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BrBRCVHe0004-28032006000400013

BrBRCVHe0004-28032006000400013

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
Year2006
Issue0004
Article number00013

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Aspectos funcionais, microbiológicos e morfológicos intestinais em crianças infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana PEDIATRIC GASTROENTEROLOGY GASTROENTEROLOGIA PEDIÁTRICAINTRODUÇÃO A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) pode afetar todo o trato gastrintestinal e o sistema hepatobiliar(9). Trata-se de síndrome com gênese multifatorial, envolvendo a interação entre infecções oportunistas, absorção de nutrientes, alterações metabólicas e, possivelmente, lesão tecidual determinada pelo próprio HIV(13, 14). O trato gastrointestinal, por representar o maior órgão linfóide do ser humano, tem papel destacado na infecção pelo HIV.

Com exceção da transmissão parenteral, o trato gastrointestinal é a principal via de infecção pelo HIV por transmissão vertical e por contato oral e genital.

Os linfócitos da lâmina própria, por expressarem CCR5 e CXCR4, constituem a célula alvo inicial do HIV na mucosa intestinal. Desde a mucosa, o vírus se dissemina sistemicamente, desencadeando depleção das células CD4+, inicialmente na lâmina própria e, em seguida, no sangue. À medida que ocorre a depleção de linfócitos CD4+ circulantes e na mucosa, monócitos e macrófagos assumem importância crescente como célula alvo e reservatórios do HIV(28). A infecção pelo HIV determina, portanto, falência progressiva das funções fisiológicas e imunológicas do trato gastrointestinal. Os pacientes podem, então, apresentar absorção, perda de peso e desenvolver infecções oportunistas e doenças malignas do intestino(19).

As principais alterações morfológicas descritas no intestino delgado dos pacientes infectados pelo HIV são atrofia das vilosidades de grau variável, hiperplasia das criptas e aumento dos linfócitos intra-epiteliais, associadas ou não à presença de sintomas ou microorganismos, observadas em qualquer estágio da doença, sugestivas de uma enteropatia do HIV(16). No intestino grosso, tem sido observado grau de inflamação da mucosa comparável ao daquele em pacientes com doença inflamatória intestinal(24). Na investigação microbiológica do trato gastrointestinal podem ser identificados diversos microorganismos, oportunistas ou não, cujo encontro nem sempre está associado a manifestações clínicas. Os testes para avaliação da função intestinal mostram, freqüentemente, prejuízo na absorção nos diversos estágios da doença(11, 17).

Tendo em vista a importância do impacto das manifestações gastrointestinais da infecção pelo HIV em crianças e a escassez de informações a respeito em nosso meio, conduziu-se o presente estudo objetivando ampliar conhecimentos acerca da função absortiva e das características morfológicas e microbiológicas intestinais nesse grupo.

MATERIAL E MÉTODOS Casuística Foram selecionadas aleatoriamente, de forma prospectiva e consecutiva, entre agosto de 1994 e maio de 1995, 11 crianças infectadas pelo HIV, menores de 13 anos, pertencentes às categorias clínicas A, B ou C da classificação proposta pelos Centers for Diseases Control and Prevention (CDC)(6) no Ambulatório de AIDS da Disciplina de Infectologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo ' Escola Paulista de Medicina (UNIFESP ' EPM) e na Enfermaria e Ambulatório do Núcleo de Nutrição, Alimentação e Desenvolvimento Infantil (NUNADI) do Centro de Referência da Saúde da Mulher da Secretaria da Saúde de São Paulo, em São Paulo, SP. Foram constituídos dois grupos, a saber: grupo I - cinco crianças com história de pelo menos um episódio diarréico nos 30 dias que antecederam sua inclusão no estudo; grupo II - seis crianças, sem relato de ocorrência de diarréia no mesmo período. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP-EPM, sendo obtido consentimento escrito e esclarecido dos pais ou responsáveis legais pelas crianças. Os hemofílicos soropositivos para o HIV foram incluídos no estudo quando havia indicação clínica absoluta para realização de endoscopia digestiva alta.

