Adesão ao tratamento medicamentoso de pacientes com doenças inflamatórias
intestinais acompanhados no ambulatório de um hospital universitário
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Adesão ao tratamento medicamentoso de pacientes com doenças inflamatórias
intestinais acompanhados no ambulatório de um hospital universitário
Compliance to drug therapy in inflammatory bowel diseases outpatients from an
university hospital
Nathalie de Lourdes Souza DewulfI; Rosane Aparecida MonteiroII; Afonso Dinis
Costa PassosII; Elisabeth Meloni VieiraII; Luiz Ernesto de Almeida TronconI
IDepartamentos de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
IIDepartamentos de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
Correspondência
INTRODUÇÃO
Nas doenças crônicas cujo tratamento demanda o uso contínuo de medicamentos,
para maior eficácia da terapêutica, é de estrita importância haver adesão do
paciente ao regime medicamentoso prescrito. A adesão pode ser conceituada como
o grau de concordância entre o comportamento de uma pessoa em relação às
orientações do médico ou de outro profissional de saúde(13, 23, 34). O baixo
grau de adesão pode afetar negativamente a evolução clínica do paciente e a sua
qualidade de vida, constituindo-se em problema relevante, que pode trazer
conseqüências pessoais, sociais e econômicas(14).
A adesão à terapêutica é um fenômeno sujeito à influência de múltiplos fatores
que afetam diretamente o paciente. Os fatores que determinam o comportamento da
pessoa em relação às recomendações referentes ao tratamento de sua doença estão
relacionados as suas condições demográficas e sociais, à natureza da doença, às
características da terapêutica, ao seu relacionamento com os profissionais de
saúde, bem como a características outras, intrínsecas ao próprio paciente(33,
34).
As doenças inflamatórias intestinais (DII) que, em seu senso estrito, incluem a
doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU), são afecções crônicas com
incidência crescente em todo o mundo(6, 9, 28). Caracterizam-se por inflamação
crônica do intestino e não têm causa ainda definitivamente esclarecida(4, 10).
Ainda que se admita a impossibilidade de cura para a maioria dos casos, vários
tipos de tratamento medicamentoso têm sido empregados para seu controle. As DII
constituem importante problema de saúde, pois atingem população relativamente
jovem e podem apresentar formas clínicas mais graves, o que implica, portanto,
alto custo para a sociedade(4, 10). Soma-se a isso que os pacientes com a DC e
a RCU, devido à necessidade freqüente de procedimentos específicos, recorrem,
principalmente, ao atendimento de nível terciário(7).
Nos ambulatórios dos hospitais universitários brasileiros são atendidos
pacientes com doenças de alta complexidade, de natureza crônica e que, não
raramente, demandam tratamentos prolongados. Para o tratamento das DII, os
serviços públicos de assistência à saúde que estão integrados ao Sistema Único
de Saúde (SUS) podem fornecer os medicamentos aos pacientes, utilizando-se de
programas especiais (medicamentos essenciais ou de alto custo, de liberação
excepcional), que se baseiam em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas
bem estabelecidos(2, 3). Assim, eventual baixo grau de adesão ao tratamento ou
a má utilização desses medicamentos pode, também, afetar a otimização do
funcionamento do SUS e a utilização dos seus recursos.
Ainda que vários estudos tenham sido desenvolvidos com o objetivo de melhor
definir os fatores de maior ou menor adesão ao tratamento medicamentoso, por
parte de pacientes com doenças crônicas(34), são escassos os trabalhos
referentes à DII. A baixa adesão de pacientes acometidos por DII foi relatada
por Van HEES e Van TONGEREN(32). Por outro lado, uma investigação em pacientes
com RCU revelou índices de adesão bem superiores aos esperados(14). Outro
trabalho realizado(22) evidenciou que a falta de adesão ao tratamento em
pacientes com DII está diretamente ligada à ocorrência de distúrbios na esfera
psiquiátrica, mais do que a outros fatores. Mais recentemente, outras pesquisas
demonstraram alto grau de não-adesão de pacientes com DII(18, 27, 29), o que
pode aumentar em até 5 vezes o risco de reativação da doença(15). Porém, ainda
persiste a necessidade de realizar mais trabalhos com pacientes com DII,
sobretudo no Brasil. Em achados anteriores, verificou-se que o grau de adesão
ao tratamento em pacientes com DII era semelhante ao de acometidos por outras
doenças digestivas e não se encontrou associação entre adesão e fornecimento do
medicamento(5).
