Câncer do pâncreas em fase inicial: é possível identificá-lo através dos
instrumentos científicos e propedêuticos atualmente disponíveis?
ATUALIZAÇÃO
INTRODUÇÃO
O adenocarcinoma ductal do pâncreas (ADP) apresenta sobrevida muito baixa se
comparada a qualquer outro tipo de tumor. A American Cancer Society estima que
foram realizados 33.730 diagnósticos do ADP e que ocorreram 32.300 mortes em
2006 nos Estados Unidos(2). A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou dados
estatísticos de sua incidência, no ano de 2000, de 201.506 casos novos, com
200.865 mortes, o que demonstra a gravidade dessa doença(42).
No Brasil (ano 2000), as doenças neoplásicas foram a segunda causa de óbitos na
população, sendo o ADP a 11ª (2,6/100.000 habitantes). No Estado do Rio Grande
do Sul, constitui-se a 10ª causa de mortalidade por neoplasias entre os homens
e a 6ª entre as mulheres (5,3/100.000 habitantes), considerada a maior taxa no
país. Pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), de 1995 a 1999, a taxa de
mortalidade padronizada pela população é de 5,06/100 mil para aquele Estado e
de 4/100 mil para São Paulo (2º lugar)(41).
A taxa de sobrevivência é " estádio-dependente" , considerada de 5 anos nos
Estados Unidos de 17%, quando a doença se apresenta restrita ao parênquima
pancreático, sem se estender para outros tecidos(2, 11). Contudo, apenas a
minoria dos pacientes apresenta esta forma de doença localizada, quando do
diagnóstico. Tal situação se deve à incapacidade de diagnóstico precoce do ADP,
baseado apenas na sintomatologia clínica, já que nessa fase, raramente esses
pacientes apresentam-na e, se diagnosticados nessa fase, invariavelmente, isto
se dá por mero acaso(6).
Estudo interessante foi realizado por SENER et al.(47), avaliando 100 mil
pacientes nos anos de 1985 a 1995. Deste grupo, somente 9% foram submetidos ao
único tratamento curativo que é a ressecção pancreática, com sobrevida de
23,4%. Os tratamentos paliativos (cirúrgicos ou endoscópicos), associados ou
não à radioterapia e/ou quimioterapia, representaram 33% dos casos com
sobrevida de 7,2%. O tratamento puramente sintomático ocorreu em 58% dos
pacientes, com sobrevida global em 5 anos de 5,2%, considerada muito baixa se
comparada ao tratamento de outros tumores(11).
Ainda não se dispõe de métodos diagnósticos que possam detectar com precisão e
precocemente o ADP na população geral, antes do início dos sintomas. Embora
atualmente estejam disponíveis técnicas para a identificação do ADP em fase
inicial na população geral, elas são inviáveis, impraticáveis ou ineficazes,
face aos seus elevados custos, à baixa incidência dessa doença e a difícil
localização do órgão (retroperitonial). Apesar disto, sua utilização poderia
ser apreciada ao se definir de forma mais precisa, grupos de alto risco, que
mereceriam vigilância(11).
O objetivo deste artigo de atualização foi chamar a atenção dos
gastroenterologistas, clínicos e cirurgiões em geral, para a identificação dos
pacientes que possam se enquadrar como grupo de risco para o ADP e como
aconselhá-los em relação à metodologia aplicada a sua vigilância, na tentativa
de sua detecção na fase inicial. Além disso, os autores apresentam as recentes
evidências científicas para a vigilância do câncer precoce do pâncreas.
Fisiopatologia
O ADP é responsável por mais de 90% das neoplasias do pâncreas. Atualmente
reconhece-se a existência de vários fatores que podem levar ao desenvolvimento
desse tipo histológico(46). A maioria deles imita o fenótipo das células dos
ductos pancreáticos. As alterações genéticas do ducto pancreático principal
(DPP) e secundário estão bem caracterizadas(28). O K-ras é o mais comum
oncogene ativado, ocorrendo aproximadamente em 90% dos casos de ADPs. Os genes
supressores tumorais freqüentemente identificados são: o p16 (27%-98%), p53
(40%-75%) e MADH4 (55%). Semelhante ao câncer do cólon, foi proposto um modelo
para descrever a progressão das lesões precursoras (denominadas neoplasias
intra-epiteliais pancreáticas (NIPan), do inglês PanIN) até o ADP invasor(23).
