Quantificação da função esfincteriana pela medida da capacidade de sustentação
da pressão de contração voluntária do canal anal
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
A incontinência fecal apresenta-se como a perda da habilidade ou da capacidade
de limitar a passagem de fezes ou gases em tempo e/ou local socialmente
aceitáveis.
Embora a verdadeira incidência seja desconhecida, os estudos têm demonstrado
incidência de incontinência fecal de 2% na população geral, sendo 30% dos casos
acima dos 65 anos de idade e 66% em mulheres(15). Em indivíduos acima de 70
anos de idade, a incidência de incontinência fecal é de 17%(21). Estima-se que
3% das mulheres que tiveram parto vaginal desenvolvem algum grau de
incontinência fecal(25).
A continência fecal é adquirida pela combinação de um esfíncter anal competente
e fechado, sensibilidade anorretal normal, capacidade e complacência retais
adequadas, controle consciente e é mantida tanto quanto a pressão do canal anal
seja superior à pressão retal. Muitos fatores contribuem para a eficácia do
canal anal em reter conteúdo colorretal, tais como: o ângulo entre o eixo
longitudinal do reto e do ânus, a capacidade e complacência do reto, impedância
do enchimento retal promovido por um cólon sigmóide de baixa complacência,
diâmetro estreito e alta pressão, a abertura anal semelhante a uma fenda
anterior-posterior, a consistência do conteúdo colorretal apresentado ao
mecanismo esfincteriano e, principalmente, a contração tônica e voluntária da
musculatura esfincteriana. Os músculos do diafragma pélvico ajudam a regular o
processo de defecação e a manter a continência, que é mantida parcialmente sob
controle voluntário por ação de músculos estriados do esfíncter anal externo e
elevador do ânus e, parcialmente, através do sistema nervoso autonômico pelo
músculo liso do esfíncter anal interno.
A pressão de contração (PC) é produzida pela contração do esfíncter anal
externo e do músculo puborretal, sendo que a PC máxima eleva a pressão do canal
anal para mais do que 2 vezes à observada em repouso, podendo ser mantida
durante cerca de 50 segundos(8).
A manometria anorretal é um dos testes fisiológicos mais utilizados e
estudados, constituindo-se em importante método de investigação utilizado em
centros de pesquisa, clínicas ou hospitais especializados, para a avaliação de
pacientes com distúrbios anorretais. Tem-se constituído em exame de rotina na
investigação de distúrbios relacionados à função de continência e de evacuação,
o que tem permitido quantificar vários deles e, ao correlacionar com os dados
clínicos, sugerir ou confirmar o diagnóstico e orientar conduta a ser tomada.
Entretanto, usando-se metodologias descritas na literatura, muitos pacientes
podem ter distúrbios funcionais relacionados à evacuação ou à continência, e
apresentar manometria anorretal normal(18, 24). Seria fato a se questionar a
validade ou eficácia desse exame em avaliar esses distúrbios ou então, novos
dados deveriam ser obtidos e por ele analisados. É possível que os dados
obtidos pela manometria anorretal, pelos métodos descritos na literatura,
estejam subestimando a incidência de pacientes com incontinência fecal e,
conseqüentemente, mais do que fornecer um diagnóstico equivocado, estariam
comprometendo a conduta a ser tomada, bem como o resultado final do tratamento
(4, 14).
Os trabalhos de pesquisa realizados em pacientes incontinentes, praticamente em
sua totalidade, têm considerado entre os parâmetros básicos a pressão máxima de
contração voluntária (PMCV) e a pressão média de repouso (PMR). A maioria das
investigações, portanto, referiam-se a picos momentâneos da PC voluntária ou à
média das pressões de contração ao longo do canal anal(1, 3, 5, 6, 9, 16, 23,
26).
Vários estudos na literatura demonstram que pacientes incontinentes
apresentavam pressão máxima de repouso e PMCV dentro da faixa de normalidade.
Dependendo dos parâmetros utilizados, de 61% a 100% dos pacientes incontinentes
tinham gradiente de pressão anorretal normal(7, 12, 20).
Estudos recentes demonstraram preocupação na importância da duração, ou seja,
da manutenção da PC quando necessária(13) e que, embora o pico inicial de PC
possa ser impressionante, a relevância e a capacidade de aumento momentâneo da
PC em adiar ou retardar a evacuação, não estão claras(10).
