Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0004-28032007000400011

BrBRCVHe0004-28032007000400011

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
Year2007
Issue0004
Article number00011

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Características clínicas de pacientes pediátricos com constipação crônica de acordo com o grupo etário

INTRODUÇÃO Constipação intestinal crônica é um problema freqüente na população pediátrica, estimando-se que seja a principal queixa em 3% das consultas de pediatria e 25% das consultas em ambulatórios de gastroenterologia pediátrica(8). Em nosso meio, a prevalência de constipação intestinal varia entre 17,5% e 36,5%, de acordo com informações obtidas em estudos realizados em unidades básicas de saúde, ambulatórios de pediatria, escolas e na comunidade(1, 4, 5, 11, 15, 18).

Apesar da elevada prevalência de constipação, observa-se pouca valorização desse sintoma por parte dos pais e profissionais de saúde(5), o que ocasiona retardo no início do tratamento, favorecendo o surgimento de complicações(10).

Por sua vez, existem poucas publicações que descrevem com detalhes as características clínicas de pacientes com constipação crônica atendidos em ambulatórios de gastroenterologia pediátrica(9, 10, 17). Em nosso conhecimento, não existe nenhum estudo em que tenha sido realizada a comparação das suas características clínicas nas diferentes faixas etárias da população pediátrica.

No presente estudo foi realizada uma análise retrospectiva com o objetivo de avaliar as características clínicas de pacientes com constipação crônica de acordo com o grupo etário.

MÉTODOS Neste estudo retrospectivo foram avaliadas as informações coletadas na primeira consulta de 561 pacientes com diagnóstico de constipação crônica atendidos consecutivamente no Ambulatório de Motilidade da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, no período de maio de 1995 a dezembro de 2002. Na primeira consulta deste ambulatório é utilizado um questionário estruturado que aborda informações clínicas obtidas de maneira categorizada. Para o presente estudo, as informações constantes dos prontuários sobre as características do hábito intestinal, idade de início da constipação intestinal, duração da queixa, sinais e sintomas associados e achados do exame físico foram coletadas em um formulário específico. Escape fecal foi caracterizado nos pacientes com idade igual ou maior do que 48 meses. As informações foram transferidas para uma planilha do programa Microsoft Office Excel® para serem analisadas.

Constipação crônica foi caracterizada pela eliminação de fezes endurecidas com dificuldade ou dor, associadas ou não à ocorrência de comportamento de retenção, escape fecal e aumento do intervalo entre as evacuações(6, 13, 14).

Foram excluídos da avaliação os pacientes com diagnóstico de doença de Hirschsprung, constipação secundária à alergia ao leite de vaca, crianças com encefalopatia crônica ou pacientes com evidências clínicas de constipação secundária a anormalidades anatômicas (estenose anal) ou funcionais (pseudobstrução intestinal) do intestino e outras doenças como doença celíaca e síndromes genéticas. Assim, a casuística foi constituída por pacientes com hipótese diagnóstica de constipação crônica funcional.

Para análise dos dados, os pacientes foram distribuídos de acordo com a faixa etária: lactentes (0 a 23,9 meses), pré-escolares (24,0 a 71,9 meses), escolares (72 a 120 meses) e adolescentes (121 a 229 meses).

Para análise dos resultados foi utilizado o teste do Qui-quadrado para as variáveis categóricas e a partição do Qui-quadrado para a identificação de diferenças entre as faixas etárias. O teste de Kruskal-Wallis, complementado por teste de comparações múltiplas, quando necessário, foi utilizado para as variáveis contínuas. Fixou-se em 0,05 ou 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade. Os cálculos foram realizados com o emprego do programa de estatística SigmaStat® for Windows.

RESULTADOS Nesta amostra, constituída por 561 pacientes, ocorreu a seguinte distribuição por faixa etária: pré-escolares (42,9%), escolares (26,9%), lactentes (19,1%) e adolescentes (11,0%). Apesar do predomínio de pacientes do sexo masculino (56,5%, 317/561) e do aumento da proporção masculino:feminino com o aumento da idade, não se observou diferença estatisticamente significante entre os gêneros nas quatro faixas etárias (Tabela_1). Nessa tabela observa-se, também, que o intervalo entre o início da constipação e a primeira consulta no ambulatório especializado foi maior nos adolescentes e escolares, em comparação com os pré- escolares e lactentes. Por sua vez, este parâmetro foi maior nos pré-escolares do que nos lactentes. Assim, pode-se dizer que quanto maior a idade, maior a duração da queixa de constipação por ocasião da primeira consulta.