Assim, o presente estudo teve o objetivo de investigar o grau de adesão ao
tratamento medicamentoso prescrito e identificar possíveis causas associadas a
eventual baixo grau de adesão, em pacientes com DII em acompanhamento no
ambulatório de Gastroenterologia de um hospital universitário brasileiro ligado
ao SUS.
MÉTODO
Desenho do estudo e considerações éticas
O trabalho foi realizado no Ambulatório de Gastroenterologia (Departamento de
Clínica Médica) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) que, como autarquia da
Secretaria de Estado da Saúde, é ligado ao SUS. Realizou-se um estudo
transversal, utilizando a entrevista estruturada como principal método indireto
e quantitativo para avaliar o grau de adesão ao tratamento medicamentoso
prescrito. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da instituição (processo número 4964/2003) e se obteve o consentimento escrito,
livre e esclarecido, de todos os pacientes incluídos.
Pacientes
Participaram do estudo 56 pacientes, sendo 26 com DC, 26 RCU e 4 com colite
indeterminada (CI). O critério principal de inclusão foi a prescrição de uso
contínuo e regular de medicamentos para o tratamento da DII, demonstrado pelo
registro deste dado no prontuário médico, que era examinado com antecedência.
Outros critérios de inclusão foram: idade igual ou superior a 18 anos, ter
consultas regulares agendadas no período do estudo e estar, no dia da
entrevista, pelo menos na segunda consulta. Foram excluídos os pacientes com
deficiências que impedissem a comunicação ou que estivessem em condições
clínicas que desaconselhassem sua participação no estudo.
Os pacientes foram entrevistados uma única vez, logo antes da consulta médica
agendada para aquele dia, em local reservado, sendo colhidos dados referentes
aos últimos 30 dias de tratamento. Todas as entrevistas foram realizadas no
período de junho de 2003 a dezembro de 2004, no próprio Ambulatório de
Gastroenterologia do HCFMRP-USP, sendo conduzidas pelo mesmo entrevistador.
Instrumentos e critérios
Foi utilizado um questionário estruturado e padronizado, contendo teste
específico para o grau de adesão (teste de Morisky) e um formulário de análise
de prontuário, desenvolvidos com base em estudos já publicados(13, 24, 33). Com
a aplicação desses instrumentos, obtiveram-se as variáveis demográficas,
sociais e clínicas do paciente, bem como dados sobre as principais
características da prescrição do tratamento medicamentoso.
Para identificar o grau de adesão ao tratamento medicamentoso, considerou-se a
análise dos medicamentos utilizados e do comportamento admitido em relação ao
seu uso, definido pelo teste de Morisky(20, 21). Por meio da análise dos
medicamentos utilizados, foi possível verificar se os pacientes
estavam tomando-os adequadamente, conforme a prescrição médica. Perguntava-se
ao paciente: a) se estava fazendo uso de medicamento; b) qual tomava; c) qual a
dose diária em uso e d) qual a posologia empregada (o número de vezes e horário
em que deveriam ser tomados). Essas informações eram, então, cotejadas com os
dados registrados do prontuário referentes à consulta médica imediatamente
anterior à data da entrevista e que continham a prescrição dos medicamentos. A
partir dos dados obtidos neste cotejo, os pacientes foram classificados em dois
grupos: baixo e alto grau de adesão.
Foram classificados como apresentando alto grau de adesão aqueles que afirmavam
tomar os medicamentos prescritos e declaravam corretamente o seu nome. Foram
classificados como tendo baixo grau de adesão os que relataram: a) tomar
medicamentos a mais do que os prescritos; b) tomar medicamentos a menos que os
prescritos; c) tomar outros medicamentos ao invés dos prescritos e d) não tomar
os medicamentos prescritos para o tratamento. Ressalte-se que esta análise foi
realizada tendo como referência exclusivamente o tratamento medicamentoso
específico para a doença inflamatória intestinal.
O teste de Morisky(20, 21) é composto por quatro perguntas, que objetivam
avaliar o comportamento do paciente em relação ao uso habitual do medicamento
(Figura_1). O paciente foi classificado no grupo de alto grau de adesão, quando
as respostas a todas as perguntas foram negativas. Porém, quando pelo menos uma
das respostas foi afirmativa, o paciente foi classificado no grupo de baixo
grau de adesão. Essa avaliação permite, também, discriminar se o comportamento
de baixo grau de adesão é do tipo intencional ou não-intencional, sendo também,
possível caracterizar pacientes acometidos por ambos os tipos de comportamento
de baixa adesão(27).
