Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0004-28032003000200002

BrBRCVHe0004-28032003000200002

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
Year2003
Issue0002
Article number00002

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Análise estrutural da laringofaringe e suas implicações na miotomia do cricofaríngeo, na injeção de toxina botulínica e na dilatação por balão ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO A transição faringoesofágica (TFE) é zona de alta resistência, com 2 a 4 cm de extensão, interposta entre a faringe e o esôfago. Considera-se que esta transição seja capaz de relaxar-se durante a deglutição para permitir a passagem do bolo em trânsito. Esta zona, durante o repouso, apresenta pressão positiva que varia de 20 a 100 mm Hg, havendo referências que atribuem variações ainda maiores, como 18 a 145 mm Hg(22). A estrutura considerada como responsável principal por esta zona de alta pressão é o músculo cricofaríngeo.

Admite-se que o músculo cricofaríngeo, contraído durante o repouso, relaxa-se quando da deglutição para permitir a passagem do bolo em trânsito da faringe para o esôfago(10, 11, 13, 15, 16, 17, 29, 30, 33). O conceito de ser o cricofaríngeo o músculo responsável por esta zona de alta pressão sustenta também o conceito de acalásia do cricofaríngeo (acálasia do EES ' esfíncter esofágico superior)(21, 28), que se define como distúrbio de motilidade em que o EES deixa de relaxar-se durante a deglutição, manifestando disfagia intermitente(26, 31).

Diversas doenças, em especial as neurológicas, cursam com disfagia causada por distúrbios que afetam a função faríngea. Admite-se que, nestes pacientes, a disfunção do cricofaríngeo seja um dos mais freqüentes achados(13). A disfunção primária do músculo cricofaríngeo, algumas vezes também rotulada como acalásia, é admitida como uma desordem funcional rara que se define por impedir o relaxamento do cricofaríngeo, determinando disfagia e aspiração(28, 29).

A miotomia, a injeção de toxina botulínica e a dilatação pneumática do músculo cricofaríngeo têm sido propostas como alternativas terapêuticas que visam contribuir, permeando a obstrução causada pela não abertura da TFE.

A miotomia do cricofaríngeo, por acesso externo ou endoscópico, é praticada para produzir a abertura da TFE considerada resistente pelo não-relaxamento do músculo cricofaríngeo(6, 20, 23, 24, 30). Esta miotomia, algumas vezes, não se resume à secção do fascículo transverso deste músculo; não raro, uma miotomia alargada é processada envolvendo, em sentido cranial, o fascículo oblíquo do cricofaríngeo e as fibras mais caudais do fascículo tireofaríngeo. Em sentido caudal, o alargamento da miotomia do cricofaríngeo alcança as primeiras espiras da musculatura circular do esôfago. A ampliação da extensão da secção muscular além dos limites do fascículo transverso do músculo cricofaríngeo tem sido justificada pela participação desta musculatura vizinha na geração destas maiores dimensões da zona de alta pressão da TFE(16, 32).

A injeção da toxina botulínica de tipo A em nível da TFE tem sido executada por via percutânea ou por procedimento endoscópico, visando o relaxamento do músculo cricofaríngeo(1, 5, 13, 27). A resposta a este procedimento é dependente da dose utilizada, da técnica de infiltração e da massa muscular a ser bloqueada. A toxina botulínica é uma neurotoxina que, diluída em soro fisiológico e injetada no músculo, difunde-se, produzindo quimiodesnervação por bloqueio da liberação de acetilcolina das vesículas pré-sinápticas, o que impede a transmissão nervosa e determina relaxamento muscular, que pode ser observado de 3 a 10 dias após sua aplicação(4, 25).

A dilatação pneumática, que visa ampliar a região delimitada pelo músculo cricofaríngeo, é utilizada como alternativa à miotomia e à toxina botulínica e é, por esta razão, como aqueles procedimentos, indicada nos casos em que se supõe que a transição faringoesofágica se mostre resistente pelo não relaxamento muscular. Posiciona-se o balão em nível da TFE, onde ele é expandido inicialmente com baixa pressão de 1,5 a 2 atm, seguindo-se com progressiva dilatação até que se atinja cerca de 20 mm de diâmetro para, por analogia com os resultados da dilatação de zonas estenosadas, produzir a dilatação da TFE, resultando em luz ampliada que permita o fluxo faringoesofágico(19, 28, 29).

