Displasia no esôfago de Barrett - concordância intra e interobservador no
diagnóstico histopatológico
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
O esôfago de Barrett (EB) é uma condição adquirida, presente em até 2% dos
pacientes submetidos a esofagogastroduodenoscopia e em 10% a 15% dos portadores
crônicos de sintomas de refluxo gastroesofágico(6, 9, 12), na qual extensão
variável do epitélio escamoso esofágico é substituída por epitélio colunar
glandular contendo células caliciformes(9, 14, 22).
A importância da metaplasia intestinal no EB reside no fato deste epitélio
anômalo possuir capacidade de malignização(2, 3). Uma vez diagnosticado, o
prognóstico do adenocarcinoma de esôfago é sombrio, com a doença geralmente
sendo constatada em estádios avançados, em geral após o início da
sintomatologia, sobretudo disfagia, e com considerável perda ponderal. A
sobrevida média não costuma ultrapassar os 12 meses, com menos de 10% dos
doentes contando com sobrevida superior a 5 anos(7, 14). Posto isto, atualmente
recomenda-se vigilância endoscópica e histológica por toda a vida do paciente
com o intuito de detectar precocemente focos de displasia e/ou câncer.
A displasia constitui um diagnóstico microscópico baseado em alterações
citológicas e morfológicas, que representam transformação epitelial pré-maligna
que não ultrapassa os limites da membrana basal da glândula acometida(10, 16).
Especificamente quanto a sua prevalência no EB, em revisão abrangendo 11
estudos com 438 portadores de EB sem adenocarcinoma, células displásicas foram
encontradas em 10% dos casos, sendo a maioria portadoras de displasia de baixo
grau. Por sua vez, em outra série com portadores de adenocarcinoma abrangendo
16 estudos, a displasia esteve presente, em média, em 78% (59% a 100%) dos
casos(10), deixando nítida a correlação entre a displasia e a degeneração
maligna(16).
Contudo, embora considerada condição neoplásica inequívoca, padrão-ouro para a
identificação de indivíduos de alto risco para a degeneração maligna no EB, a
identificação histológica da displasia, sobre certas circunstâncias, apresenta
certa ambigüidade no diagnóstico histopatológico, não apresenta nenhuma
característica macroscópica específica para dirigir a biopsia endoscópica e é
capaz de apresentar resultados falso-negativos por erros de amostragem na
coleta das biopsias. Mais ainda, a história natural das displasias, tanto as de
baixo, quanto as de alto grau, não está totalmente esclarecida, a diferenciação
celular com mudanças reacionais secundárias à inflamação ou ulceração pode ser
de difícil avaliação em casos de displasia de baixo grau, e a variação intra e
interobservador costuma ser acentuada(1, 10, 13, 15, 18, 22, 24). A este
respeito, a reprodutibilidade do diagnóstico histopatológico de displasia no EB
demonstra, na maioria das séries, resultados nada promissores, apesar das
freqüentes mudanças nos critérios de avaliação morfológica da displasia.
No presente estudo, procurou-se avaliar a concordância intra e interobservador
no diagnóstico histopatológico de displasia no EB.
MATERIAL E MÉTODOS
Material
Entre junho de 1996 e julho de 2002, foram incluídos no estudo 42 com EB
encaminhados para ablação endoscópica do epitélio metaplásico por
eletrocoagulação com argônio. O material foi proveniente de 11 laboratórios de
patologia, tendo sido previamente processado pelas técnicas convencionais, com
fixação em formalina e emblocamento em parafina. Os critérios de inclusão foram
idade superior a 18 anos, presença de epitélio colunar especializado,
confirmado pela coloração com hematoxilina-eosina (H-E) e pelo PAS - alcian
blue (PAS AB) a um pH de 2,5, e ausência de adenocarcinoma de esôfago.
