Bissegmentectomia central inferior (S4B+S5) para o tratamento do carcinoma
invasor da vesícula biliar: revisão de sete casos operados
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Bissegmentectomia central inferior (S4B+S5) para o tratamento do carcinoma
invasor da vesícula biliar: revisão de sete casos operados
Central inferior bisegmentectomy (S4B+S5) for gallbladder carcinoma treatment:
a series of seven resectable cases
Sergio Renato Pais Costa; Sergio Henrique Couto Horta; Marcelo José Miotto;
Maurício Campanelli Costas; Carlos Alberto Godinho; Alexandre Cruz Henriques
Serviço de Cirurgia Geral, Hospital de Ensino, Disciplina de Cirurgia do
Aparelho Digestivo, Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil
Correspondência
INTRODUÇÃO
O carcinoma da vesícula biliar foi primariamente descrito por Maximilian
Destoll em 1777(6). No entanto, coube a Keen (citado por SHEINFIELD(32))
realizar a primeira ressecção hepática para o tratamento dessa neoplasia. O
carcinoma da vesícula biliar é o tumor maligno mais comum da via biliar e o
sexto mais freqüentemente encontrado no trato digestório. Estima-se que
corresponda a aproximadamente 8,4% dos casos de tumores hepatobiliares
diagnosticados nos Estados Unidos da América durante o biênio 1994-1995(8).
A despeito da melhora dos exames de imagem e do suporte pós-operatório aliado a
maior agressividade cirúrgica, a sobrevida global do carcinoma da vesícula
biliar permanece baixa, conseqüência provável de sua natureza agressiva que
apresenta extensa disseminação linfática e peritonial de maneira precoce. Desta
maneira, excetuando-se os casos incidentais de tumores Tis ou T1a (TNM)
operados primariamente por doença benigna sintomática (colelitíase ou pólipo),
a maioria dos casos se apresenta em estádios avançados, com escassa chance de
cura. Falhas para o seu tratamento precoce decorrem, principalmente, do seu
curso clínico insidioso, que é invariavelmente confundido com doenças benignas
de menor importância clínica. Por conseguinte, o diagnóstico é freqüentemente
delegado para uma fase tardia da doença. Sintomas exuberantes como icterícia,
massa palpável, alteração do hábito intestinal e ascite podem representar
doença avançada com baixo índice de curabilidade. Devido a essa nefasta
história natural, uma atitude niilista baseada, principalmente, nos maus
resultados de seu tratamento cirúrgico fez com que se diminuísse a indicação
das cirurgias curativas no passado. Destarte, durante esse período histórico, a
abordagem cirúrgica ficou quase que exclusivamente direcionada a um aspecto
meramente paliativo. Contudo, mais recentemente, baseado em melhores
resultados, principalmente da escola japonesa (com ressecções hepáticas
combinadas com linfadenectomias regionais ou alargadas) houve ressurgimento do
tratamento cirúrgico curativo dessa neoplasia. Para os tumores superficiais
Tis, T1a ou até mesmo T1b para alguns autores, a colecistectomia simples parece
ser adequada, não se necessitando de ressecção ampliada (hepática) ou
linfadenectomia hilar. Contudo, para estádios mais avançados (T2 ou mais), a
maioria dos estudos sugere que algum tipo de ressecção hepática complementada
com linfadenectomia hilar seja incluída para o seu tratamento(14, 20, 21, 23,
25, 30, 31, 39).
Em que pese uma melhoria substancial dos resultados cirúrgicos recentes,
dúvidas ainda pairam em relação ao melhor tipo de ressecção hepática. Contudo,
é sabido que dois objetivos principais são paralelamente importantes para os
bons resultados de uma cirurgia curativa nessa neoplasia: 1) a margem hepática
deve ser livre de neoplasia, 2) a linfadenectomia regional deve ser adequada. A
ressecção dos segmentos IV-B e V, também denominada bissegmentectomia central
inferior (S4b+S5), a hepatectomia central (ressecção dos segmentos IV, V e
VIII) e a hepatectomia direita ampliada para o segmento IV, têm sido os tipos
de ressecção mais comumente aceitos e permanecem como condutas terapêuticas de
eleição para o tratamento do carcinoma invasor da vesícula biliar nos estádios
T1b até T3(21, 39). A bissegmentectomia central inferior apresenta como
principal vantagem, a maior conservação do parênquima hepático, minimizando
desta maneira, a insuficiência hepática pós-operatória. Essa complicação
carrega alta mortalidade e tem sido mais freqüentemente observada após
hepatectomia direita ampliada(11, 19, 20, 21, 28, 37).