As técnicas aqui apontadas são invasivas e dependentes de bases morfofuncionais consistentes para a indicação, execução e definição de seus limites. Observe-se que a miotomia do cricofaríngeo tem sido empregada, longo tempo, como parte do tratamento de disfagias de origem neurológica, miogênica, estrutural ou idiopática, e sua eficácia, como procedimento capaz de corrigir a disfunção do cricofaríngeo, permanece controversa. Como relatado por KELLY(20), embora resultados favoráveis tenham sido publicados, ainda são poucos os estudos efetuados sobre a secção do cricofaríngeo para que se dirimam as controvérsias.

A partir destas premissas, procedemos à revisão anatômica e estrutural da TFE com vistas a dar base mais consistente à análise dos procedimentos intervencionistas que visam diminuir a resistência desta transição por atuação sobre a integridade da musculatura regional.

MATERIAL E MÉTODOS Foram estudados 6 segmentos de cabeça e pescoço e 18 blocos contendo laringe, laringofaringe e segmento proximal do esôfago cervical obtidos de cadáveres humanos, adultos de ambos os sexos, fixados em aldeído fórmico a 10%. Os segmentos de cabeça e pescoço foram incluídos em gesso, congelados e cortados em serra de fita, quatro no plano sagital e dois no transversal. As fatias sagitais e as transversas, com espessura entre 1 e 1,5 cm, foram analisadas em nível da TFE quanto à relação das estruturas. Os blocos foram dissecados com auxílio de lupa cirúrgica DF Vasconcelos 1628, com aumentos variados a fim de permitir a análise das relações, inserções musculares e distribuição espacial dos fascículos do músculo constritor inferior da faringe. Mensurou-se a espessura dos fascículos do músculo constritor inferior da faringe em três níveis da linha média posterior, utilizando-se paquímetro da marca Sommet. O nível mais alto foi definido pela maior espessura encontrada em nível do fascículo tireofaríngeo, o segundo ponto mensurado foi em nível da zona intermédia entre os fascículos oblíquo e transverso do músculo cricofaríngeo e o terceiro em nível do fascículo transverso do cricofaríngeo.

RESULTADOS Nos cortes sagitais, pôde-se evidenciar a convexidade da lordose cervical em nível das quinta e sexta vértebras cervicais, intimamente aposta à laringe, definindo ação de pinça que mantém aproximadas as paredes anterior e posterior da laringofaringe por toda a extensão longitudinal da cartilagem cricóide.

Tanto o contorno longitudinal posterior, dado pela coluna cervical, quanto o contorno longitudinal anterior, desenhado pela linha média da cartilagem cricóide, deixam ver íntima aposição entre a lordose cervical e a cartilagem cricóide (Figura_1). Nos cortes efetuados no plano transverso, em nível da cartilagem cricóide, verifica-se maior aposição mediana com afastamento, em ambos os lados, da relação entre a convexidade lateral das vértebras, da também convexa morfologia lateral da cartilagem cricóide. A luz laringofaríngea, resultante desta relação, apresenta-se com morfologia transversa variável em dimensão, quando se observam, em seu sentido craniocaudal, as diversas secções obtidas. Os cortes em nível da extremidade superior da cartilagem cricóide deixam ver a luz faríngea significativamente maior do que aquela vista em cortes que tomam porções inferiores da cartilagem cricóide. Em um mesmo corte transverso de cerca de 1,5 cm de espessura, em nível da cartilagem cricóide, vemos que na superfície superior, a extensão látero-lateral da luz faríngea é significativamente maior do que aquela vista quando se observa o mesmo corte por sua superfície inferior (Figura_2A e 2B).

A dissecação dos 18 blocos contendo laringe, laringofaringe e segmento proximal do esôfago cervical pôde ser descrita de modo comum. Não se encontraram no material deste estudo, salvo por características de dimensão e dimorfismo laríngeo, variações que permitam as descrições de grupos com características distintas.

