Modelo experimental de indução de lesão oxidativa hepática em ratos por
halotano
GASTROENTEROLOGIA EXPERIMENTALEXPERIMENTAL GASTROENTEROLOGY
Modelo experimental de indução de lesão oxidativa hepática em ratos por
halotano
Experimental model of liver oxidative damage induction in rats by halothane
Luis Josino BrasilI; José Luiz Gomes do AmaralII; Claudio Galeano ZettlerIII;
Claudio Augusto MarroniIV; Rafael VercelinoV; Norma MarroniV
IServiço de Anestesiologia, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre, RS
IIDepartmento de Anestesiologia e Cuidados Intensivos, Universidade Federal de
São Paulo, SP
IIIDepartamento de Patologia, Fundação Faculdade de Ciências Médicas de Porto
Alegre, RS
IVDepartamento de Hepatologia, Fundação Faculdade de Ciências Médicas de Porto
Alegre, RS
VLaboratório de Fisiologia Experimental, Hospital das Clínicas de Porto Alegre,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS
Correspondência
INTRODUÇÃO
Muitos pesquisadores têm dedicado esforços para elucidar os mecanismos
subjacentes à lesão hepática provocada pelo anestésico halotano. Demonstrou-se
a formação de espécies reativas de oxigênio in vivo após a exposição ao
halotano pela espectroscopia paramagnética eletrônica(9) ou pela quantificação
de fluorino sub 2-isoprostanos(1). No entanto, a formação de radicais derivados
de lipídios tem sido controversa(10) ou não observada(18). Vários estudos têm
indicado que a hipóxia aumenta a ligação de metabólitos do halotano a
componentes da fração microssomal hepática(16).
Em um estudo, ratos com indução enzimática prévia, foram expostos por 2 horas,
a concentrações de O2 de 14% e halotano 1%, resultando com necrose centro-
lobular em 24 h (fenobarbital 1 mg/mL na água de beber), por 10 dias antes do
evento(14). Esses resultados suportam a hipótese de que o halotano é
metabolizado até intermediários hepatotóxicos em um modelo associado ao
citocromo p-450 redutivo ou não-dependente de O2. LIND et al.(11) demonstraram
que o grau de hepatotoxicidade máxima determinada por alterações morfológicas e
atividade de ALT correlaciona-se com a concentração de halotano e de citocromo
P-450 hepático.
Existem vários modelos animais que reproduzem lesão oxidativa hepática, a
maioria possui alta mortalidade e tempo gasto para seu êxito em relação ao
modelo com halotano. Dentre os agentes etiológicos utilizados destacam-se o
álcool, o tetracloreto de carbono e a ligadura de canal biliar(5, 13, 19).
O objetivo do presente trabalho foi confirmar se o halotano causa peroxidação
lipídica e alteração nas enzimas antioxidantes in vivo em curto período de
tempo e pode, portanto, ser utilizado como modelo experimental de lesão
oxidativa hepática. Determinaram-se os efeitos do fenobarbital, da hipóxia e do
halotano separadamente nesse processo. Finalmente, determinou-se se a
peroxidação lipídica é acompanhada de injúria hepática (alterações estruturais
e de aminotransferases hepáticas).
MÉTODOS
Foram utilizados ratos machos, Wistar, com peso entre 250 e 350 g, provenientes
do Biotério do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.
Todos os procedimentos realizados estavam de acordo com as normas estabelecidas
pela comissão de pesquisa e ética em saúde contidas na "Pesquisa em Saúde e
Direito dos Animais", de autoria do grupo de pesquisa e pós-graduação do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre(6).
Os animais foram divididos em cinco grupos experimentais:
Grupo CO ' sem tratamento; grupo HO14 - receberam fenobarbital na água de beber
ad libitum por 10 dias e foram submetidos a concentração hipóxica de O2 a 14% e
halotano a 1% por 2 Hs; grupo F ' receberam fenobarbital na água de beber ad
libitum por 10 dias; grupo O14 - foram submetidos a concentração hipóxica de O2
a 14% por 2 Hs; grupo H - foram submetidos a concentração de halotano a 1% por
2 h.
Os animais foram inalados no interior de uma caixa padronizada(13) tiveram a
concentração de oxigênio aferida através de um oxímetro ambiental e foram
monitorados por uma câmera na caixa inalatória. Para obtenção dos tecidos, os
animais dos grupos inalados (O14, H, e HO14) foram sacrificados 24 horas após a
exposição, junto com os demais grupos através de laparotomia mediana e amostras
de tecido hepático e sangue foram colhidas. Os tecidos foram colocados em
solução de tampão fosfato 20 mM, ph 7,4 (KCl 140 mM) na proporção de 9 mL por
grama de tecido. Os fígados foram homogeneizados por 40 segundos, a temperatura
de 0-2º centígrados. Os homogeneizados foram centrifugados por 10 minutos a
4000 rpm. Desprezou-se o precipitado de cada amostra e o sobrenadante foi
armazenado e congelado a '80º centígrados(14).