Com objetivo de descrever os resultados precoces e tardios da bissegmentectomia
central inferior para o tratamento do carcinoma invasivo da vesícula biliar,
relata-se uma série de sete casos de carcinoma de vesícula biliar submetidos a
bissegmentectomia central inferior com intuito curativo.
MÉTODOS
Ao todo 15 pacientes com câncer de vesícula foram tratados no Serviço de
Cirurgia Geral do Hospital de Ensino da Faculdade de Medicina do ABC, Santo
André, SP, no período de setembro de 2002 a setembro de 2006. Desses 15
pacientes, 7 tinham cânceres irressecáveis e foram tratados paliativamente. Dos
oito restantes, um foi submetido a hepatectomia direita ampliada para o
segmento IV, enquanto os sete restantes foram submetidos a bissegmentectomia
central inferior (S4B+S5).
Seis pacientes eram do sexo feminino e um masculino. A idade variou de 52 a 72
anos com média etária de 66 anos. Em relação à etnia, todos os sete eram
caucasianos. A respeito de enfermidades associadas, dois apresentavam
hipertensão arterial sistêmica (HAS) enquanto outros dois apresentavam, além da
HAS, diabetes mellitus tipo II (DM). Por fim, um doente era etilista crônico e
consumia cerca de 500 mL de destilado por dia, pelo período aproximado de 30
anos.
Todos apresentavam algum tipo de sintoma, que foram: cólica biliar (n = 4),
dispepsia (n = 1), colecistite aguda (n = 1) e icterícia obstrutiva (n = 1).
Este último doente apresentou quadro de icterícia obstrutiva por
coledocolitíase, cuja resolução foi endoscópica (papilotomia endoscópica),
Portanto, foi operado posteriormente já na ausência de icterícia. Quatro
apresentavam perda de peso significativa (10% do peso) e nenhum apresentava
icterícia ou massa palpável no período pré-operatório. Essas características
demográficas e clínicas estão demonstradas na Tabela_1.
Exceto dois pacientes cujo diagnóstico foi pós-operatório, todos os demais
apresentavam exame de imagem suspeito de neoplasia de vesícula biliar. Foi
realizada ultra-sonografia (US) total de abdome em todos os pacientes. Todos
apresentavam cálculos biliares, cujo número variou de 2 a 10, enquanto o
diâmetro variou de 3 a 40 mm. Seis pacientes, exceto aquele operado em
urgência, realizaram tomografia computadorizada (TC) de abdome no período pré-
operatório, e em dois foi realizada ressonância magnética (RNM) de abdome. Foi
observada alteração radiológica em seis (US e/ou TC): lesão heterogênea,
vegetante-fungóide em dois (Figura_1), espessamento focal e calcificado em um,
espessamento difuso em um e massa heterogênea ocupando totalmente a fossa
vesicular em dois. O paciente com icterícia prévia por coledocolitíase não
apresentava qualquer alteração na vesícula biliar tanto à US quanto à TC,
exceto os cálculos biliares e a dilatação das vias biliares. Em relação à
localização anatômica das lesões foram encontradas: lesão no fundo (n = 4), no
corpo (n = 2) e difusa (n = 1). Foi possível a determinação da dimensão do
tumor em cinco pacientes, nos exames pré-operatórios realizados. O tamanho das
lesões variou de 2 cm a 6 cm, com média de 3,6 cm. Quanto ao estádio
radiológico pré-operatório, dois pacientes eram T2 e três T3. Os achados
radiológicos estão demonstrados na Tabela_2.