Na admissão ao estudo foi preenchido um questionário padronizado com informações clínicas e epidemiológicas, seguido pela aferição do peso e estatura para classificação do estado nutricional segundo os critérios de Gomez modificados por BENGOA(4) e Waterlow modificados por BATISTA et al.(2), tendo como referência de normalidade as tabelas de percentis do National Center for Health Statistics (NCHS).

Investigação laboratorial Teste de absorção da D-xilose Após jejum de 4 horas os pacientes receberam 0,5 g de D-xilose (diluída em solução aquosa a 10%) por kg de peso, até um máximo de 25 g. Uma hora após sua administração, foi coletada amostra de sangue para determinação da D-xilose sérica pelo método colorimétrico, de acordo com técnica descrita por ROE e RICE (26). Valores menores que 25 mg/dL foram considerados como indicativos de absorção.

Cultura e parasitológico de fezes As amostras de fezes foram cultivadas nos meios SS, BEM e tetrationato para identificação de Escherichia coli, Salmonella e Shigella e nos meios Lowenstein Jensen e Stonebrink para identificação de micobactérias. A pesquisa de micobactérias também foi realizada por baciloscopia, usando-se a coloração de Ziehl-Nielsen. Rotavírus foi pesquisado pelos métodos imunoenzimático e de aglutinação no látex. A pesquisa de parasitas e helmintos foi realizada pelos métodos de Hoffman, centrífugo de sedimentação em formol-éter e de Rugai.

Cryptosporidium foi investigado pelo método de Ziehl-Nielsen.

Biopsia de intestino delgado A biopsia de intestino delgado foi realizada com utilização de uma sonda flexível de polietileno acoplada a uma cápsula de Watson na extremidade distal, segundo a técnica descrita por TOCCALINO e O'DONNEL(29), ou através de pinça endoscópica, nos casos em que o procedimento por cápsula não foi possível ser realizado ou com indicação clínica prévia de realização de endoscopia digestiva alta. Os fragmentos obtidos foram submetidos as colorações de hematoxilina- eosina, Giemsa, PAS, Prata e Ziehl-Nielsen e, nas amostras de tamanho satisfatório, foi realizada a pesquisa de micobactérias em tecido, segundo metodologia anteriormente descrita para as fezes. A interpretação dos fragmentos por microscopia óptica foi baseada na relação entre a altura das vilosidades e a profundidade das criptas e na intensidade do infiltrado inflamatório da lâmina própria, segundo critérios modificados de SHENCK e KLIPSTEIN(27). Assim, os parâmetros histológicos avaliados foram: a) altura ou comprimento da vilosidade da abertura da cripta até o topo da vilosidade; b) comprimento ou profundidade da cripta da abertura até o fundo da cripta que repousa sobre a muscular da mucosa. A relação entre a altura da vilosidade e a profundidade da cripta foi avaliada subjetivamente do seguinte modo: grau I ' relação entre 3 a 2 para 1: sem atrofia ou em grau muito leve, praticamente dentro da normalidade; grau II ' relação 1 para 1: atrofia leve; grau III - existe inversão da relação vilosidade/cripta, isto é, cripta pouco mais longa que a vilosidade: atrofia moderada, também chamada atrofia parcial; grau IV ' mucosa plana por intensa atrofia das vilosidades, também chamada atrofia subtotal; c) infiltrado celular da lâmina própria, constituído por linfócitos, plasmócitos e eosinófilos, avaliado em graus leve ou normal, moderado e intenso. Polimorfonucleares neutrófilos, que não existem na mucosa intestinal normal, quando ocorreram, foram também classificados em graus leve, moderado e intenso; d) linfócitos intra-epiteliais, que ocorrem normalmente no intestino delgado em número de até 30 por 100 enterócitos, foram avaliados em graus de aumento leve (30 a 40 por 100 enterócitos), moderado (entre 40 e 50 por 100 enterócitos) e intenso (acima de 60 por 100 enterócitos).