Com a variação do grau histológico de atipia, a identificação de mutações
genéticas ocorre de forma diretamente proporcional, ou seja, quanto maior o
grau de atipia, maior o número de mutações genéticas encontradas (Figura_1).
Fatores de risco para o ADP
Os fatores de risco podem ser classificados em: demográficos ou ambientais(21).
A idade avançada é o mais importante fator demográfico a ser destacado, pois
80% dos ADPs ocorrem entre as idades de 60 e 80 anos. O sexo masculino, a
ascendência judaica asquenaze e a etnia negra contribuem com chance 2 vezes
maior, quando comparada a pacientes sem estas características demográficas(46).
O tabagismo é o mais significativo e reprodutível fator ambiental de causa de
risco, com a maioria dos estudos de casos-controle relatando aumento de até 5
vezes a chance de apresentar ADP, estando associado em até 30% dos pacientes
(21). Nenhum outro fator ambiental produz aumento do risco de desenvolvê-lo.
Mesmo o álcool ou a cafeína não apresentam subsídios na literatura suficientes
para determiná-lo(36). Apesar de um estudo experimental com metodologia muito
rigorosa, ter revelado a associação entre o uso de álcool e ADP, ela não
ocorreu com o uso da cafeína(57).
O maior fator de risco para o desenvolvimento do ADP é a predisposição
genética. Estima-se que aproximadamente 10% dos doentes com ADP têm ou terão
pelo menos um parente de primeiro ou de segundo grau acometido(12). Estudo
sugere baixa penetrância ou a presença de genes recessivos na carcinogênese
pancreática(29). Porém, outro estudo em pacientes com famílias propensas ao
ADP, revelou que o padrão indicativo da transmissão foi a herança autossômica
dominante(32). Na maioria dessas famílias a mutação genética responsável é
desconhecida. É importante observar que a predisposição genética hereditária
recessiva ou de baixa penetrância revela a possibilidade de ocorrerem casos
esporádicos do câncer de pâncreas nessas famílias ou em pacientes com síndromes
hereditárias conhecidas(12). Dentre elas pode-se destacar a pancreatite
hereditária(22), o câncer de mama hereditário (BRCA1 e BRCA2)(55), o melanoma
múltiplo atípico familiar, pacientes afetados pela síndrome da mutação do p16,
25, e a síndrome de Peutz-Jeghers(51).
Diabetes ou intolerância à glicose têm sido observados em até 80% dos doentes
com ADP no momento da identificação do tumor(56). No entanto, essa associação é
até hoje motivo de controvérsia, com alguns estudos que corroboram e outros que
refutam esta relação(48). Recentemente, estudo populacional em pacientes
diabéticos com idade superior a 50 anos, sugeriu que o ADP pode ser detectado
em até 1% dos casos que tiveram o diabetes diagnosticado num período de 0 a 3
anos(16). A maioria deles, 18 casos (56%), satisfizeram os critérios para o
diagnóstico do diabetes num período menor ou igual a 6 meses e, apenas 3 dos 18
casos de ADP detectados desta série, sofreram extirpação(16). Essa baixíssima
taxa de ressecabilidade impõe uma questão: será que os pacientes com diabetes
devem ser rastreados?
Pacientes com pancreatite crônica apresentam risco 14 vezes superior à
população geral de desenvolver o ADP, segundo estudo com mais de 2.000
pacientes de seis países, acompanhados durante o período mínimo de 5 anos(30).
Esse risco tem sido questionado por diversos outros estudos, que encontraram
risco 4, ao invés de 14 vezes maior(25). No entanto, estudo francês mais
recente apóia os resultados do primeiro estudo(30), pois determinam risco 19
vezes maior de associação de pancreatite crônica com ADP(34). Há aumento da
incidência do ADP proporcional ao tempo de evolução da doença: a cada década há
aumento do risco de aproximadamente 2%. A incidência é de 1,8% aos 10 anos após
o diagnóstico de pancreatite, e 4,0% após 20 anos. O risco padronizado de
incidência a cada ano é de 19.0 (CI 5,2 e 19,8; P = 0,00007), quando comparado
à população em geral(34). Outros fatores associados ao risco de desenvolvimento
do ADP são: a infecção pelo Helicobacter pylori(50) e a mutação no gene da
fibrose cística(33).