Em cinco pacientes, além dos exames radiológicos, foram dosados no período pré-
operatório, os níveis de marcadores tumorais antígeno carcinoembrionário (CEA)
e CA 19,9. O nível de CEA variou de 2,5 a 500 ng/mL, enquanto o de CA 19,9
variou de 28 a 325 ng/mL. Quando considerados os níveis de dosagem normais,
quatro dos cinco apresentavam tanto CEA quanto CA 19,9 elevados. Em relação aos
demais exames bioquímicos, apenas dois pacientes apresentavam ligeira elevação
de fosfatase alcalina e bilirrubinas no período pré-operatório. Todos pacientes
apresentavam níveis normais de hemoglobina, hematócrito e albumina. Esses
achados podem ser observados na Tabela_3.
Todos pacientes tiveram o tumor diagnosticado por exame histológico: cinco
deles no intra-operatório, por meio de exame de congelação e em dois pacientes,
o diagnóstico foi no período pós-operatório, com a avaliação histológica do
espécime cirúrgico (após colecistectomia aberta).
A tática operatória que tem sido padronizada no Serviço de Cirurgia Geral do
Hospital de Ensino para as lesões suspeitas de neoplasia de vesícula biliar,
consiste em: incisão subcostal direita ampla, com ou sem prolongamento à
esquerda, fixação de compressas para proteção e minucioso inventário da
cavidade, avaliando de forma rigorosa as vias de disseminação peritonial,
hepática e linfonodal (N2-N3). Qualquer indício de disseminação, o tecido é
prontamente biopsiado e o material enviado para análise histológica por exame
de congelação. Se positivo, a ressecção é interrompida. Não havendo
disseminação, é realizada primariamente a colecistectomia. A vesícula é, em
seguida, aberta no sentido longitudinal, marcando-se o ducto cístico (Figura_2)
e, por final, o material é enviado para exame de congelação. Uma vez positivo
para neoplasia, a cirurgia é complementada com a ressecção dos segmentos IV-B e
V (Figura_3). Nos casos em que o tumor invade propriamente o parênquima
hepático, a cirurgia é em monobloco e consiste na ressecção da vesícula biliar
em conjunto com os segmentos IV-B e V (Figura_4). Esse tipo de cirurgia tem
sido reservado somente para os casos de tumores limitados ao fundo ou corpo da
vesícula e sem invasão hilar. Caso contrário, é prontamente realizada uma
hepatectomia direita ampliada para o segmento IV (se o volume do lobo esquerdo
remanescente for maior que 25%).
A bissegmentectomia central inferior tem sido realizada seguindo a padronização
técnica descrita por CUBERTAFOND et al.(4) (Figura_5). Todas as ressecções
hepáticas têm sido complementadas com linfadenectomia ao longo do ligamento
hepatoduodenal (N1) conjuntamente à dissecção dos linfonodos N2 como
pancreático-duodenais (superior, anterior, posterior), retroportais, da artéria
hepática comum. A secção hepática tem sido realizada em combinação com o
clampeamento hilar - manobra de Pringle (15 por 5 minutos). Na presente
casuística, dois pacientes foram submetidos a colecistectomia e hepatectomia
segmentar em monobloco. Enquanto em cinco pacientes foi realizada,
inicialmente, a colecistectomia e após confirmação diagnóstica, seja por exame
de congelação ou parafina, ressecção hepática incluindo os segmentos IV-B e V
foi conduzida. Não tem sido realizada de forma rotineira e sistemática, a
ressecção da via biliar principal. Essa conduta tem sido reservada somente para
os casos em que a neoplasia comprometa o hepatocolédoco propriamente dito ou
que a margem do ducto cístico tenda a ser duvidosa ou mesmo comprometida. Assim
sendo, em dois pacientes cuja margem do cístico foi comprometida, a ressecção
conjunta da via biliar principal (até inclusive a confluência dos ductos
hepáticos) e do lobo caudado foi realizada. A reconstrução utilizada em ambos
os casos foi por meio de uma hepaticojejunostomia intra-hepática término-
lateral de 70 cm em alça exclusa, retrocólica, segundo preconizado por BLUMGART
e FONG(2).
Após o tratamento cirúrgico, todos os pacientes foram seguidos com intervalos
de 3 meses (até 2 anos) e de 6 meses (entre 2 e 5 anos). Em cada retorno, foram
realizadas, além do exame físico completo, as dosagens de CEA e CA 19-9, US
total de abdome, TC de abdome-pelve e raios-X simples de tórax. Recurrência foi
considerada somente em casos de documentação radiológica inequívoca e, se
possível, com confirmação histológica.