As paredes musculares posterior e laterais da laringofaringe mostram-se constituídas pela inter-relação de fascículos musculares pares, aplanados e de pequena espessura, que constituem o constritor inferior da faringe. Na porção superior da laringofaringe, inserido na linha média posterior em rafe fibrosa, vê-se fascículo muscular alargado que, a cada lado da linha média posterior, se dirige obliquamente de cima para baixo e de posterior para ântero-lateral, inserindo-se na linha oblíqua da cartilagem tireóide, configurando por suas inserções e localização, o fascículo tireofaríngeo, porção superior do constritor inferior da faringe. Abaixo deste fascículo e com menor espessura, identificam-se dois fascículos musculares distintos: o primeiro que se dirige posterior e bilateralmente em sentido ântero-lateral, para inserir-se na borda lateral da cartilagem cricóide; e outro, ímpar, que se insere de um a outro lado nas bordas póstero-laterais da cartilagem cricóide. Estes fascículos, por suas inserções, configuram os fascículos musculares que constituem o músculo cricofaríngeo que juntos com os fascículos do tireofaríngeo constituem o músculo constritor inferior da faringe (Figuras_3, 4, 5, 6).

Os dois fascículos do músculo cricofaríngeo, pela distribuição espacial de suas fibras, podem ser designados: o superior, como oblíquo e o inferior, como transverso.

Os fascículos superiores do músculo cricofaríngeo mostram-se inseridos posteriormente na rafe mediana posterior da faringe e dirigem-se obliquamente, a cada a lado, de cima para baixo e de posterior para ântero-lateral, indo inserir-se a cada lado nas bordas laterais da cartilagem cricóide, com menor obliqüidade do que a observada para os fascículos do tireofaríngeo (Figuras_4, 5).

O fascículo transverso do músculo cricofaríngeo é ímpar e cruza a linha média de um a outro lado, inserindo-se por suas extremidades nas bordas laterais da cartilagem cricóide. Sua altura, pouco maior que 1 cm, e seus limites são facilmente observáveis não pelo sentido transverso de suas fibras, mas também pela evidente delimitação de suas margens superior e inferior. A superior delimita-se com zona de rarefação muscular na parede posterior da faringe e a inferior com a ausência da camada muscular longitudinal, na extremidade superior da linha média posterior do esôfago.

A medida da espessura da parede muscular faríngea formada pelo constritor inferior, em nível da linha média posterior, mostrou o fascículo tireofaríngeo com a maior espessura, de 2 a 2,5 mm, que decresce até a zona desprovida de músculo entre os fascículos oblíquos e o transverso do cricofaríngeo, para cerca de 0,5 mm ou menos, voltando a se espessar para não mais que 1 mm em nível do fascículo transverso do cricofaríngeo.

A zona de rarefação muscular que se observa na parede posterior da laringofaringe é delimitada pelas fibras do fascículo transverso, inferiormente, e pelas fibras dos dois fascículos oblíquos do cricofaríngeo, superiormente. Pequenas e esparsas fibras provenientes das margens inferiores dos dois fascículos oblíquos podem ser vistas esparsamente distribuídas sobre a zona de rarefação muscular, que é basicamente constituída em sua superfície externa, por fáscia conjuntivo-fibrosa. Esta zona, mais delgada que as vizinhas pela ausência de fibras musculares, pode ser destacada pela transiluminação (Figura_4).

A delimitação inferior do fascículo transverso devido à ausência na linha média posterior da camada muscular longitudinal do esôfago, deveu-se à obliqüidade das fibras longitudinais do esôfago que, inseridas a cada lado nas bordas laterais da cartilagem cricóide, desenham em sua progressão no esôfago, zona triangular posterior, cujo assoalho é formado pelas fibras circulares do esôfago que, neste nível, se posicionam em plano pouco mais profundo que o ocupado pelas fibras transversas do fascículo inferior (transverso) do cricofaríngeo (Figura_5).

A parede anterior da laringofaringe em nível da projeção da cartilagem cricóide não apresenta musculatura faríngea. Esta parede, conjuntivo mucosa, cobre o contorno posterior da cartilagem cricóide que, nesta região, apresenta a cada lado de sua linha média o ventre muscular do músculo cricoaritenóideo posterior, que atua na dinâmica laríngea sendo para a faringe simples coxim regional.

