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BrBRCVHe0004-28032007000200002

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National varietyBr
Year2007
SourceScielo

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Prevalência da infecção por Helicobacter pylori e das lesões precusoras do câncer gástrico em pacientes dispéticos ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLE

Prevalência da infecção por Helicobacter pylori e das lesões precusoras do câncer gástrico em pacientes dispéticos

Prevalence of Helicobacter pylori infection and gastric cancer precursor lesions in patients with dyspepsia

Leandro Bizarro MullerI; Renato Borges FagundesI, II; Claudia Carvalho de MoraesI; Alexandre RampazzoI IServiço de Gastroenterologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Maria, RS IIPrograma de Pós-graduação: Gastroenterologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS Correspondência

INTRODUÇÃO O câncer gástrico é a segunda causa mais comum de morte por câncer no mundo e quase dois terços dos casos ocorrem em países em desenvolvimento(28). Progresso significante na etiologia do câncer gástrico foi a identificação do Helicobacter pylori (H. pylori) e as evidências acumuladas que levaram a sua classificação como fator importante ligado ao processo da carcinogênese gástrica. No entanto, tem-se observado grande heterogeneidade entre as populações, no que diz respeito ao risco do desenvolvimento de câncer gástrico associado à infecção pelo H. pylori, notando-se que nas populações com alta prevalência da infecção somente uma fração da mesma irá desenvolver câncer gástrico(15).

Estudos da mucosa gástrica em populações de alto risco têm revelado uma série de lesões que, seqüencialmente, evoluiriam da condição normal para gastrite crônica não-atrófica (GCNA), que evoluiria para gastrite atrófica (GA) e metaplasia intestinal (MI) e, finalmente, para displasia e adenocarcinoma(7, 8, 10, 35). Portanto, a infecção pelo H. pylori determina a ocorrência de inflamação crônica da mucosa gástrica que pode persistir por décadas e conferir risco aumentado para o desenvolvimento do câncer gástrico(17).

Do ponto de vista epidemiológico, tanto a prevalência do H. pylori, quanto a sua relação com lesões precursoras do câncer gástrico, apresentam distribuição variável em todo o mundo. Estima-se que cerca de 50% da população mundial esteja infectada pelo H. pylori, sendo que esta prevalência é maior nos países em desenvolvimento. No Brasil a prevalência do H. pylori tem sido relatada, entre adultos e crianças, em taxas que variam de 34% a 80%(4, 5, 27, 32) e a prevalência das lesões precursoras do câncer gástrico, até onde se conhece, foi relatada em indivíduos infectados pelo H. pylori, familiares em primeiro grau de pacientes com câncer gástrico, na região nordeste(24).

O objetivo do presente estudo foi investigar a prevalência da infecção pelo H.

pylori e a prevalência das alterações histológicas precursoras do câncer gástrico, bem como a associação da infecção com as lesões precursoras, em pacientes submetidos a endoscopia digestiva alta em serviço de referência da região central do Estado do Rio Grande do Sul.

MÉTODOS Foram revisadas biopsias gástricas obtidas por endoscopia digestiva alta, de pacientes nos quais foi pesquisada a presença do H. pylori, no período compreendido entre 1994 e 2003. Incluiram-se, no estudo, as biopsias realizadas em pacientes dispépticos que apresentavam no exame endoscópico, pelo menos, uma das seguintes situações: 1) presença de lesões da mucosa gastroduodenal como erosões e úlceras, 2) história prévia de úlcera péptica, 3) pacientes gastrectomizados, 4) diagnóstico histológico prévio de metaplasia intestinal ou gastrite crônica, 5) história de câncer gástrico em familiar de primeiro grau, 6) por solicitação do médico-assistente, mesmo na ausência de lesões ao exame endoscópico. As biopsias foram realizadas no antro e no corpo gástricos e foram obtidos dois fragmentos de cada região. As lâminas foram todas coradas pelo método da hematoxilina-eosina (H-E) e os diagnósticos histológicos foram classificados como mucosa normal, GCNA, GA e MI, de acordo com o sistema de Sydney(34, 36), detalhados a seguir.

GCNA (Figura_1) foi diagnosticada quando se identificou processo inflamatório linfoplasmocitário na lâmina própria; neutrófilos na camada superficial e ausência de atrofia. GA (Figura_2) foi caracterizada por perda de glândulas, infiltrado inflamatório linfocitário, hiperplasia dos cólons glandulares e depleção de mucina. MI (Figura_3) foi diagnosticada quando a mucosa se assemelhava à do intestino delgado com células caliciformes, com ou sem distorção das glândulas.