Análise e estratificação dos fatores de risco
De forma geral, é importante salientar que os fatores de risco para o ADP, uma
vez identificados, devem ser categorizados em três escalas de risco de
associação com ADP: baixo, moderado e alto. O risco baixo é aquele aumentado de
1 vez a 5 vezes, o moderado de 5 a 10 vezes e o elevado, superior a 10 vezes o
normal de desenvolver ADP, se comparado à população geral. A Figura_2 detalha
essa categorização.
É importante detectar pessoas com mais de três parentes de primeiro grau que
tiveram ADP, pois apresentam risco 32 vezes maior de desenvolver a doença,
enquanto que um risco 6,4 vezes maior foi relatado para aqueles com dois
parentes de primeiro grau. Por outro lado, pessoas com um único parente de
primeiro grau com ADP, apresentam risco 2,3 vezes superior à população geral
(3).
A síndrome de Peutz-Jeghers foi incluída na categoria de alto risco, baseado em
recente metanálise englobando seis estudos, que relatou risco relativo de 132
vezes o normal para o desenvolvimento do ADP(20). Pacientes com pancreatite
hereditária têm seu risco estimado em desenvolver ADP 50 vezes maior que a
população geral. Na Europa, estudos mostraram risco maior, chegando a 67 vezes,
com risco cumulativo de 44% para o desenvolvimento do ADP aos 70 anos, a partir
do início dos sintomas(22).
A fibrose cística e a pancreatite crônica foram incluídas na categoria
moderada, baseado em resultados de diferentes estudos. Em recente estudo
americano, este risco em pacientes com fibrose cística foi de 2,6(33).
Possivelmente os pacientes acometidos de mutações BRCA2, com pelo menos um
parente de primeiro e segundo grau com câncer de pâncreas, têm este risco entre
3-9 vezes maior(55).
Interações genéticas e ambientais
Fumo
O tabagismo aumenta o risco de ADP em doentes com pancreatite hereditária de
54-154 vezes, em comparação à população geral dos não-fumantes(31). Além disso,
nesses pacientes o ADP se desenvolveu, em média, 20 anos antes em fumantes do
que em não-fumantes. Diferença semelhante de idade de diagnóstico foi observada
em pacientes com pancreatite hereditária na Europa, com média de idade de 57
para os fumantes e 71 anos para os não-fumantes(22).
Obesidade
O maior risco de desenvolver ADP foi observado em pessoas com elevado índice de
massa corporal (IMC) ≥25 kg/m2 e baixa atividade física total, enquanto que
pessoas com maior atividade física tendem a apresentar menor risco da doença.
Outra constatação é a notável ausência de efeito total da atividade física
sobre as pessoas com IMC <25 kg/m2(11). Estudo austríaco em 145.000 adultos
obesos concluiu que IMC >30 kg/m2 tem risco relativo de 2,34 vezes maior para o
desenvolvimento de ADP em homens e tendência para essa associação (obesidade vs
ADP) em mulheres, cujo risco chega a 1,42 vezes maior(44).
Diagnóstico do ADP em fase inicial
É fundamental a identificação de lesões precursoras para se poder identificar o
ADP em fase inicial, evitando assim, seu diagnóstico durante a fase avançada, o
que impossibilita a cura da maioria dos pacientes.
Como exemplos de lesões precursoras temos:
a) tumores mucinosos (cistoadenoma mucinoso e a neoplasia intraductal
papilífera mucinosa (NIPM))
b) neoplasia intra-epitelial pancreática 3 (NIPan 3 do inglês PanIN
3)(52).
A identificação de uma lesão em estádio inicial e seu tratamento imediato
evitaria sua progressão para o carcinoma invasivo. Embora não existam
evidências na literatura de que o diagnóstico do ADP em sua fase inicial
melhore a sobrevivência desses pacientes, existem dados substanciais de que
esse diagnóstico está associado a melhor prognóstico(46). Como se discutirá
posteriormente e devido a atual incapacidade em se detectar de forma confiável
o NIPan 3, deve-se tentar localizar lesões menores que 1,0 cm e que não
apresentem nódulos linfáticos metastáticos, obtendo-se assim, lesões
ressecáveis com excelente taxa de sobrevivência a longo prazo (Figura_3)(11).