Biopsia retal A biopsia retal foi realizada com utilização da cápsula de Rubin. Os fragmentos obtidos foram submetidos as colorações de hematoxilina-eosina, Giemsa, PAS, Prata e Ziehl-Nielsen e, nas amostras de tamanho satisfatório, foi realizada a pesquisa de micobactérias em tecido, segundo metodologia anteriormente descrita para as fezes. A avaliação morfológica dos fragmentos de intestino grosso foi realizada por microscopia óptica, de acordo com os critérios de MORSON(22), considerando-se a análise da integridade do epitélio superficial (erosões), das glândulas e o infiltrado de linfócitos, plasmócitos e eosinófilos nos graus de intensidade leve, moderado e intenso.

RESULTADOS A idade das crianças variou de 5 a 149 meses (mediana de 24 meses), sendo seis do sexo feminino e cinco do sexo masculino. Nos 30 dias que antecederam à inclusão no estudo, cinco crianças haviam apresentado diarréia, das quais três assim se mostravam desde o início da investigação. Outros sintomas digestivos referidos foram vômitos (4/11), disfagia (1/11) e dor abdominal (1/ 11). Os medicamentos usados foram: zidovudina (9/11), didanosina (3/11), sulfametoxazol-trimetoprim (10/11), imunoglobulina intravenosa (2/11), nistatina (2/11), azitromicina (1/11) e associação de rifampicina, isoniazida e pirazinamida (1/11). Das 11 crianças, 9 foram infectadas pelo HIV por transmissão vertical, 1 por transfusão de hemoderivados (hemofílico) e 1 permanecia com modo de transmissão não esclarecido.

Segundo os critérios de Gomez modificados por BENGOA(4), para avaliação do estado nutricional, todas as 11 crianças apresentavam algum grau de desnutrição energético-protéica, sendo 6 de III grau, 2 de II grau e 1 de I grau. pelos critérios de Waterlow modificados por BATISTA et al.(2), aplicado para as duas crianças maiores de 5 anos, houve um caso de desnutrição pregressa e um de desnutrição crônica.

Coprocultura, realizada em 7 dos 11 pacientes, não identificou bactérias enteropatogênicas. Pesquisa de rotavírus foi negativa nas seis crianças em que foi realizada e o exame protoparasitológico também foi negativo nas oito crianças das quais foram obtidas amostras adequadas de fezes. Cryptosporidium foi identificado em 1 e o resultado foi duvidoso em outro dos 10 exames realizados. Dos cinco casos em que foi possível pesquisar, Mycobacterium avium intracellulare foi identificado em apenas uma amostra de fezes. A pesquisa de Mycobacterium avium intracellulare nos fragmentos de biopsia resultou negativa nas seis amostras investigadas, inclusive na do paciente em que foi identificado este microorganismo nas fezes.

A prova de absorção da D-xilose foi realizada em 9 dos 11 pacientes, com valores variando de 8,9 a 24,4 mg/dL, média de 15,6 mg/dL, mediana de 14,2 mg/ dL e desvio padrão de 5 mg/dL.

Dos 11 fragmentos de biopsias de intestino delgado obtidos, 1 foi excluído da análise por ser tecnicamente inadequado para exame (Tabela_1). Quanto à relação entre altura das vilosidades e profundidade das criptas, os resultados foram os seguintes: três com atrofia de vilosidades grau I (Figura_1), dois com grau I/ II, um com grau II, um com grau II/III e um com grau III/IV. Em dois casos não foi possível análise deste parâmetro, pois as amostras eram superficiais.