Foram excluídas as biopsias cujos laudos eram inconclusivos e não permitiam a classificação nas categorias descritas acima. Nos pacientes com mais de um exame endoscópico com biopsia, foi incluída no estudo a amostra mais recente, ou com o estágio mais avançado de diagnóstico histológico e/ou aquele em que a pesquisa de H. pylori era positiva. Foi calculada a razão de chances para cada categoria diagnóstica em relação à presença da infecção pelo H. pylori. A significância estatística foi obtida através do teste do qui-quadrado, com intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS Preencheram os critérios de inclusão biopsias de 2.019 pacientes. A idade média foi de 52 + 14,9 anos, com predomínio do sexo feminino (59%) e da raça branca (92%). A presença de H. pylori foi constatada em 1.548 pacientes, determinando prevalência da infecção na população estudada de 76%. O diagnóstico histopatológico de GCNA foi encontrado em 1.555 pacientes (77%), GA em 55 pacientes (3%) e MI foi verificada em 309 pacientes (15%). Mucosa com padrão histológico normal esteve presente em 100 pacientes (5%). A relação das alterações histológicas com a faixa etária dos pacientes estudados encontra-se na Tabela_1 e não foi encontrada diferença estatística na prevalência do H.

pylori entre os grupos etários estudados, assim como não foi observada relação significativa entre os sexos.

A relação da infecção pelo H. pylori com os diagnósticos histológicos está detalhada na Tabela_2. Os pacientes com infecção pelo H. pylori apresentaram razão de chances 10 vezes maior (IC 95% = 6.50%'17%) de apresentar algum dos graus de lesão da mucosa gástrica do que aqueles com ausência de infecção pelo H. pylori. A prevalência global de GCNA foi de 77% com 82% dos pacientes infectados. A prevalência de GA foi de 3% com a infecção presente em 71% das mesmas. MI apresentou prevalência global de 15% com infecção presente em 66% dos pacientes. Em 34% dos pacientes com MI não foi identificada infecção por H.

pylori. A razão de chances para a ocorrência de GCNA associada à presença da infecção pelo H. pylori foi igual a 3 (IC95% = 2,2-3,4). A razão de chances para GA e MI foi inferior a 1 (Tabela_2).

DISCUSSÃO Embora a incidência do câncer gástrico venha diminuindo, estima-se que o declínio no número de casos novos não seja tão acentuado devido ao aumento da longevidade e ao crescimento populacional(28). No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que 14.970 novos casos de adenocarcinoma gástrico surgirão em 2006, com taxa de incidência equivalente a 16 casos por 100.000 hab e 9 casos por 100.000 hab no mesmo período para homens e mulheres, respectivamente(16).

Estudos epidemiológicos têm demonstrado risco aumentado de até 6 vezes para o desenvolvimento de adenocarcinoma gástrico em indivíduos infectados pelo H.

pylori(2, 13, 14, 29). O adenocarcinoma gástrico atinge altas taxas de incidência em países orientais como China e Japão, especialmente quando comparadas com as taxas encontradas no ocidente. UEMURA et al.(41)encontraram incidência de 2,9% de câncer gástrico em 1.246 pacientes japoneses infectados pelo H. pylori, acompanhados prospectivamente e nenhum caso em 280 pacientes H.

pylori negativos. Outros estudos têm mostrado associação entre a infecção pelo H. pylori e as lesões gástricas precursoras de neoplasia(11, 44, 45).

No presente estudo a prevalência da infecção pelo H. pylori foi elevada, situando-se entre os níveis mais altos encontrados em estudos anteriores realizados no Brasil, cujos relatos têm variado de 34,1% a 80%(4, 5, 27, 32). A presença da infecção pelo H. pylori determinou uma probabilidade 3 vezes maior de ocorrência de GCNA, o que está de acordo com os dados existentes sobre o papel do H. pylori na gênese da gastrite crônica. No entanto, a presença do H.

pylori não apresentou associação de risco com GA e MI. Além disso, verificou-se que, embora a ocorrência de MI em pacientes infectados tenha sido maior em números absolutos (205/104), a prevalência global de MI foi maior nos pacientes H. pylori negativos (104/482 - 21%), do que nos pacientes H. pylori positivos (205/1537 - 13%). divergência desses resultados com outros encontrados na literatura mundial. CU et al.(11) encontraram prevalência significativamente maior de MI em pacientes H. pylori positivos (35% vs. 11,1%), em estudo envolvendo 347 pacientes dispépticos. Achados semelhantes foram encontrados por UEMURA et al. (37% vs. 2%)(41). Os estudos publicados na literatura mundial que demonstram esta forte relação entre a presença do H. pylori e a ocorrência de MI e de câncer gástrico são, em sua maioria, realizados em áreas de alta incidência de neoplasia gástrica, especialmente Japão, China e outros países orientais. Porém, a heterogeneidade na associação entre infecção pelo H. pylori e o desenvolvimento de câncer de estômago entre as populações foi sugerida (15) e alguns estudos realizados em áreas de menor incidência de câncer gástrico não foram capazes de demonstrar de forma significativa esta associação (1, 12, 22, 33, 37).