Como variáveis independentes, foram estudados 16 possíveis fatores relacionados
ao grau de adesão. Esses dados foram classificados em diferentes grupos,
considerando os dados demográficos, sociais, clínicos e os relacionados ao
tratamento medicamentoso.
Para se definir o diagnóstico principal e as características das DII, quando do
preenchimento do formulário de análise do prontuário, consideraram-se as
anotações dos diagnósticos médicos registrados explicitamente, os quais por sua
vez, eram baseados no quadro clínico e nos resultados de exames endoscópicos,
radiológicos, histológicos e laboratoriais de cada caso. Em relação à extensão
e a localização da doença, na DC consideraram-se as seguintes possibilidades:
íleo, íleo-cólica, somente no cólon e outros segmentos do tubo digestivo(19).
No caso da RCU, considerou-se essa variável definida por proctite,
retossigmoidite, colite esquerda, ou colite extensa(8). Em relação à forma da
doença, na DC, consideraram-se as seguintes possibilidades: inflamatória,
estenosante e fistulisante(19). Nos casos da RCU, a variável forma foi
considerada como leve/transitória, moderada ou grave(30). Em relação à
atividade da doença, tanto para a DC como para a RCU, considerou-se a doença
ativa, em remissão ou indeterminada. Para isto, utilizaram-se registros
explícitos no prontuário do diagnóstico médico ou quando ausentes, a análise
retrospectiva de dados clínicos, de exames laboratoriais e da conduta
terapêutica, que foram interpretados tendo como referência índices de atividade
usuais para a DC(12) e para a RCU(31).
Análise de dados
Os dados colhidos na entrevista e no exame do prontuário foram armazenados em
banco de dados específico, criado no ambiente do programa estatístico Epi-
infoTM, versão 3.2 Windows®, NT, criado pelo CDC (Centers for Disease Control
and Prevetion) de domínio público (disponível em http://www.cdc.gov/epiinfo).
Como forma de minimizar erros, a entrada dos dados no programa foi realizada
com dupla digitação.
Possíveis associações entre baixa adesão ao tratamento medicamentoso e
variáveis diversas, como: escolaridade, estado marital, procedência, ocupação,
extensão e localização, forma da doença, atividade da doença, modo de aquisição
dos medicamentos e número de medicamentos, foram inicialmente verificadas
mediante o teste exato de Fisher. Os casos com colite indeterminada foram
integrados ao grupo de pacientes com RCU, dada à semelhança clínica entre as
entidades. Na análise das diversas variáveis, os sujeitos foram classificados
em duas categorias, da seguinte maneira: escolaridade (até ensino fundamental
completo versus níveis superiores); estado marital (com parceiro versus sem
parceiro); procedência (residentes em Ribeirão Preto versus residentes em
outros municípios); ocupação (com renda própria versus dependentes); extensão e
localização (na DC: envolvimento do cólon versus não envolvimento; na RCU:
colite extensa versus outras formas); forma da doença (na DC: inflamatória
versus outras; na RCU: leve/transitória versus outras); atividade da doença (em
atividade versus remissão ou indeterminada); aquisição da medicação
(fornecimento integral pelo SUS versus aquisição pelo paciente); número de
medicamentos em uso (apenas um versus quantidades maiores). As variáveis que,
na análise preliminar pelo teste de Fisher apresentaram P<0,20, foram incluídas
num modelo de regressão logística não condicional, testando-se previamente para
a existência de interações. Em todas as situações, o limite de significância
estatística foi fixado em P<0,05. Nas várias análises, utilizaram-se os
programas Epi-info e Stata 6.0TM.
RESULTADOS
Características dos pacientes
As características demográficas dos pacientes incluídos no estudo são
apresentadas na Tabela_1. Houve predomínio de mulheres com idade abaixo de 40
anos dentre os doentes com DC e de homens com idade acima de 40 anos no grupo
com RCU. Ambos os grupos apresentaram predomínio de pacientes com parceiros e
com no máximo o ensino fundamental, procedentes de outra cidade do Estado de
São Paulo.
A Tabela_2 apresenta algumas das características sociais dos pacientes
estudados. A maioria possuía fonte de renda própria, com predomínio de
trabalhadores autônomos. Houve predomínio de rendimentos acima de um salário
mínimo na DC e de até um salário mínimo na RCU. A maioria dos pacientes de
ambos os grupos relatou que os medicamentos eram fornecidos integralmente pelo
SUS.