RESULTADOS
O tempo cirúrgico variou de 180 a 340 minutos, com média de 249 minutos. O
sangramento estimado no período intra-operatório variou de 200 mL a 1500 mL,
com média de 757 mL. Dois pacientes receberam transfusão de concentrado de
glóbulos. O tempo de permanência hospitalar variou de 7 a 18 dias, com média de
11 dias. Nenhum paciente realizou tratamento multidisciplinar com radioterapia
ou quimioterapia.
Não houve mortalidade pós-operatória. Dois pacientes apresentaram uma
complicação maior e não houve complicações menores. Nenhum paciente foi
reoperado. A morbidade global da presente série foi de 14,28%. Um paciente
submetido a bissegmentectomia ampliada, com ressecção do lobo caudado e da via
biliar principal, apresentou fístula biliar de alto débito, que se resolveu com
tratamento conservador. Outro paciente com cirrose micronodular de etiologia
alcoólica compensada (Child A) apresentou insuficiência hepática revertida
clinicamente. Essas características estão demonstradas na Tabela_4.
Seis ressecções apresentaram margens livres (R0), enquanto uma apresentou
margem microscopicamente comprometida (R1). Essa ressecção R1, foi realizada em
um tumor de cerca de 6 cm (no maior eixo) localizado no corpo com invasão do
infundíbulo (margem hepática inferior microscopicamente comprometida).
Macroscopicamente, os tumores encontrados foram: papilífero (n = 3), tubular (n
= 2) e nodular (n = 2). Em relação ao tipo histológico do tumor, todos os
pacientes apresentavam adenocarcinoma. A distribuição em relação ao grau de
diferenciação do tumor foi: bem diferenciado (n = 2), moderadamente
diferenciado (n = 3) e pouco diferenciado (n = 2). Dos sete casos operados,
seis apresentavam disseminação para o leito hepático sendo classificados como "
liver-bed type" enquanto apenas um caso apresentava disseminação para o hilo
hepático, sendo classificado por sua vez como " hilum-type" (21). Em relação ao
estádio TNM propriamente dito(19), a distribuição encontrada foi: T2N0M0 (n =
2), T2N1M0 (n = 1), T3N0M0 (n = 3) e T3N1M0 (n = 1). A mediana de linfonodos
dissecados foi de 10, variando entre 7 e 15. Nos dois pacientes com
comprometimento linfonodal ambos eram pericoledocianos; o número de linfonodos
variou de um a três. Esses resultados estão demonstrados na Tabela_5.
O tempo de seguimento variou de 3 a 30 meses, com média de 16,85 meses. Apenas
um paciente apresentou recidiva, e coincidentemente, apresentava margem de
secção hepática microscopicamente positiva e também três linfonodos
comprometidos; desenvolveu recidiva tanto no peritônio quanto no fígado em um
período de 8 meses após a operação. Evoluiu com síndrome de obstrução
antropilórica, foi submetido a cirurgia e acabou evoluindo para óbito no
período pós-operatório (aos 9 meses de seguimento). Os demais continuam vivos,
sem doença, em período de seguimento de 3 a 30 meses. Esses resultados estão
demonstrados na Tabela_6.
DISCUSSÃO
Embora a causa do carcinoma da vesícula biliar seja desconhecida, a presença de
cálculos biliares tem sido considerada fator de risco para o desenvolvimento
dessa neoplasia(39). A maior evidência a favor dessa associação reside no fato
de que 65% até 90% dos pacientes com neoplasia de vesícula biliar apresentem
cálculos biliares por ocasião de seu diagnóstico(20). Além disso, o risco de se
desenvolver essa neoplasia se eleva de maneira diretamente proporcional ao
tamanho dos cálculos. Segundo DIEHL(7), o risco relativo para câncer de
vesícula em indivíduos que tenham cálculos biliares entre 2,0 até 2.9 cm de
diâmetro é de 2,4 frente à população geral e se eleva para 10,1 caso os
cálculos apresentem diâmetro maior que 3 cm. Na presente casuística, todos os
pacientes apresentaram cálculos com diâmetros que variaram entre 0,3 a 4 cm de
diâmetro, sendo que cinco deles mostraram cálculos maiores que 2 cm. Embora a
amostra tenha sido pequena, esse achado coincide com a supracitada teoria de
que cálculos grandes podem favorecer o desenvolvimento de carcinoma de
vesícula.