Na Tabela_2 pode ser observado que o número de evacuações inferior a três vezes por semana ocorreu em menor proporção nos lactentes e adolescentes. A ocorrência de dor durante a evacuação foi maior nos lactentes, lembrando que essa informação foi obtida com base na percepção dos pais ou responsáveis. A proporção de pacientes com eliminação de fezes endurecidas e ressecadas não diferiu entre os grupos etários.

A comparação entre as proporções de ocorrência de escape fecal entre pré- escolares com mais de 48 meses, escolares e adolescentes não revelou diferença estatisticamente significante (Tabela_3). Na avaliação da freqüência de escape fecal de acordo com o gênero, verificou-se nos escolares, predomínio estatisticamente significante no sexo masculino (P = 0,001). Nos adolescentes a freqüência de escape fecal foi superior no sexo feminino, mas o estudo estatístico não revelou diferença significante. Em relação aos escolares e adolescentes, os pré-escolares apresentaram maior proporção de relatos de dor abdominal, manobras de retenção, medo de defecar e medo de se sentar no vaso sanitário (Tabela 3). Não se observou diferença estatisticamente significante entre essas variáveis entre adolescentes e escolares, apesar das proporções serem menores nos adolescentes (Tabela_3).

Ao exame físico, não se observaram diferenças estatisticamente significantes na ocorrência de distensão abdominal, fissura anal e plicoma. Massa fecal palpável foi detectada em menor proporção nos lactentes e a presença de fezes endurecidas na ampola retal, nos pacientes submetidos ao toque retal, foi maior nos pré-escolares, quando comparados aos demais grupos (Tabela_4).

DISCUSSÃO Constipação é um sintoma freqüente na faixa etária pediátrica. Estudos realizados no Brasil mostram que sua prevalência é elevada na comunidade(1, 4, 5, 11, 15, 18), no entanto, existem evidências de que as características clínicas desses casos identificados na comunidade apresentam menor gravidade do que aqueles atendidos em ambulatórios de gastroenterologia pediátrica(2). A descrição das características clínicas de pacientes com constipação crônica atendidos em serviços de referência foi motivo de alguns estudos publicados, no entanto, segundo os presentes autores, suas particularidades de acordo com todas as diferentes faixas etárias da pediatria não foram avaliadas em nenhum deles. Este estudo retrospectivo analisa as características clínicas de pacientes atendidos com constipação crônica em um ambulatório de gastroenterologia pediátrica, distribuídas segundo os quatro grupos etários pediátricos: lactente, pré-escolar, escolar e adolescente.

Vale ressaltar que os dados relativos à duração da constipação por ocasião da primeira consulta, assim como a idade de seu início e a duração do escape fecal, devem ser interpretados levando-se em conta o grupo etário, ou seja, quanto menor a idade, teoricamente, esses valores tendem a ser menores. Quanto ao escape fecal, considerou-se sua presença apenas após os 48 meses de idade.

Na prática, escape fecal pode ser caracterizado após a obtenção do controle esfincteriano, mesmo antes dos 48 meses(13), no entanto, as informações coletadas nos prontuários não permitiram relacioná-lo com controle esfincteriano. Por outro lado, escape fecal constava de 71 (52,2%) dos 136 prontuários de pré-escolares com idade inferior a 48 meses (dados não considerados nos Resultados).

Nos 107 lactentes estudados não se observou predomínio no gênero masculino, como ocorre nas faixas etárias mais elevadas. Nessa faixa etária, as medianas da idade de início da constipação e da primeira consulta foram, respectivamente, 3 e 14 meses. A duração mediana da constipação por ocasião da primeira consulta foi de 8 meses, inferior a outras faixas de idade, sendo a diferença estatisticamente significante. As proporções de lactentes com massa abdominal palpável (26,5%) e freqüência de evacuações inferior a três por semana (52,4%) também foram inferiores às observadas nos grupos com maior idade. Este último dado contrasta com o observado em 69 lactentes com constipação identificados em estudo realizado em unidades básicas do município do Embu, SP, nos quais apenas 5,8% evacuavam menos que três vezes por semana (1). Por sua vez, LOENING-BAUCKE(7), estudando retrospectivamente 132 lactentes (52% do sexo masculino) com constipação crônica, atendidos em ambulatório terciário de Iowa, nos Estados Unidos, observou que a idade média dos pacientes na primeira consulta era igual a 13,7 meses, a duração média da constipação igual a 6,7 meses, presença de massa abdominal palpável em 13% e freqüência de evacuação menor do que 3,5 vezes por semana em cerca de 35% dos lactentes.