Quanto às características clínicas, em 61,5% dos pacientes com DC, o tempo de
doença era menor de 5 anos e 61,5% dos casos eram acometidos por outras
doenças. Metade destes pacientes havia sofrido operações prévias e 53,8%
necessitaram de ao menos uma internação relacionada à DC. Neste grupo, houve
predomínio da localização íleo-cólica (Figura_2), da forma penetrante (Figura
3) e de casos em remissão (Figura_4), quando da inclusão no estudo. Nos
pacientes com RCU, o tempo de doença era maior que 5 anos em 53,3% dos casos,
60% deles eram acometidos por outras doenças, 26,7% necessitaram de ao menos
uma internação e apenas 3,3% dos pacientes haviam necessitado de operações. Na
RCU, houve predomínio da colite extensa (Figura_2), da forma leve ou
transitória (Figura_3) e de casos em remissão (Figura_4).
Quanto às características do tratamento medicamentoso prescrito especificamente
para as DII, houve predomínio do uso de apenas um medicamento (Tabela_3). Os
medicamentos mais utilizados (Tabela 4) foram azatioprina para os pacientes com
DC e aminossalicilatos para o tratamento da RCU. Os aminossalicilatos
utilizados foram sulfassalazina e mesalazina, em comprimidos ou supositórios.
Os corticosteróides utilizados eram prednisona, em comprimidos, e
hidrocortisona, na forma de enema. Os antibacterianos, metronidazol ou
ciprofloxacina, eram utilizados por via oral.
Adesão ao tratamento medicamentoso
As proporções de pacientes classificados como apresentando baixo ou alto grau
de adesão ao tratamento medicamentoso prescrito são apresentadas na Tabela_5. A
análise dos medicamentos utilizados revelou que apenas quatro pacientes (15,4%)
com DC e quatro (13,3%) com RCU foram classificados em baixa adesão. Dentre os
quatro casos com DC em que foi identificada a baixa adesão, dois (7,7%) tomavam
medicamentos a menos que os prescritos e dois (7,7%) não os tomavam. Dentre os
quatro casos de pacientes com RCU e com baixa adesão, dois (6,6%) tomavam
medicamentos a mais e dois (6,6%) tomavam medicamentos a menos que os
prescritos.
Este perfil de adesão foi alterado drasticamente quando se avaliou o
comportamento do uso habitual do(s) medicamento(s) pelo teste de Morisky
(Tabela_5). De fato, observaram-se nos dois grupos, percentagens mais elevadas
de casos sendo classificados como de baixo grau de adesão: 50% dos pacientes
com DC e 63,3% com RCU. Entre esses pacientes, a maioria apresentava
comportamento de baixa adesão do tipo não intencional (42,3% na DC e 60% na
RCU), indicando padrões de esquecimento ou de descuido com o horário para tomar
o medicamento. Ainda dentre os pacientes classificados como tendo baixa adesão,
alguns poucos apresentaram ambos os tipos de comportamento (7,7% na DC e 3,3%
na RCU). Destaque-se que nenhum caso foi classificado como baixa adesão do tipo
intencional.
Fatores que afetam à adesão
Não houve diferença entre a DC e a RCU quanto ao percentual de casos
classificados como menos aderentes, tanto na análise dos medicamentos
utilizados (15,4% versus 13,3%; P = 0,56), como nos resultados do teste de
Morisky (50,0% versus 63,3%; P = 0,23).
No grupo de pacientes com DC, verificou-se proporção significativamente maior
(P = 0,01) de pacientes com até 5 anos de duração da doença, dentre os
classificados como mais aderentes. Na RCU, houve proporção significantemente
maior (P = 0,03) de pacientes em que a doença estava em remissão ou em
atividade indeterminada, entre os classificados como mais aderentes. Neste
grupo com RCU, houve, também, proporção significantemente maior (P = 0,03) de
casos classificados como mais aderentes, dentre aqueles que utilizavam somente
um medicamento.
Na análise univariada dos fatores que influenciam o grau de adesão ao
tratamento medicamentoso, definido pelo teste de Morisky, verificou-se que na
DC houve associação estatisticamente significante (P = 0,01) entre maior grau
de adesão ao tratamento e o estado marital estável e a procedência de outra
cidade, que não a de Ribeirão Preto. Além disso, observou-se associação
estatisticamente significante (P = 0,04) entre envolvimento do cólon e menor
grau de adesão ao tratamento na DC.