Linfócitos intra-epiteliais foram observados nos 10 fragmentos analisados (Figura_1), estando aumentados em 5, sendo 2 em quantidade leve, 2 em quantidade moderada e 1 em quantidade intensa. O infiltrado linfoplasmocitário da lâmina própria estava aumentado em 100% das amostras analisadas (10/10) e foi graduado em moderado (4/10), intenso (5/10), como se pode observar na Figura_2-A, e leve (1/10). O infiltrado de polimorfonucleares neutrófilos da lâmina própria estava aumentado em 7 das 10 amostras analisadas. Destas, três em grau leve, quatro em grau moderado e um em grau intenso. Em apenas um caso foi observada presença de microorganismos em forma de bastões, similares a bactérias, em meio ao muco que recobria o epitélio. Nesta amostra, uma crosta fibrino-leucocitária no topo da vilosidade fez supor lesão ulcerada.

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Foram realizadas oito biopsias retais e, destas, seis se prestaram à análise histopatológica. Quanto à integridade epitelial, em 100% (6/6) dos casos mostrava-se íntegra. O infiltrado linfoplasmocitário estava aumentado em todos os casos, variando de grau leve (3/6), como se observa na Figura_2-B, moderado (2/6) e intenso (1/6). A presença de infiltrado de polimorfonucleares neutrófilos foi observada em quatro casos, sendo de grau leve em três e intenso em um (Tabela_2 e Figura_3).

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DISCUSSÃO Este estudo foi realizado em período que antecedeu o advento da terapia anti- retroviral potente (HAART), no qual se dispunha apenas de monoterapia ou uso combinado de dois anti-retrovirais análogos de nucleosídios e, portanto, pequeno impacto clínico, imunológico e virológico na evolução da infecção pelo HIV. Sendo assim, a presente amostra deve representar condição muito próxima à observada na história natural da infecção pelo HIV nas crianças. Esta observação é importante, pois, ao se compararem biopsias de intestino de pacientes HIV positivos entre 1995 e 1998, período em que foi introduzida a HAART, MÖNKEMÜLLER et al.(20) constataram declínio significativo das infecções oportunistas gastrointestinais, mesmo nos indivíduos com CD4 baixo. De modo diverso, estudo conduzido na região sul do Brasil em 1999, envolvendo 104 crianças infectadas pelo HIV e em uso de HAART, identificou a presença de Cryptosporidium em 31,73% das amostras de fezes analisadas(25). Este mesmo estudo, no entanto, atribui ao uso da HAART a escassez de alteração no teste da D-xilose, observada em apenas 7,7% das crianças. Outro estudo envolvendo coorte de 671 pacientes infectados pelo HIV, entre 1995 e 1999, mostrou que 47,7% apresentavam absorção de D-xilose, 38,9% tinham diarréia e que em 12,2% foram identificados agentes patogênicos entéricos, sendo encontrado Cryptosporidium em apenas uma amostra de fezes. A identificação de microorganismos patogênicos nas fezes não tinha associação com ocorrência de diarréia. Esse estudo concluiu que a alteração da função gastrointestinal é também problema comum após o advento da HAART, tendo início precoce na evolução da infecção pelo HIV, mesmo na ausência de diarréia. A explicação para resultados tão distintos enfatiza a complexidade da interação de fatores sociodemográficos, exposição a agentes patogênicos diversos e estágio da infecção pelo HIV capazes de afetar a função gastrointestinal(15).