Métodos
Do material emblocado em parafina, foram obtidos cortes histológicos através de
micrótomo manual (Leica RM2025), com espessura de 3 micrômetros, que foram
depositados em banho-maria a 37ºC e posteriormente distendidos em lâminas para
coloração com H-E e PAS - AB em pH ácido. A rotina para a coloração do material
pela H-E obedeceu a desparafinização e hidratação dos cortes, imersão em
hematoxilina de Harris por 2 minutos e contra-coloração em eosina. Por sua vez,
para a coloração do material pelo PAS - AB, o material foi imerso no azul de
alcian em solução com ácido acético 3%, por 30 minutos, oxidado no ácido
periódico de Schiff por 15 minutos e contra-corado em hematoxilina.
A leitura das lâminas para a avaliação da presença e do grau de displasia,
quando presente, foi realizada, num primeiro momento, simultaneamente por dois
examinadores (C.V.L. e A.A.H.), de maneira cega, em microscópio óptico (Olympus
BX 40f-3), com ocular de 10x e objetivas de 10, 20 e 40x. A troca de opiniões
só foi permitida quando da ocorrência de diagnósticos divergentes, com o
intuito de se atingir um consenso. A avaliação histopatológica foi realizada
somente em biopsias endoscópicas intactas, providas de lâmina própria, e nunca
em pequenos fragmentos ou material desgarrado. As alterações com suspeita de
displasia no epitélio metaplásico contíguo ao epitélio escamoso deveriam estar
presentes em, pelo menos, mais de duas glândulas de proximidade ao epitélio
adjacente. Quando mais de um fragmento da mesma biopsia endoscópica estivesse
presente no mesmo corte, o grau de displasia da peça foi considerado o maior
grau presente em qualquer dos fragmentos. Os critérios histopatológicos para a
caracterização das lesões seguiram os critérios revisados de MONTGOMERY et al.
(13), ou seja:
Displasia de baixo grau (DBG) - núcleos aumentados, hiper-cromáticos, com
contornos irregulares, respeitando a polaridade celular, acompanhados pela
redução expressiva do número de células caliciformes e da mucina no ápice
celular.
Displasia de alto grau (DAG) - perda da polaridade nuclear e ausência de
relação consistente entre os núcleos, demonstrando acentuada distorção da
arquitetura glandular, com superfície mucosa de configuração viliforme,
presença de pontes epiteliais intraglandulares de aspecto cribiforme, além de
ausência de células caliciformes.
De posse destes parâmetros, procedeu-se à avaliação intra e interobservador
para o diagnóstico histopatológico geral (displasia ou ausência da mesma
avaliadas em conjunto) e especificamente para a displasia de baixo grau e para
a ausência de alterações displásicas (avaliadas isoladamente).
Para a avaliação da displasia, foram realizadas duas leituras, de maneira cega
e sem nenhuma ordem pré-estabelecida das lâminas, com o intuito de avaliar a
concordância intra-observador do método. Posteriormente, um segundo patologista
(K.S.), também com experiência no tra to gastrointestinal, foi convidado a
analisar as mesmas lâminas seguindo os mesmos critérios, a fim de avaliar a
concordância interobservador com os diagnósticos dos laboratórios de origem e
com as referidas duas leituras. Os casos indefinidos para displasia, quando
presentes, foram agrupados com aqueles portadores de DBG, conforme sugerido por
MONTGOMERY et al.(13).
Um P <0,05 foi considerado significativo para todos os procedimentos
estatísticos do estudo. A comparação da variabilidade intra e interobservador
utilizou o teste kappa. Com o emprego deste teste, seis possibilidades de
acordo entre diferentes leituras poderiam ser obtidos: excelente (0,93-1,00),
muito bom (0,81-0,92), bom (0,61-0,80), razoável (0,41-0,60), fraco (0,21-0,40)
e pobre (0,01-0,20)(8). Os dados foram processados e analisados com o auxílio
do programa SPSS (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) versão 10.0 para Windows.
O presente estudo foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa
de Porto Alegre, tendo sido aprovado em 7 de maio de 2002 e protocolado sob nº
434/02.
