Leucograma, proteína C reativa, alfa-1 glicoproteína ácida e velocidade de
hemossedimentação na apendicite aguda
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
A apendicite aguda responde por aproximadamente 4% das dores abdominais
atendidas em serviços de pronto-socorro e é a mais comum dentre as que
necessitam de tratamento cirúrgico(11). GRAFFEO e COUNSELMAN(11) mostram
incidência anual de 23 casos para cada 10.000 indivíduos entre 10 e 20 anos de
idade.
O diagnóstico da apendicite aguda é clínico, com base na história da moléstia e
nos achados ao exame físico(16,26). Alguns indivíduos, entretanto, podem
apresentar sinais e sintomas pouco característicos e as dificuldades
diagnósticas ainda conduzem os cirurgiões à realização de laparotomias
desnecessárias, que atingem índices de 15% a 40%(2, 3). OOSTERHUIS et al.(19),
chegam a mencionar ocorrência de 75%. A morbidade secundária às laparotomias
desnecessárias é mencionada por HALLAN e ASBERG(15), que apontam sua importante
repercussão econômica e social, uma vez que a afecção atinge principalmente a
faixa etária economicamente ativa (adultos jovens, em sua maioria).
A real importância dos testes laboratoriais complementares para o diagnóstico
da apendicite permanece controversa(2). Para os casos de difícil conclusão
diagnóstica, os exames laboratoriais podem se tornar úteis, diminuindo, por
conseguinte, a incidência de erros. Entre os exames disponíveis, o leucograma
(LCG) parece ser o exame complementar de maior importância no auxílio ao
diagnóstico da apendicite aguda(5).
As proteínas de fase aguda são glicoproteínas liberadas na circulação em
resposta a situações de estresse, como na vigência de processos inflamatórios
agudos. Vários estudos têm investigado o real valor desses marcadores na
complementação diagnóstica de quadros inflamatórios e infecciosos(6). A
proteína C reativa (PCR), em especial, é objeto de incontáveis artigos acerca
do diagnóstico laboratorial complementar da apendicite aguda(3, 7, 8, 13-15,
21, 22, 24, 27), mas ainda existem controvérsias sobre a sua verdadeira
importância(25). Estudos relativos à velocidade de hemossedimentação (VHS) e à
alfa-1- glicoproteína ácida (AGA) são escassos(10, 17).
O presente estudo, assim, propôs-se a avaliar a importância do LCG e das
dosagens de PCR, AGA e VHS na complementação à abordagem dos casos de dor
abdominal com suspeita de apendicite aguda.
CASUÍSTICA
A população do estudo foi composta por 73 pacientes submetidos a apendicectomia
por suspeita diagnóstica de apendicite aguda, atendidos no pronto-socorro do
Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia MG (HCUFU) entre
junho e dezembro do ano de 2001. Foram avaliados 63 indivíduos com diagnóstico
histológico de apendicite aguda confirmado pelo Serviço de Anatomia Patológica
do HCUFU e 10 indivíduos cujo diagnóstico clínico não foi confirmado pela
histologia.
MÉTODO
Estudo longitudinal prospectivo. Foram colhidas amostras de sangue dos
pacientes, momentos antes da realização da cirurgia, para dosagem
de PCR (valor de referência: <5 mg/L), AGA (valor de referência: de 0,5 a 1,3
g/L), VHS (valor de referência: até 20 mm) e contagem de leucócitos (valor de
referência: 11.000 células/mm3, com até 700 bastonetes/mm3). A obtenção dos
quatro resultados dos referidos exames foi o critério de inclusão dos pacientes
na amostra a ser estudada. Foram realizadas análises estatísticas
multivariadas, para as quais se utilizaram testes de qui-quadrado, considerando
significativo P <0,05.
RESULTADOS
A apendicite aguda foi mais freqüente no sexo masculino, com 69,8% dos casos (P
<0,05), e na faixa etária entre 11 e 30 anos, com 60,3% (P >0,05). Quanto ao
tipo histológico, o flegmonoso foi mais freqüente (52,4%), seguido pelo
necrosante (42,8%).
A contagem de leucócitos mostrou-se aumentada em 74,6% dos casos (média de
14.100 células/mm3), envolvendo 70,4% dos pacientes do sexo masculino e 84,2%
do sexo feminino. As médias foram de 13.800 células/mm3 e 14.900 células/mm3,
respectivamente. O desvio à esquerda foi observado em 50,8% dos casos, mais
freqüentemente nos indivíduos do sexo masculino (Tabela_1).