Sinais e sintomas do ADP precoce
Infelizmente, não é possível o diagnóstico precoce do ADP em um paciente apenas
apreciando seus sintomas de forma isolada. Isto se deve ao fato de que os
tumores menores que 1 cm encontram-se no interior do parênquima, não
determinando qualquer sintoma ou sinal que chame a atenção dos médicos. Na
verdade, tumores menores que 2,0 cm são assintomáticos(19). Quando localizados
na porção cefálica da glândula ou na sua periferia, ultrapassando seus limites,
os pacientes podem apresentar alguns sintomas leves ou frustros como, por
exemplo, dor epigástrica, desconforto abdominal, perda de peso e icterícia
obstrutiva leve(43). Embora esses sintomas possam ocorrer em tumores pequenos,
a avaliação imediata da via biliopancreática demonstra um tumor maligno
geralmente avançado, o que torna improvável sua ressecção curativa, apesar do
seu tamanho (Figura_4)(27).
Marcadores tumorais
Até o momento o papel dos marcadores tumorais é limitado. Nenhum deles,
incluindo CA 19-9, demonstrou ser útil na avaliação de uma população
assintomática(14). Estudo recente avaliou a utilidade do CA 19-9 no rastreio de
uma população assintomática, determinando valor preditivo positivo de apenas
0,9% para o ADP, quando um nível maior que 37 U/mL foi encontrado(14). Outro
estudo sobre os níveis do CA 19-9 em 110 pacientes com sinais e sintomas de
ADP, relatou valor preditivo positivo de 71% e VPN de 81%, usando valor de
corte maior que 40 U/mL(36). De qualquer forma, esses estudos não inviabilizam
a realização de exames por imagem para o diagnóstico de lesões diminutas da
glândula pancreática, muito pelo contrário, afirmam que o melhor método
diagnóstico é através de exames por imagem(14, 15).
Exames de imagem
Atualmente a ultra-sonografia (US), tomografia computadorizada (TC) e a
ressonância magnética (RM) abdominal são ineficazes para a detecção do ADP em
fase precoce, pois são métodos não confiáveis para a identificação de tumores
menores que 1-2 cm. A maior limitação em avaliar seu papel na detecção do ADP
precoce é que quase todos os estudos são realizados em pacientes sintomáticos.
Reconhecem-se as melhorias na tecnologia gráfica, como o desenvolvimento da TC
com multi-detector de 64 canais e da RM mais potentes, no entanto, nenhuma
dessas técnicas de estudo do pâncreas obtiveram sucesso na detecção de tumores
menores que 1 cm em uma população de pacientes assintomáticos(6, 11).
O principal método de imagem na detecção de massas pancreáticas é a TC, que
fornece informações sobre a invasão vascular, presença de metástases em
linfonodos e à distância. Houve importante avanço com a técnica de TC
helicoidal (TCH), em que várias imagens, em cortes mais finos, podem ser
obtidas rapidamente numa única apnéia. A técnica favorece o estudo das fases
arterial e portal após injeção in bolus do meio de contraste não-iônico. Os
ADPs tendem a ser menos vascularizados que o parênquima normal e, assim, podem
ser detectados pelo método. Programas de computador podem fazer reconstruções
tridimensionais e seletivas (como na angiografia por TCH)(8).
A exatidão da RM no diagnóstico do ADP varia de 90% a 100%. A
colangiopancreatografia por RM (CPRM) é um avanço recente da técnica, sendo
capaz de produzir imagens semelhantes às obtidas pela colangiopancreatografia
endoscópica retrógrada (CPER), porém existem fatores que limitam seu uso:
custo, dificuldade de interpretação e disponibilidade(53).
A CPER auxilia no diagnóstico diferencial de lesões obstrutivas periampulares
através de sinais radiológicos, da coleta de suco pancreático e realização de
escovado para estudo citológico. É considerada padrão-ouro no diagnóstico por
imagem das doenças do pâncreas e vias biliares, sendo também a opção
terapêutica menos invasiva, através da drenagem transpapilar endoscópica(9).
Normalmente é indicada quando outros exames de imagem sugerem obstrução por
tumor ou são inconclusivos(6). A informação pela CPER baseia-se nas alterações
ductais detectadas durante sua realização, por isso ficam prejudicadas a
determinação do tamanho e o estádio do tumor. A CPER detecta 60% a 90% das
massas pancreáticas e permite o diagnóstico diferencial entre doença benigna e
maligna em 75% das vezes(9).