O carcinoma da vesícula biliar tem sido mais comumente descrito no fundo desse
órgão. A neoplasia pode eventualmente surgir como espessamento focal da parede,
lesão polipóide-vegetante ou até mesmo uma placa na sua mucosa(35).
Macroscopicamente pode ser papilífero, tubular ou nodular. Os tumores
papilíferos invadem menos freqüentemente o fígado e propiciam menor incidência
de comprometimento linfonodal(27). Na presente série, a maioria dos pacientes
apresentava tumor papilífero (n = 3) e não havia envolvimento linfonodal em
nenhum deles. Em contrapartida, os dois pacientes com o tipo nodular
apresentavam comprometimento linfonodal. O único tipo histológico achado foi o
adenocarcinoma, o que foi condizente com os achados de outros autores, em que
80% até 95% dos casos descritos têm apresentado tal histologia(1, 12).
O carcinoma de vesícula localizado não apresenta sintomas específicos. Dor em
hipocôndrio direito, perda ponderal, anorexia, náuseas e vômitos, icterícia e
distensão abdominal têm sido os sintomas mais comumente descritos(20). A
presença de icterícia tem sido associada a péssimo prognóstico. A
irressecabilidade cirúrgica em ictéricos tem se situado em torno de 44%.
Pacientes com doença avançada podem apresentar, também, massa palpável, fígado
irregular e ascite(20).
Em 1% dos pacientes, o carcinoma de vesícula biliar é descoberto
incidentalmente durante colecistectomia de rotina ou mesmo posteriormente com a
avaliação histológica da peça operatória. Contudo, somente em 20% de todos
casos, a neoplasia é restrita à vesícula, sendo que a maioria se apresenta por
ocasião do diagnóstico com invasão de órgãos adjacentes ou metástases à
distância. A neoplasia de vesícula biliar tem que ser suspeitada em pacientes
com longa história de colecistite crônica calculosa oligossintomática que
comecem a apresentar mudança dos sintomas em passado recente. Mais de 90% dos
pacientes têm mais de 50 anos e o pico de incidência é entre os 70 e 75 anos. A
maioria dos enfermos tem sido do sexo feminino, em proporção de 3 para 1 em
relação ao sexo masculino. Na presente amostra, em que pese pequena, houve
predominância do sexo feminino em proporção inclusive maior de 6 para 1.
Contudo, a média etária de 66 anos foi inferior à encontrada na literatura(20).
O conhecimento da história natural do carcinoma da vesícula biliar, em especial
do seu modo de disseminação, tem sido fundamental para o desenvolvimento da sua
abordagem terapêutica. FAHIM et al.(9) descreveram os modos de disseminação
dessa neoplasia: contigüidade, linfática, hematogênica, neural, peritonial e
intraductal. A vesícula biliar tem sua drenagem linfática direcionada,
primariamente para os linfonodos ao longo do sistema biliar principal, que
correspondem ao seu primeiro nível de drenagem (N1). A drenagem subseqüente
ocorre para os linfonodos pancreático-duodenais (superior, anterior e
posterior), da veia porta (posterior) e ao longo da artéria hepática comum que
são, por sua vez, considerados segundo nível de drenagem (N2). Finalmente a
drenagem linfática segue para os linfonodos do tronco celíaco, vasos
mesentéricos superiores e para-aórticos que correspondem ao terceiro nível de
drenagem (N3). Linfonodos hilares somente são comprometidos por drenagem
retrógrada. O índice de envolvimento linfonodal depende do tipo macroscópico do
tumor, da profundidade de sua invasão e do grau de diferenciação, e tem se
situado em geral, de 54% até 64%(20). Para tumores T1b, situa-se em torno de
15,5% para cadeias primárias (N1), crescendo para 40% até 60 % para cadeias
primárias e cerca de 20% para cadeias secundárias nos tumores T2(21). Já em
tumores T3 ou T4, o comprometimento de linfonodos para-aórticos (N3) pode
alcançar índices em torno de 19% até 25%(26, 33, 38).