A elevação dos níveis da PCR foi observada em 88,9% dos pacientes (média de
76,22 mg/L), sendo 86,4% dos homens e 89,5% das mulheres. Os respectivos
valores médios foram de 82,45 mg/L e 61,8 mg/L. AGA e VHS apresentaram-se
inalteradas na maior parte dos casos (Tabela_1).
A PCR mostrou-se aumentada em mais de 80% dos casos em todas as faixas etárias
estudadas, o que não ocorreu com o leucograma e as demais proteínas de fase
aguda (Tabela_2).
Observou-se contagem de leucócitos elevada em 80% dos pacientes com até 24
horas do início dos sintomas, índice semelhante ao da PCR (P <0,05). Para os
indivíduos com tempo de evolução dos sintomas (TE) superior a 24 horas,
entretanto, a PCR elevou-se em 97% dos casos, superando o LCG, alterado em
69,7% (P <0,05).
As Tabelas_3 e 4 mostram os resultados dos exames laboratoriais de acordo com o
TE e com tipo histológico encontrado.
O LCG apresentou sensibilidade de 88,7% e especificidade de 20%, considerada
toda a população do estudo. Com tempo de evolução dos sintomas de até 24 horas,
entretanto, a sensibilidade foi de 80%, com 16% de especificidade e valores
preditivos positivo e negativo de 82,7% e 14,3%, respectivamente.
A dosagem da PCR apresentou maior sensibilidade (96,9%) para os casos de
evolução com mais de 24 horas, sem qualquer especificidade, entretanto, e
valores preditivos positivo e negativo de 88,9% e 0%, respectivamente. AGA e
VHS mostraram-se pouco sensíveis e específicos.
DISCUSSÃO
A alta incidência de laparotomias desnecessárias conduz-nos à reflexão acerca
do papel dos exames complementares no auxílio ao diagnóstico da apendicite
aguda. Com a intenção de se diminuir a adversidade do ato operatório
desnecessário, a solicitação de exames complementares é proposta em inúmeros
estudos, mas permanece controversa(2). FLUM et al.(9) demonstraram que não
houve diminuição significativa no número de apendicectomias desnecessárias no
Hospital Washington State, entre os anos de 1987 e 1998, mesmo com a utilização
de exames modernos como a tomografia computadorizada, a ultra-sonografia e a
laparoscopia. Observaram, entretanto, diminuição do índice de laparotomias
desnecessárias com a solicitação das proteínas de fase aguda além do LCG. A
incidência de 21% (dado não-publicado) passou a ser de 13,7%.
Com todas as controvérsias em torno da avaliação dos casos suspeitos de
apendicite aguda, faz-se necessária maior elucidação no que concerne aos mais
variados exames disponíveis, sejam laboratoriais ou de imagem.
O leucograma (LCG)
O LCG encontra-se alterado em 70% a 90% dos pacientes com apendicite aguda, com
sensibilidade e especificidade que chegam, respectivamente, a 92% e 100%(23).
Vários autores preconizam sua realização, considerando-o teste de valor na
complementação diagnóstica da afecção(5). Há evidências de que o LCG seja o
exame de maior sensibilidade quando realizado pouco tempo após o início do
quadro doloroso, perdendo seu valor quando da existência de quadros de evolução
prolongada e diagnóstico retardado(6). GRÖNROOS e GRÖNROOS(13), em análise
retrospectiva, mencionam a importância do exame na apendicite não complicada e
afirmam que níveis normais associados à PCR também normal excluem a
possibilidade de apendicite. Isso é válido também para a população idosa(12).
O presente estudo não demonstrou ser o LCG exame essencial para o diagnóstico
da apendicite aguda, pois, apesar da sensibilidade de 88,7%, mostrou-se pouco
específico (20%). Entretanto, elevação do número de leucócitos para os casos de
apendicite é mais significativa que desvio à esquerda e, para indivíduos entre
11 e 20 anos, supera, também, a PCR de forma significativa.
A proteína Creativa (PCR)
A PCR apresenta sensibilidade e especificidade que chegam, respectivamente, a
87% e 82% na apendicite aguda, mas ambas atingem 90% em outros estudos(6, 15).
