Câncer coloretal: a importância de sua prevenção
EDITORIAL
Câncer coloretal ' A importância de sua prevenção
Colorectal cancer ' The importance of prevention
O artigo "Mortalidade por câncer de cólon e reto nas capitais brasileiras no
período de 1980 a 1997", publicado no presente número dos ARQUIVOS de
GASTROENTEROLOGIA, contém informações precisas sobre a mortalidade por câncer
colorretal (CCR) nas diferentes regiões do Brasil. Levando-se em consideração
essas informações em uma época em que a Medicina enfoca a prevenção como
prioridade, relembramos alguns conhecimentos que chamam atenção para a
importância da prevenção do CCR.
O câncer do intestino ou CCR apresenta incidência variável nos diferentes
países, predominando nos economicamente mais ricos e industrializados como a
América do Norte, a Europa setentrional, Nova Zelândia e Austrália. Incidências
menores são registradas na América do Sul, sudoeste da Ásia, África equatorial
e Índia. Nesta última, a incidência varia de 3,5 por 100 mil habitantes,
enquanto nos EUA, no Estado de Connecticut, o CCR ocupa o segundo lugar dentre
as neoplasias mais prevalentes em homens, seguindo-se apenas ao câncer do
pulmão e o terceiro em mulheres, depois do câncer de mama e pulmão.
No Brasil, o câncer em geral configura-se como problema de saúde pública de
dimensões nacionais. Com o aumento da expectativa de vida do povo brasileiro e
com a progressiva industrialização e globalização, as neoplasias ganharam
importância crescente no perfil de mortalidade do país, ocupando o segundo
lugar como causa de óbito. O CCR figura entre os cinco primeiros mais
freqüentes e a incidência não é homogênea em todo o país, com prevalência na
região sul e sudeste, particularmente nos Estados de São Paulo, Rio Grande do
Sul e Rio de Janeiro. É estimada para o ano de 2005 a ocorrência de 26.050
casos novos para ambos os sexos. Ocupa o 4º lugar em incidência para homens e o
3º para mulheres, excluídos os tumores de pele, não-melanomas. Em relação à
idade, mais de 50% dos casos manifestam-se em indivíduos com mais de 60 anos
(média de 67 anos), sendo o risco deste câncer tanto maior, quanto maior a
faixa etária (risco de 0,05 até 39 anos e 4,3 entre 60 e 80 anos).
Em relação à mortalidade, no Brasil o CCR representa a quinta causa de óbitos
para ambos os sexos. De acordo com informação de 2001 do Ministério da Saúde,
representa 13,4% da mortalidade para todas as idades e 21% para a faixa entre
60 e 64 anos. O padrão de mortalidade para este câncer acompanha também o de
incidência, observando-se taxas mais elevadas nas regiões Sul e Sudeste. Todas
as regiões apresentam tendência de aumento nas taxas de mortalidade durante o
período de 1980 a 1997, como bem foi documentado no trabalho apresentado.
Na análise da série histórica dos índices de mortalidade para o período
compreendido entre 1979 e 2000, houve crescimento médio anual de 3,5%. As taxas
brutas passaram de 2,44 para 4,12 por 100.000 homens e de 2,80 para 4,29 por
100.000 mulheres, o que representou aumento de 69% e 60% respectivamente.
Apesar do interesse deste assunto, no Brasil como em muitos outros países,
ainda a percentagem média de sobrevida de 5 anos permanece estável em 50%,
podendo chegar a 70% quando o atendimento é realizado em centros especializados
em cirurgia colorretal. Somente 41% de todos os tumores colorretais são
diagnosticados e tratados em estádio localizado, sem envolvimento linfático. O
índice de sobrevida de 5 anos, quando o tumor é circunscrito à parede retal é
de 70%, baixando para 40% para aqueles com doença não localizada. Nos doentes
cujo CCR é detectado em fase assintomática, o índice de sobrevida de 5 anos
alcança 90%.
O CCR produz, com freqüência, sintomas pouco perceptíveis aos doentes, até que
a doença esteja em fase avançada. Entretanto, o CCR é uma doença prevenível. A
aplicação clínica dos conhecimentos obtidos pelos estudos de genética
molecular, objetivando identificar pacientes sob risco, o desenvolvimento de
estratégias de intervenção dietética e quimio-prevenção e, sobretudo, os
programas de rastreamento em indivíduos com risco aumentado para CCR
representam caminhos a serem percorridos objetivando diminuir a mortalidade.
O câncer do cólon e do reto tem a particularidade de exibir lesão precursora
conhecida que é o pólipo adenomatoso. O tempo estimado para aparecimento do
adenoma, seu crescimento e transformação em tumor é superior a 10 anos, período
este suficientemente longo para permitir sua identificação, ressecção e,
portanto, prevenção do câncer.