Embora com casuística pequena e num contexto de disponibilidade de arsenal terapêutico diferente, os resultados da presente série se assemelham aos reportados na literatura. Três dos 11 pacientes apresentavam diarréia. No entanto, os dois microorganismos oportunistas identificados, Cryptosporidium e Mycobacterium avium intracellulare, não estavam associados à ocorrência de diarréia. Ainda nesta casuística, o teste da D-xilose esteve abaixo do nível normal nos nove pacientes em que foi realizado, independentemente da ocorrência de diarréia como sintoma de absorção, fato também relatado por outros autores(16, 17). O paciente em que se identificou Mycobacterium avium intracellulare teve a D-xilose de valor mais baixo, ainda que com apenas grau II de atrofia de vilosidades no fragmento de intestino delgado obtido por biopsia. O encontro de absorção da D-xilose, mesmo com alterações histológicas mínimas da mucosa intestinal, também foi descrito, podendo os resultados alterados representar uma predição da ocorrência da enteropatia pelo HIV(5, 10). KNOX et al.(15) verificaram em sua casuística que a absorção da D-xilose ocorreu em indivíduos sem outros sinais de absorção, tais como diarréia, baixos níveis de vitamina B12 e de folatos no sangue ou perda de gordura nas fezes. Tais dados seriam sugestivos de que as alterações precoces determinadas pela enteropatia pelo HIV sejam freqüentes, porém não detectáveis, exceto por absorção alterada da D-xilose.

A análise histológica dos fragmentos de intestino delgado no presente estudo, mostrou graus variados de atrofia das vilosidades, alteração da relação altura da vilosidade versus profundidade da cripta nos oito casos em que a biopsia permitiu essa avaliação, infiltrado inflamatório crônico com predomínio de células linfomononucleares na maioria das amostras e aumento de linfócitos intra-epiteliais na metade dos casos analisados. Essas alterações não estavam correlacionadas com ocorrência de diarréia, nem com a presença de microorganismos ou alteração do teste da D-xilose, conforme descrito anteriormente. Inclusive, o paciente com grau mais intenso de atrofia vilositária (grau III/IV) desta casuística, não apresentava diarréia. Este polimorfismo das alterações estruturais do intestino e a nem sempre possível associação com ocorrência de sintomas clínicos, encontro de microorganismos e provas de absorção alteradas levou a hipótese da enteropatia pelo HIV, pioneiramente sugerida por KOTLER et al.(16) e ULLRICH et al.(30). Embora não se tenha realizado análise morfométrica, os achados histológicos desta série parecem coincidir, em alguns aspectos, com os descritos por BATMAN et al.(3) em estudo comparativo da morfometria da mucosa jejunal de pacientes infectados pelo HIV residentes em Uganda e Londres. Esses autores, a partir da observação de uma correlação negativa entre o comprimento das criptas e a área da superfície das vilosidades em todas as biopsias realizadas, sugerem que a hiperplasia das células da cripta constitui a lesão primária da mucosa na enteropatia, conduzindo enterócitos imaturos para as laterais das vilosidades e reduzindo a área de absorção das vilosidades através do deslocamento da junção cripta-vilosidade em direção ao lúmen. Sugerem, ainda, que a infecção das células da lâmina própria do jejuno pelo HIV alteraria a regulação de citocinas e estimularia a proliferação de células das criptas, resultando na lesão de mucosa observada na enteropatia do HIV. Segundo MARSH(18), este tipo de atrofia com hiperplasia de criptas e atrofia de vilosidades, que pode chegar à mucosa plana, observada também na doença celíaca e em outras enteropatias, seria causado por mecanismos regulados por linfócitos T. OKTEDALEN et al.(23), estudando 20 pacientes infectados pelo HIV com diarréia, constataram um padrão de absorção da D-xilose comparável ao observado em pacientes com doença celíaca. No entanto, esse acentuado comprometimento na absorção intestinal não pôde ser explicado pelas alterações observadas pela microscopia de luz dos fragmentos de intestino delgado, isto é, pouca inflamação da mucosa e vilosidades normais. a microscopia eletrônica mostrou enterócitos com sinais de hipofunção e degeneração e, portanto, correlacionando-se bem com o quadro de absorção intestinal em pacientes com infecção avançada pelo HIV e diarréia crônica. Experimentos mais recentes in vitro demonstraram que a glicoproteína 120 (gp 120) do HIV, ao acoplar-se com a proteína receptora GPR15/Bob, que existe em abundância na membrana basal do intestino delgado, induz à sinalização de cálcio e perda de microtúbulos nas células de linhagem intestinal HT-29, resultando em absorção e aumento na permeabilidade paracelular, configurando mecanismo plausível para a enteropatia do HIV(7).