Sua utilidade é mencionada principalmente após 6 a 12 horas do início dos
sintomas(4, 12). DAVIES et al.(7) colocaram a PCR como melhor indicador em
relação ao LCG. Nos casos de perfuração do apêndice, parece ser ainda de maior
valor(2, 20). Em contrapartida, HALLAN e ASBERG(15) afirmaram que, apesar da
necessidade de cautela na decisão de abordagem operatória com PCR normal, é
exame inferior em importância em relação ao LCG.
A elevação da PCR aparece no presente estudo como alteração significativa
quando comparada aos demais exames estudados, principalmente em indivíduos com
mais de 21 anos e naqueles com mais de 24 horas de quadro sintomático. A
sensibilidade é alta (96,9%) nos casos com mais de 24 horas de quadro
sintomático, apesar de inespecífica.
ALBU et al.(1) acharam 100% de sensibilidade para valores superiores a 25 mg/
L em pacientes com 12 ou mais horas de evolução sintomática e chegaram à
conclusão de que valores inferiores a este após 12 horas são indicativos de
resolução espontânea do quadro inflamatório. Na presente série, apenas 16,1%
dos indivíduos apresentaram valor inferior a 25 mg/L, tendo mais de 12 horas de
evolução sintomática.
A velocidade de hemossedimentação (VHS)
Não se observa importância significativa da VHS nos casos de apendicite aguda.
Apesar de ter importância na vigência de processos inflamatórios com duração
superior a 24 horas, a VHS pode permanecer elevada após a resolução do quadro,
além de sofrer a influência de alterações hematológicas, como anemia,
policitemia e dimorfismos eritrocitários, idade e sexo(6, 17). Prefere-se,
portanto, a dosagem da PCR e a contagem de leucócitos a este exame(19). Ainda
assim, PELTOLA et al.(21) observaram que 51% dos pacientes com apendicite na
faixa etária pediátrica, considerada até os 16 anos, apresentaram VHS aumentada
após 24 horas do início dos sintomas. Não consideraram, também, a idade como
fator de influência nas dosagens da VHS.
O presente estudo não observou relação entre o tempo de evolução dos sintomas e
a elevação dos níveis da VHS. Não houve correlação entre sexo ou idade também.
Os níveis se elevam após 24 horas de evolução, mas a maior parte dos pacientes
permanece com valores dentro da normalidade. A VHS mostrou-se, ainda, exame de
sensibilidade e especificidade baixas, o que nos conduz desconsiderá-la na
propedêutica de casos suspeitos de apendicite aguda.
A alfa-1 glicoproteína ácida (AGA)
A AGA não tem função biológica bem definida, mas coloca-se no rol dos
principais marcadores de atividade inflamatória(10). Até agora, parece ser útil
a dosagem da AGA no acompanhamento de pacientes após realização de
quimioterapia, na avaliação de recurrências neoplásicas.
Não foram encontrados estudos avaliando a importância da AGA no diagnóstico da
apendicite aguda, mas por ser referida como indicador alterado precocemente na
presença de processos agressores ao organismo, mesmo antes do aparecimento de
sintomas, acredita-se por bem investigar se ocorrem alterações nos casos
suspeitos.
Os pacientes envolvidos neste estudo não apresentaram elevações
significativamente importantes dos níveis da AGA, mas estas ocorreram com maior
freqüência em relação ao aumento da VHS em ambos os sexos, principalmente
abaixo dos 40 anos de idade e com mais de 24 horas de evolução sintomática. As
baixas sensibilidade e especificidade, no entanto, não sugerem que sua dosagem
elemento promissor no auxílio ao diagnóstico da apendicite aguda.
CONCLUSÕES
Alterações da PCR são significativamente mais freqüentes para os casos de
apendicite aguda em relação ao LCG, à AGA e à VHS, principalmente para casos
com tempo de evolução superior a 24 horas.
As dosagens da VHS e da AGA encontram-se alteradas em pequena quantidade de
pacientes e não auxiliam no diagnóstico da apendicite aguda.
O LCG e a dosagem da PCR são exames de boa sensibilidade e, apesar da
especificidade reduzida, devem ser considerados na propedêutica de todos os
casos suspeitos de apendicite aguda. Valores aumentados, entretanto, devem ser
somados e não substituir a avaliação clínica do médico examinador.