Devido à disseminação precoce tanto linfática quanto peritonial, a minoria dos
pacientes, por ocasião de seu diagnóstico, apresenta doença localizada passível
de ressecção curativa. E por se tratar de doença mais comumente observada nas
populações idosas, poucos enfermos têm condições clínicas ideais para
realização de operações extensas e complexas. Por ocasião do diagnóstico, a
maioria dos doentes se encontra em estádios avançados, com sintomatologia
intensa e baixo índice de ressecabilidade(21, 28).
Embora o diagnóstico do carcinoma da vesícula biliar seja histológico (anátomo-
cirúrgico), ele deve ser sempre aventado frente a uma imagem radiológica
suspeita. Destarte, pacientes com quadro clínico compatível com colelitíase
(cólica biliar ou síndrome dispéptica) podem apresentar coincidentemente ao
exame de imagem, lesão suspeita de câncer de vesícula e que merece melhor
avaliação radiológica. A US de abdome tem sido o exame de triagem mais
realizado, pois além de fácil disponibilidade e custo acessível, alia boa
precisão para o diagnóstico. Como tem sido observada freqüentemente a
associação entre cálculos biliares e neoplasia, os sintomas apresentados por
ambas as afecções podem ser confundidos e desta maneira a US pode revelar
sinais radiológicos que possam, eventualmente, surpreender uma neoplasia
curável. As imagens radiológicas, tanto as da US quanto as da TC, se
correlacionam fortemente com a aparência macroscópica do tumor. Têm sido
descritos três padrões de apresentação: a) massa tumoral que substitui a
vesícula biliar (36%'45%), b) espessamento da parede vesicular (19%-47%) e c)
massa vegetante na luz da vesícula biliar (14%)(10, 29). Outros autores têm
reportado dois grandes grupos de achados radiológicos (US e TC). No primeiro
grupo, tem sido identificada massa dentro da luz da vesícula biliar, enquanto
no segundo grupo, grande massa ocupando toda fossa vesicular, inclusive
substituindo totalmente a vesícula biliar. O grupo 1, por sua vez, tem sido
subdividido em três tipos, de acordo com a morfologia da lesão: 1) massa
ocupando a maior parte da luz da vesícula, 2) massa polipóide projetando-se
para seu interior e 3) tumoração infiltrante, apresentado-se como um
espessamento focal ou difuso da parede(16, 17). A forma mais comumente descrita
de carcinoma de vesícula biliar tem sido de uma massa que a substitui. Esse
tipo de massa tem sido observado como uma tumoração heterogênea, que ocupa o
espaço subhepático e que pode se apresentar com cálculos em seu interior,
indicando assim, a origem vesicular da lesão. Embora sejam as apresentações
menos comuns, os tumores intraluminares são comumente observados como massas
fungóides para o interior da luz e são altamente suspeitas de neoplasia.
Tem sido relatado que o tamanho do tumor está estritamente relacionado com a
extensão tumoral por ocasião do diagnóstico. Os tumores com mais de 1 cm são
mais provavelmente malignos, enquanto os menores que 1 cm são, a princípio,
benignos e comumente relacionados a pólipos de colesterol(18). O espessamento
da parede da vesícula, tanto focal quanto difuso, tem sido a forma mais difícil
de estabelecer diagnóstico de câncer de vesícula biliar, pois pode ser
indistinguível de colecistite aguda. No entanto, a presença conjunta de
irregularidade e a descontinuidade da mucosa, aliadas a um espessamento da
parede (local ou difuso), pode ser mais freqüentemente encontrada em carcinoma
de vesícula(41).
Na presente série, a maioria dos pacientes apresentava lesão polipóide ou massa
na fossa vesicular (80%), o que é condizente com o observado na literatura.