RESULTADOS
A população do estudo foi constituída por 42 portadores de EB, sendo 27 homens
e 15 mulheres, com média etária de 56,4 (19-84) anos.
O número total de fragmentos provenientes das biopsias endoscópicas foi de 229,
com média de 5,4 (1 a 18) fragmentos para cada paciente.
Do material analisado, o diagnóstico de displasia fora previamente firmado
pelos laboratórios de origem, designados como A, em 22 (52,4%) casos, e houve 1
caso indefinido para displasia. Entre os portadores de displasia, esta foi de
baixo grau em 18 (81,8%) casos, moderada em 3 (13,6%) e de alto grau em apenas
1 (4,6%) caso. Para efeito de análise, os 3 casos com displasia moderada e o
único caso indefinido para displasia foram agrupados aos portadores de
displasia de baixo grau, totalizando 23 (54,8%) casos displásicos, sendo 22
(95,6%) de baixo grau.
Na primeira leitura das lâminas, designada como B, a displasia foi detectada em
15 (35,7%) casos, estando ausente nos 27 (64,3%) casos restantes. Entre os com
displasia, esta foi de baixo grau em 14 (93,3%) casos e de alto grau em apenas
1 (6,7%) caso. Por sua vez, na segunda análise, designada como C, a alteração
pré-neoplásica foi detectada em 20 (47,6%) pacientes, sendo 18 (90%) casos de
baixo grau e 2 casos de alto grau. Houve concordância no diagnóstico em 28
(66,6%) casos, sendo 18 sem displasia, 9 com DBG e com DAG. O escore kappa
entre as duas leituras foi fraco tanto para a concordância histopatológica
geral (kappa = 0,36), quanto especificamente para a displasia de baixo grau
(kappa = 0,30) (Tabelas_1, 2).
Quanto à leitura do terceiro patologista, designada como D, a displasia foi
detectada em 9 (21,4%) casos, sendo 8 casos com DBG e 1 com DAG. Houve
concordância com os laboratórios de origem em 22 (52,4%) casos, sendo 16
(72,7%) sem displasia, 5 DBG e 1 com DAG. O escore kappa foi pobre (kappa =
0,13). Ao se comparar com a primeira leitura, houve concordância em 28 (66,6%)
casos, sendo 23 (82,1%) sem displasia, 4 com DBG e 1 com DAG. O escore kappa
também foi pobre (kappa = 0,11). Por sua vez, na avaliação com a segunda
leitura, houve concordância em 25 (59,5%) casos, sendo 19 (76%) sem displasia,
5 com DBG e 1 com DAG, ainda mantendo uma pobre concordância (kappa = 0,15)
(Tabelas_1, 2, 3).
Comparando os diagnósticos dos demais laboratórios apenas com duas leituras
concordantes, houve unanimidade em 16 (38%) casos, sendo 10 sem displasia, 5
com DBG e 1 com DAG. Ao se avaliar apenas com a primeira leitura, houve
concordância em 18 (42,8%) casos, sendo 11 sem displasia, 6 com DBG e 1 com
DAG. O escore kappa para a concordância no diagnóstico histopatológico geral
foi fraco (kappa = 0,23). Na avaliação com a segunda leitura, houve
concordância em 28 (66,6%) casos, sendo 14 sem displasia, 13 com DBG e 1 com
DAG. O escore kappa geral permaneceu pobre (kappa = 0,20). Por sua vez, em 20
(47,6%) casos, o diagnóstico histopatológico do terceiro patologista e as duas
leituras foram idênticos, sendo 17 (85%) casos sem displasia, 2 com DBG e outro
com DAG.
Foram considerados como verdadeiramente portadores de displasia os casos
concordantes entre os diferentes observadores, ou seja, pelo menos três em
quatro leituras, independente da concordância ou não das duas leituras
originais. Assim, a displasia foi constatada em seis casos, sendo de baixo grau
em cinco casos e de alto grau em apenas um caso, perfazendo 14,3% da amostra
desta série.