CONSIDERAÇÕES O músculo cricofaríngeo, ao qual se atribui a responsabilidade da alta pressão registrada em nível da transição faringoesofágica, é músculo de tipo estriado e, como tal, não é capaz de se manter contraído com alto gasto de energia por tempo indefinido, durante os intervalos dos esforços de deglutição, para se relaxar durante a vigência deste esforço(7).

Em nível da transição faringoesofágica, a manometria registra pressões radialmente desiguais, sendo os valores do contorno anterior e posterior significativamente mais altos do que aqueles registrados lateralmente(12, 32).

A distribuição espacial dos fascículos do constritor inferior da faringe deixa ver inserção na rafe posterior da faringe e inserção ântero-lateral nas cartilagens tireóide e cricóide, gerando, pela ausência de musculatura faríngea no contorno anterior, configuração em meia calha, que torna fisicamente impossível gerar pressão anterior e posterior de maior expressão, por ação contrátil dos fascículos do músculo constritor inferior, entre eles o cricofaríngeo. O fascículo transverso do cricofaríngeo se estende de um a outro lado da cartilagem cricóide como faixa muscular contínua; com esta configuração, mesmo que ele fosse capaz de se manter contraído, não geraria pressão anterior e posterior de maior intensidade que as registradas lateralmente. Esta configuração deveria gerar pressões laterais de maior intensidade que as anterior e posterior. O registro pressórico que deixa ver predomínio anterior e posterior, no entanto, é facilmente explicado pela ação de pinça sobre a faringe que é produzida pela relação de aposição entre a lordose cervical e cartilagem cricóide(7, 8) (Figuras_1, 2).

A transição faringoesofágica, cuja extensão pode variar de 2 a 5 cm, apresenta pressões de repouso que, em indivíduos normais, chegam a variar de 18 a 148 mm Hg(22). O músculo cricofaríngeo tem sido apontado como o principal responsável pela função esfinctérica definida pela alta pressão desta TFE(10). Como justificativa para as maiores extensões da zona de alta pressão registrada na TFE, admite-se a participação da porção tireofaríngea do constritor inferior e ainda das primeiras espiras da musculatura circular do esôfago como responsáveis pela extensão maior que a ocupada pelos fascículos do cricofaríngeo(18, 32). Os valores extremos maior e menor da média pressórica registrados na TFE e obtidos em amostras de indivíduos normais deixam ver intervalos que terminam por abrigar uma faixa muito grande de normalidade(3, 12, 14). Intervalos tão significativos e distribuição com tal variabilidade põem sob suspeita o significado deste registro. De fato, o valor pressórico oferecido para a TFE torna-se pouco expressivo por ser obtido pela média das pressões radiais registradas. Como as pressões anterior e posterior são significativamente mais altas que as laterais(2, 9, 32), e como a maioria das aferições considera pelo menos três dos pontos cardeais, podemos ter valores finais com desvios significativamente acentuados. O erro básico desta pressão média é a admissão de que ela se deva a um estado permanente de contração da musculatura faríngea quando ela, em verdade, se deve à ação de pinça exercida pela relação coluna cervical (C5/C6) e a laringe (cartilagem cricóide), como se pode observar pela anatomia de relação em nível da TFE (Figura_7).

A extensão da relação entre a coluna e a cartilagem cricóide explica também a maior ou menor dimensão em altura da zona de alta pressão e porque a pinça formada por esta relação determina o registro de maior valor pressórico anterior e posterior, e o óbvio menor valor nos registros laterais. Justifica, ainda, a grande variação pressórica média observada para a região. Deste modo, o músculo cricofaríngeo e os vizinhos, estriados de tipo esquelético, sabidamente incapazes de manter contrações continuadas em condições fisiológicas, delimitam o contorno faríngeo, mas não são os responsáveis pela geração pressórica regional. O fascículo transverso do cricofaríngeo que delimita, constituindo-se no responsável morfológico pela zona anatomicamente mais angustiada da transição faringoesofágica, pode ser assim apontado como o principal responsável pela resistência da TFE, mas não pela alta pressão regional.

