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BrBRCVHe0004-28032004000100004

BrBRCVHe0004-28032004000100004

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
Year2004
Issue0001
Article number00004

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A influência das fases oral e faríngea na dinâmica da deglutição ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO A deglutição é um fenômeno dinâmico ligado à manutenção da higidez biológica, que se verifica pela ingestão de nutrientes adequados, absorvidos e incorporados pelo organismo. É dividida, segundo a região em que o fenômeno se desenvolve, em fases oral, faríngea e esôfago-gástrica(1, 8, 9, 16). Quanto a sua execução, são definidas: a oral como voluntária, a faríngea e a esôfago- gástrica como involuntárias(1, 8, 9, 10).

A fase oral da deglutição pode ainda ser subdividida nos estágios de preparo, qualificação, organização e ejeção(9). O preparo foi definido como o tempo em que o alimento é insalivado e triturado pela mastigação. A qualificação, que se inicia em associação com o estágio de preparo, caracteriza-se pela percepção do bolo em seu volume, consistência, densidade, grau de umidificação e inúmeras outras características físicas e químicas que importam para adequada interação com o bolo alimentar. No estágio de organização, este bolo é usualmente posicionado sobre o dorso da língua. As estruturas osteomúsculo-articulares, responsáveis pela morfofuncionalidade da boca, organizam-se para a ejeção que se cumpre pelo ajustamento das paredes bucais e projeção posterior da língua, gerando pressão propulsiva, conduzindo o bolo e transferindo pressão para a faringe(9, 10).

Além do posicionamento do mesmo na cavidade oral, a integridade morfofuncional das estruturas envolvidas na dinâmica da ejeção influencia na qualidade desta ejeção. A relação entre a organização do bolo no interior da cavidade oral e sua ejeção foi considerada de dois modos distintos(14, 27). Um, onde o bolo a ser ejetado está posicionado sobre o dorso da língua, que o comprime de anterior para posterior ("tipper"). A extremidade anterior da língua apresenta- se aposta ântero-superiormente, em nível do trígono dos incisivos e a comunicação da cavidade oral com a orofaringe abre-se por projeção posterior do palato. A orofaringe, receptiva, receberá o conteúdo oral ejetado. O outro, onde o bolo a ser ejetado posiciona-se acima e abaixo da língua ("dipper").

Aqui, no momento da ejeção oral, o primeiro volume a ser transferido é o que está disposto acima da língua e em seqüência, o que se posicionou sob a língua.

A força propulsiva, indispensável na condução do alimento, é gerada na cavidade oral. O volume, a densidade e a viscosidade do material a ser deglutido determinam a pressão a ser gerada nessa cavidade durante a ejeção, influenciando a fase faríngea(7, 12).

A fase faríngea da deglutição inicia-se com a invasão pressórica da orofaringe determinada pela ejeção oral(7). Durante a fase faríngea, o escape nasal é impedido pelo ajuste do palato mole contra a parede posterior da faringe, evitando, deste modo, a dissipação da pressão(7, 8, 15, 23). Simultaneamente ocorre o início da propagação de seqüência contrátil da musculatura constritora da faringe em sentido crânio-caudal. O bolo alimentar prossegue em direção à laringofaringe que, neste momento, encontra-se receptiva, pela ampliação promovida pelos músculos dilatadores e pela elevação e anteriorização do complexo hiolaríngeo(7, 15, 23).

Número significativo de doenças está associado com distúrbios da deglutição como parte de seu quadro clínico. Estes distúrbios, freqüentemente, caracterizam o processo disfágico. As causas neurológicas são as mais freqüentes e, usualmente, as que causam maior repercussão na dinâmica da deglutição(16, 18, 20, 25, 32, 33).

A disfagia é freqüentemente observada no acidente vascular encefálico (AVE), principalmente na sua fase aguda(20), podendo ser encontrada em 80% dos casos.

Em muitos destes, a alimentação por via oral torna-se difícil, sendo necessário o emprego de via de alimentação alternativa. A pneumonia aspirativa é fator complicador, podendo ser identificada em 11% dos casos(11).

A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa, caracterizada, principalmente, pela presença de rigidez, tremor e bradicinesia(5). Diversos estudos apontam para a existência de dificuldades de deglutição em associação a essa doença(5). Em estudo realizado por FUH et al.(18), constatou-se que na DP existem alterações da dinâmica da deglutição em 63,2% dos casos, com presença de aspiração em 15,8%. O comprometimento da fase oral da deglutição foi identificado em 50% dos indivíduos e, entre estes, 11 apresentaram alteração da fase faríngea. Admite-se que, além da rigidez, diversas causas não diretamente relacionadas à DP que contribuem para a disfagia(31).

