Acometimento metastático linfonodal no câncer colorretal
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLESINTRODUÇÃO
No Brasil, o carcinoma colorretal (CCR) é a terceira causa de óbito por tumores
malignos em mulheres e a quinta em homens(18). O acometimento metastático dos
linfonodos (LN) regionais é, isoladamente, o fator prognóstico mais importante
do CCR(21), sendo incorporado a todos os sistemas de estádio(2, 10, 13, 29). O
acometimento linfonodal metastático relaciona-se a fatores de pior prognóstico,
como doença mais avançada e presença de metástase em órgãos à distância(2, 4,
9, 13). Assim, a avaliação de metástases é fundamental no estádio do CCR, sendo
de importância primária na decisão de administração de quimioterápicos para o
tratamento dos pacientes(17, 26).
Nas duas últimas décadas, foram desenvolvidas novas técnicas visando aumento da
sensibilidade na detecção de metástase nos LN do CCR. Dentre elas, destacam-se:
uso de imunoistoquímica para surpreender micrometástases(12, 23), secções dos
LN em vários níveis e soluções para clareamento de gordura, que permitem a
dissecção de maior número de LN(10, 23).
Trabalhos recentes com análise de grande número de LN e, conseqüentemente,
aumento da acurácia do exame, demonstraram que o número de LN livres de
acometimento metastático está relacionado com maior sobrevida(10, 19, 30). A
avaliação do perfil qualitativo dos LN tem assumido importância crescente.
Nesse contexto, o estudo do LN sentinela(6, 10) (LN que recebe drenagem
linfática diretamente da lesão primária), do tamanho dos LN(10) e das
metástases nos LN(26, 32), da localização dos LN em relação à topografia da
lesão(8), à proximidade do tumor(11) e de tronco vascular específico(16) têm
sido avaliados em relação ao prognóstico. O uso da imunoistoquímica mostrou-se
método eficiente na detecção de micrometástases (metástases menores que 2 mm)
(6), com impacto no estádio e no prognóstico dos pacientes(6, 7, 12).
Os objetivos deste trabalho foram: a) avaliar o número de LN dissecados e
acometidos numa série de CCR; b) correlacionar o acometimento linfonodal com
indicadores de comportamento biológico do tumor; c) analisar o acometimento
linfonodal em relação à proximidade do tumor.
MATERIAL E MÉTODO
Estudaram-se CCR de pacientes operados no Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, no período compreendido
entre 2000 e 2004. As peças cirúrgicas foram analisadas no Serviço de Anatomia
Patológica do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade
de Medicina da UFMG, de acordo com protocolo padronizado em 1998(27).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (Processo nº
327/03).
Os LN regionais foram divididos, de acordo com a sua localização, em dois
grupos: peritumorais, definidos como aqueles LN localizados até 5,0 cm da borda
tumoral e os demais foram definidos como não-peritumorais.
Os dados foram levantados a partir das requisições dos exames e dos laudos
anatomopatológicos. Excluíram-se do trabalho os casos com tumor de sítio
primário desconhecido, os que sofreram remissão após terapêutica neoadjuvante,
aqueles com tumores múltiplos ou sem a discriminação da localização
(peritumorais e não-peritumorais) dos LN.
O número de LN dissecados e acometidos foi analisado em relação à topografia da
lesão, à invasão vascular e linfática e ao estádio TNM(29). Nas peças de
colectomia total foram incluídos os LN relacionados com o segmento do cólon
acometido pelo tumor. Dados referentes aos casos analisados entre 2000 e 2002
foram revistos de acordo com a atualização do sistema TNM(29). O CCR foi
topografado, de acordo com o sistema da American Joint Committee on Cancer(1),
em ceco, cólon ascendente, flexura hepática, cólon transverso, flexura
esplênica, cólon descendente, cólon sigmóide, retossigmóide e reto.
A comparação intragrupos foi feita pelos testes não-paramétricos de Mann-
Whitney e Kruskal-Wallis. A comparação entre o número de linfonodos acometidos
e diâmetro tumoral e os grupos de estádio foi feita através dos coeficientes de
correlação de Pearson e Spearman, respectivamente.