Por um lado, sabe-se que o método de coloração pela H-E apresenta limitações na identificação do H. pylori em casos de GA e MI, quando a colonização da mucosa gástrica pela bactéria apresenta densidade baixa(3, 6, 21, 39), sendo necessário o uso de colorações com maior sensibilidade. Métodos especiais de coloração como Warthin-Starry Silver e Genta têm sido propostos para melhorar a identificação do H. pylori, porém são métodos muito complexos para serem usados de rotina. Como as biopsias analisadas no presente estudo foram coradas pela H- E, talvez se possa estar subestimando a prevalência da infecção. Além disso, a falha na identificação da bactéria é significativa nos casos em que porções extensas de mucosa atrófica ou metaplásica estão presentes. A MI deve ser considerada condição que marcadamente reduz a chance de identificação do H.

pyloriem biopsias, mesmo quando é coletado grande número de amostras, como sugerido pelo sistema Sydney(38). Essa pode ser uma razão que explicaria o fato da infecção pelo H. pylorinão ter determinado risco para a ocorrência de GA e MI neste grupo de pacientes.

Por outro lado, sabe-se também, que o câncer gástrico e suas lesões precursoras têm origem multifatorial e neste caso, parece lógico se pensar que outros fatores, além do H. pylori, possam estar relacionados à ocorrência destas lesões.

A redução ou ausência de relação encontrada entre a presença do H. pylorie a ocorrência de lesões neoplásicas e pré-neoplásicas gástricas em alguns estudos, pode ser decorrente de diferenças entre fatores ambientais, características do hospedeiro ou infecção por diferentes cepas de H. pylori. Ingesta de compostos nitrogenados, dieta rica em sal e pobre em frutas, verduras e vitamina C, bem como tabagismo e ocorrência de refluxo biliar parecem estar relacionados a maior ocorrência de lesões pré-neoplásicas e câncer gástrico(9, 18, 19, 25, 42, 43).

Tem sido hipotetizado que somente uma parcela dos indivíduos infectados pelo H.

pylori desenvolverão doenças gastroduodenais porque algumas cepas do H.

pylorisão mais patogênicas que outras. Vários estudos têm demonstrado que a infecção com H. pylori cag-A positivo é associada a alterações no ciclo celular e apoptose do epitélio gástrico e com níveis mais acentuados de inflamação(23, 31). O H. pylori cag-A positivo também tem sido associado com maior intensidade de atrofia e MI(20, 26, 30).

As condições mencionadas acima e as interações entre oH. pylori e outros fatores ambientais, tais como tabagismo e hábitos alimentares(19, 40), que podem influenciar na prevalência das lesões investigadas, não foram acessadas pelo estudo presente devido ao seu próprio desenho (estudo transversal retrospectivo) e, por isso, o mesmo apresenta algumas limitações.

A primeira limitação é que a amostra foi constituída por indivíduos que possuíam alguma indicação para a realização de endoscopia digestiva alta, não sendo uma amostra representativa da população geral, o que justifica a alta prevalência encontrada de infecção por H. pylori. Por outro lado, não se pode deixar de levar em conta que os pacientes atendidos na região aqui em destaque são, na sua maioria, de baixo nível socioeconômico, importante fator de risco para a infecção pelo H. pylori. A idade é outro fator sabidamente associado à infecção pelo H. pylori e o desenvolvimento de lesões precursoras, porém não se encontrou diferença na sua prevalência entre os grupos etários. Esse achado pode estar associado ao fato de que a amostra estudada é constituída predominantemente de população de nível socioeconômico mais baixo, onde a infecção por H. pylori é freqüentemente mais precoce. Outro fator importante a ser considerado é o fato de todos os pacientes possuírem indicação para a pesquisa de H. pylori, o que poderia anular as diferenças entre as faixas de idade. A segunda limitação é a dificuldade de um estudo transversal, como o presente, inferir relação de causalidade para as associações estudadas devido a inexistência de relação temporal entre a exposição e os desfechos. As informações obtidas podem ser utilizadas para explorar relação entre variáveis, mas as mesmas devem ser interpretadas com cautela porque podem ocorrer vieses devidos a fatores internos ou externos na seleção da população estudada. Este problema pode ser resolvido com a constituição de uma coorte a partir deste estudo transversal, dos indivíduos com as diferentes lesões precursoras, infectados ou não pelo H. pylori.

Apesar das limitações mencionadas, o presente estudo acrescenta informação sobre a prevalência da infecção e das lesões precursoras do câncer gástrico, preenchendo lacunas do conhecimento e propondo novas perspectivas de investigação.

CONCLUSÃO A prevalência de H. pylori nesta amostra foi de 76% e os indivíduos com infecção apresentaram uma razão de chances 10 vezes maior para a ocorrência de qualquer grau de lesão da mucosa gástrica. As lesões precursoras apresentaram prevalência de 77% para GCNA, 3% para GA e 15% para MI. A infecção pelo H.

pylori determinou probabilidade 3 vezes maior para o desenvolvimento de GCNA sem determinar risco para a ocorrência de GA e MI, sugerindo que, possivelmente, outros fatores de risco, além do H. pylori, estejam envolvidos no processo da carcinogênese gástrica.


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