A ecoendoscopia (EE) é método preciso na identificação de massas pancreáticas,
podendo detectar 96% dos ADPs(6). Especialmente em lesões menores que 3,0 cm (e
tão pequenas quanto 0,8 cm), apresenta desempenho individual superior aos
métodos de imagem usualmente empregados (detectando tumores não vistos por
outras técnicas)(4, 7, 19). Também vem se tornando técnica útil quando outros
exames de imagem são inconclusivos(10).
AKAHOSHI et al.(1) estudaram o desempenho da EE radial em 96 pacientes (33 com
ADPs) na detecção de malignidade pancreática, encontrando sensibilidade de 89%,
especificidade de 97%, valor preditivo positivo de 94%, valor preditivo
negativo de 93% e precisão de 94%.
Na comparação direta, a EE é superior à TC na detecção do ADP com precisão
entre 76% a 100%, respectivamente. Os resultados de estudos comparando a EE com
a TCH são variáveis, mostrando superioridade ou equivalência do primeiro com
relação ao segundo. HUNT et al.(24) agruparam o resultado de quatro estudos
comparativos, encontrando diferença estatisticamente significante a favor da EE
com relação à precisão da TCH no diagnóstico (97% x 73%). Encontrou-se apenas
um resultado discrepante na literatura: DUFOUR et al.(18) revelaram exatidão de
96% para a TCH e 71% para a EE no diagnóstico de malignidade em 24 ADPs.
MERTZ et al.(35) estudaram a EE, TCH e tomografia por emissão de pósitrons
(TEP) com fluorodeoxiglicose no diagnóstico e estádio do ADP. A EE e a TEP
foram mais sensíveis que a TCH (93%, 87% e 53%, respectivamente) em relação ao
diagnóstico. Esses autores observaram tendência de desempenho melhor da EE do
que a TCH em tumores pequenos.
Esses resultados confirmam os achados do autor em 17 pacientes com ADP menores
que 3,0 cm, que podem ser apreciados na Tabela 1 e reafirmam que a EE é bem
superior ao US e a TCH(4).
Na comparação direta, a EE parece superior ao US com precisão de 96%, 46% até
88%, respectivamente, na detecção do ADP(4). Outro ponto fundamental é a
obtenção de tecido de tumores pancreáticos menores que 3,0 cm. A EE associada à
punção aspirativa possui sensibilidade, especificidade, valor preditivo
positivo e negativo e acurácia de 82.4%, 98.4%, 99%, 74.1% e 87.8%,
respectivamente. Esses resultados revelam seu importante papel no diagnóstico
histológico para se evitar a possibilidade de erro diagnóstico (Figura_5)(5).
Menos de 20% dos pacientes com ADP sofrem ressecção cirúrgica curativa(46).
Apesar de taxas de mortalidade e morbidade operatórias decrescentes, sobretudo
em centros de referência, a sobrevivência desses doentes continua desprezível,
com taxa de 5 anos de cerca de 20% nesse subgrupo de doentes afortunados(2,
46). Fator de extrema importância que determina sobrevivência prolongada após a
ressecção do tumor é a ausência de nódulos linfáticos metastáticos. YEO et al.
(59) relataram maior tempo (28 vs 13 meses) e taxa média de sobrevivência em 5
anos (36% vs 14%), para os doentes sem e com comprometimento linfonodal.
O tamanho do tumor é outro fator que prevê melhor sobrevivência a longo prazo.
ARIYAMA et al.(7) encontraram em 77 pacientes com ADP ressecado, taxa de
sobrevivência de 100% para os pacientes com tumores menores que 1 cm (10% dos
casos ressecados). Outro estudo mostra a dificuldade para se identificar
tumores menores que 2,0 cm. Dos 822 doentes com tumores menores que 2 cm, 799
sofreram ressecção pancreática e cerca da metade deles foi avaliado para
estádio segundo a UICC como Ia (n = 197) ou IIa (n = 138). As taxas de
sobrevivência em 5 anos corresponderam a 49,4% e 41,4%, respectivamente,
substancialmente melhores quando comparadas a outros doentes em estádio mais
avançado (UICC): IIb (17,1%), III (15,8%) e IV (9,4%)(19).
