral,τi é o efeito da cultivar (i = 1, 2, ..., I),βj
é o efeito do bloco (j = 1, 2, 3) eεij é o efeito do erro experimental suposto
normal e independentemente distribuído com média 0 e variância comumσ2(STORCK
et al., 2006a). Os testes de Kolmogorov Smirnov, Levene e aditividade de Tukey
foram utilizados para verificar o atendimento, respectivamente, das
pressuposições de normalidade dos erros, homogeneidade de variâncias e
aditividade do modelo matemático. Com base nos resultados da análise de
variância, foram obtidas as estimativas do quadrado médio de bloco (QMB), do
quadrado médio de cultivar (QMC), do quadrado médio do erro (QME) e do valor do
teste F para cultivar (Fc = QMC/QME). Logo após, foi estimada a acurácia
seletiva (AS) (RESENDE; DUARTE, 2007), por meio da expressão AS = (1-(1/
Fc))0,5. Posteriormente, com base em AS, foi avaliada a precisão experimental
de acordo com os limites de classes estabelecidos em Cargnelutti Filho e Storck
(2009).
Foram consideradas as avaliações em cada bloco como medições realizadas no
mesmo indivíduo (cultivar) e foi estimado o coeficiente de repetibilidade (r),
em cada caractere e experimento, por meio da análise de variância. Nesse
estudo, o coeficiente de repetibilidade é o coeficiente de correlação
intraclasse para cultivares e é estimado por meio da expressão r = [(QMC -
QME)/J ]/ [( QMC - QME)/J + QME ], em que J é o número de repetições (CRUZ,
2006; CRUZ; REGAZZI, 1997).
O número mínimo de repetições (J) necessário para predizer o valor real dos
indivíduos (cultivares), com base nos coeficientes de determinação genotípico
(R2) pré-estabelecidos (0,80; 0,85 e 0,90), foi calculado por meio da expressão
J = [R2 (l r) ]/ [(l R2)r ] (CRUZ; REGAZZI, 1997). O coeficiente de
determinação genotípico (R2), que representa a certeza da predição do valor
real das cultivares selecionadas, com base em J medições realizadas, foi obtido
pela expressão R2 = [Jr ]/ [1 + r (J - 1) ], em que J é o número de medições
realizadas (J = 3 blocos neste estudo) e r é o coeficiente de repetibilidade
(CRUZ, 2006). Ainda, com base na média do coeficiente de repetibilidade (r)
entre os 16 experimentos, em cada um dos caracteres, foi calculado o
coeficiente de determinação genotípico (R2) em função de diferentes números de
repetições (J variando de 0 até 50). Embora experimentos com zero repetição não
tenham sentido prático e com 50 repetições serem, praticamente, inviáveis de
serem realizados, optou-se por esses limites para demonstrar graficamente o
comportamento da relação entre R2 e J, com base em um valor fixo de r (r =
média dos 16 experimentos). As análises estatísticas foram realizadas com o
auxílio dos softwares GENES (CRUZ, 2006) e Office Excel.
Resultados e discussão
Nos 64 casos analisados (4 caracteres x 16 experimentos), o valor de P (nível
mínimo de significância) do teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov), oscilou
entre 0,0905 e 0,9989 e a média dos 64 valores de P do teste de normalidade foi
0,637. Em nível de 5% de significância, valor comumente utilizado, o valor de P
do teste de normalidade, evidenciou que os erros ajustaram-se à distribuição
normal. Também em 100% dos casos as variâncias dos erros não foram consideradas
heterogêneas (P > 0,05) pelo teste de Levene. Em apenas 3 casos (4,69%), o
teste de aditividade de Tukey revelou não aditividade no modelo matemático (P <
0,05). Portanto, os percentuais de atendimento desses pressupostos do
delineamento em blocos ao acaso indicaram que os testes de hipóteses podem ser
aplicados sem restrições de validade (STORCK et al., 2006a). Assim, nas
análises estatísticas, utilizaram-se os dados reais.