A análise multivariada, porém, mostrou que nenhuma das variáveis demográficas,
sociais, clínicas ou da terapêutica, apresentou associação estatisticamente
significante com o grau de adesão ao tratamento prescrito.
DISCUSSÃO
Neste estudo, avaliando-se o uso do medicamento associado ao conhecimento do
seu nome pelos pacientes com DII, verificou-se menor adesão ao tratamento em
proporções relativamente baixas dos casos (15,4% na DC e 13,3% na RCU). Porém,
utilizando o teste de Morisky, observou-se que metade ou mais dos pacientes
apresentou comportamento indicativo de baixo grau de adesão (50,0% na DC e
63,8% na RCU), com predominância do tipo não intencional (descuido,
esquecimento). Estes dados indicam alto grau de disposição para o uso do
medicamento, mas baixo grau de preocupação dos pacientes com a sua utilização
correta.
A adesão do paciente ao tratamento tem sido avaliada por métodos diretos e
indiretos. Os primeiros permitem detectar os medicamentos ou produtos da sua
metabolização nos fluidos biológicos do paciente(13, 33), enquanto os indiretos
incluem entrevistas, informações obtidas de profissionais de saúde e
familiares, resultados dos tratamentos ou atividades de prevenção,
preenchimento de prescrições e contagem de comprimidos(13, 33). Neste estudo,
utilizou-se a entrevista, que é um método indireto, mas de fácil aplicação, tem
boa aceitação pelos participantes e apresenta custo reduzido(13). Assim, na
análise dos dados obtidos com a entrevista, devem-se levar em consideração as
limitações intrínsecas a este método. Em trabalhos em que se compararam os
índices de adesão por métodos diretos e indiretos, observou-se que o paciente
verdadeiramente aderente dificilmente informa não-adesão ao tratamento(13). Do
mesmo modo, o paciente que se declara não aderente, provavelmente, está
descrevendo a verdade(13). Porém, muitos pacientes relatam o uso correto do
medicamento, apenas por ser este o comportamento esperado(13, 23). Por isso, a
vulnerabilidade dos métodos indiretos associa-se a maior probabilidade de haver
a superestimação da adesão e, portanto, de subestimação da não-adesão(13, 17,
33).
O teste de Morisky(20), apesar de ser também indireto, possui diferentemente da
entrevista, a característica de superestimar a não-adesão, devido à rigidez dos
seus critérios para caracterizar o paciente como alto grau de adesão(17). Isso
fica mais evidente quando se observa que, em outros estudos, com métodos
diversos, a adesão se caracteriza quando há a utilização de 80% ou mais da
prescrição médica(15, 23, 29).
Vários estudos indicam que a média de não-adesão ao tratamento medicamentoso,
em condições clínicas diversas, é de cerca de 50%, variando de 0% a 100% dos
pacientes(23). A adesão ao tratamento na DII tem sido relatada como variando de
12% a 72%(14, 18, 22, 25, 27, 29, 32). No presente estudo, com base nas
informações sobre os medicamentos utilizados, o baixo grau de adesão
apresentou-se com menor freqüência (15,4% na DC e 13,3% na RCU). Já com o teste
de Morisky, os níveis foram mais altos, em relação a outros estudos (50% na DC
e 63,3% na RCU) porém, concordantes com os de outros trabalhos (41% e 72%) que
utilizaram o mesmo teste(18, 27).
Os baixos níveis de não-adesão observados neste estudo, a partir das
informações dos pacientes sobre os medicamentos utilizados, discordam dos
estudos antes relatados, o que sugere ter havido superestimação do grau de
adesão. Isto pode ser devido não só ao método empregado, mas também aos
critérios estabelecidos, que envolveram somente a afirmativa do uso e o
conhecimento do nome do medicamento. Caso os critérios incluíssem não só o
conhecimento correto do nome, mas também saber dose e posologia, é plausível
que a proporção de pacientes considerados menos aderentes tivesse sido maior.
Por outro lado, os altos índices de pacientes em remissão clínica da DII
encontrados no presente estudo (80,8% na DC e 73,3% na RCU) sugerem que os
medicamentos estão sendo, de fato, utilizados, ainda que não se possa descartar
a possibilidade de que estejam em remissão espontânea.