Diante do exposto, torna-se evidente que a capacidade de retardar ou postergar
a evacuação após a presença do estímulo ou sensação de evacuação iminente é
função importante dos músculos do diafragma pélvico e fundamental para os
mecanismos tanto de evacuação, como de continência. Deste modo, diante de
sensação de evacuação iminente, contrair e manter a contração é mais importante
do que simplesmente contrair, mesmo que com pico elevado de pressão.
A partir destas constatações e da hipótese de que as medidas de PMR e PMCV
esfincteriana não refletem a real situação clínica do paciente, levantou-se a
hipótese de ser a capacidade de sustentação (CS) da PC voluntária do canal anal
a medida mais correta para a avaliação da continência fecal, no que diz
respeito à função de contração esfincteriana.
Este estudo tem o objetivo de analisar a medida da função esfincteriana do
canal anal pela determinação da CS da PC voluntária com a hipótese de que este
parâmetro indicaria com mais fidelidade a função de contração, do que a PMCV.
MATERIAL E MÉTODOS
Os pacientes estudados foram avaliados no Laboratório de Fisiologia Anorretal
do GASTROCENTRO da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas ' UNICAMP, Campinas, SP. Incluíram-se 72 pacientes com incontinência
fecal em graus variados, desde escapes ocasionais de fezes e de gases, até
incontinência franca a fezes sólidas, sendo 56 do sexo feminino e faixa etária
entre 27 e 78 anos.
Os indivíduos normais, em número de 15, foram escolhidos aleatoriamente entre
os pacientes encaminhados ao Laboratório de Fisiologia Anorretal devido a
outras queixas ou situações, como: proctalgia, prurido anal, pré-operatório de
reconstrução de trânsito intestinal e pré-operatório de cirurgia de coluna
lombossacra. Os indivíduos normais encontravam-se na faixa etária entre 24 e 72
anos, sendo nove do sexo feminino e não apresentavam queixas de incontinência
fecal de qualquer grau.
Foram excluídos pacientes com história de incontinência fecal submetidos a
tratamento cirúrgico anterior para este distúrbio, aqueles submetidos a
treinamento esfincteriano por biofeedback ou os submetidos a radioterapia
pélvica. Também foram excluídos indivíduos normais ou pacientes incontinentes
que apresentaram quadro clínico duvidoso quanto ao diagnóstico de incontinência
fecal e os valores pressóricos dos parâmetros estudados no exame de manometria
anorretal destes indivíduos assemelhavam-se aos valores considerados normais
descritos em outros estudos da literatura.
Os pacientes incontinentes e os indivíduos normais foram submetidos a exame
manométrico com o uso de sistema de perfusão contínua, utilizando-se sistema
pneumohidráulico de baixa complacência de perfusão capilar contínua (Arndorfer,
Inc., Green-Valley, WI, EUA), em interface com sistema computadorizado através
de software comercialmente encontrado (Gastrosoft, Polygram Lower GI, versão
6.4 e Windows, Synetics Medical Inc., Irwing, TX, EUA e Dynapack MPX 816,
Dynamed, São Paulo, SP); foi utilizado cateter axial de oito canais. Os exames
foram realizados sem preparo intestinal prévio, uma vez que os pacientes eram
incontinentes e muitos referiram ter dificuldade em reter o enema.
DELINEAMENTO
Após o período de avaliação em repouso, os pacientes foram orientados a
promover contração voluntária do canal anal, de forma contínua e ininterrupta,
sendo realizado o estudo da seqüência de eventos descritos a seguir:
10 segundos contração voluntária{Fase inicial
5 segundos mantendo a contração
10 segundos contração voluntária{Fase intermediária
5 segundos mantendo a contração
10 segundos contração voluntária {Fase final
mantendo-se o total de 40 segundos de contração voluntária.
Foram analisados os seguintes parâmetros:
* Determinação da PMR
* Determinação da PMCV
... maior valor pressórico encontrado nas três fases de estudo.
* Determinação da CS da PC voluntária
... diminuição do valor pressórico no decorrer das três fases de estudo
em relação ao pico inicial da PC voluntária.
Os indivíduos continentes e os pacientes incontinentes foram alocados em quatro
grupos (Figuras_1, 2, 3 e 4).
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os dados encontrados foram submetidos a análise estatística, com comparação
entre proporções de ocorrências pelo teste de Qui-quadrado, cálculo de
sensibilidade, especificidade, probabilidades de falso-negativo e falso-
positivo em tabelas 2x2(22).
