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BrBRCVHe0004-28032008000300014

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National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
Year2008
Issue0003
Article number00014

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Soroprevalência da doença celíaca em ambulatório pediátrico, no nordeste do Brasil

INTRODUÇÃO A doença celíaca (DC) é uma enfermidade freqüente que afeta crianças e adultos e cujo diagnóstico e tratamento precoces previnem complicações e mortes(25).

Estudos realizados, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, indicam que a DC ocorre em torno de 0,5% a 1% da população geral(5, 6).

Os testes sorológicos permitem rastrear de forma menos invasiva maior número de pessoas, assegurando que formas clínicas leves, com sintomas não- característicos, ou mesmo indivíduos assintomáticos sejam identificados(14 ,18).

O anticorpo antigliadina (AGA) avalia a presença de anticorpos de classe IgA e IgG contra a fração tóxica do trigo (a gliadina), geralmente medidos através da técnica de ELISA(1). Foi largamente utilizado até pouco tempo, mas teve seu uso desaconselhado em revisões recentes(14, 15).

O anticorpo anti-endomísio (EMA) avalia a presença de anticorpos da classe IgA dirigidos contra o endomísio. Apesar de ser um teste sensível e específico, o EMA apresenta algumas dificuldades para seu uso em grande escala: custo elevado, técnica laboriosa e necessidade de sacrificar animais (quando utilizado esôfago de macaco). Além do mais, por ser um método semiquantitativo, está sujeito, em parte, à avaliação do observador(8, 15).

A pesquisa do anticorpo antitransglutaminase tecidual (TTG) é útil na investigação sorológica para DC por ser realizada através da técnica de ELISA, sendo portanto, de mais fácil execução, fornecendo resultado quantitativo e não dependente de operador e, ainda, por apresentar sensibilidade e especificidade que se assemelham ao EMA(4, 15).

Ainda hoje, são poucos os estudos de prevalência da DC na América do Sul. A maioria dos trabalhos foi realizada na Europa, onde as condições sociais e ambientais são muito diferentes(5).

Em 2000, foram publicados os primeiros estudos sobre prevalência da DC na América do Sul, tendo o primeiro sido realizado no Brasil(10, 12). Em 2006, MELO et al.(20) observaram entre doadores de sangue, em Ribeirão Preto, prevalência estimada de DC de 1:273. Recentemente, OLIVEIRA et al.(23) encontraram em população semelhante, prevalência de 1:214 na cidade de São Paulo.

A DC ainda é vista por leigos e alguns médicos como rara. A realização de estudos de soroprevalência contribui tanto para um melhor conhecimento do seu impacto em nosso meio, quanto para a seleção dos indivíduos que precisam ser submetidos a biopsia do intestino delgado, imprescindível para a confirmação da doença(25).

O objetivo deste estudo foi conhecer a soroprevalência da DC, utilizando-se testes sorológicos para EMA e TTG em crianças e adolescentes atendidos em um ambulatório de pediatria geral.

MÉTODOS O estudo foi realizado no Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira - IMIP, entidade de direito privado, sem fins lucrativos, conveniado com o Sistema Único de Saúde (SUS) e credenciado pelo Ministério da Saúde como Centro de Referência Nacional para a assistência na área materno-infantil, localizado em Recife, PE.

O desenho do estudo foi descritivo do tipo corte transversal, realizando-se estudo de soroprevalência, através da dosagem dos anticorpos antitransglutaminase tecidual guinea pig (TTGgp) e nos positivos dosados os anticorpos antitransglutaminase tecidual humana (TTGh) e EMA. A população do estudo foi formada por crianças maiores de 2 anos e adolescentes, atendidos nos vários setores da instituição, que realizaram coleta sangüínea no laboratório, durante o período do estudo, independente da indicação clínica.

O tamanho da amostra foi calculado utilizando-se o programa "statcalc" do EPI- INFO 6.0. Para o cálculo utilizou-se a soroprevalência (4%) obtida com os 100 primeiros soros analisados; com nível de confiança de 95%, foi obtido um n = 637. Foi analisado número maior de crianças para dar maior consistência aos resultados. Os indivíduos foram selecionados de forma não aleatória, por critério de conveniência, segundo a demanda do próprio laboratório.

Foram excluídos os familiares de pacientes celíacos conhecidos, os doentes com diabetes tipo I e os com síndrome de Down (indivíduos sabidamente com risco maior para DC que a população geral).

O sangue coletado era colocado em tubo seco e submetido a centrifugação para obtenção do soro, sendo armazenado em condições adequadas de temperatura. A sorologia para TTGgp foi realizada no laboratório do IMIP e supervisionada por profissional de nível superior, treinada em exames sorológicos para DC, pertencente à Universidade de Trieste, Itália. A sorologia para EMA e a TTGh foi realizada no laboratório da Universidade de Trieste pela mesma profissional.