Diversos são os métodos que possibilitam o estudo e a compreensão da dinâmica da deglutição e suas disfunções. A videofluoroscopia tem sido considerada como o melhor deles para a avaliação da deglutição(3, 6, 19, 23). Trata-se de método radiológico, com baixo índice de exposição à radiação, que permite acompanhar toda a dinâmica do fenômeno da deglutição em tempo real, possibilitando a correlação morfológica e funcional dos eventos observados. O registro em fita de vídeo a uma velocidade de 30 quadros por segundo possibilita a análise e a re-análise dos exames, sem a necessidade de novas exposições à radiação X. O método tem sido indicado como auxiliar no diagnóstico e tratamento dos distúrbios da deglutição, especialmente da fase faríngea(22, 28).

Embora a dinâmica da deglutição ocorra de forma integrada, observa-se que a fase oral não tem sido tão valorizada quanto a fase faríngea.

O presente trabalho objetivou: 1. avaliar, através do método videofluoroscópico, a fase oral da deglutição, para observar as características da organização do bolo líquido baritado em voluntários sadios e as variações desta organização em exames de pacientes disfágicos, 2. estabelecer a inter- relação funcional dos estágios de organização e ejeção oral do referido bolo, e 3. verificar a presença (ou ausência) de interferência do binômio organização/ ejeção sobre a fase faríngea da deglutição.

MATERIAL E MÉTODO Foram analisados 44 exames videofluoroscópicos de indivíduos de ambos os sexos, sendo 14 voluntários sadios (idade média = 31 anos) e 30 com doença neurológica associada, divididos em 15 com DP (idade média = 66,1 anos) e 15 com AVE (idade média = 63,6 anos). Os voluntários sadios não apresentavam alterações morfológicas ou funcionais perceptíveis na cavidade oral e não tinham queixas ou história prévia de distúrbios da deglutição.

Todos os indivíduos estudados foram submetidos a avaliação da dinâmica da deglutição, seguindo protocolo descrito por JUNQUEIRA e COSTA(22). Privilegiou- se a incidência em perfil direito com meio de contraste líquido (solução de sulfato de bário).

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e os voluntários assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os exames foram realizados no Serviço de Radiodiagnóstico da UFRJ. Utilizou-se seriógrafo da marca Medicor, modelo UV56M tipo FR2 com tubo D19-12/50-150 sob a mesa, sistema de TV Videomed 2, com intensificador de imagem RBV23/13 e sistema de gravador/monitor através do qual as imagens foram registradas em fita VHS, objetivando posterior análise.

Foram selecionadas 124 deglutições, em média três por indivíduo avaliado, que foram analisadas por pelo menos dois observadores, utilizando-se conjunto vídeo/monitor Panasonic AG-1960/CT-1383 VY com controlador de edição da marca Panasonic AG-A96, o que permitiu a observação em tempo real e quadro a quadro, com possível revisão de uma mesma morfologia e suas relações dinâmicas por repetidas vezes. Este processo permitiu gerar como resultado as Figuras_1, 2, 3 que tipificam e caracterizam a organização e a ejeção oral, bem como a inter- relação funcional entre as fases oral e a faríngea.

Para nível de significância estatística foi considerado o valor de P < 0,05. Na análise estatística foi aplicado o teste não-paramétrico Qui-quadrado, que constituiu a base do processo comparativo das distribuições de freqüências tabeladas.

RESULTADOS Foi possível observar nos exames videofluoroscópicos a existência de variações na organização e ejeção oral de indivíduos normais e doentes e efetuar metodização terminológica descritiva. Os estágios de organização e ejeção oral, bem como a fase faríngea da deglutição, foram caracterizados nas Figuras_1, 2, 3.

A Tabela_1 estabelece a correlação, na amostra da presente série, do número de deglutições com o tipo de organização da fase oral da deglutição em voluntários sadios (n), pacientes com AVE e DP.

Foi encontrada significância P = 0,0037 <<0,05, indicando a existência de correlação funcional entre os tipos de organização da fase oral da deglutição nos grupos estudados.

A Tabela_2 estabelece, nas deglutições observadas, o percentual de correlação dos tipos de organização com os tipos de ejeção.

No cruzamento entre os tipos de organização e ejeção, encontrou-se P = 1,14E-05 < 0,05, admitindo-se a existência de correlação funcional entre os estágios organização e ejeção da fase oral da deglutição.

A Tabela_3 expressa, nas deglutições observadas, a correlação dos tipos de organização oral com a dinâmica da fase faríngea.

A fase faríngea alterada apresentou maior relação com os tipos instável e alongada. O cruzamento entre os parâmetros organização e fase faríngea resultou num valor de P = 0,000108 << 0,05, existindo relação significativa de dependência entre as classificações dos mesmos. Existe correlação funcional entre os tipos de organização da fase oral com a fase faríngea.

DISCUSSÃO Na organização definida como fechada, o conteúdo oral relacionou-se com o dorso da língua e com o palato duro, mantendo-se nesta posição sem dificuldade. Este tipo de organização foi identificado em 71,4% das deglutições dos voluntários sadios, sendo, portanto, uma característica predominante da fisiologia de indivíduos sem queixa de disfagia. Não obstante, essa organização fechada esteve presente em 31,1% das deglutições de pacientes com AVE e 43,2% das deglutições de pacientes com DP.

