Cirurgia ambulatorial em proctologia: análise retrospectiva de 437 casos
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
O número de cirurgias ambulatoriais cresce a cada dia em todo o mundo; somente
nos Estados Unidos são anualmente realizados, aproximadamente, 30 milhões
destes procedimentos (7, 10, 11).
Em alguns países como a França, a cirurgia ambulatorial foi estruturada e
regulamentada no início dos anos 90; nesse país observou-se a partir de 1994, o
predomínio das cirurgias ambulatoriais em relação às cirurgias em regime de
hospitalização(5).
As vantagens da realização dos procedimentos em ambiente ambulatorial, com
redução dos custos hospitalares e com benefícios para os pacientes, justificam
os incentivos financeiros aplicados nesse setor(1, 4, 6). Apesar destas
vantagens, sejam elas sociais e/ou econômicas, ainda há relutância pela maioria
dos cirurgiões neste país na indicação dos procedimentos cirúrgicos anorretais
em regime ambulatorial; as principais restrições seriam pelo receio das
complicações pós-operatórias precoces, possível controle inadequado da dor e
pelo valor da remuneração. Em algumas ocasiões a resistência vem do próprio
paciente. Com as melhorias das técnicas anestésicas, grande parte das
cirurgias, em especial as proctológicas, pode ser realizada com segurança em
ambulatório(8, 12, 13, 15, 17). O serviço de cirurgia ambulatorial do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu ' HC-FMB, Botucatu, SP.,
criado em 1996, atende a diversas especialidades (Gastrocirurgia, Urologia,
Dermatologia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Vascular, Cirurgia
Pediátrica, Ortopedia, Ginecologia e Cirurgia Plástica), conta com quatro salas
cirúrgicas, um enfermeiro e quatro auxiliares de enfermagem. Funciona em dois
turnos diários de 4 horas de trabalho em dias úteis. Todo o material é
preparado no próprio local.
No presente objetivou-se o estudo dos resultados obtidos com o tratamento
cirúrgico ambulatorial, de diversas doenças anorretais, num total de 437
cirurgias, analisando sua eficácia, segurança e complicações.
MÉTODO
O estudo retrospectivo dos 437 casos foi realizado através da revisão de
prontuários dos pacientes atendidos no Serviço de Cirurgia Ambulatorial do HC-
FMB, no período de 1996 a 2000.
Os pacientes chegavam ao centro cirúrgico ambulatorial cerca de meia hora antes
do procedimento, em jejum de 8 horas, sendo orientados quanto à realização de
enema com fosfato de sódio monobásico e dibásico 3 a 4 horas antes do mesmo.
Todos foram submetidos a anestesia local ou raquianestesia.
Após monitorização eletrocardiográfica, foi realizada punção venosa periférica
e iniciada sedação intravenosa com 5 a 7 mg de midazolam diluídos em 10 mL de
solução aquosa. A posição cirúrgica na maioria dos pacientes foi em decúbito
ventral com um coxim sob o púbis. A solução anestésica empregada consistiu de
lidocaína a 1%, com ou sem vasoconstrictor, sendo realizada a infiltração
perianal e submucosa, em leque.
As técnicas cirúrgicas empregadas foram as mesmas utilizadas nos pacientes em
regime de internação: doença hemorroidária (técnica aberta de Fergunson);
fissura anal (fissurectomia com esfincterotomia interna lateral); nos
condilomas (unidade eletrocirúrgica); cisto pilonidal (técnica de incisão e
curetagem) e fístula anal (fistulotomia com curetagem).
Após o procedimento cirúrgico, o paciente era mantido na sala de recuperação
por cerca de 1 a 2 horas, quando então recebia alta hospitalar em conjunto com
as orientações pós-operatórias.
RESULTADOS
DISCUSSÃO
É cada vez mais freqüente o tratamento em ambulatório das patologias orificiais
em coloproctologia em quase todos os serviços especializados. As técnicas
cirúrgicas empregadas, habitualmente, são de fácil e rápida execução, o que
contribui para o êxito dos procedimentos em ambulatório.
No caso do HC-FMB, a partir de 1996, com a criação do centro cirúrgico
ambulatorial, houve aumento progressivo no número desses procedimentos,
conforme demonstrado na Tabela_1, o mesmo relatado por diversos autores, no
nosso meio(8, 12, 14, 15).