Inicialmente, foram utilizados os kits de TTGgp produzidos pelo laboratório Eurospital, de Trieste, Itália. Foi avaliada a presença de anticorpos da classe IgA. A concentração de anticorpos foi expressa em unidades arbitrárias (UA) e considerado positivo os valores acima de 7,0 UA (valor previamente estabelecido pelo laboratório).

Nos indivíduos com sorologia para TTGgp positiva foram realizadas provas sorológicas com EMA e TTGh. O EMA sérico foi medido através da técnica de imunofluorescência indireta, utilizando secções criostáticas de tecido de cordão umbilical humano. Uma fluorescência, tipo "favo de mel", ao longo das camadas musculares peritubulares do cordão umbilical humano foi considerada positiva para EMA.

O TTGh foi avaliado através da técnica de ELISA, utilizando-se como substrato enzima clonada pelo grupo de Trieste. Os resultados foram expressos como percentual do soro positivo controle, sendo considerados normais valores abaixo de 16% do soro positivo controle, que representou um valor >2DP acima da média de 100 indivíduos saudáveis.

A pesquisa teve início após aprovação pela Comissão de Ética em Pesquisa do IMIP e do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco.

Os dados foram armazenados em arquivo do Epi-Info 6.0, sendo utilizados os programas Check e o Validate para assegurar a consistência dos dados.

As variáveis categóricas que caracterizam a amostra, foram expressas em percentuais. A prevalência foi calculada através da proporção dos indivíduos com sorologia positiva em relação à amostra estudada. A concordância sorológica foi determinada pelo somatório das sorologias positivas e negativas que concordaram para EMA e TTGh, sobre o número total de sorologias realizadas para os dois testes.

RESULTADOS No período de março a agosto de 2000, realizou-se a sorologia em 831 crianças e adolescentes. A amostra constituiu-se de 52% (433/831) de indivíduos do sexo feminino e 48% (398/831) do masculino.

A idade das crianças e dos adolescentes variou entre 2 a 18 anos, com mediana de 8 anos. A distribuição de freqüência por grupo etário foi: pré-escolares 29% (241/831), escolares 27% (225/831) e adolescentes 44% (365/831).

A soroprevalência para DC obtida através do anticorpo TTGgp, foi de 5% (42/831; IC de 95%: 3,76%-6,90%). Considerando os indíviduos que tiveram os três testes positivos, a soroprevalência estimada foi de 1,9% (16/831; IC de 95%: 1,83%- 1,97%).

A concordância do TTGh com o EMA foi de 71%, 16 TTG h e EMA positivos somados a 14 TTGh e EMA negativos, total de 30 sorologias concordantes (Figura_1). Em todos os indivíduo EMA positivo, o TTGh foi positivo.

DISCUSSÃO Os estudos de rastreamento populacional, que se tornaram possíveis com o advento dos testes sorológicos, mostram uma soroprevalência da DC na população geral bastante significativa(5, 6, 11, 15).

Neste trabalho, a soroprevalência estimada, utilizando-se o anticorpo anti- TTGgp como um exame de triagem inicial e os positivos confirmados com o TTGh e o EMA, foi de 1,9% (16/831; IC de 95%: 1,83%-1.97%). A soroprevalência média da DC encontrada através dos programas de rastreamento populacional realizados, principalmente na Europa, situa-se em torno de 1%(14). Sabe-se que para a confirmação da doença é necessária a realização da biopsia intestinal, pois o indivíduo pode apresentar anticorpos mas não preencher os critérios que definem a presença da doença(15).Daí o cuidado de se observar nos diferentes estudos se a proposta foi conhecer a soroprevalência ou a prevalência da DC.

Um aspecto que diferencia esta população da de outros estudos é o fato de tratar-se de uma amostra colhida em ambiente hospitalar, o que poderia justificar a existência de maior número de indivíduos com sorologia positiva, que é de se esperar que em uma população de indivíduos "doentes" exista maior número de celíacos. Vale salientar que em estudo semelhante, realizado em Oxford, na Inglaterra(16), foi encontrado grande número de celíacos entre pacientes que vinham sendo acompanhados em ambiente hospitalar (prevalência de 3%) e que, até o momento do rastreamento sorológico, não haviam sido diagnosticados. Os autores alertam para o subdiagnóstico da DC mesmo em ambiente hospitalar.

Apesar do exposto, em estudo realizado anteriormente no Brasil por GANDOLFI et al.(9), no qual foi investigada a prevalência de DC em 1.686 crianças acompanhadas no ambulatório do Hospital Universitário de Brasília, encontrou-se uma soroprevalência bastante inferior. As crianças foram rastreadas através de EMA, tendo sido identificados seis indivíduos positivos; destes, cinco concordaram com a realização da biopsia do intestino delgado, que demonstrou um padrão celíaco. A prevalência da DC foi de 1:281, ou seja, 0,35%. O critério utilizado para a triagem, através da dosagem dos EMA, explica em parte o menor percentual de soropositividade.