PROTOCOLO
Foi seguido protocolo de investigação clínica e para avaliação das queixas de
incontinência fecal, avaliou-se o grau clínico, seguindo-se o protocolo
descrito abaixo proposto por PINHO et al.(17), com algumas modificações:
RESULTADOS
Seguindo o disposto em estudos na literatura, há necessidade de se definir
valores normais através de grupos-controle próprios a cada equipamento e
laboratório. Os dados obtidos no presente estudo revelaram que no grupo de
indivíduos normais, a pressão média de repouso foi de 47 a 84 mm Hg (média de
62,70 mm Hg) e a PMCV variou de 130 a 296 mm Hg (média de 198,70 mm Hg),
havendo nestes indivíduos adequada CS da PC voluntária.
Nos pacientes com incontinência fecal estudados clinicamente, os dados obtidos
demonstram que ambas, a PMR e a PMCV, variaram de níveis baixos a normais.
Estes dados demonstram que a maioria dos pacientes incontinentes, independente
do nível da PMCV apresentada, revelaram perfil semelhante de CS desta pressão:
capacidade moderada na fase inicial e ruim nas fases intermediária e final, com
queda superior a 35% do nível inicial de contração na maioria (78%) dos casos
estudados.
A análise dos pacientes incontinentes através da medida da PMCV, mostrou que 39
(54%) apresentavam níveis normais e 33 (46%) PMCV abaixo do normal, enquanto
que os indivíduos normais apresentaram-se em 100% dos casos com PMCV em nível
normal.
Ao se estudarem os pacientes incontinentes, através da CS da contração
voluntária, verificou-se que 56 (78%) deles tinham capacidade inadequada,
perfazendo incidência três e meia vezes maior que os pacientes com capacidade
adequada (22%). Os pacientes continentes apresentaram CS adequada em 93% dos
casos.
Ao analisar-se a PMCV nos pacientes incontinentes, verificou-se que os
pacientes com grau I, em sua maioria ' 12 pacientes (62%) ' não apresentavam
diminuição da medida da PMCV em relação ao valor mínimo normal e nos pacientes
que apresentaram diminuição, a queda foi em média de 6% em relação ao valor
mínimo normal da PMCV. Os portadores de grau II, 11 pacientes (30%),
apresentaram diminuição da PMCV, sendo esta queda, em média, de 18% em relação
ao valor mínimo normal. Por fim, os portadores de grau III, quase que em sua
totalidade ' 14 pacientes (93%) ' apresentaram diminuição da PMCV, em média 32%
em relação ao valor mínimo da PMCV.
Ao realizar-se a análise da CS da contração voluntária do esfíncter anal
externo, no decorrer das três fases de estudo, verificou-se que os pacientes
incontinentes apresentaram queda nesta capacidade de 10% na fase inicial, 31%
na fase intermediária e 40% na fase final.
A análise da CS, considerando o grau clínico de incontinência fecal, revelou
que, nos pacientes com grau I, a queda da CS foi de 21%, nos portadores de grau
II, de 30% e nos de grau III, de 30%. Porém, ao realizar-se a análise
comparando o grau clínico e as fases estudadas, constatou-se que na fase final
do estudo a CS apresenta queda acima de 35% nos portadores de incontinência,
independentemente do grau clínico. Esta queda foi de 35% nos portadores de grau
I, 45% nos portadores de grau II e de 43% naqueles com grau III.
Em relação aos grupos, a queda da CS da PC voluntária, analisada de modo global
foi, em média, inferior a 35% nos quatro grupos: os pacientes do grupo I
apresentaram, em média, queda de 13%, os pertencentes ao grupo II, de 32%, os
do grupo III, de 14% e os do grupo IV, de 30%. Ao analisar-se queda da CS em
relação aos grupos nas três fases do estudo, verifica-se que esta queda se
acentua nas fases intermediária e final. Nos grupos II e IV a queda da CS na
fase intermediária é superior a 30% e superior a 40% na fase final,
verificando-se queda de 47% no grupo II e 44% no grupo IV.
Com os dados obtidos, comparando-se a queda da PMCV e a queda CS nos pacientes
incontinentes, em relação ao grau clínico de incontinência fecal, verificou-se
que os portadores de grau I apresentaram a mesma incidência de queda de PMCV e
de CS, ou seja, 40% dos pacientes apresentaram queda de PMCV e 40% queda de CS.
Nos pacientes com grau III, tanto a PMCV, como a CS apresentaram queda em 93%
dos casos. Nos pacientes portadores de grau II, 92% apresentaram queda de CS,
enquanto a queda de PMCV ocorreu em 30% destes pacientes .
Ao realizar-se a análise estatística, encontraram-se os resultados apresentados
na Tabela_1.
Em relação à incontinência fecal os efeitos da PMCV e da CS da PC voluntária
apresentaram diferenças do ponto de vista estatístico (Tabelas_2 e 3).
