I Consenso Brasileiro de Ecoendoscopia
CONSENSO CONSENSUS
INTRODUÇÃO
A ecoendoscopia (EE), também conhecida como endo-sonografia ou ultra-sonografia
endoscópica, foi introduzida em gastroenterologia no início da década de 80(44)
e em nosso meio, quase 10 anos mais tarde(48). Através do acoplamento de
pequena sonda na extremidade distal do endoscópio, possibilita o estudo
sonográfico da parede do tubo digestório e estruturas vizinhas sob freqüências
usualmente superiores àquelas empregadas pela ecografia convencional. Assim,
sob 7,5 ou 12 MHz, observa-se a parede intestinal representada ecograficamente
em cinco camadas. Identificam-se também outras estruturas vasculares,
linfáticas e vísceras sólidas relacionadas às diferentes porções digestivas,
desde que próximas ao transdutor.
Desde sua introdução, logo se comprovou a alta precisão da EE para o estádio
das neoplasias malignas do tubo digestivo, para a detecção de lesões
pancreáticas, mesmo que pequenas, sólidas ou císticas, benignas ou malignas,
apenas para mencionar alguns dos resultados obtidos com este método de imagem
(28).
Recentemente, a EE deixou de ser exclusivamente método de diagnóstico por
imagem, pois com o advento dos ecoendoscópios eletrônicos setoriais, tornou-se
possível a punção-biopsia aspirativa com agulha fina, guiada em tempo real, de
linfonodos, massas peridigestivas e, obviamente, da glândula pancreática. Este
recurso, descrito por VILMAN et al.(49), em 1992, pode ser denominado PEPAF '
punção ecoendoscópica do pâncreas com agulha fina. A sensibilidade e
especificidade desta nova modalidade diagnóstica têm variado de 64%-90% a 85%-
100%(1, 3, 7, 8, 19), com índice de complicação inferior a 2%(52).
A despeito da introdução do método em nosso meio há mais de 10 anos e do
inequívoco impacto das informações colhidas através dele no manejo dos
pacientes, a EE continua restrita a poucos e grandes centros no Brasil. A
relativa fragilidade dos equipamentos, seu alto custo, a longa curva de
aprendizado, a escassez de centros de treinamento em nosso país explicam, em
parte, este fato. Por outro lado, tão importante é a resistência que as fontes
pagadoras demonstram para o ressarcimento dos custos gerados pelo procedimento,
reforçando o ciclo vicioso "poucos examinadores ' falta de massa crítica '
pouca oportunidade de treinamento ' remuneração incerta ' disponibilidade
limitada ' poucos exames indicados".
Deve-se considerar a EE método de imagem de inserção já bastante explorada nos
algoritmos diagnósticos e terapêuticos em gastroenterologia. Neste sentido, é
surpreendente que não se tenham publicado consensos ou diretrizes sobre a
aplicação ou os aspectos técnicos do método.
O relatório ora apresentado é a síntese do pensamento do grupo que faz, publica
e ensina EE no Brasil. Este texto teve o firme propósito de auxiliar na difusão
do método em nosso meio, através das informações nele contidas e que se
direcionam a quem solicita EE, a quem a faz, a quem a remunera e a quem deseja
aprendê-la.
MÉTODO
O processo do desenvolvimento do Consenso seguiu padrões usualmente aceitos
para tal e está apresentado na Figura_1(2, 27).
A necessidade de reunião de consenso em EE já foi justificada na Introdução
deste artigo.
Para se reunir o grupo do consenso, foram contatadas a Sociedade Brasileira de
Endoscopia Digestiva (SOBED), os centros universitários e as empresas que
comercializam os equipamentos e os acessórios de EE, a fim de se localizar os
profissionais que atuam nesta área.
Dois membros organizadores do Consenso (FMF, MD) geraram a lista de tópicos
considerados relevantes para a discussão dada sua importância clínica,
possibilidade de serem esclarecidos através do conhecimento atualmente
disponível e aplicabilidade. Estes tópicos, transformados em questões, foram
apresentados ao grupo do Consenso, em reunião ocorrida durante o Seminário de
Endoscopia Digestiva (novembro de 2005, Vitória, ES), 5 meses antes da
Conferência definitiva. As 79 questões foram debatidas pelo grupo do Consenso,
resultando em 85 questões reformuladas, que foram distribuídas entre os
presentes. Foi solicitado aos participantes que respondessem às perguntas
baseando-se em revisões sistemáticas e que classificassem o grau da evidência
encontrada na literatura, adotando-se o Sistema de Oxford, apresentado nas
Figuras_2, 3, 4 (http://www.cebm.net/downloade/Oxford_EBM_Levels_5.rtf). Nos 5
meses que se seguiram, as respostas a tais questões circularam eletronicamente
entre os membros do grupo e um dos organizadores (FMF), a fim de esclarecimento
de dúvidas, especialmente classificação do nível da evidência.