Atualmente, no HC-FMB adotou-se como norma a realização das cirurgias
orificiais anorretais de menor complexidade em ambulatório, em vista da rapidez
e agilidade no atendimento dos pacientes, diminuindo desta forma, o tempo de
espera para a realização dessas cirurgias; outro fato importante reside na
dificuldade de internação de doenças de menor complexidade, em contra-posição a
pacientes com doenças neoplásicas, que necessitam de internação prolongada.
Essas características dos hospitais universitários na realização de cirurgias
de pequeno porte já foi relatada por SOBRADO et al.(16).
Quanto à análise das variáveis estudadas, no que diz respeito a sexo e idade,
nota-se que a maioria dos pacientes é jovem (62,8%), com menos de 45 anos de
idade (Tabela_2), havendo discreta predominância de pacientes do sexo feminino
(Tabela_3), predomínio este também evidenciado em outros estudos(10, 11).
Quanto ao tipo de anestesia, na maioria das vezes, utilizou-se somente a local,
sendo a lidocaína sem vasoconstrictor a droga mais utilizada, reservando-se
para casos isolados a raquianestesia (Tabelas_4, 5); a anestesia loco-regional
com lidocaína é, de fato, a mais freqüentemente utilizada nas cirurgias
ambulatoriais, chegando a taxas próximas a 90%(11, 17, 19). Este tipo de
sedação e de anestesia possibilita a realização segura e eficaz desses
procedimentos cirúrgicos, bem como permitem o retorno precoce do paciente ao
seu domicílio e recuperação mais rápida.
A doença mais prevalente foi a hemorroidária (45,1%), seguida, em menor número,
por fissuras e fistulas (25,6%) (Gráfico_1); esses dados demonstram que essas
são as patologias orificiais mais prevalentes em nosso meio, assim como o
observado em outros serviços(8, 12, 16), bem como com os dados referidos na
literatura(2, 3, 9, 13, 18, 20).
A incidência de complicações precoces (dor, sangramento, infecção,etc.) e
tardias (plicomas e mamilos residuais, estenose, etc.) na presente série foi
semelhante às relatadas na literatura(1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12,
18, 19, 20, 21). O índice geral de complicações precoces nos 437 procedimentos
realizados foi de 15,5%, sendo a maioria delas tratada com medidas clínicas.
Quanto à retenção urinária, muito freqüente nesse tipo de procedimento, apenas
três pacientes evoluíram com a necessidade de cateterização vesical. No serviço
onde foi desenvolvido este estudo, não se realizou a antibioticoprofilaxia para
tais procedimentos, embora isto seja rotina em alguns serviços(1, 2, 3, 4, 5,
6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16), não apresentando nenhuma complicação
séptica nos pacientes operados. Quanto aos demais tipos de complicações,
verificou-se que a dor pós-operatória foi a complicação mais freqüente (Gráfico
2), sendo que o uso de dipirona, diclofenaco sódico e/ou inibidores da
ciclooxigenase foi suficiente para o alívio da dor na maioria dos pacientes
desta série. Resultados semelhantes são encontrados na literatura(10, 11, 12,
13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21).
Segundo estudo feito por SOBRADO et al.(16) para a estimativa de custo,
comparando doentes submetidos a hemorroidectomia em unidade ambulatorial com
outros submetidos ao mesmo procedimento em esquema de internação hospitalar,
conclui-se que os pacientes operados em ambulatório o custo médio foi de 370
dólares americanos, quando comparado com o de 540, quando o procedimento foi
realizado em regime de internação, acarretando uma economia de 31,5%. No
Serviço de Cirurgia Ambulatorial do HC-FMB não foram realizados esses cálculos,
mas provavelmente os custos devam ser semelhantes.
CONCLUSÃO
Os resultados apresentados mostram a boa resolução da cirurgia ambulatorial nas
patologias anorretais. Constatou-se que as doenças proctológicas orificiais
podem ser tratadas com segurança e baixa morbidade em centro cirúrgico
ambulatorial, acarretando diminuição dos custos e agilidade na resolução dos
casos. As técnicas cirúrgicas são de fácil execução quando a cirurgia é bem
indicada, o nível de complicação é baixo, e a recuperação pós-operatória do
paciente se faz em curto espaço de tempo.