A alta incidência do CCR e a diferença nos resultados do tratamento, de acordo
com o estádio da doença, justificam os esforços para detecção precoce e de seu
rastreamento em população considerada de risco para a doença. Por rastreamento
entende-se a aplicação de provas simples, de fácil execução em grande massa
populacional, com o objetivo de selecionar indivíduos que, ainda que
assintomáticos, devem submeter-se a métodos mais específicos e de maior
complexidade para a possível detecção de adenomas e de câncer precoce.
O objetivo do rastreamento não é diagnosticar mais pólipos ou mais lesões
planas, porém diminuir a mortalidade por CCR na população alvo do rastreamento
em relação a uma população-controle não-rastreada.
Como resultado de avaliações epidemiológicas e de genética molecular, o
rastreamento deve ser realizado de forma individualizada, de acordo com a
estimativa de risco para a neoplasia que o indivíduo apresenta. Pacientes com
idade superior a 50 anos e sem outros fatores de risco para CCR geralmente
integram a População de Baixo Risco; pacientes com história familiar de CCR em
um ou mais parentes de primeiro grau, história pessoal de pólipo maior do que
um centímetro ou múltiplos pólipos de qualquer tamanho e os indivíduos com
antecedente pessoal de CCR tratado com intenção curativa, podem ser
classificados como de Risco Moderado; e os indivíduos com história familiar de
CCR hereditário na forma de PAF (polipose adenomatosa familiar) ou HNPCC
(câncer colorretal hereditário sem polipose), ou com diagnóstico de doença
inflamatória intestinal na forma da pancolite ou colite esquerda geralmente são
classificados como de Alto Risco para desenvolver CCR.
O protocolo de rastreamento para o câncer do intestino mais utilizado para
população de risco baixo e moderado é a realização anual da pesquisa de sangue
oculto nas fezes, seguida pela colonoscopia ou retossigmoidoscopia nos
indivíduos com resultado positivo. As evidências científicas até o momento
apontam a idade a partir dos 50 anos para o início do rastreamento para o
câncer do intestino com pesquisa de sangue oculto nas fezes. Estudo de meta
análise demonstrou que o teste de pesquisa de sangue oculto nas fezes,
repetição anual e seguimento, reduziu o risco de CCR de 16%. A colonoscopia é o
método padrão-ouro para o diagnóstico precoce e prevenção. A polipectomia
endoscópica reduz a incidência do CCR de até 90% e de morte de até 100%. Deve
ser o primeiro exame a ser feito nos indivíduos de alto risco para câncer a
partir dos 40 anos, e como rotina nos de risco moderado portadores de
resultados positivos de pesquisa de sangue oculto.
Entretanto, apesar da importância da prevenção e do diagnóstico precoce do CCR,
são bem reconhecidas as dificuldades inerentes à realidade brasileira
relacionadas às condições socioeconômicas desfavoráveis, desconhecimento da
população sobre este tipo de câncer, retardo ou mesmo falta de acesso ao
sistema de saúde e insuficiente disponibilidade diagnóstica. Esta realidade é
responsável pelo atraso do diagnóstico e o tratamento de lesões, em geral em
estádios avançados, que são mais complexos e demandam internações prolongadas.
Levando em consideração os fatos apontados, a partir de 2002, um grupo de
especialistas de diferentes sociedades médicas envolvidos no tratamento do
câncer digestivo somou esforços e, junto ao Ministério da Saúde e Instituto
Nacional do Câncer, vem realizando ações contínuas para conscientização da
classe médica e da população em geral para a importância do CCR, divulgando as
medidas de prevenção tanto primárias (identificação de fatores de risco para
CCR, modificação dos hábitos populacionais quanto à alimentação e estilo
devida), como secundárias (identificação da população de risco, rastreamento de
lesões precursoras, instituição de exames periódicos e diagnóstico precoce do
câncer).
Para agilizar e facilitar a incorporação destas ações criou-se no dia 1º de
maio de 2004 a Associação Brasileira de Prevenção do Câncer de Intestino -
ABRAPRECI. Esta iniciativa, que contou com o apoio de diversas sociedades
médicas, tem como objetivo, além do que vem realizando em intensa atividade de
divulgação para conscientização da população, conseguir maior envolvimento do
Governo, através do Ministério da Saúde para introduzir no Brasil, o programa
conscientização e prevenção em todo o território nacional.
A participação governamental, bem como de agências que provêm seguros de saúde
e do empresariado, é fundamental para implementar o programa, provendo
subsídios para difusão dos conhecimentos sobre saúde, para treinamento e
capacitação de profissionais para realização adequada dos testes e métodos
diagnósticos em número proporcional à demanda e criação de ambulatórios de
atenção primária e especializados de referência. Além do benefício da cura
desta doença que é freqüente, de incidência em ascensão, evitável, curável
quando de diagnóstico precoce, porém muitas vezes fatal, a implantação destas
medidas seguramente reverterá em economia de recursos para o País.
Angelita Habr-Gama*