Em abril de 2006, ocorreu a Reunião do I Consenso Brasileiro de Ecoendoscopia,
em Curitiba, PR, com o apoio da SOBED-Brasil e SOBED-Capítulo do Paraná.
Durante os dias 7 e 8 de abril, as 85 respostas foram apresentadas pelos
relatores, juntamente com o grau de evidência, seguindo-se discussões,
modificações e votação pelos 22 participantes. Quando se obteve 15 ou mais
votos (>70%) a favor da afirmação discutida pelo grupo, esta foi acatada como
"Consenso". O contrário ocorreu se menos de 15 votos foram obtidos. Eventuais
ressalvas foram incluídas caso a caso.
As duas companhias que patrocinaram a Reunião de Ecoendoscopia não tiveram
influência sobre os resultados do evento ou sobre este relatório. Os
organizadores e relatores da Reunião do I Consenso Brasileiro de Ecoendoscopia
não têm potenciais conflitos de interesses que pudessem alterar os resultados
do encontro.
Um dos organizadores (FMF) redigiu este relatório e enviou eletronicamente para
todos os relatores do encontro que aprovaram-no para publicação. Para fins
editoriais, incluíram-se apenas as recomendações grau A e alguma grau B. O
relatório integral do Consenso, incluindo as discussões de todas as
recomendações, pode ser acessado no site do Serviço de Endoscopia
Gastrointestinal do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (www.endoscopiahcfmusp.com.br) e no site da SOBED
(www.sobed.org.br).
Sedação para EE
O exame de EE deve ser feito com sedação, de preferência através da
administração de propofol pois, em comparação com a associação de midazolam com
meperidina, os pacientes retomam as atividades habituais e reiniciam a ingesta
alimentar mais precocemente(4, 53).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
EE para investigação de lesão subepitelial
A ecoendoscopia tem precisão próxima a 100% no diagnóstico diferencial entre
lesão subepitelial e compressão extrínseca de esôfago, estômago e duodeno(23,
31, 38).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
EE para o estádio do câncer esofágico
A acurácia da ecoendoscopia com punção ecoguiada para estádio do câncer
esofágico é superior a 85% e 75% para o estádio da profundidade de invasão na
parede (T) e da situação dos linfonodos (N), respectivamente(22, 29, 37).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
O exame ecoendoscópico com punção ecoguiada identifica pacientes com doença
irressecável, previamente classificados como ressecáveis com estudo tomográfico
(21, 47).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
EE para o estádio do adenocarcinoma gástrico
Em pacientes com câncer gástrico avançado, em que o estudo tomográfico e ultra-
sonográfico convencional não demonstram ascite ou carcinomatose, a EE
identifica, em até 10%, pacientes com pequenos derrames na cavidade abdominal,
que podem estar relacionados à carcinomatose peritonial(10).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
Frente ao quadro endoscópico de espessamento de pregas gástricas, com biopsia
negativa, a EE diferencia os níveis de acometimento da parede gástrica,
direcionando possibilidades diagnósticas. O envolvimento da submucosa e
muscular própria sugere fortemente malignidade(18). Ascite e linfonodos são
outros achados que podem ser oferecidos pela EE e que reforçam a hipótese de
doença maligna.
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
EE para o estádio do linfoma gástrico
O papel da ecoendoscopia no linfoma MALT é a avaliação da profundidade da lesão
na parede e dos linfonodos perigástricos.
