Quantos exames são necessários para adquirir aptidão em colonoscopia?
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
A capacitação para realização da colonoscopia implica na associação da
habilidade de manipular adequadamente o aparelho e seus acessórios (competência
técnica), à capacidade de identificar e interpretar os achados endoscópicos, e
planejar terapêutica efetiva e apropriada (competência cognitiva). A
certificação de competência em colonoscopia é geralmente baseada no número de
procedimentos supervisionados e na avaliação subjetiva dos instrutores(1, 3, 6,
7, 9).
A Sociedade Americana de Endoscopia (ASGE)(5, 10) sugere que 100 colonoscopias
supervisionadas seja o número mínimo necessário para que a competência técnica
e cognitiva sejam alcançadas. Contudo, existem poucos dados na literatura que
investiguem quais parâmetros no treinamento asseguram como a competência é
adquirida(4, 8).
Objetivo
Avaliar o desempenho e progresso técnico de médicos residentes em
gastroenterologia durante programa de treinamento em colonoscopia. Avaliar
quantos exames realizados sob supervisão são necessários para aquisição da
capacitação técnica e cognitiva inicial.
MATERIAIS E MÉTODO
Dois médicos do quarto ano de residência em gastroenterologia da Universidade
Federal de São Paulo foram acompanhados por instrutor durante seu primeiro ano
de treinamento e aprendizado em colonoscopia, entre fevereiro de 2003 e janeiro
de 2004. Os exames foram realizados consecutivamente neste período, sempre
iniciados por um deles sob supervisão de um instrutor do setor. Durante o
procedimento, o preceptor orientava normalmente o médico residente sem, porém,
identificar qualquer alteração até que o mesmo expressasse sua própria opinião.
O instrutor assumiu o exame quando o residente não conseguiu avançar o
colonoscópio ou quando julgou necessário, levando em consideração a segurança e
o conforto do paciente.
Todas as colonoscopias foram realizados com video-colonoscópios. Os parâmetros
avaliados foram: capacidade de atingir o ceco, tempo de chegada ao ceco,
duração total do exame, intubação ileal e identificação das lesões.
A contagem do tempo tinha início no momento em que o aparelho era introduzido
pelo ânus, verificada quando o ceco era alcançado e interrompida ao término do
exame. A chegada no ceco foi confirmada pela identificação da válvula
ileocecal, apêndice cecal e, quando possível, pela intubação do íleo terminal.
A taxa de sucesso em atingir o ceco foi calculada com base em todos os exames
completados pelo residente em treinamento ou pelo preceptor. Pacientes com
antecedentes de ressecção colônica, massa obstrutivas ou colostomias foram
excluídos do cálculo da taxa de sucesso de chegada no ceco.
A sedação utilizada foi midazolam, meperidina, diazepam e propofol, em doses
individualizadas, associados ou não.
A análise estatística foi realizada através do teste de Kruskall-Wallis e teste
de comparação de proporções com o programa Primer of Biostatistics®. O
resultado foi considerado estatisticamente significativo quando valor de P
encontrado foi <0,05.
RESULTADOS
No período do estudo foram realizadas 271 colonoscopias pelos dois médicos
residentes. O residente A realizou 186 exames e o B os demais 85. Foram
excluídos 27 casos devido à presença de lesões obstrutivas ou antecedente de
cirurgia do cólon (15 e 13), restando então 171 e 72 exames, respectivamente.
Quanto à distribuição por sexo e idade, no grupo do residente A havia 107
mulheres, com média de idade de 55,4 (±14,7) anos e no grupo B 42 mulheres, com
média de idade de 55 (±15,6) anos.
A taxa de sucesso em alcançar o ceco sem auxílio do preceptor foi de 82,5%
(141/171 exames) e 56,9% (41/72 exames), respectivamente para A e B (Tabela_1).
Avaliando este índice para os primeiros 72 exames de ambos, observou-se que o
residente A atingiu o ceco em 72,2%, enquanto o B em 56,9% das vezes, P = 0,001
(Tabela_2). A Tabela_1 mostra que a taxa de sucesso foi de 76% nos primeiros
100 exames e de 91,5%, a partir de então, para o residente A (P = 0,015).
A intubação do íleo terminal foi bem sucedida em 68,4% (A) e 36,1% (B) das
colonoscopias, sendo que para o examinador A este índice foi de 62% e 77,5%,
respectivamente até o 100º exame e após (P = 0,06).
O tempo médio de chegada até o ceco em todos os exames foi 17,7 e 23,5 minutos,
respectivamente para os residentes A e B. A análise dos dados dos primeiros 72
exames não revelou diferença estatística. O tempo médio necessário para o
examinador A atingir o ceco nos primeiros 100 exames foi de 19,8 minutos,
enquanto a partir do 101º exame esta média caiu para 14,7 minutos (P = 0,001),
como listado na Tabela_1. Avaliou-se, também, a evolução do tempo necessário
para que o ceco fosse alcançado ao longo dos exames em uma curva de tendência
(Gráfico_1). A média da duração total do exame foi 39,5 e 50,2 minutos,
respectivamente para A e B.
Os pontos anatômicos atingidos quando a colonoscopia não pôde ser completada
pelo residente estão listados na Tabela_3. Nesta situação o exame foi assumido
pelo preceptor, que atingiu com sucesso o ceco em 99,6% das vezes, não
completando o exame em apenas um caso.
Quanto aos diagnósticos, 22,2% dos exames foram normais. As principais
alterações encontradas foram pólipos (55,1%), doença diverticular dos cólons
(29,6%), doença inflamatória intestinal (6,6%), alterações vasculares (4,9%) e
neoplasias (2,5%). Os residentes foram capazes de identificar as alterações em
99,5% (A) e 100% (B) dos casos, respectivamente. Dentre as complicações,
observou-se um caso de sangramento pós-polipectomia (0,4%).