Apenas uma lesão se apresentava com espessamento focal e calcificação. A RNM
tem sido a modalidade mais sensível para detecção da extensão do tumor. Através
dela pode ser determinada com boa precisão a invasão direta do fígado ou de
estruturas circunvizinhas, além de possibilitar a avaliação de estruturas
vasculares e da via biliar principal e secundária. Portanto, pode ser de
fundamental importância para a determinação pré-operatória da ressecabilidade
(29). Em que pese toda a evolução das técnicas de imagem, a minoria desses
tumores tem sido detectada no período pré-operatório, o que infelizmente tem
acarretado diagnósticos tardios e em estádios avançados, com baixo índice de
curabilidade(2, 3). Na presente casuística, o diagnóstico pré-operatório foi de
fundamental importância para um planejamento minucioso do tipo de ressecção a
ser planejada.
Ambos os marcadores CA 19-9 e CEA podem estar elevados no carcinoma de vesícula
e, ocasionalmente, têm contribuído para o diagnóstico, mormente nos pacientes
anictéricos(13). Segundo De ARECTXABALA et al.(5), esses marcadores têm
apresentado sensibilidade similar (em torno de 70%). No entanto, a
especificidade do CA19-9 tem sido maior que a do CEA (90% contra 71%). Na
presente série, ambos os marcadores estiveram elevados em 80% dos pacientes
(quatro de cinco indivíduos dosados no pré-operatório) e todos se apresentavam
anictéricos. Apesar da pequena casuística relatada, esse achado sinaliza que
associação da imagem suspeita com marcadores elevados em pacientes anictéricos,
talvez possa contribuir para o diagnóstico de carcinoma de vesícula. Segundo
NOSHIRO et al.(24), além da contribuição diagnóstica, a elevação desses
marcadores na presença de carcinoma de vesícula também pode estar relacionada
com seu prognóstico.
O tratamento do carcinoma da vesícula biliar ainda é motivo de desafio e
controvérsia para o cirurgião. Se por um lado a cirurgia alargada com
hepatectomia e linfadenectomia regional pode levar ao prolongamento da
sobrevida, por outro, ainda carrega morbidade e mortalidade consideráveis(11,
14, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 30, 31, 37, 39). A cirurgia deve ser
individualizada para cada caso; tanto a hepatectomia direita ampliada para o
segmento IV, quanto a bissegmentectomia central inferior (ressecção dos
segmentos IV-B e V) ou ainda mesmo a hepatectomia central (ressecção dos
segmentos IV, V e VIII), têm sido aceitas pela maioria dos serviços
especializados, desde que respeitadas as margens que devem ser, sempre que
possível, livres(2, 3, 13, 14, 20, 21, 39). Desta maneira, para os tumores T2-
3 restritos ao fundo ou corpo da vesícula, sem invasão hilar (" liver-bed
tumor" ) e, principalmente, sem crescimento infiltrativo (com pouca invasão
para o fígado), a bissegmentectomia central inferior (S4+S5) pode ser realizada
sem alteração do resultado oncológico final. Essa operação apresenta como
principal vantagem, a maior preservação do parênquima hepático em relação à
hepatectomia direita e sem o comprometimento da radicalidade oncológica(11, 19,
25, 37, 39). Essa operação parece apresentar morbidade menor que a da
hepatectomia direita ampliada, principalmente em relação à insuficiência
hepática pós-operatória e à hemorragia transoperatória. A morbidade de 14,28%
da presente série, está dentro da relatada na literatura que tem variado de 13%
a 30%(19, 36, 37). As principais complicações têm sido infecciosas, como
abscesso intracavitário ou pneumonia, mas também têm sido descritos derrames
pleurais e fístulas biliares. Deve-se salientar que os dois casos em que houve
complicação, foram tratados conservadoramente sem a necessidade de intervenção
cirúrgica. Um deles evoluiu para uma fístula biliar, complicação comum,
principalmente em ressecções que envolvam o lobo caudado e confecção de
anastomose biliodigestiva intra-hepática. Esta fístula foi tratada clinicamente
e acabou por fechar espontaneamente no 30º dia pós-operatório. A outra
complicação uma insuficiência hepática transitória foi também resolvida com
tratamento conservador (clínico). O paciente apresentava hepatopatia não
suspeitada no pré-operatório, que estava clinicamente compensada. Tem sido
reconhecido que, mesmo ressecções hepáticas menores estão associadas à
insuficiência hepática pós-operatória nesse tipo de doente. Apesar da
morbidade, a mortalidade da bissegmentectomia central inferior tem sido baixa.