DISCUSSÃO
Neste estudo, em cada uma das quatro leituras realizadas, a displasia foi
detectada, em média, em um terço dos casos (39%), oscilando de 21% a 52%.
Quando a displasia esteve presente, esta foi de baixo grau em 92% dos casos.
Apesar da plena concordância entre os diferentes observadores para a displasia
ser de apenas 14,3%, este índice beira a real prevalência da displasia em
diferentes séries(11, 15, 24). KATZ et al.(11), em série com 102 pacientes
acompanhados por período mediano de quase 5 anos, encontraram DBG em apenas 19
(18,6%) casos. O'CONNOR et al.(15), acompanhando 125 pacientes sem displasia,
em seguimento mediano de 36 meses, encontraram DBG em 24 (19%) pacientes. Já
WESTON et al.(24), entre 80 pacientes previamente sem displasia, apenas 3 (4%)
apresentavam displasia após 40 meses de seguimento, com 24% da amostra
apresentando transitoriamente DBG. Tais cifras não chegam a superar o limiar
inferior de displasia diagnosticada pelos diferentes patologistas na avaliação
do presente estudo.
A respeito da ampla divergência nos critérios diagnósticos de neoplasias
epiteliais do trato gastrointestinal entre os patologistas, uma terminologia
comum entre os diferentes critérios da classificação ocidental e da japonesa
vem sendo empregada. Consenso entre 31 patologistas de 12 países, baseado nas
alterações citológicas e arquiteturais, bem como pela presença ou não de
invasão da membrana basal, optou pelo emprego de cinco categorias: negativo
para displasia, indefinido para displasia, displasia de baixo grau, displasia
de alto grau ou carcinoma in situ e carcinoma invasivo. Esta classificação
revisada foi capaz de melhorar o percentual de acordo e o escore kappa entre
portadores de neoplasias de esôfago de 14% para 62% e de 0,01 para 0,31,
respectivamente. Embora animador, este escore ainda demonstra fraca
concordância(21).
Em recente revisão da terminologia vigente, MONTGOMERY et al.(13), em
importante estudo multicêntrico americano, avaliaram 250 lâminas de EB, sendo
metade antes e a outra metade após a obtenção de um consenso histopatológico.
Cada lâmina foi avaliada por 12 patologistas, em duplicata, durante intervalo
de 12 meses, perfazendo o total de 24 diagnósticos para cada caso. De maneira
geral, os ganhos com o emprego do escore revisado foram modestos, apesar de
estatisticamente significativos, e ainda sem alcançar um escore kappa de grau
mais elevado. Quanto maior o número de categorias diagnósticas empregadas,
menores foram as taxas de concordância intra e interobservador. A concordância
intra-observador foi superior a interobservador em qualquer categoria, como
também demonstrado no presente estudo. Já a concordância interobservador
mostrou-se adequada no adenocarcinoma e muito ruim no grupo indefinido para
displasia. Outrossim, a DBG apresentou pequena melhora no escore kappa na
avaliação interobservador, de 0,23 para apenas 0,32. Contudo, os próprios
autores questionam que a melhora obtida poderia ter sido conseqüência da
aquisição de maior experiência por parte dos patologistas e não do emprego da
nova terminologia.
Na série presente, também a concordância intra-observador apresentou melhores
resultados, embora ainda demonstrando fraca concordância tanto para o
diagnóstico histopatológico geral, como especificamente para a displasia de
baixo grau. Quanto à DBG, este estudo demonstrou pobre reprodutibilidade, com
melhor escore Kappa de 0,16. Tal achado poderia dever-se ao pequeno número de
pacientes avaliados e ao fato de apenas dois patologistas (A.A.H. e K.S.)
empregarem os critérios de MONTGOMERY et al.(13). O maior índice de
concordância foi entre não-portadores de displasia, perfazendo 85% dos casos
entre leituras idênticas. Quanto a presente avaliação interobservador, a
concordância no diagnóstico histopatológico geral contou com escores kappa
oscilando entre 0,11 e 0,23, com índices de concordância entre 42% e 66%. Os
melhores índices também foram encontrados entre não-portadores de displasia,
oscilando entre 50% a 82%, embora com escores kappa entre 0,07 e 0,20.