DISCUSSÃO
A indicação da colonoscopia apresentou, recentemente, aumento significativo,
principalmente pela introdução de programas de rastreamento e vigilância do
câncer colorretal. O objetivo da colonoscopia é a avaliação completa e
detalhada de todo o cólon, com desconforto mínimo para o paciente. Vários
fatores contribuem para o sucesso do exame: evitar a insuflação excessiva
durante a inserção, retirada freqüente para manter o aparelho retificado e uso
apropriado de manobras que facilitem a inserção sem a formação de alças(3, 8,
9).
A ASGE recomenda que o mínimo de 100 colonoscopias seja realizada pelo
profissional em treinamento para aquisição de competência técnica e cognitiva
(5, 10).
A maioria dos especialistas concorda que para ser considerado experiente, o
endoscopista deve ser capaz de atingir o ceco em pelo menos 90% das vezes(8).
Esta taxa deve ser alcançada com treinamento apropriado e experiência.
Poucos estudos foram publicados no sentido de determinar as diretrizes do
programa de treinamento em colonoscopia e as definições de critérios para
competência foram geralmente baseadas na opinião de especialistas(1, 3, 6).
CASS et al.(1) realizaram estudo prospectivo com 12 médicos residentes,
avaliando a aquisição de habilidade técnica durante o treinamento de
colonoscopia, através de quatro critérios objetivos: passagem pela flexura
esplênica, chegada ao ceco, reconhecimento de uma alteração quando presente, e
identificação correta da anormalidade. Observaram sucesso de 80% após 100
exames, 94% após 210 e 96% após 274, concluindo que mais de 100 colonoscopias
supervisionadas são necessárias para alcançar competência técnica.
Em estudo multicêntrico, publicado apenas sob a forma de resumo, CASS et al.(2)
sugerem que 140 colonoscopias são necessárias para alcançar índice de sucesso
de intubação do ceco de 90%.
No estudo de MARSHALL et al.(6), a freqüência de chegada no ceco em 30 minutos
foi avaliada durante os últimos 7 meses de treinamento do primeiro e segundo
anos de nove médicos residentes em gastroenterologia e/ou cirurgia. A taxa de
sucesso para os residentes do primeiro ano foi de 54% (25%-86%), enquanto no
segundo ano foi de 86% (73%-93%). O número médio de exames realizados ao final
do primeiro ano foi de 149 e 318 ao fim do segundo ano. Concluíram que a
capacitação para colonoscopia aumenta com a experiência do profissional e
sugerem que o número mínimo de 100 exames recomendado pela ASGE possa ser
baixo.
CHURCH et al.(3) acompanharam prospectivamente 18 residentes durante as
primeiras 100-125 colonoscopias do programa de treinamento. O exame foi
considerado completo quando o ceco foi alcançado, o que ocorreu em 56,4%
(27,8%'83,9%). Nos primeiros 25 casos, o sucesso foi 43,1%, e após 100 exames,
subiu para 75,1%. Esses autores sugerem que os programas de treinamento em
colonoscopia devam oferecer pelo menos 150-170 exames.
O índice de sucesso atingido pelo médico em treinamento no estudo de TASSIOS et
al.(8) foi de 67% (59%-75%) e 77% (66%-88%), quando 100 e 180 exames eram
realizados, respectivamente, ao fim do segundo e terceiro anos de treinamento.
Esses autores concluíram que na dependência de aptidões individuais, entre 100
e 180 exames são necessários para aquisição de competência em colonoscopia.
Em outro estudo(7), 334 colonoscopias consecutivas realizadas por um mesmo
médico em treinamento, no período de 3 anos, foram avaliadas. O ceco pôde ser
alçando em 67% dos primeiros 100 exames, 88% para os 100 seguintes e 95% para
os outros 100. Não há informação sobre supervisão dos exames e os autores
sugerem que 100 a 200 colonoscopias são necessárias para atingir taxa de
sucesso de 90%.
No presente trabalho utilizou-se a chegada no ceco como indicador de
competência técnica, por ser critério objetivo e de fácil comparação. Os exames
realizados em pacientes com lesões obstrutivas ou cirurgia prévia foram
excluídos do cálculo da taxa de sucesso. A competência cognitiva foi avaliada
pela capacidade do médico reconhecer e interpretar as alterações.
Observou-se que o sucesso e o tempo necessário para atingir o ceco melhoraram
proporcionalmente ao número de exames realizados. Quando se analisaram os dados
do residente que realizou 171 colonoscopias, encontrou-se diferença
estatisticamente significante em ambos os índices antes e após o 100º exame.
Contudo, as diferenças individuais do aprendizado, como a que se encontrou ao
comparar a taxa de chegada ao ceco pelos dois residentes mostram que talvez 100
colonoscopias sejam insuficientes para aquisição da competência técnica.
Não há parâmetros da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva a respeito do
número de exames necessários ou tempo a ser dedicado ao treinamento em
colonoscopia.
Apesar de tratar-se de programa de treinamento, a taxa de complicações de 0,4%
foi compatível com dados da literatura(10).
CONCLUSÃO
Embora este estudo avalie a curva de aprendizado de apenas dois residentes,
observou-se que a capacidade de atingir o ceco aumenta de acordo com o número
de exames realizados. Dependendo das aptidões individuais, porém, o número
mínimo de colonoscopias sugerido pela ASGE pode ser insuficiente para aquisição
de competência técnica e também para identificação das lesões.