A consideração de um valor pressórico alto e único (média das pressões radiais) e a existência de zona anatomicamente angustiada definida pelo músculo cricofaríngeo, associadas ao conceito clássico de função esfinctérica, que tem o piloro como padrão, certamente serviram de condutores ao distorcido entendimento de que a alta pressão da transição faringoesofágica se devesse a um estado de contração mantida, em especial do músculo cricofaríngeo, que deveria se relaxar para permitir a passagem do fluxo faringoesofágico.

A descrição manométrica da TFE, que se baseia na pressão radial média, registra durante o repouso uma pressão positiva, que desaparece no início da deglutição, caindo a zero ''devido ao relaxamento do músculo cricofaríngeo''. A seguir, com a chegada do bolo deglutido na região, a pressão se eleva a valor significativamente maior do que aquele, elevado, que se observa no repouso.

Com a transferência do bolo da faringe para o esôfago, a transição faringoesofágica retorna ao repouso e a apresentar pressão positiva ''devida ao músculo cricofaríngeo, agora em seu estado basal de contração mantida''.

O improvável mecanismo acima descrito tem contra ele uma série de fatos: 1. de ser o músculo cricofaríngeo de tipo estriado esquelético, músculo altamente dependente de energia para sua função e cujas reservas rapidamente se extinguem; 2. de ter o arranjo muscular regional a morfologia de meia calha que, mesmo contraído, não seria fisicamente capaz de gerar a distribuição pressórica observada para a TFE; 3. de o arranjo muscular local estreitar a laringofaringe na extensão de não mais que 1 cm em nível do fascículo transverso do cricofaríngeo, enquanto a zona de alta pressão da TFE mede de 2 a 4 cm de extensão; 4. de haver na extensão da área de alta pressão, entre os fascículos oblíquos e transverso do cricofaríngeo, região onde sequer existe músculo; 5. de mesmo após a secção longitudinal total do músculo cricofaríngeo, persistir pressão positiva em nível da TFE.

As variações pressóricas da TFE podem ser explicadas, em especial, pela ação de pinça entre a coluna e a laringe. A pressão de repouso na transição faringoesofágica se mantém elevada por ação da pinça cricocervical de forma passiva e sem gasto de energia. No início da deglutição, o hióide e a laringe se elevam e se anteriorizam, devido à contração da musculatura supra-hióidea e tireoióidea, e a pinça cricocervical se desfaz, levando a pressão basal da TFE a zero. A seguir, a onda pressórica de ejeção oral expande a TFE, elevando sua pressão acima do nível de repouso. O cricofaríngeo, músculo que delimita o contorno póstero-lateral da TFE é, inicialmente, distendido para, a seguir, se contrair, potencializando a ação pressórica da ejeção oral.O registro da ação pressórica do cricofaríngeo se soma ao da ejeção oral. O músculo cricofaríngeo contraído na fase anterior, em seqüência aos constritores agora se relaxa e a pressão basal da TFE cai em direção ao patamar de repouso. A pinça cricocervical se refaz por relaxamento da musculatura supra-hióidea e tireoióidea. O repouso da TFE é restaurado e agora mantido sem gasto de energia (Figura_8).

Mas a crença ainda é a de que uma transição faringoesofágica que não se abre funcionalmente durante a deglutição, teria no estado de contração do cricofaríngeo o elemento de resistência que, bloqueando o livre fluxo digestivo da faringe para o esôfago, facilitaria a permeação das vias aéreas. Assim, romper a integridade deste ''anel'' que não se relaxa através da miotomia, quimiodesnervação ou dilatação que produza a lise da resistência, seriam lógicas opções para a terapêutica. Este pretenso ''não relaxamento'' sustenta também a definição de ''acalásia do cricofaríngeo'': entidade mórbida que não existe para este músculo e que por definição não pode se instalar em músculo de tipo estriado esquelético, cuja despolarização alcança unidades motoras de comportamento distinto da atividade elétrica e mecânica que ocorre nos músculos de tipo liso, onde se pode observar esta doença.