A precisão da EE para avaliação do linfoma MALT é de 90% para estádio T e 80%
para estádio N(6, 16, 43).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
Os exames ecoendoscópico e anatomopatológicos devem ser associados no
seguimento de pacientes com linfoma MALT tratados clinicamente (erradicação do
Helicobacter pylori ou quimioradioterapia) para identificar pacientes
refratários ao tratamento ou recidivas da doença(34, 46).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
EE para o diagnóstico por imagem e estádio do câncer pancreático
A ecoendoscopia radial ou linear têm sensibilidade acima de 90% para a detecção
do nódulo sólido pancreático, mesmo para lesões menores de 20 mm(50).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
EE para o diagnóstico da doença biliar litíasica
Pacientes com cólica biliar recurrente sem etiologia esclarecida, pacientes com
pancreatite aguda recurrente sem causa esclarecida podem se beneficiar do
estudo ecoendoscópico biliopancreático associado à pesquisa de microcristais na
bile duodenal sob luz polarizada. Esta abordagem, no grupo de pacientes com
pancreatite aguda recurrente idiopática, leva a esclarecimento etiológico na
maioria deles(11, 24, 30, 42).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
Para o diagnóstico da litíase da via biliar principal, a sensibilidade da
ecoendoscopia se assemelha àquela obtida com a colangiografia retrógrada e
colangioressonância, com melhor especificidade. Para diagnóstico de cálculos da
via biliar principal < ou = a 3 mm, a EE tem maior sensibilidade diagnóstica do
que os métodos acima mencionados(12, 26, 32, 33).
Recomendação: A - votação 100%; Evidência nível 1
Punção-biopsia aspirativa guiada por EE
Durante a punção-biopsia aspirativa guiada por EE, a presença de
citopatologista na sala melhora a qualidade do material aspirado para ser
analisado, diminuindo a freqüência de amostras classificadas como inadequadas
para análise.
Recomendação B. Votação 100%. Evidência nível 2
Na ausência de avaliação preliminar do material aspirado durante punção
ecoguiada empregada para o diagnóstico de nódulo sólido pancreático,
recomendam-se no mínimo, três punções(9, 14, 25, 36, 40).
Recomendação B. Votação 100%. Evidência nível 2
EE para o diagnóstico da pancreatite crônica
A EE de pâncreas normal praticamente exclui o diagnóstico de pancreatite
crônica(39, 51).
Recomendação A. Votação 100%. Evidência nível 1
A EE tem concordância ótima com testes funcionais e pancreatografia endoscópica
nos casos de pacientes normais (até um critério) e naqueles com pancreatite
crônica avançada (mais de seis critérios).
Recomendação A. Votação 100%. Evidência nível 1
A EE com punção fica indicada na elucidação do diagnóstico etiológico do nódulo
sólido encontrado na pancreatite crônica(15, 35).
Recomendação A. Votação 100%. Evidência nível 1
EE para o diagnóstico das lesões císticas do pâncreas
A propedêutica laboratorial mínima para o fluído aspirado de cisto pancreático
consiste na dosagem dos níveis de CEA, CA19-9 e amilase. A interpretação dos
resultados deve ser feita como se segue(5):
- CEA acima de 192 praticamente afasta lesão serosa;
- CEA abaixo de 5 praticamente afasta mucinoso e adenocarcinoma;
- CA19-9 abaixo de 37 praticamente afasta mucinoso e adenocarcinoma;
- Amilase abaixo de 250 praticamente afasta pseudocisto.
Recomendação A. Votação 100%. Evidência nível 1
EE na investigação da síndrome da hipertensão portal
A ecoendoscopia é capaz de identificar vasos colaterais esofágicos. A
identificação destes colaterais antes e após a erradicação de cordões
esofágicos se relaciona com maior recurrência de varizes após a erradicação
endoscópica.
Recomendação A. Votação 100%. Evidência nível 1
EE para o estádio do câncer do reto
A acurácia da EE no adenocarcinoma retal é de 85% para estádio T e 75% para
estádio N e os resultados parecem ser piores para as lesões mais distais,
localizadas até 12 cm da borda anal(20).
Recomendação A. Votação 100%. Evidência nível 1
EE no diagnóstico de afecções pulmonares e mediastinais
Para câncer de pulmão não-pequenas células, o PET-scan é o exame mais sensível
para detecção de metástases regionais e à distância. A ecoendoscopia
transesofágica com punção ecoguiada é o exame mais específico para a detecção
de linfonodos metastáticos no mediastino posterior, comparado com a
mediastinoscopia(13, 17, 41, 45).
Recomendação A. Votação 100%. Evidência nível 1
Nos pacientes com suspeita de câncer de pulmão, baseada na presença de massas
de mediastino, com exame de broncoscopia com biopsia e lavado broncoalveolar
inconclusivos, a punção guiada por ecoendoscopia pode ser o próximo exame
diagnóstico, desde que exista janela ecográfica para punção.
Recomendação A. Votação 100%. Evidência nível 1
A punção ecoguiada tem sensibilidade acima de 90% e especificidade quase
absoluta para firmar o diagnóstico do câncer de pulmão na situação acima
descrita(99).