Para a avaliação da lipoperoxidação utilizou-se a técnica de quimiluminescência
(QL) e das substâncias que reagem ao ácido tiobarbitúrico (TBARS).
O método para determinar a QL consistiu em adicionar um hidroperóxido orgânico
de origem sintética (hidroperóxido de tert-butila) ao homogeneizado de tecido
em estudo. A QL foi medida em um contador com o circuito de coincidência
desconectado e utilizado o canal de tritio operando como um luminômetro. Os
resultados foram expressos em contagem por segundo (cps) por mg de proteína
(15).
A técnica de TBARS foi realizada conforme descrito anteriormente(16) utilizando
1,5 mL de solução de ácido tricloroacético (TCA) 10%, 0,5 mL de homogeneizado
de tecido hepático, 1,0 mL de ácido tiobarbitúrico (TBA) 67% e água destilada.
Essa mistura foi aquecida a 100ºC em banho-maria durante 15 minutos e resfriada
em gelo. Após adição de 3 mL de álcool n-butílico e agitação por 40 segundos,
esse material foi centrifugado por 10 minutos a 3000 rpm e obteve-se um
sobrenadante corado, resultante da reação de malondialdeído e outros
subprodutos liberados na lipoperoxidação. O sobrenadante foi colocado em cubeta
de quartzo para leitura a 535 nm em espectofotômetro. Os resultados foram
expressos em nanomoles por miligramas de proteína (nmoles/mg prot).
A determinação da atividade da enzima superóxido-dismutase (SOD) foi baseada na
inibição da reação do radical superóxido com a adrenalina. A SOD, presente na
amostra em estudo, competiu pelo radical superóxido através do sistema de
detecção. Os resultados foram expressos em unidades de SOD por mg de proteína
(17).
A atividade da enzima catalase (CAT) foi realizada conforme modelo previamente
descrito(11), baseado na velocidade de consumo de peróxido de hidrogênio na
amostra de tecido hepático. Utilizaram-se, nessa técnica, 955 µl de tampão
fosfato (50 nM, ph 7,4), e 10 µl de homogeneizado de tecido hepático em cubeta
de quartzo, onde foi adicionado 35 µl de peróxido de hidrogênio (0,3 M). A
velocidade da decomposição do H2O2 foi medida espectofotometricamente a 240 nm.
Os resultados foram expressos em nmol/mg de proteína.
Pela técnica da punção do plexo venoso retro-orbital com tubo de capilar de
vidro heparinizado, colheu-se sangue utilizado para as dosagens de AST e ALT e.
Esta dosagens foram realizadas no Laboratório Central da Santa Casa de
Misericórdia de Porto Alegre.
Cortes com 5 µm de fixado, com tecidos hepáticos fixados em formalina e
embebidos em parafina foram submetidos a coloração com hematoxilina e eosina e
analisadas em diferentes aumentos (100 a 400X). Os achados foram classificados
de acordo com os critérios clássicos para lesão hepática por halotano descritos
anteriormente(6).
1 ' Normal
2 ' Alguma pequena variação ou ocasional vacuolização/células em balão
3 ' Ocasional necrose centro lobular
4 ' Muitas áreas de necrose centro lobular
5 ' Necroses centro lobulares confluentes
A análise estatística foi feita por ANOVA, seguido de teste de TUKEY como pós-
teste, sendo considerados significativos os resultados com P menores que 0,01.
Os resultados foram expressos como média ± desvio padrão. Os dados da avaliação
histológica foram apresentados através de mediana e amplitude entre quartis.
RESULTADOS
Lipoperoxidação hepática
Nota-se que a lipoperoxidação dos animais que receberam o modelo completo de
lesão hepática por halotano (HO14) aumentou significativamente, quando
comparada ao grupo controle, tanto na técnica de QL quanto por TBARS (P<0,01).
Observa-se também que os animais que receberam o modelo incompleto (F, O14 e H)
não apresentaram lipoperoxidação significativamente superior ao grupo controle
(P>0,01).
Enzimas antioxidantes
Houve aumento significativo na atividade da enzima superóxido-dismutase (SOD)
no grupo HO14 em relação ao grupo controle, conforme mostra a Figura_1, e não
foram observadas diferenças nos demais grupos em relação ao grupo controle.