* Para efeito de predizer a incontinência fecal, considerou-se a medida da
PMCV com os parâmetros e resultados abaixo
A = PNI (PMCV abaixo do normal) indicando incontinência
A* = PN (PMCV normal) indicando continência
B = paciente incontinente
B* = indivíduo continente
P = resultado
Obtiveram-se os seguintes resultados estatísticos:
Sensibilidade
Capacidade da medida da PMCV indicar como incontinente o indivíduo que tem de
incontinência fecal:
P (A / B) = P (PNI / incont.) = 33/72 = 46%
Especificidade
Capacidade da medida da PMCV indicar como continente o indivíduo que é
continente:
P ( A* / B*) = P (PN / contin.) = 15/15 = 1 = 100%
Probabilidade de falso-positivo (FP+)
Probabilidade de continência mesmo que a medida de PMCV tenha indicado
alteração (PNI):
FP+ = P (B* / A) = P (contin. / PNI) = 0/33 = 0 = 0%
Probabilidade de falso-negativo (FP-)
Probabilidade de incontinência ainda que a medida da PMCV tenha resultado
normal (PN):
FP - = P (B / A*) = P (incont. / PN) = 39/54 = 72%
* Para efeito de predizer a incontinência fecal, considerou-se a medida da
CS com os parâmetros e resultados abaixo
A = CS* (CS inadequada) indicando incontinência
A* = CS (CS adequada) indicando continência
B = paciente incontinente
B* = indivíduo continente
P = resultado
Obtiveram-se os seguintes resultados estatísticos:
Sensibilidade
Capacidade da medida da CS indicar como incontinente o indivíduo que tem de
incontinência fecal:
P (A / B) = P (CS* / incont.) = 56/72 = 78%
Especificidade
Capacidade da medida da CS indicar como continente o indivíduo que é
continente:
P ( A* / B*) = P (CS / contin.) = 14/15 = 93%
Probabilidade de falso-positivo (FP+)
Probabilidade de continência mesmo que a medida de CS tenha indicado alteração
(CS*):
FP+ = P (B* / A) = P (contin. / CS*) = 1/57 = 2%
Probabilidade de falso-negativo (FP-):-
Probabilidade de incontinência ainda que a medida da CS tenha resultado normal
(CS):
FP- = P (B / A*) = P (incont. / CS) = 16/30 = 53%
Em resumo, comparativamente, obteve-se o apresentado na Tabela_4.
DISCUSSÃO
A importância do esfíncter anal externo para a manutenção da continência e seu
papel na fisiopatogenia da incontinência fecal é atualmente aceita e sustentada
por várias evidências(11). É evidente que a PMCV baixa e a hipotonia do
esfíncter anal externo são acompanhadas de incontinência fecal ou urgência.
Chama a atenção, entretanto, a freqüência destes achados na maioria dos
trabalhos da literatura. RAO e PATEL(19), demonstraram que apenas 53% dos
pacientes incontinentes tinham PMCV abaixo do normal, embora esperasse
percentagem maior. RASMUSSEN et al.(20) encontraram que 39% dos pacientes
incontinentes tinham PMCV dentro dos limites normais.
Neste estudo, entre os pacientes continentes, obtiveram-se resultados
semelhantes. Entre os pacientes incontinentes, 54% apresentavam PMCV normal, ou
seja, pouco menos da metade destes pacientes (46%) apresentavam esta pressão
abaixo do normal. Esta constatação, na presente série e na literatura, traz
consigo o questionamento sobre o valor da PMCV como bom indicativo da função
esfincteriana anal.
Sugere-se a CS da PC voluntária como melhor indicativo da função esfincteriana
do canal anal, ou seja, a capacidade do indivíduo contrair e manter esta PC
voluntária acima de certo nível ou percentagem da pressão inicial, durante
determinado período, seria melhor indicativo da função esfincteriana anal do
que a PMCV. Portanto, seria mais importante contrair e manter a PC voluntária
do que simplesmente contrair, o que refletiria a capacidade do indivíduo em
retardar ou postergar a evacuação frente à sensação ou ao estímulo eminente da
mesma.
Neste estudo, a CS foi mais fiel quando comparada com a PMCV nos pacientes
incontinentes em relação ao grupo controle, mesmo quando comparada em relação
ao grau clínico e em relação às fases estudadas.