Estado atual da vigilância do ADP em pessoas com alto risco
Apesar de serem raros os estudos com esse objetivo, é importante citar alguns
deles que têm vigiado famílias e pessoas com alto risco(13, 14, 15, 26, 45).
BRENTNALL et al.(13) realizaram vigilância em três grandes famílias com herança
autossômica dominante e alto risco de desenvolver ADP sem pancreatite crônica.
Para esse estudo foram utilizadas a EE e a CPER com o objetivo de identificar
lesões precursoras pancreáticas (NIPans), com ênfase na detecção de carcinoma
in situ (NIPan 3). As alterações descritas durante a EE não foram específicas,
com anormalidades semelhantes àquelas detectadas em pacientes que tenham
pancreatite alcoólica(10). Os resultados anormais encontrados durante a CPER
foram: irregularidade do ducto pancreático principal, falhas de enchimento e
estreitamento ou dilatação dos ductos pancreáticos secundários e do principal.
Nesse estudo, todos os doentes com achados anormais à CPER tinham alterações à
EE e todos aqueles com alterações detectadas à EE (7/14) e CPER que, submetidos
a análise das biopsias, tinham lesões precursoras (NIPan 2 e 3). A Figura_6
elucida com precisão esses achados dos autores acima.
Outro estudo(26) acompanhou 43 pacientes, dentre eles 24 com ADP familiar. A EE
foi o teste de imagem de escolha e a CPER foi reservada para os pacientes
sintomáticos ou para investigar as anormalidades descritas à EE. Doze dos 43
pacientes apresentaram anormalidades em ambos. Após aconselhamento, todos foram
submetidos a biopsia intra-operatória. Os resultados revelaram-se intrigantes
porque foram encontrados casos com NIPan 2 e 3. Posteriormente, todos os 12
pacientes foram aconselhados a realizar pancreatectomia total. A ressecção e
exame das peças não revelaram a presença de ADP, porém todos os espécimes
apresentavam lesões precursoras do ADP (NIPan). Os restantes 31 pacientes de
alto risco, com EE normal ou anormal, mas com CPER normal, retornaram para
repetir a EE anualmente. O seguimento dessa série de doentes de alto risco,
durante 3 a 48 meses, demonstrou que em nenhum caso houve a ocorrência de ADP
durante o período de vigilância(26).
Outro estudo(14) sobre vigilância, relatou os resultados de um grupo de 38
pacientes assintomáticos de alto risco, dos quais 31 apresentavam mais de três
parentes de primeiro grau acometidos por ADP. Todos esses indivíduos realizaram
triagem com a EE e se apresentassem qualquer tipo de anormalidade, eram
submetidos a punção aspirativa com agulha fina (PAAF), CPER e TCH. A cirurgia
era indicada apenas na presença de nódulo pancreático. Uma das seis lesões
encontradas durante o período de vigilância foi diagnosticada como ADP invasor
(T2N1) e a outra como neoplasia intraductal papilífera mucinosa. As outras
quatro massas eram benignas(14).
Recentemente, um estudo prospectivo e controlado de rastreamento(36), em que se
utilizou a EE e TC seguidas pela CPER em 78 parentes com risco de ADP e 149
indivíduos controles, demonstrou alta prevalência de pancreatite crônica como
mudanças (72% e 68% pela EE e CPER). Esses achados não estavam relacionados à
ingestão de álcool(15). Além disso, 10% dos pacientes com alto risco, tratados
pela pancreatectomia subtotal, tinham lesões precursoras do adenocarcinoma.
Seis deles apresentavam neoplasia intraductal papilífera mucinosa benigna, um
tinha NIPM com adenocarcinoma ductal invasivo e um NIPan(15).
O valor diagnóstico da EE e da CPER foi drasticamente reduzido em doentes nos
quais qualquer variedade de pancreatite crônica transmitisse o risco de
desenvolver ADP. Isso ocorre porque o tecido intraductal e as mudanças
associadas à inflamação crônica e fibrose evitam a detecção precoce de lesões
pré-malignas ou pequenos tumores malignos(17).