O teste F da análise de variância revelou efeito de bloco significativo (P <
0,05) em 18 casos (28,13%), evidenciando blocos heterogêneos e que o uso do
delineamento blocos ao acaso foi adequado. Por outro lado, em 46 casos
(71,87%), os blocos não foram heterogêneos (TAB._2). Apesar de, na maioria dos
casos, pela não significância do efeito de blocos, ser adequado o uso do
delineamento inteiramente casualizado, o uso de blocos deve continuar sendo
utilizado nessas áreas experimentais, como forma de garantir o controle dessa
fonte de heterogeneidade, no caso de sua existência. Percentuais semelhantes a
esses foram obtidos em relação à produtividade de grãos, avaliada em 216
ensaios de genótipos de soja (STORCK et al., 2009) e em 286 ensaios de
cultivares de milho (CARGNELUTTI FILHO; STORCK; GUADAGNIN, 2010).
Em relação ao número de dias da semeadura até 50% do florescimento masculino
(DF), às alturas de planta (AP) e de espiga (AE) na colheita e ao número de
espigas na colheita (NE), houve efeito de cultivar significativo (P < 0,05),
respectivamente, em 15; 11; 12 e 13 experimentos, o que evidencia a
possibilidade de identificação de cultivares superiores. Nos 13 casos (20,31%)
em que não houve efeito significativo de cultivar, a não discriminação das
cultivares, por meio do teste F, pode não ser devido a não existência de
variabilidade genética e sim, provavelmente, à menor precisão experimental
(CARGNELUTTI FILHO; STORCK, 2007, 2009; RESENDE; DUARTE, 2007). Nos 51 casos
(79,69%) com efeito significativo de cultivares, a média do valor do teste F
para cultivar (Fc), da acurácia seletiva (AS) e dos coeficientes de
repetibilidade (r) e de determinação genotípico (R2), com base nas três
repetições, foi de 7,172; 0,870; 0,551 e 0,762, respectivamente. Enquanto que,
nos experimentos em que não foram detectadas diferenças significativas, as
médias de Fc, AS, r e R2 foram, respectivamente, 1,557; 0,550; 0,149 e 0,324
(TAB._2; TAB._3). As estatísticas valor do teste F para cultivar (Fc) e
acurácia seletiva (AS), são mais adequadas do que o coeficiente de variação
(CV), para a avaliação da precisão experimental em ensaios de competição de
cultivares de milho. Os maiores escores das estatísticas valor do teste F para
cultivar (Fc) e acurácia seletiva (AS) estão associados às maiores
variabilidades genéticas e menores variâncias residuais, o que indica
experimentos mais precisos (CARGNELUTTI FILHO; STORCK, 2007, 2009). Portanto,
esses resultados confirmam que a não identificação de diferenças entre as
cultivares está associada à menor precisão experimental.
De acordo com limites de classes das estatísticas - valor do teste F para
cultivar (Fc) e acurácia seletiva (AS) - estabelecidos em Cargnelutti Filho e
Storck (2009), dos 64 casos avaliados, 22 apresentaram precisão experimental
muito alta (Fc > 5,2632; AS > 0,90), 30 com precisão alta (1,9608 < Fc <
5,2632; 0,70 < AS < 0,90), 7 casos com precisão moderada (1,3333 < Fc < 1,9608;
0,50 < AS < 0,70) e 5 casos com precisão baixa (Fc < 1,3333; AS < 0,50) (TAB.
2). Esses resultados revelam que há variabilidade das precisões experimentais
entre os caracteres e os experimentos. Variabilidade de precisões
experimentais, em relação à produtividade de grãos, foi verificada em grupos de
experimentos de milho (CARGNELUTTI FILHO; STORCK, 2009; CARGNELUTTI FILHO;
STORCK; GUADAGNIN, 2010), de soja (CARGNELUTTI FILHO; STORCK; RIBEIRO, 2009;
STORCK et al., 2009, 2010) e de feijão (CARGNELUTTI FILHO; RIBEIRO; STORCK;
2009).
Independentemente do caractere e do experimento, as estatísticas valor do teste
F para cultivar (Fc), acurácia seletiva (AS) e coeficientes de repetibilidade
(r) e de determinação genotípico (R2), oscilaram, respectivamente, entre os
valores mínimos de: 1,102; 0,304; 0,033 e 0,092, e máximos de: 35,502; 0,986;
0,920 e 0,972 (TAB._2; TAB._3). Essa variabilidade existente entre os
experimentos quanto aos valores Fc, AS, r e R2, é particularmente importante
nesse estudo, por representar diferentes situações reais e assim possibilitar
inferências com aplicações gerais. Experimentos, que até poderiam ser
descartados em razão da insuficiência na precisão experimental, de acordo com
critérios de Cargnelutti Filho e Storck (2007, 2009) e de Resende e Duarte
(2007), foram mantidos. Assim, é possível que as estimativas do número de
repetições (J) de determinados caracteres poderiam estar inflacionadas em
experimentos com menor precisão experimental. Variabilidade dessas estatísticas
e como consequência da estimativa do número de repetições foi obtida em relação
à produtividade de grãos, avaliada em: 9 ensaios de cultivares de feijão
(CARGNELUTTI FILHO; RIBEIRO; STORCK, 2009), 216 ensaios de genótipos de soja
(STORCK et al., 2009) e 286 ensaios de cultivares de milho (CARGNELUTTI FILHO;
STORCK; GUADAGNIN, 2010).