O teste de Morisky mostrou que o comportamento predominante de não-adesão foi
do tipo não intencional (esquecimento, descuido). O esquecimento, em
particular, tem sido relatado como fator mais freqüente de baixo grau de adesão
ao tratamento medicamentoso prescrito(15, 18, 27).
A análise univariada dos possíveis fatores relacionados à baixa adesão, por
meio da análise dos medicamentos utilizados, mostrou que a menor adesão do
paciente com DC ao tratamento associa-se a maior duração da doença, o que
contraria os achados de estudos prévios(22, 27). Já na RCU, houve associação
entre menor adesão e atividade da doença, o que condiz com achados de outro
estudo(27), embora tenha sido já relatado que a não-adesão ocorre,
principalmente, em momentos de remissão(25). Ainda na RCU, observou-se maior
adesão dos pacientes que faziam uso de apenas um medicamento, o que concorda
com outros relatos e é facilmente explicado pela facilidade de se lidar com
menor número de produtos(14, 29, 34). Quando avaliado pelo teste de Morisky, na
DC, o comportamento de maior adesão mostrou relação com o estado marital
estável, o que condiz com o já descrito(33). Ainda na DC, outro fator
relacionado a menor adesão foi o envolvimento do cólon, evento para o qual não
se tem explicação, e pacientes procedentes de Ribeirão Preto, o que contradiz
outros achados da literatura(34). Porém, a análise multivariada não confirmou
estes achados e não evidenciou um único fator que tivesse associação
estatisticamente significante com a adesão ao tratamento e que fosse comum aos
grupos de pacientes com DC e RCU, o que pode se dever ao pequeno tamanho dos
subgrupos analisados.
A ausência de diferença entre os achados na DC e na RCU, bem como a semelhança
entre a DII e outras doenças digestivas(5), sugere um padrão de comportamento
comum aos usuários do serviço, independentemente da doença e de outras
variáveis de natureza demográfica, socioeconômica ou clínica. Esta hipótese
poderia ser testada com a utilização de outras abordagens de estudo, como as
que envolvem métodos da pesquisa qualitativa, que permitem aprofundar o
conhecimento do tema em determinado grupo, desvendando suas outras
características, de natureza mais subjetiva(17).
Um fator que pode estar relacionado a menor adesão é a receptividade das
informações, uma vez que a gravidade da condição e a intensidade dos sintomas
influenciam a receptividade das informações e, conseqüentemente, afetam a
intenção de seguimento do tratamento(11). Adicionalmente, tem sido descrito que
a não-adesão dos pacientes ao tratamento pode estar relacionada a três fatores
principais: a) a dificuldade do médico em se comunicar com o paciente; b) a
dificuldade do paciente em interpretar as informações sobre o uso do
medicamento e c) a dificuldade do paciente em se organizar em casa para a
administração do medicamento(16, 26). Assim, destaca-se a importância da boa
comunicação do médico e dos profissionais de saúde com o paciente, visando
transformar as informações por ele recebidas em conhecimentos definidos, uma
vez que a falta de conhecimento ou a existência de dúvidas parecem ser, também,
fatores de menor adesão(24). Neste sentido, na interpretação dos dados do
presente estudo, deve-se também considerar o contexto do atendimento, uma vez
que em hospitais universitários é alta a rotatividade na equipe médica, o que
pode afetar a qualidade do vínculo entre o paciente e o médico, fator
importante para a existência da confiança por parte do paciente. Esta confiança
que o paciente deposita em toda a equipe de saúde, no médico responsável pela
prescrição, bem como no farmacêutico que orienta seu uso correto, no próprio
medicamento prescrito e no tratamento como um todo, é um possível fator de
influência sobre a adesão ao tratamento(1, 24).
CONCLUSÕES
Pacientes com DII (DC e RCU), atendidos em ambulatório especializado de
hospital terciário, apresentam alto grau de adesão ao tratamento medicamentoso.
Porém, a aplicação do teste de Morisky, que avalia o hábito em relação ao
medicamento, mostrou que metade ou mais dos casos exibe comportamento de baixa
adesão, do tipo não intencional (descuido ou esquecimento). A menor adesão ao
tratamento foi semelhante na DC e na RCU e, em análise multivariada, não se
associou a nenhum fator de ordem demográfica ou clínica, podendo tratar-se de
traço comum aos usuários do serviço. Estes achados indicam a necessidade de
medidas educacionais específicas e maior atenção dos profissionais da saúde
para o uso dos medicamentos pelos pacientes.