Embora faltem estudos comparativos entre as duas técnicas, a mortalidade é bem
inferior à observada na hepatectomia direita ampliada. Embora a presente
casuística seja pequena, a mortalidade encontrada foi de 0%, similar à
publicada por SUZUKI et al.(36) em 19 pacientes. Em contrapartida, a
hepatectomia direita ampliada, apesar de sua grande radicalidade oncólogica,
tem cursado com elevada mortalidade, mesmo em grandes centros especializados
(até 30%), principalmente no paciente idoso e ictérico(14, 15, 30). Assim
sendo, de acordo com alguns autores, essa operação deve ser reservada para os
tumores mais avançados (T3 ou T4) e que apresentem, principalmente, localização
distal (infundíbulo e região do ducto cístico), invasão hilar (" hilum-type" )
ou caráter infiltrativo com extensão profunda para o leito hepático(2, 3, 13,
14, 20, 21, 30). Embora existam estudos que demonstrem aumento da sobrevida dos
pacientes com linfonodos comprometidos submetidos a linfadenectomia alargada,
para essa doença tal procedimento apresenta papel decisivo no estádio e na
avaliação prognóstica, suplantando para alguns o seu caráter propriamente
terapêutico. Tem sido preconizada a dissecção dos linfonodos ao longo do
ligamento hepatoduodenal (N1), podendo ser estendida para as cadeias pancreato-
duodenais, da artéria hepática comum, do tronco celíaco e retro-portais (N2),
tendo como objetivo maior precisão do estádio(21, 30, 37, 39).
Controvérsia reside na ressecção (em bloco) da via biliar e do lobo caudado de
maneira sistemática. Se, para alguns autores, é sempre realizada para facilitar
a linfadenectomia hilar e aumentar a radicalidade cirúrgica, para outros deve
ser reservada somente para os casos de invasão propriamente dita dessas
estruturas ou mesmo margem insuficiente. A ressecção de forma sistemática não
tem aumentado a sobrevida e ainda carrega maior morbidade, principalmente em
relação às fistulas biliares(3, 13, 20, 21, 37). Na presente casuística, a
ressecção da via biliar e do lobo caudado foi realizada somente nos casos em
que a invasão era incontestável ou mesmo quando a margem cirúrgica se
apresentava exígua em relação a essas estruturas. Dois pacientes realizaram o
referido procedimento ampliado, pois apresentavam tanto margem exígua junto à
via biliar principal, quanto ao lobo caudado. Mesmo com essa indicação bem
consolidada, conforme ponto de vista dos autores, um deles desenvolveu
complicação pós-operatória (fístula biliar).
A sobrevida observada nos pacientes com carcinoma de vesícula tem sido
diretamente proporcional à espessura do tumor, à presença de comprometimento de
linfonodos (estádio TNM) e à cirurgia sem margens comprometidas (R0),
respectivamente. Após ressecção curativa (R0), a sobrevida tem variado de 60% a
80% em 5 anos para os tumores T2, e de 15% a 50% em 5 anos para os tumores T3
(21). Apenas uma cirurgia apresentou margem comprometida (R1), ou seja, 86%
delas foram R0, consolidando desta maneira, essa operação em relação a sua
radicalidade oncológica, desde que seguida à risca sua indicação (tumor do
fundo/corpo, tipo papilífero ou nodular, sem invasão hilar ou hepática
extensa). Não obstante o período de seguimento tenha sido curto, apenas um
paciente apresentou recidiva e faleceu (cirurgia com margem microscópica
comprometida). Todos os demais estão vivos em período de seguimento que variou
de 3 a 30 meses.
CONCLUSÃO
A bissegmentectomia central inferior (S4B + S5) é uma opção oncologicamente
segura para o tratamento cirúrgico do carcinoma de vesícula em casos
selecionados (tumores T2 ou T3 do fundo/corpo da vesícula e do tipo " liver-
bed" , principalmente nos seus padrões nodular ou papilífero de disseminação).
Essa operação tem apresentado considerável morbidade, contudo sua mortalidade
tem sido baixa.