Nas seis crianças deste estudo, nas quais foi possível fazer a análise morfológica das biopsias retais, destaca-se o encontro de infiltrado linfomononuclear aumentado em todas as amostras e de infiltrado polimorfonuclear neutrófilo em quatro das amostras, caracterizando quadro de infiltrado inflamatório não específico, também descrito na literatura. A presença dos neutrófilos indica atividade da lesão, isto é, fase de reagudização da lesão, que essas células não ocorrem normalmente na lâmina própria do trato gastrointestinal. CLAYTON et al.(8) documentaram progressão qualitativa e quantitativa nas alterações vistas na mucosa retal de indivíduos infectados pelo HIV, a qual se correlacionou com a presença e a quantidade do vírus no tecido colônico, sugerindo, além da enteropatia do HIV anteriormente comentada, que a mucosa intestinal poderia constituir local de proliferação e de destruição de linfócitos. Mais recentemente, MONNO et al.(21), comparando amostras de HIV obtidas concomitantemente do sangue e de tecido retal, verificaram padrões de resistência aos anti-retrovirais diferentes, dando suporte à idéia de evolução genotípica variável do HIV nos diferentes compartimentos corporais e enfatizando a participação da mucosa intestinal na seleção do genótipo do HIV.

Desnutrição, na presente casuística, esteve presente em todas as crianças, na maioria em sua forma grave (III grau), quando consideradas as menores de 5 anos, denotando o impacto da infecção pelo HIV nesses pacientes. a avaliação das duas crianças maiores de 5 anos evidencia agravo nutricional de longa duração, tendo em vista o comprometimento da estatura de ambos. Não se pode desprezar o efeito que o meio ambiente adverso, ao qual essas crianças são submetidas, exerce nesse contexto, pois algumas delas identificavam-se perfeitamente na descrição da síndrome que FAGUNDES-NETO et al.(12) denominaram de enteropatia ambiental, em que são observados graus variáveis de atrofia das vilosidades e infiltrado linfoplasmocitário do córion, à semelhança dos resultados do estudo presente. A desaceleração do crescimento ponderal e de estatura parece ser a alteração mais comum nas crianças infectadas pelo HIV e é acompanhada por decréscimo preferencial da gordura livre ou da massa corporal magra. Podem estar associadas deficiências de vários micronutrientes, alterações neuroendócrinas, infecções do trato gastrointestinal e absorção de carboidratos, gordura e proteína na gênese desse processo. As crianças infectadas pelo HIV que têm crescimento retardado, apresentam cargas virais mais elevadas quando comparadas com as que têm crescimento normal e a supressão do HIV parece exercer papel favorável na retomada do ganho ponderal e da estatura. Estuda-se, atualmente, o potencial dos agentes anabolizantes no manuseio clínico dessa condição(1).

Os dados deste estudo são compatíveis com os descritos na literatura, embora se tenham encontrado apenas lesões histológicas sem especificidade. Considerando- se a escassez de informações sobre o trato gastrointestinal em crianças infectadas pelo HIV, os resultados da presente série contribuem para melhor compreensão da evolução da infecção pelo HIV na faixa etária pediátrica. Um passo futuro, seria avançar na análise ultra-estrutural para melhor caracterizar a enteropatia do HIV, bem como avaliar o impacto da absorção intestinal na biodisponibilidade dos medicamentos anti-retrovirais e a busca de estratégias de suporte nutricional específicas para esses pacientes.

AGRADECIMENTO Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) pela bolsa de mestrado da Dra. Christiane Araujo Chaves Leite.


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