Certamente, estudos de soroprevalência e o refinamento diagnóstico através da realização de biopsia intestinal, irão ajudar a estabelecer a verdadeira prevalência da DC em diferentes regiões e populações no Brasil. Fatores relacionados ao ambiente, como diferentes práticas alimentares e fatores agressores do meio ambiente, podem explicar as diferenças na prevalência de DC em nosso país quando comparadas aos estudos europeus(13).

Enquanto se sabe que a ingestão de glúten é responsável pelo desenvolvimento dos sinais e dos sintomas da DC, não se conhece quais fatores estariam associados ao desenvolvimento ou não da doença e a época de início da mesma.

Estudos epidemiológicos anteriores constataram que diferentes práticas alimentares, principalmente no que se refere à época de introdução do glúten e sua quantidade na dieta, podem influenciar a prevalência da DC em uma população (13, 19).

NORRIS et al.(22) acompanharam prospectivamente 1.560 crianças com risco maior de desenvolver DC, por possuírem seu marcador genético ou por serem familiares de primeiro grau de doentes com diabetes mellitus tipo I, condição fortemente associada à DC. Essas crianças foram acompanhadas por 5 anos, período em que os autores tentaram observar a associação entre a época de introdução do glúten com o risco de desenvolver DC, constatando que a introdução de glúten nos primeiros 3 meses de vida esteve associada a um risco 5 vezes maior da criança desenvolver DC, em relação às crianças que iniciaram sua ingestão entre 4 e 6 meses de vida. Crianças que não ingeriram glúten até 7 meses ou mais, também apresentaram risco marginalmente aumentado. Os autores concluíram que a época de introdução do glúten na dieta das crianças está associada com o desenvolvimento ou não de doença.

É provável que na população deste estudo, considerada socioeconomicamente carente, o trigo (na forma de massas, pães, biscoitos, macarrão), principal fonte de glúten, seja introduzido precoce e abundantemente, por tratar-se de alimento de baixo custo e do gosto popular. Por outro lado, sabe-se que, ao contrário do que deveria ocorrer, a maioria das crianças é desmamada precocemente, antes dos 6 meses. Não se pode afastar a possibilidade do hábito alimentar estar associado à alta soroprevalência observada. A presença de fatores agressores do meio ambiente contribuindo para a ocorrência da DC tem sido pouco estudada. Diante do que se conhece atualmente sobre a patogênese da DC, acredita-se ser necessário um fator que altere a barreira do trato digestório, promovendo maior influxo de gliadina e liberação de TTG, para que se desenvolva a DC(2, 17). É razoável especular que fatores como desnutrição, infecções intestinais de repetição e parasitoses intestinais favoreceriam ambiente apropriado para o desencadeamento da doença.

A busca por um teste sorológico preciso para o diagnóstico de DC é um dos maiores desafios na atualidade. A necessidade de biopsia de intestino delgado para confirmar o diagnóstico de DC torna a investigação invasiva e requer profissional médico treinado para a realização do procedimento. Teste diagnóstico que não seja invasivo e que esteja prontamente disponível seria o ideal, não para conveniência do paciente, mas também para otimizar o uso dos recursos em saúde(7, 21, 24).

Observou-se, nos pacientes que realizaram os três testes, que a concordância da TTGgp, principalmente com o EMA, não foi satisfatória (apenas 34%); tais achados fazem levantar questionamentos sobre o kit sorológico utilizado na triagem inicial.

O grupo de trabalho em rastreamento sorológico para DC da Alemanha, em publicação de novembro de 2000, relata serem muitos os métodos descritos para determinação de seus anticorpos e que a padronização de métodos e materiais é de suma importância, que avaliações interlaboratoriais prévias têm demonstrado resultados conflitantes(26). Nesse estudo, houve a participação de sete diferentes laboratórios europeus, a análise sorológica utilizando o TTGgp apresentou reprodutibilidade interlaboratorial que não alcançou o EMA. Surgiram questionamentos sobre variações nos protocolos dos testes e a respeito dos preparados de TTGgp utilizados como antígeno, tendo sido observada diferenças na dependência do lote da enzima empregada.

No trabalho realizado por CLEMENTE et al.(3) intitulado "Armadilhas no rastreamento para DC utilizando transglutaminase guinea pig ELISA", relatou-se alta freqüência de resultados falso-positivos (50%) em indivíduos com outras doenças auto-imunes, particularmente hepatite auto-imune e cirrose biliar primária.

Em vista da elevada soroprevalência observada no presente estudo, especula-se como possível explicação para este achado a existência de fatores ambientais que, atuando numa fase precoce da vida das crianças, levem a aumento da permeabilidade intestinal, facilitando a sensibilização ao glúten e, conseqüentemente, o desencadeamento da DC.

Conclui-se que a triagem sorológica para DC em crianças e adolescentes que apresentem sinais e/ou sintomas compatíveis com a mesma deve ser realizada em todos os níveis de atendimento, bem como nos grupos de risco conhecidos, dada a soroprevalência observada em nosso meio.


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