Testes para o aconselhamento genético
O aconselhamento genético ocupa lugar especial para o êxito da aplicação destas
recomendações, incluindo a comunicação do risco de ADP aos pacientes e
familiares, e esclarecimento sobre os riscos e benefícios da investigação
clínica. O conhecimento atual das diversas síndromes relacionadas ao ADP e seu
gerenciamento é crucial para avaliar o risco genético, além da realização de um
serviço clínico com alto nível profissional. Uma história familiar detalhada
deve ser obtida, possibilitando que os doentes sejam aconselhados sobre as
mutações conhecidas que predispõem ao ADP: BRCA1, BRCA2, STK11/LKB1, PRSS1 e
p16/CDKN2A(11).
Prevenção do ADP
Devido à falta de agente comprovadamente eficaz para prevenir o ADP, a melhor
estratégia preventiva são as recomendações e orientações para indivíduos com
pancreatite hereditária, além da redução dos fatores de risco(54). O abandono
do hábito de fumar é fundamental, pois vários estudos têm demonstrado que o
tabagismo aumenta o risco de desenvolvimento do ADP em integrantes de famílias
propensas a ele(31). Embora o aumento do risco pareça ser modesto (2-3 vezes),
é preciso reconhecer que a duplicação desse risco em população propensa a ele,
é clinicamente significativa, se comparada à população geral, onde a incidência
é relativamente baixa (~1 por 10.000 por ano).
Outras abordagens práticas, mas não para diminuir os riscos incluem: redução do
peso, dieta saudável rica em frutas e legumes e exercício físico regular. Esta
última recomendação baseia-se nos resultados de vários estudos(37).
Estudo(38) que investigou os hábitos alimentares e o risco de desenvolver o ADP
entre os adventistas do sétimo dia, grupo religioso que utiliza dieta rica em
frutas e legumes, relatou redução do risco de 33%-66% sobre este tipo de dieta.
Recente estudo multicêntrico(40) revelou que a ingestão de carne vermelha e
gordura saturada aumentou o risco da doença. A ingestão elevada de vitamina D
(>600 UI) está associada a menor risco(49).
Como já mencionado, o maior risco de desenvolver ADP foi observado em pessoas
com elevado IMC (≥25 kg/m2) e baixa atividade física, enquanto maior atividade
física parece diminuir o seu risco, mesmo nesses pacientes com sobrepeso.
Assim, é salutar para o pâncreas a recomendação de exercício físico regular e o
controle do peso(37).
Vigilância
O atual momento científico demonstra que não há nenhuma razão para se aplicar
estratégias de vigilância para o diagnóstico do ADP em fase inicial para a
população geral, devido a sua baixa incidência, à falta de marcadores tumorais
diagnósticos, à dificuldade de acesso ao pâncreas localizado no retroperitônio
e à inexistência de um método de imagem que demonstre os benefícios dessa
triagem em relação à sobrevivência(11).
Finalmente, se fosse considerada apropriada sua realização, ela só deveria ser
realizada nos indivíduos que guardam alto risco para o desenvolvimento dessa
doença (Tabela 1). De qualquer forma, esta revisão é um alerta a todos os
médicos, para que fiquem atentos aos grupos de risco e saibam identificá-los,
ou melhor, saibam como aplicar as únicas e simples formas de se tentar esse
diagnóstico precoce, que são os exames de imagem(11).
Quem deve ser submetido?
Uma pessoa com elevado risco de desenvolver o ADP deve ser selecionada para a
vigilância. Na verdade, os pacientes que devem ser a ela submetidos são aqueles
que têm risco superior a 10 vezes o normal de desenvolverem-na. Este grau de
risco corresponde às pessoas com risco elevado já descrito na Tabela 1. Além
disso, recomenda-se que um subgrupo de indivíduos deva ser considerado de alto
risco com base na avaliação médica competente. Incluem-se os doentes com três
ou mais parentes de primeiro, segundo ou terceiro grau com ADP, com pelo menos
um deles sendo parente de primeiro grau(11). Baseados em dados técnicos, os
autores acreditam que a vigilância deva ser realizada em pessoas com dois
parentes de primeiro grau com ADP, apesar de elas terem risco sabidamente
inferior a 10 vezes o normal.
Como realizar?
Não há consenso sobre qual é a melhor forma de abordagem específica para
análise de pessoas de alto risco para o desenvolvimento do ADP. Muitos centros
atualmente utilizam a EE como o método de escolha, baseados nos estudos já
mencionados e na sua capacidade de detectar massas, pequenos nódulos (tumores
neuroendócrinos menores que 1,0 cm) e pequenos cistos de pâncreas, na ausência
de inflamação crônica do mesmo. É necessário que os pacientes que usam
freqüentemente o álcool, devam se abster do seu uso para a realização da EE,
para que o pâncreas não sofra os danos inespecíficos desencadeados por ele.