MARCELLO et al.(10) publicaram estudo referindo-se ao índice de fadiga do
esfíncter anal externo. Definiram como taxa de fadiga a variação de contração
estacionária pelo período de 40 segundos de contração voluntária e índice de
taxa de fadiga a medida calculada do tempo necessário para o esfíncter anal
externo tornar-se completamente fatigado. O esfíncter anal externo está sujeito
à fadiga muscular, característica inerente a todos os músculos; mas fadiga
implica em que o músculo contraia-se em nível adequado e, após certo tempo,
apresente processo de esgotamento, fraqueza, cansaço. Segundo DELISA(2), fadiga
é a incapacidade de um músculo de manter ou aumentar a força contra uma
resistência, o que implica em esforço repetido, continuado, prolongado, por
tempo definido para este músculo. Hoje dispõem-se de aparelhos especiais que
podem medir real e fidedignamente, a fadiga ou o tempo de fadiga de um músculo
específico. Portanto, tempo de fadiga pode variar de músculo para músculo, bem
como para o tipo de contração que este apresente. Como exemplo, o músculo
estriado pode apresentar contração lenta ou rápida, isométrica ou não, e o
tempo de fadiga difere de acordo com estas características. A melhor avaliação
deste comportamento muscular é realizada através da eletromiografia. Não é
esta, porém, a situação constatada no presente estudo. Com certeza, a situação
fadiga muscular é real e de extrema valia para a pesquisa, avaliação e manuseio
da incontinência fecal às custas do esfíncter anal externo. O que se constata
nos pacientes estudados, entretanto, é que ao se solicitar esforço de contração
voluntária durante período de 40 segundos, 78% destes pacientes incontinentes
não conseguem sustentar esta contração. Não sustentam mais do que 60% a 65% da
pressão inicial.
O fato que chama a atenção é que esta característica dos pacientes
incontinentes, ou seja, incapacidade de sustentar a contração voluntária,
inicia-se no que se define como primeira fase do estudo, os primeiros 10
segundos de contração voluntária e agrava-se nas outras duas fases de estudo.
Pela análise global dos pacientes incontinentes houve queda de CS da contração
voluntária em média de 10% na primeira fase (primeiros 10 segundos), 30% na
segunda fase (15 a 25 segundos) e 40% na terceira fase (30 a 40 segundos).
Este fato torna-se mais evidente ao analisar-se a queda da CS em relação ao
grau clínico nas três fases de estudo. Pacientes com grau I apresentaram queda
de 35% na CS na terceira fase de estudo e os portadores de grau II e III, 45% e
43%, respectivamente. O nível de queda da CS nos pacientes incontinentes é, no
mínimo, o triplo na segunda fase de estudo e o quádruplo na terceira fase,
independente do grau clínico de incontinência fecal.
Com esta constatação, portanto, do ponto de vista conceitual, não há tempo de
fadiga, uma vez que o processo se inicia poucos segundos após o pico de pressão
de contração voluntária e agrava-se pelo período de contração de 40 segundos.
Portanto, na interpretação do autores, existem duas situações presentes na
fisiologia anorretal: a CS da contração voluntária do esfíncter anal externo e
a fadiga muscular deste esfíncter. Quando os pacientes incontinentes não
conseguem sustentar a contração voluntária desde o início da solicitação, ou
seja, desde o início do processo, isto caracteriza incapacidade deste músculo,
do esfíncter e, portanto, não há fadiga, mas sim incapacidade.
A taxa de fadiga é novo indicativo da função anorretal que tem sido aplicada e
estudada e, para tanto, tem se mostrado de grande valia. Acredita-se, porém,
que a alteração na função anorretal de continência envolva processo mais
precoce e anterior à fadiga muscular. É possível que os pacientes incontinentes
apresentem as duas situações. Qual delas seria a mais freqüente nestes
pacientes, ou qual refletiria mais fielmente a incontinência, são
questionamentos válidos e que induzem a novas pesquisas e a novos
questionamentos.
CONCLUSÃO
Os dados obtidos neste estudo permitem concluir que, independentemente dos
valores da PMCV serem normais ou baixos, pacientes com baixa capacidade de
sustentação esfincteriana apresentaram os piores graus de incontinência fecal;
independentemente do grau clínico estudado e dos valores de PMCV, a baixa CS de
contração esfincteriana traduziu com mais exatidão a capacidade funcional do
canal anal quanto à continência voluntária; a medida da PMCV apresenta alta
especificidade e baixa sensibilidade para incontinência fecal; a medida da CS
da contração voluntária apresenta alta especificidade e alta sensibilidade para
incontinência fecal; a quantificação da CS da pressão de contração voluntária é
bom índice de função esfincteriana anorretal, sendo isoladamente, melhor que a
medida de PMCV.