A média do coeficiente de repetibilidade (r) entre os 16 experimentos, foi de
0,663; 0,430; 0,422 e 0,361, respectivamente, para os caracteres número de dias
da semeadura até 50% do florescimento masculino (DF), alturas de planta (AP) e
de espiga (AE) na colheita e número de espigas na colheita (NE) (TAB._3).
Experimentos que apresentam menor coeficiente de repetibilidade requerem maior
número de repetições para predizer o valor real de determinado caráter e vice-
versa. Então, a partir da média do coeficiente de repetibilidade (r) entre os
16 experimentos, pode-se inferir que, para a seleção de cultivares superiores,
com uma mesma precisão, há necessidade de um maior número de repetições, em
relação aos caracteres NE, AE, AP e DF, nessa ordem.
O coeficiente de determinação genotípico (R2), estimado a partir média do
coeficiente de repetibilidade (r) entre os 16 experimentos, foi de 0,855;
0,694; 0,687 e 0,629, respectivamente, para os caracteres número de dias da
semeadura até 50% do florescimento masculino (DF), alturas de planta (AP) e de
espiga (AE) na colheita e número de espigas na colheita (NE) (TAB._3).
Portanto, pode-se inferir que três repetições possibilitam detectar diferenças
genotípicas com 85,5; 69,4; 68,7 e 62,9% de certeza na predição do valor real
da cultivar, respectivamente, em relação aos caracteres DF, AP, AE e NE.
Fixando J = 4 repetições o valor estimado do coeficiente de determinação
genotípico (R2) a partir da expressão R2 = [Jr ]/ [1 + r (J 1) ], para o
número de dias da semeadura até 50% do florescimento masculino (DF) é R2 =
(4*0,663)/1+0,663(4-1) = 0,887 e para os caracteres alturas de planta (AP) e de
espiga (AE) na colheita e número de espigas na colheita (NE), os valores são,
respectivamente, 0,751; 0,745 e 0,694. O acréscimo do coeficiente de
determinação genotípico (R2) com o aumento do número do número de repetições
(J) não ocorre de forma linear (FIG._1). A partir de um determinado número de
repetições, o aumento do coeficiente de determinação genotípico (R2) passa a
ser negligível, o que reflete em um ganho inexpressivo na predição do valor
real da cultivar.
Na prática, essas informações disponibilizadas possibilitam ao pesquisador
planejar seus experimentos mais adequadamente, particularmente quanto ao número
de repetições ideal, caso o foco seja inferir sobre algum desses caracteres,
com uma precisão desejada. Assim, por exemplo, pode-se inferir que quatro
repetições forneceram valores de R2 de 88,7% para número de dias da semeadura
até 50% do florescimento masculino, de 75,1% para a altura de planta, 74,5%
para a altura de espiga e de 69,4% para o número de espigas na colheita. Em
relação à produtividade de grãos, o uso de quatro repetições, possibilita a
identificação de cultivares superiores de feijão (CARGNELUTTI FILHO; RIBEIRO;
STORCK, 2009), de soja (STORCK et al., 2009) e de milho (CARGNELUTTI FILHO;
STORCK; GUADAGNIN, 2010), com, respectivamente, 85; 80 e 81%, de exatidão no
prognóstico de seu valor real.
Conclusão
Experimentos com quatro repetições são suficientes para avaliar os caracteres
métricos: número de dias da semeadura até 50% do florescimento masculino,
alturas de planta e de espiga na colheita e número de espigas na colheita, de
cultivares de milho, com, respectivamente, 88,7; 75,1; 74,5 e 69,4% de
precisão.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela
concessão de bolsa de Produtividade em Pesquisa para Alberto Cargnelutti Filho;
à Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária; e aos pesquisadores, pela
realização dos experimentos de competição de cultivares de milho no Estado do
Rio Grande do Sul.