Outros centros têm utilizado a TC ou a CPER como exames para o rastreio do ADP,
embora este último, assim como a EE, pareçam inadequados ao analisarem
indivíduos com pancreatite hereditária. Além disso, a TC quer convencional ou
helicoidal, mesmo obedecendo protocolos para o exame pormenorizado da glândula
pancreática, tem sensibilidade limitada para a detecção de lesões muito
pequenas e potencialmente curáveis. A RM abdominal e a CPRM têm a vantagem,
pelo menos teórica, de demonstrar com muita precisão imagens dos DPP e biliar.
No entanto, até os dias de hoje, nenhum estudo demonstrou superioridade da RM,
CPRM em relação à EE, especialmente em indivíduos com alto risco de desenvolver
ADP(11).
Outros serviços recolhem o suco pancreático durante a investigação pela EE ou
CPER como tentativa de guardar os espécimes para um futuro próximo, quando
poder-se-á dosar futuros marcadores tumorais mais específicos(58). De qualquer
forma, é de fundamental importância destacar o papel de um exame de imagem que
possa fazer esse diagnóstico e não há outro atualmente senão a EE em mãos
experientes, para realizá-lo(11). Neste contexto, os autores corroboram com
essa assertiva de que a EE é o melhor método para o exame da glândula
pancreática na tentativa de identificar pequenas lesões, além de poder obter
fragmentos teciduais para o diagnóstico histológico(5). Uma vez isso ocorrendo,
a doença poderia ser diagnosticada numa fase mais precoce, o que permitiria,
pelo menos teoricamente, a cura desses pacientes.
Não há acordo sobre a freqüência com que um indivíduo deve se submeter ao
seguimento. Isso se reflete na falta de conhecimento sobre a história natural
do ADP e da sua taxa de progressão. Pareceres variam com um exame ao ano, com
intervalos de 3 anos. Já existem até dados disponíveis para auxiliar na tomada
dessa decisão, senso razoável adaptar recomendações sobre a freqüência,
levando-se em conta fatores adicionais, como o nível de preocupação do paciente
e sua história clínica(11).
Quando iniciar?
Não há consenso sobre esta proposta. A maioria dos estudos recomenda que, à
semelhança do câncer do cólon, o início do rastreamento deva ocorrer após os 50
anos de idade ou com a idade inferior a 10 anos do início do ADP diagnosticado
na família. Vale ressaltar que dois estudos demonstraram o efeito do fumo sobre
a idade da doença, em famílias propensas a seu desenvolvimento, sugerindo que
os fumantes desenvolvam-na uma década mais cedo do que os não-fumantes (59,6 vs
69,1 anos)(39). É razoável imaginar que o fato de um indivíduo fumar possa ser
decisório quanto ao início ou não da triagem. Antes dos 40 anos de idade, o
rastreamento provavelmente não seja eficaz em termos de custo em qualquer risco
previamente configurado.
CONCLUSÃO
As recomendações norte-americanas sugerem que as pessoas que preencham os
critérios para os testes genéticos, devam ser aconselhadas a se submeterem a
estes através de laboratório acreditado. Em muitos casos, os principais motivos
para se prosseguir com os testes genéticos seriam: a prevenção do ADP ou de
outros tumores, como por exemplo, mama, ovário, colo, ou para esclarecer os
riscos do ADP ou de outros cânceres nos demais membros da família.
Candidatos à vigilância deverão ser incentivados a participar da idealização de
protocolos de rastreamento e protocolos de pesquisa. Uma discussão com os
pacientes de caráter ético seria a respeito dos limites da triagem, incluindo a
sobrevivência e os benefícios essenciais desse tipo de decisão. Todos devem ser
aconselhados sobre as medidas preventivas, incluindo a necessidade imperiosa da
abstenção tabágica e mudança do estilo de vida, já anteriormente mencionados.
Além disso, é essencial individualizar estas recomendações, levando-se em conta
o estado emocional da pessoa, o nível de preocupação, a história familiar e o
estilo de vida, como principais fatores de risco. Além disso, a EE seria o
exame ideal a ser utilizado, caso seja realizado este tipo de acompanhamento.