Observou-se redução significativa na atividade da enzima catalase (CAT) nos
grupos HO14 , H e O14 em relação ao controle enquanto o grupo F foi semelhante
ao controle, conforme mostra o Figura_2.
Enzimas hepáticas
Houve aumento significativo na atividade da enzima AST e ALT no grupo HO14 em
relação ao grupo controle, sendo os demais grupos sem diferença significativa
em relação ao controle.
Análise histológica
Os índices histopatológicos da extensão da injúria halotano-induzida foram
maiores que 3 em todos os animais do grupo HO14 e menor que 3 em todos os
animais dos demais grupos (Tabela_3). Fotos representativas dos escores 4
(HO14) e 1 (histologia normal-grupo controle) são apresentadas nas Figuras_4 e
5.
DISCUSSÃO
Procurou-se, inicialmente, reproduzir um modelo experimental de lesão hepática
por halotano a partir do modelo clássico associado à hipóxia(6). Durante a
reprodução não houve qualquer perda de animais, adicionalmente o modelo
necessitou de apenas 10 dias para ser completado. Esses dois aspectos
representam vantagem em relação a outros modelos animais de lesão oxidativa
hepática(8, 9, 10).
Os resultados obtidos na avaliação da peroxidação lipídica e enzimas
antioxidantes evidenciaram aumento do estresse oxidativo como previamente
demonstrado(2, 3), associados à modificação das enzimas antioxidantes nos
animais do grupo HO14. Esses achados sugerem uma relação entre as alterações
encontradas nos marcadores de injúria hepática (aminotransferases e
histopatologia) provocados pelo modelo completo e a formação de espécies
reativas de oxigênio pelo sistema microssomal hepático.
A avaliação da peroxidação lipídica, demonstrou a impossibilidade da hipóxia,
fenobarbital ou halotano isoladamente provocarem resposta de indução na
peroxidação lipídica em relação ao controle para o nível de significância
estabelecido (P<0,01). Isso reforça a hipótese de que o mecanismo envolvido na
lesão oxidativa hepática por halotano é mais intenso com indução enzimática
prévia, baixas concentrações de O2 e exposição ao halotano aplicados
simultaneamente(2). A resposta significativa de consumo da enzima CAT nos
grupos H e O14 sugerem mecanismos adaptativos das defesas antioxidantes que
podem ter contribuído para impedir o aumento significativo na peroxidação
hepática e nas aminotransferases bem como contribuído para a ausência de
alterações histopatológicas nesses grupos.
Observou-se consumo significativo da enzima CAT no grupo HO14 associado a
aumento significativo da SOD, sendo que o responsável pelo efeito na SOD
poderia ser o aumento na produção do ânion superóxido, potente radical livre,
que teria provocado aumento adaptativo na SOD. O mecanismo proposto é que o
ânion superóxido transformado em peróxido de hidrogênio forma o radical
hidroxil, principal iniciador da lipoperoxidação(18). Isso causa a remoção de
um átomo de hidrogênio do ácido graxo polinsaturado presente na membrana
celular resultando em lipoperoxidação. No grupo HO14 apesar dos mecanismos
adaptativos antioxidantes de consumo na CAT e aumento na SOD, confirmamos o
aumento significativo.da peroxidação lipídica em relação ao controle.
As enzimas aminotransferases, quando elevadas, sugerem disfunção hepática,
relacionada às lesões de destruição de tecidos ou alteração da permeabilidade
celular(19). Não se encontrou aumento significativo nas aminotransferases
associado à importante alteração histopatológica nos fígados dos animais que
receberam o modelo em relação ao grupo controle.
CONCLUSÕES
Pelos resultados obtidos, observou-se a ocorrência de lesão oxidativa hepática,
acompanhada de alterações histopatológicas e enzimáticas nos animais submetidos
ao agente tóxico, em tempo bastante curto comparativamente a outros modelos
animais, o que permite o desenvolvimento de pesquisas que envolvam o estresse
oxidativo hepático e serve de subsídio para futuras avaliações da potencial
modificação do estado red-ox hepático por outros agentes. A utilização do
halotano apresenta ainda a vantagem de sua fácil aquisição no mercado por ser
uma droga utilizada clinicamente, ao contrário de outros modelos que necessitam
de drogas de difícil obtenção devido à alta toxicidade (p.ex. CCl4).
Adicionalmente verificou-se que os animais submetidos isoladamente ao
fenobarbital, hipóxia e halotano, não apresentaram peroxidação lipídica e
injúria hepática no nível de significância estabelecido.