Em estudo avaliando especificamente a concordância no diagnóstico de DBG no EB,
SKACEL et al.(22) reuniram três patologistas para avaliarem 43 casos
previamente diagnosticados como portadores de DBG. O acordo individual para o
diagnóstico de DBG oscilou de 16% a 70% e o melhor escore kappa entre as três
combinações possíveis, de acordo entre dois patologistas, foi de apenas 0,28.
Curiosamente, dos 17 casos previamente diagnosticados como portadores de DBG
por algum dos três patologistas, a concordância com o diagnóstico original foi
de apenas 65%. Assim, novamente é ressaltado o alto grau de variabilidade intra
e interobservador no diagnóstico de DBG no EB, que pode apresentar repercussões
importantes no acompanhamento destes pacientes.
Corroborando os achados de SKACEL et al.(22) quanto ao diagnóstico de DBG,
neste estudo os índices de acordo entre diferentes observadores oscilou entre
9% e 31%, com escores kappa oscilando entre 0,05 e 0,16. Ao se incluir a
concordância intra-observador, o escore se elevou para 0,30. Quanto à ausência
de displasia, os índices se mostraram pouco melhores, oscilando entre 26% e
55%, embora mantendo escores kappa entre 0,07 e 0,20.
Quanto ao papel do diagnóstico histopatológico adequado em portadores de EB, no
mesmo estudo foram acompanhados 25 pacientes que contaram com seguimento
endoscópico, dos quais 7 (28%) evoluíram para DAG ou adenocarcinoma. O
diagnóstico histopatológico individual de qualquer patologista não apresentou
nenhuma correlação com a progressão da doença. Porém, quando do acordo entre
patologistas no diagnóstico de DBG, houve associação significativa com a
progressão da doença tanto entre dois (7/17; 41%; P = 0,04), quanto entre três
(4/5; 80%; P = 0,012) patologistas. Os autores chegam a sugerir que a presença
de DBG, pela alta variabilidade intra-observador, também deveria ser confirmada
por, pelo menos, um outro patologista para predição do risco de progressão da
doença. Entre os demais pacientes em seguimento, porém sem qualquer acordo para
DBG entre os patologistas, nenhum evoluiu para DAG ou câncer. Dos 18 pacientes
em acompanhamento sem progressão da doença, após seguimento médio de 44 meses,
houve resolução da displasia em 15 casos, persistência em apenas 2 e 1 único
caso passou a ser rotulado como indefinido.
Em estudo recente do mesmo grupo(23) a concordância interobservador no
diagnóstico de DBG foi comparada à detecção imunoistoquímica da p53 no epitélio
displásico para predição da progressão para DAG ou adenocarcinoma. A
sensibilidade e a especificidade para a identificação de lesões com potencial
para progressão para DAG ou adenocarcinoma da concordância no diagnóstico de
DBG no EB por três patologistas foram de, respectivamente, 50% e 100%, perante
88% e 75%, quando da detecção da p53. Talvez mais importante, a associação da
imunoistoquímica à avaliação histológica resultou em maior sensibilidade para
predição da progressão, embora sem melhora da especificidade. Devido à baixa
sensibilidade da histopatologia, a hiperexpressão da p53 complementaria de
maneira adequada a avaliação histológica entre portadores de DBG.