RESULTADOS
A amostra era composta por 185 pacientes com CCR, em que 81 (43,8%) eram do
sexo masculino e 104 (56,2%) do feminino. A idade média dos pacientes foi de
63,1 ± 14,6 anos. Predominaram os adenocarcinomas moderadamente diferenciados
(n = 143; 77,7%).
Em 185 pacientes estudados, dissecaram-se 3 906 LN (média: 21,1 LN dissecados/
paciente), dos quais 2 573 LN eram peritumorais (65,9%; média: 13,9 LN/
paciente) e 1 333 LN não-peritumorais (34,1%; média: 7,2 LN/paciente).
Detectaram-se metástases em 399 dos 2 573 LN peritumorais (15,5%) e em 72 dos 1
333 LN não-peritumorais (5,4%).
Em 99 pacientes (53,5%) não se observou acometimento linfonodal. Em 86
pacientes (46,5%) com metástases foram dissecados 1 942 LN, dos quais 471
estavam acometidos (média: 5,45 LN acometidos/paciente). Destes pacientes, em
26 constataram-se metástases nos LN peritumorais e não peritumorais; em 57
somente os LN peritumorais estavam acometidos; em três casos apenas os LN não-
peritumorais eram metastáticos.
Houve correlação positiva entre o número de LN acometidos nos grupos
peritumoral e não-peritumoral (P <0,001) (Tabela_1). Os três casos com
metástase exclusivamente no grupo não-peritumoral não apresentavam
características particulares, exceto pelo pequeno número de LN dissecados em
dois deles (Tabela_2).
O total de LN dissecados variou nos diferentes segmentos colônicos acometidos
(Tabela_3). O número de LN peritumorais dissecados em casos de tumores do ceco
foi significativamente maior (em média 7,9 LN a mais; P = 0,017) do que aquele
observado em tumores do reto e retossigmóide. O total de LN dissecados foi
maior nos tumores do cólon ascendente (n = 16; média = 27,8) e menor naqueles
da flexura esplênica (n = 06; média = 14,7), mas sem diferença significativa,
provavelmente devido ao pequeno número de pacientes com CCR (n = 22) nestas
localizações. Não houve diferença significativa entre os demais grupos de LN e
os segmentos do cólon (Tabela_3).
A média de LN peritumorais dissecados foi inferior a 12 LN em vários segmentos
(Tabela_3). Caso apenas os LN peritumorais fossem utilizados para o estádio, 28
(15,1%) pacientes teriam número insuficiente para um estádio adequado (pNx) no
sistema TNM(29). Com a inclusão dos LN não-peritumorais, apenas 10 (5,4%) casos
tiveram número insuficiente de LN para estádio adequado no sistema TNM, sendo
classificados como pNx.
O número de LN, dissecados e acometidos, correlacionou-se positivamente com
diâmetro tumoral (P <0,03). No entanto, quando se analisou isoladamente o
subgrupo de LN peritumorais acometidos, não se observou correlação com o
diâmetro tumoral (P = 0,45).
O estádio linfonodal (pN) associou-se significativamente com a profundidade do
tumor (pT) (P <0,002), conforme evidenciado na Tabela_4. A análise mostrou que
44 dos 54 pacientes (81,48%) com tumores mais superficiais (pT1 ou pT2) eram
pN0. Pelo contrário, dos 131 pacientes com tumores mais profundos (pT3 ou pT4),
apenas 54 (41,98%) eram pN0.
A presença de LN acometidos associou-se negativamente com a resposta
linfocítica peritumoral (P = 0,04). O número de LN acometidos, totais e
peritumorais, relacionou-se signifi cativamente com o acometimento de vasos
linfáticos (P <0,001) e sangüíneos (P <0,001). A resposta linfocítica
peritumoral apresentou correlação negativa com o número total de LN acometidos
(P = 0,03).
DISCUSSÃO
Há evidências de que o prognóstico e sobrevida de pacientes com CCR dependem
principalmente de estádio adequado, especialmente da avaliação de metástases
linfonodais(19, 30).
O estádio dos LN no CCR foi iniciado por DUKES(13), em 1932, modificado para o
sistema ASTLER e COLLER(2) em 1954. Atualmente, tem-se como alternativa o
sistema TNM(29), revisto em 2002 e que utiliza o número de LN envolvidos para
estádio.