Esses dados são muito semelhantes aos obtidos no presente estudo, revelando gravidade similar da constipação nesses dois serviços especializados.

Nos pré-escolares, escolares e adolescentes nota-se aumento progressivo na proporção de constipação no gênero masculino, atingindo a proporção de 1,8 masculinos para cada feminino (64,5% dos casos em adolescentes masculinos).

Quanto à percentagem de casos com início da constipação no ano de vida, observaram-se valores decrescentes que passaram de 52,6% nos pré-escolares, para 30,1% nos escolares e 15,7% nos adolescentes. Estudo realizado em Botucatu, SP, por MAFFEI et al.(10), incluiu 163 pacientes com idade entre 2 e 146 meses (51,5% do sexo masculino) atendidos com constipação crônica em ambulatório especializado, entre 1981 e 1989. Observou-se grande intervalo entre o início da constipação e a primeira consulta (mediana = 38 meses), mediana da idade de início da constipação no mês de vida, menos que três evacuações por semana em 59,5%, escape fecal em 56,0% dos meninos e em 34,2% das meninas. Nesse mesmo estudo, constatou-se a presença de enurese e infecção urinária atual ou pregressa em cerca de 10% a 20% dos pacientes com constipação crônica, manifestações que não foram avaliadas no presente levantamento retrospectivo. Em ambulatório especializado de Iowa, EUA, em 174 crianças com idade inferior a 4 anos e 215 com idade superior a 4, observou-se, respectivamente, início da constipação no ano de vida em 84% e 49%, comportamento de retenção em 97% e 71%, massa abdominal palpável em 42% e 42% e, finalmente, escape fecal em 90,5% dos maiores de 4 anos(9). Esses dados reafirmam que parcela expressiva dos pacientes atendidos em serviços especializados apresenta constipação desde o ano de vida, antes do treinamento esfincteriano, muito valorizado no passado como fator desencadeante da constipação. Revisão da literatura(17) baseada em 13 artigos publicados, aponta que a constipação na criança provoca redução da freqüência de evacuações em 80% a 100% dos pacientes, incontinência fecal (escape fecal) em 35% a 96% e massa fecal abdominal palpável em 30% a 71% dos casos, demonstrando que as diferentes casuísticas podem apresentar grandes variabilidades nas características clínicas decorrentes da constipação crônica. No entanto, de forma geral, é possível afirmar que os pacientes incluídos neste estudo apresentam características clínicas similares às encontradas nos serviços especializados do Brasil e de outros países, ou seja, longa duração do sintoma de constipação, presença de complicações por ocasião da procura pelo serviço especializado, especialmente escape fecal e dor abdominal e intervalos prolongados entre as evacuações.

No grupo adolescente, observa-se que o início da constipação no ano de vida ocorre com menor freqüência, bem como comportamento de retenção, medo de evacuar e de sentar no vaso sanitário. Persiste, no entanto, elevada prevalência de escape fecal que apareceu de forma similar em ambos os sexos.

Dos estudos mencionados acima(9, 17), nenhum diferenciou as características clínicas da constipação na adolescência. ZASLAVSKY et al.(19) estudaram 48 adolescentes com constipação caracterizada por freqüência de evacuação menor do que 3 vezes por semana por pelo menos 1 ano. Observaram predomínio do sexo feminino na proporção de 2,7:1,0, presença de escape fecal em 23%, fecaloma em 64% e massa fecal palpável em 39%. Os pacientes da presente série apresentaram maior freqüência de escape fecal (76,7%) e menor percentual de freqüência de evacuações inferior a três por semana (43,1%), principal critério de inclusão do mencionado estudo. Essas diferenças indicam a importância da padronização das definições dos distúrbios da evacuação na população pediátrica(3, 6, 12, 16).

Características comuns em todas as faixas etárias foram o grande intervalo entre o início da constipação e a primeira consulta em serviço especializado, ausência de aumento no intervalo das evacuações em parcela expressiva dos pacientes e elevada ocorrência de escape fecal e dor abdominal como complicações da constipação crônica funcional.

CONCLUSÕES Foram observadas diferenças nas características clínicas de pacientes com constipação crônica de acordo com o grupo etário, no entanto, em todas as faixas etárias encontrou-se duração prolongada da queixa de constipação e elevada freqüência de complicações, especialmente escape fecal e dor abdominal crônica. A longa duração da queixa antes do atendimento sugere que, em todas as faixas etárias, deve-se realizar busca ativa de constipação em todas as consultas, no sentido de se adotar medidas terapêuticas antes do surgimento das complicações freqüentemente observadas nos pacientes atendidos em ambulatórios especializados.


Download text