Entre outras técnicas auxiliares para a detecção daqueles casos com maior
propensão ao câncer, contou-se com os corantes vitais, preferencialmente
associados à magnificação de imagens ou com o auxílio de endoscópios de alta
resolução, com a maior experiência sendo com o azul de metileno(4, 17). Este
corante permite orientar as biopsias endoscópicas a pontos com maior
probabilidade de portarem metaplasia intestinal, corados em azul, e a áreas
sugestivas de displasia de alto grau ou carcinoma in situ, onde a coloração é
perdida ou se mostra de fraca intensidade, com acentuada heterogeneidade,
provavelmente pela redução do citoplasma e do número de células caliciformes
(4). Em análise multivariada, tanto a fraca intensidade da coloração, como a
heterogeneidade da mesma se revelaram importantes preditores independentes para
a displasia de alto grau e para o próprio carcinoma in situ(5). No entanto, os
resultados com a cromoendoscopia ainda são restritos a pequenas séries de
casos, com escassa avaliação de sua reprodutibilidade. Além disso, o emprego de
corantes aumenta a duração do procedimento endoscópico, necessita certa prática
para a interpretação dos resultados, muitas vezes gera dúvidas quanto à
diferenciação da metaplasia intestinal da cárdia e da junção escamo-colunar com
o verdadeiro EB e ainda pode gerar resultados falso-negativos na vigência de
esofagite péptica, comumente associada ao EB(17, 20).
Outros autores tentam se valer da citometria de fluxo, associada à
histopatologia, como preditor de câncer no EB(12). REID et al.(19), no melhor e
mais recente estudo sobre o tema, avaliando prospectivamente 327 portadores de
EB, detectaram aneuploidia, aumento da fração tetraplóide ou displasia de alto
grau à entrada do estudo na totalidade dos pacientes que desenvolveram câncer
ao final de 5 anos. Por outro lado, pacientes sem alterações displásicas ou com
DBG não-portadores de alterações citométricas contaram com incidência
cumulativa de câncer de apenas 5% ao final do estudo, perante 28% daqueles
portadores de qualquer uma das referidas alterações à citometria de fluxo.
Apesar desse estudo apresentar resultados empolgantes, contando com boa
casuística e seguimento prolongado, deve-se tecer algumas considerações. Os
demais estudos existentes são antigos, a maioria com mais de uma década,
restritos a pequenas séries de casos e com seguimentos mais curtos. Outrossim,
a citometria é um procedimento bem mais elaborado e de maior custo não presente
na maioria dos laboratórios de patologia, ainda com diferenças metodológicas
que terminam por apresentar má correlação com as alterações displásicas(10,
25). Logo, é necessário que estes resultados possam ser reproduzidos por grupos
independentes para serem inseridos na prática clínica.
De posse destes dados, os métodos auxiliares, embora promissores, ainda se
mostram importantes ferramentas de pesquisa, procurando atuar em conjunto com a
histopatologia para a detecção e confirmação da displasia em pacientes com EB,
com maior propensão à degeneração maligna.
De maneira geral, cada dupla de observadores manteve um escore kappa
semelhante, quando da avaliação da presença ou não de displasia. Nesta série, a
concordância quanto à ausência de displasia contou com escores kappa
discretamente melhores do que aqueles quanto à presença de displasia de baixo
grau. Contudo, tais escores não alcançaram nível significativamente mais
elevado. Além disso, apesar dos modestos resultados, embora semelhantes aos da
literatura, o escore kappa sabidamente reflete melhor a concordância tanto
intra quanto interobservador, quando da aplicação de critérios diagnósticos
rígidos, superior a simples concordância percentual entre os diferentes
observadores (por ex.: o acordo interobservador pode ser superior a 50% com
escore kappa tão baixo quanto 0,07)(8, 13, 21).
CONCLUSÃO
A concordância intra e interobservador para o diagnóstico de displasia de baixo
grau ou de ausência da mesma no EB ainda se mostra inadequada mesmo com o
emprego de critérios diagnósticos rígidos. Idealmente, à semelhança da
displasia de alto grau, os estudos também deveriam tecer suas considerações a
respeito do diagnóstico de displasia de baixo grau baseados na interpretação de
mais de um patologista.