Analisando comparativamente, pôde-se considerar que a organização definida como fechada seria similar ao padrão "tipper", que se complementa com a ejeção do tipo adequada, conforme descrito por DODDS et al.(14). Em estudo realizado por JUNQUEIRA(21), o padrão "tipper" foi identificado em 94,87% das deglutições e foi considerado como efetivo.

A definição da organização do tipo aberta esteve relacionada à conformação de espaço cavitário oral, provocado pela ausência de contato da língua com a região do trígono dos incisivos, que se preenche com solução contrastada. Este tipo de organização subdividiu-se em aberta anterior e em aberta ântero- superior. Na primeira, o preenchimento oral se deu em espaço anterior determinado pela retração da língua. Na aberta ântero-superior, o conteúdo oral de maior volume preencheu a região anterior e a superior da língua, o que sugere haver uma relação volume-dependente, concordando com ALI et al.(2), COSTA et al.(7), DANTAS et al.(12), DANTAS e DODDS(13), KAHRILAS(23) e POUDEROUX e KAHRILAS(30).

A organização do tipo aberta anterior ocorreu em 14,3% das deglutições dos voluntários sadios, em 11,1% dos pacientes com AVE e em 16,2% dos pacientes com DP. O tipo aberta ântero-superior foi encontrado em 14,3% das deglutições dos voluntários normais, em 33,3% dos pacientes com AVE e em 29,7% das dos pacientes com DP. Pode-se considerar que a organização do tipo aberta apresenta similaridades com o padrão "dipper". Esses resultados sugerem que este tipo de organização seria mais comumente encontrado em indivíduos que possuam algum grau de disfunção na organização oral, contrariando DODDS et al.(14).

Na organização do tipo alongada, o conteúdo oral ocupa uma extensão que abrange desde a porção anterior da cavidade oral até a posterior, em nível do palato mole. Este tipo de organização foi encontrado nos grupos de pacientes, tanto com AVE quanto com DP, numa freqüência de 11,1% na primeira e 2,7% na DP. Este tipo de organização apresenta correlação com as doenças, em acordo com as observações de JUNQUEIRA(21), que também descreve a organização alongada como patológica.

O resultado estatístico comprovou haver correlação funcional significante entre os tipos de ejeção e os grupos analisados. As ejeções do tipo lentificada e do tipo dois tempos foram freqüentemente observadas nos grupos com AVE e DP.

A ejeção do tipo dois tempos denota maior dificuldade na relação de organização e ejeção oral. O conteúdo oral não é devidamente contido e escapa para a faringe, antes mesmo de se iniciar a ejeção. Nesse sentido, pode-se sugerir que a ejeção do tipo dois tempos expressa maior dificuldade na coordenação das fases orais, que termina por influenciar negativamente a fase faríngea.

A fase faríngea de tipo adequada foi observada em todos os voluntários sadios.

A ejeção oral resultou em trânsito faríngeo livre, contínuo e em sincronismo com a abertura da transição faringoesofágica.

A fase faríngea do tipo adaptada foi encontrada em 53,3% das deglutições dos pacientes com AVE e em 64,9% dos pacientes com DP. Esta adaptação permitiu a visualização do fluxo do meio de contraste com alguma descontinuidade ou retardo, mas com preservação funcional do sincronismo deste fluxo com a abertura da transição faringoesofágica, fato anteriormente observado por KENDALL e LEONARD(24).

A fase faríngea do tipo alterada foi encontrada em 46,7% das deglutições dos pacientes com AVE e 35,1% dos pacientes com DP. Essas deglutições permitiram a visualização de comprometimento das vias aéreas por penetração ou aspiração.

O grupo com DP foi o que apresentou maior ocorrência da fase faríngea do tipo adaptada. Este tipo de trânsito faríngeo na DP foi também observado por ROSSO et al.(31).

O grupo acometido por AVE foi o que apresentou maior freqüência de disfunção da fase faríngea da deglutição, o que sugere que essa enfermidade provoca maior número de alterações da deglutição, se comparado à DP, o que também é considerado por MENG et al.(29), SCHECHTER(32) e ROSSO et al.(31).

CONCLUSÕES A organização do tipo fechada é a forma a ser admitida como normal. Os tipos de organização aberta ântero-superior, alongada e instável são formas de organizações encontradas em indivíduos com algum grau de dificuldade no processo da deglutição. A ejeção do tipo adequada é a expressão de normalidade e se caracteriza pela transferência do conteúdo oral para a faringe em massa de uma única vez. O predomínio de ejeções dos tipos lentificada e dois tempos é indicativa de alteração da fisiologia da deglutição. Existe correlação funcional entre os estágios de organização e ejeção oral. A organização oral influi não na qualidade da ejeção oral, mas também na efetiva dinâmica da fase faríngea.


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