Dois casos não publicados de miotomia por acesso externo, indicados e acompanhados por avaliação manométrica e videofluoroscópica, um com hipertrofia do cricofaríngeo, o outro com abertura retardada por falta de sincronismo entre a abertura da TFE e a ejeção oral, mostraram significativa melhora pós-miotomia do fascículo transverso do cricofaríngeo; mas ambos os casos apresentavam dinâmica hiolaríngea que, embora limitada, se traduzia por afastamento da relação entre a coluna e a laringe e ainda se via algum grau positivo de ejeção orofaríngea*.

A secção do fascículo transverso do cricofaríngeo, e somente a dele, diminui a resistência da transição faringoesofágica, pois a dimensão da luz faríngea acima deste ponto é suficientemente larga e, em si, não oferece resistência. A resistência observada acima do fascículo transverso do cricofaríngeo se deve à relação de pinça laringocervical. A secção de fascículos constritores acima da porção transversa do cricofaríngeo, como o usualmente procedido nas miotomias e em especial nas alargadas, é negativo pois a região apresenta dimensão suficiente. Se processada esta seção, será lesada a musculatura constritora, importante para a geração de alguma força propulsiva. Complementa a possibilidade de eficiência da miotomia do fascículo transverso do cricofaríngeo a presença remanescente de alguma dinâmica hiolaríngea, traduzida por sua elevação e anteriorização pois, como sabido, a resistência acima do fascículo transverso é passiva, dependente da aposição entre a coluna e a laringe. A secção do cricofaríngeo terá pouca ou nenhuma eficácia se a elevação e anteriorização do complexo hiolaríngeo não ocorrer. Associado à dinâmica hiolaríngea, é também importante certo grau de pressurização faríngea à montante, de modo a transferir o conteúdo faríngeo através da TFE.

Com menor resistência devida à secção do fascículo transverso do cricofaríngeo e elevação da laringe que, quando presente, desfaz a pinça formada pela relação entre a cartilagem cricóide e a coluna em nível da lordose cervical, é possível obter-se algum resultado positivo. A importância da dinâmica hiolaríngea e da pressurização faríngea como elementos básicos para indicação da secção do músculo cricofaríngeo começa a ser relatada pela literatura(20).

É certo que o cricofaríngeo não se mantém contraído fisiologicamente durante todo o tempo; mas, então, qual sua possível participação na fisiopatologia das disfunções da TFE? Músculo estriado esquelético que é, pode nas doenças neurológicas, tipo acidente vascular cerebral com comprometimento do sistema piramidal, gerar espasticidade, nas doenças neurológicas de acometimento extrapiramidal, rigidez e, nas menos freqüentes ''disfunções primárias do cricofaríngeo'', hipertrofia ou hipertonia.

Assim, a secção do fascículo transverso do cricofaríngeo, que delimita a anatomicamente reduzida luz da TFE, agora espástico, rígido, hipertônico ou hipertrófico, efetuadas em pacientes que apresentem algum grau de pressurização faríngea e dinâmica de elevação e anteriorização hiolaríngea, terá grandes possibilidades de produzir algum eficiente resultado (Figura_9). Intervenção que alcance fascículos musculares faríngeos que não o transverso do cricofaríngeo certamente produzirá ou agravará a deficiência faríngea e mais grave será se efetuada em paciente cuja dinâmica hiolaríngea se mostrar comprometida.

As considerações que sustentam o conceito de possível eficiência e deficiência para as miotomias valem também para a terapêutica com toxina botulínica. Esta segue a mesma linha de raciocínio, mas tem como complicadores a dificuldade de correta abordagem da pouco expressiva massa muscular e a alta difusão da neurotoxina, que pode produzir seus efeitos além do limite adequado. Para este tipo de ação sobre o cricofaríngeo, a via externa parece temerária e pouco recomendável. A via endoscópica seria mais adequada mas careceria, além dos cuidados indicados para a miotomia, que se cuidasse de encontrar dose capaz de ter sua ação quimiodesnervante (limitada ao fascículo transverso do cricofaríngeo).