Tema muito abordado recentemente tem sido o número necessário de LN para
estádio acurado dos tumores(17, 30). Estudos sugerem um ponto de corte situado
entre 6 e 17 LN(10). De acordo com o TNM, em casos sem metástases, são
necessários 12 LN para o estádio(10, 30). BILCHIK(5) defende que não há grande
benefício em se estabelecer um ponto de corte e que, quanto maior o número de
LN, maior será a acurácia do estádio(10). Atualmente, sugere-se o uso de
substâncias para clareamento de gordura para melhorar a identificação de LN e,
assim, aumentar o número de LN dissecados(28) em situações nas quais o número
mínimo de LN para estádio não é atingido(10), conduta que é adotada no Serviço
de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da UFMG.
O número de LN estudados sofre interferência de fatores interdependentes, tais
como: localização e características histopatológicas do tumor, aspectos
inerentes ao paciente, propósito do procedimento (curativo ou paliativo),
número de lesões, anatomia vascular de cada segmento(8, 20) e do tratamento
dispensado aos LN tanto cirúrgico, quanto anatomopatológico(4, 10, 17). Na
presente casuística, o número de LN dissecados (acometidos ou não) foi maior do
que em outros estudos(4, 19, 30, 32), demonstrando a qualidade da ressecção
cirúrgica e dissecção no Serviço. Na região peritumoral foram identificados 2/
3 dos LN dissecados e 79,45% dos LN acometidos, resultado semelhante ao
encontrado na literatura(11). Entretanto, em 29 pacientes (15,7%) havia
acometimento de LN não-peritumorais, o que é importante, considerando que se
observou correlação entre o número total de LN acometidos e outros indicadores
de prognóstico para CCR. O número de LN não-peritumorais variou com a
localização segmentar e com o diâmetro tumoral, possivelmente devido a maior
quantidade de material atribuído à fração restante ou por características
inerentes a cada segmento colônico(8) e à extensão da cirurgia. O
comprometimento exclusivo de LN não-peritumorais é raro. Na análise do presente
estudo, apenas em três casos observou-se metástase exclusivamente nos LN não-
peritumorais, resultado semelhante ao encontrado por CSERNI et al.(11) que, em
100 casos, identificaram apenas 1 paciente com acometimento de LN em frações
periféricas e não em proximais. Entretanto, poucos trabalhos analisam o
acometimento linfonodal, relacionando a distância dos LN ao tumor.
Houve associação dos critérios de agressividade tumoral entre si (resultados
não apresentados) e com o estádio, o que se relaciona a pior prognóstico. A
invasão de vasos sangüíneos, linfáticos e a resposta linfocítica peritumoral,
que implicam em prognósticos diferentes, são comumente relacionadas às
características específicas do tumor, como seu tamanho e acometimento da parede
colônica(14), expressão de mucina(3), diferenciação tumoral(15), tipo
histológico(25) e instabilidade de microssatélites(24). Estes pacientes
poderiam se beneficiar de ressecções cirúrgicas mais amplas(31).
O estudo mostrou que o grupo de LN mais impactante no estádio (pN) é o de LN
peritumorais, resultado justificado pelo maior número de LN no grupo, pela
característica da drenagem linfática(22) (mais próxima do tumor e intensa) e
pela provável presença do LN sentinela entre os LN peritumorais(6), sendo a
drenagem linfática aberrante incomum no CCR (4,0%)(10). Estudos objetivando a
otimização do pN mostraram que a análise detalhada do LN sentinela implica em
estádio mais acurado. Para isso, é utilizado estudo do perfil imunoistoquímico
(6), múltiplos cortes (a cada 2 ou 3 mm), resultando na detecção de maior
número de micrometástases (metástases com até 2 mm) e de células metastáticas
isoladas(6, 26).
CONCLUSÕES
Os CCR acometem, principalmente, LN peritumorais, mas em 15,7% dos casos havia
acometimento LN não-peritumorais, o que é importante no estádio e prognóstico
do CCR. O estádio pN e o número de LN acometidos relacionaram-se com outros
indicadores de prognóstico.
O estudo mais detalhado dos LN no CCR tem como objetivo melhorar a acurácia do
estádio, ao permitir melhor entendimento da biologia das metástases
linfonodais.