A dilatação pneumática de uma transição faringoesofágica funcionalmente comprometida precisará, para ser verdadeiramente eficiente, produzir ruptura muscular. Trata-se neste caso, de miotomia traumática, miotomia por esgarçamento do fascículo transverso do cricofaríngeo. Sua única vantagem é que o posicionamento do balão se faz específica e naturalmente na região anatomicamente angustiada, delimitada pelo fascículo transverso do músculo cricofaríngeo, não devendo comprometer nas dilatações efetuadas no limite do razoável, a musculatura faríngea vizinha. Seus maiores óbices são as lesões concomitantes da mucosa e possíveis cicatrizações indesejáveis que podem terminar por criar estenose cicatricial, mesmo no plano muscular. Parece-nos difícil definir e controlar um nível ideal de distensão que produza o afastamento das bordas musculares esgarçadas sem outros danos.

Finalmente, não é adequado, baseado no fato de que o registro pressórico da transição faringoesofágica se deve mais diretamente à ação de pinça entre a coluna e a cartilagem cricóide, avaliar a efetividade das miotomias através do estudo das variações do registro médio desta pressão, como oferecido pelo método manométrico. O estudo manométrico da TFE fica por merecer revisão conceitual; a valorização de uma pressão média induz a erro, pois a secção muscular elimina a resistência local interferindo apenas nas pressões registradas lateralmente e não nas registradas anterior e posteriormente, que mais elevadas, mascaram a redução pressórica passível de ser obtida pela miotomia. Assim, as pressões parciais e as variações temporais da pressão da TFE podem ser informação útil, mas a pressão média de repouso oferecida como base de referência para a pressão regional tanto antes, como após a miotomia não tem nenhum valor prático e traz consigo o erro básico de induzir a crença de ser o músculo cricofaríngeo o responsável maior pela pressão em nível da TFE.

CONCLUSÕES O músculo cricofaríngeo é músculo de tipo estriado esquelético e, por conseguinte, incapaz de manter contração continuada por longos períodos. Suas inserções ântero-laterais na cartilagem cricóide configuram morfologia em meia calha que não permitem, quando de sua contração, a geração de pressão com predomínio anterior e posterior como a encontrada na TFE. Este tipo de distribuição pressórica tem sustentação na relação de pinça exercida por um lado pela rigidez oferecida pelos corpos vertebrais, por outro pelo contorno posterior da cartilagem cricóide. Apostas durante o repouso comprimem em sentido ântero-posterior, as paredes da porção inferior da laringofaringe e geram a alta pressão regional.

Miotomia alargada da TFE, aquela que se estende além do fascículo transverso do cricofaríngeo, lesa musculatura ejetora e em área cuja dimensão luminal dispensa a secção parietal.

Miotomia que tome somente o fascículo transverso do cricofaríngeo, poderá contribuir positivamente para a melhoria do fluxo faringoesofágico. A eficiência deste procedimento é dependência da existência de alguma força de ejeção e elevação hiolaríngea a ela associada.

O fascículo transverso do músculo cricofaríngeo é fitado e de pequena espessura para ser infiltrado diretamente, mesmo por via endoscópica; deste modo, a submucosa certamente termina por ser o depositário, pelo menos parcial, da toxina botulínica. Por analogia com a miotomia, esta toxina deveria desnervar somente o fascículo transverso do cricofaríngeo. Neste contexto, dose, diluição e pontos de infiltração assumem importante papel no uso terapêutico desta neurotoxina em nível do cricofaríngeo. A eficiência deste procedimento também é dependente da existência de alguma força de ejeção e elevação hiolaríngea.

Difusão da droga além dos limites do fascículo transverso interferirá em musculatura que participa da ejeção e não da resistência local, podendo tornar a injeção ineficaz e mesmo nociva, à semelhança das miotomias alargadas.

Injeção de toxina botulínica adequadamente indicada e limitada ao fascículo transverso do cricofaríngeo teria valor semelhante ao das miotomias, também corretamente indicadas e que tomem somente o fascículo transverso do cricofaríngeo.

A dilatação por balão pneumático não parece ser procedimento adequado para uma região que não apresente estenose fibrótica a ser rompida. Possível resultado positivo será devido ao esgarçamento regional de extensão e resultado cicatricial incerto.

Não é adequado, baseado no fato de que o registro pressórico da transição faringoesofágica se deve mais diretamente à ação de pinça entre a coluna e a cartilagem cricóide, avaliar a efetividade das miotomias através do estudo das variações da pressão média da TFE como registrado pelos métodos manométricos.


Download text