Estudo prospectivo comparativo de duas modalidades de posicionamento do sensor
de phmetria esofágica prolongada: por manometria esofágica e pela viragem do Ph
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Estudo prospectivo comparativo de duas modalidades de posicionamento do sensor
de phmetria esofágica prolongada: por manometria esofágica e pela viragem do Ph
Comparative prospective study of two positioning modes of 24-hour esophageal pH
monitoring: by esophageal manometry and by the pH step-up technique
Ary NasiI, III; Rita de Cássia FrareII; Jeovana F. BrandãoI, II; Ângela M.
FalcãoI, II; Nelson H. MuchelsohnIII; Daniel SifrimIV
ILaboratório de Investigação Funcional do Esôfago do Serviço de Cirurgia do
Esôfago do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo - FMUSP
IICurso de Pós-graduação, Departamento de Gastroenterologia da FMUSP
IIISetor de Motilidade Digestiva do Fleury: Medicina e Saúde
IVCentro de Pesquisa Gastroenterológica da Universidade de Leuven, Bélgica
Correspondência
INTRODUÇÃO
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), considerada uma das afecções
digestivas de maior prevalência nos países ocidentais(18, 19, 20), tem sido
bastante estudada. Merece destaque o grande número de publicações existentes na
literatura médica sobre o tema. Contudo, ainda permanecem muitos temas
controversos; um deles motivou a realização do presente estudo.
A pHmetria esofágica prolongada, introduzida na prática clínica na década de
70, propiciou grande incremento no conhecimento da doença. Por normatização
aceita internacionalmente, posiciona-se o sensor de pHmetria a 5 cm acima da
borda superior do esfíncter inferior do esôfago (EIE), para evitar que em casos
de migração de parte da câmara gástrica para o tórax ou durante o encurtamento
natural do esôfago que ocorre no processo de deglutição, haja contato do sensor
com o conteúdo gástrico e conseqüente detecção de pseudorefluxos(3). Com tal
padronização, foram estabelecidos todos os parâmetros de normalidade do método
(3, 7, 9).
Considera-se que o melhor método de posicionamento do sensor de pHmetria seja a
localização precisa do EIE por manometria esofágica(1, 3, 4, 10, 15, 16, 17).
Há, porém, propostas de técnicas alternativas que prescindem da realização da
mesma; dentre essas, destaca-se o posicionamento baseado na viragem do pH,
defendida por alguns autores(12, 23).
Em tal modalidade de posicionamento, introduz-se o sensor de pH até a câmara
gástrica e após detecção de pH ácido, traciona-se o mesmo lenta e gradualmente
no sentido cranial, até identificar-se o ponto de viragem do pH, caracterizado
pelo ponto no qual há mudança do pH para níveis superiores a 4. Considera-se
que tal ponto coincide com a transição esôfago-gástrica e posiciona-se o sensor
5 cm acima desse local.
Há poucos trabalhos na literatura que comparam as duas modalidades de
posicionamento do sensor (por manometria prévia e por viragem do pH). Alguns
autores, como KANTROWITZ et al.(11), WALLTHER e DeMEESTER(27), MARPLES et al.
(15), MATTOX e RICHTER(16) e MATTOX et al.(17) consideram que a identificação
manométrica do EIE é imprescindível para o posicionamento adequado. Porém,
outros, como ROKKAS et al.(22), SCHINDLBECK et al.(23), KLAUSER et al.(12) e
PEHL et al.(21) advogam que o posicionamento baseado na viragem do pH é
confiável e, em função disso, sugerem que não haveria a necessidade de submeter
o paciente ao desconforto do estudo manométrico, para identificação do EIE.
É importante salientar que se o sensor de pHmetria for posicionado acima do
local padronizado, pode-se subestimar a ocorrência de refluxo gastroesofágico
(RGE). Por outro lado, se posicionado abaixo desse local, pode-se superestimar
o refluxo e, em alguns casos, promover a detecção de pseudorefluxos.
Considerando a polêmica existente em relação à questão, o pequeno número de
trabalhos prospectivos com amostra expressiva e metodologia adequada e o uso
disseminado, em nosso meio, da técnica da viragem do pH, idealizou-se o
presente estudo.
Objetivos
Avaliar a adequação do posicionamento do sensor distal de pHmetria pela técnica
de viragem do pH, considerando-se a presença, o tipo e o grau de erro de
posicionamento que tal técnica proporciona, tendo-se como referencial a
localização padronizada, baseada na localização manométrica do EIE. Objetiva-se
também estudar a influência, em tais parâmetros, da posição adotada pelo
paciente durante a técnica da viragem.
MÉTODOS
Foram estudados de modo prospectivo, durante o período de 1 ano, pacientes
encaminhados para realização de pHmetria esofágica prolongada, nos quatro
Serviços participantes do presente trabalho: Laboratório de Investigação
Funcional do Esôfago do Serviço de Cirurgia do Esôfago do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Setor de Motilidade
Digestiva do Fleury: Medicina e Saúde, São Paulo, SP; Laboratório de Motilidade
Digestiva da Clínica Cirúrgica do Aparelho Digestivo, São Paulo, SP e
Laboratório de Motilidade Digestiva da Clínica Gastrovida, Curitiba, PR,
doravante designados, respectivamente, por Serviços I, II, III e IV. O presente
estudo foi aprovado nas Comissões de Ética em Pesquisa das instituições
participantes. A aprovação da Instituição principal (CAPPesq HC-FMUSP) foi
obtida em 17 de janeiro de 2007, sob o número 979/06.
No dia dos exames, os pacientes eram convidados a participar do estudo. Os que
aceitaram, leram e assinaram termo de consentimento livre e informado. A
seguir, eram registrados os dados demográficos e realizada entrevista clínica
sistemática, com o objetivo de avaliar as queixas clínicas apresentadas.
Na seqüência, os pacientes foram submetidos a manometria esofágica, com
equipamento Medtronic-Synetics e sonda com oito canais de registro, sob
perfusão pneumohidráulica. Por tração lenta e gradual (meio a meio centímetro)
da sonda, no sentido cranial, foi caracterizada a localização (distância em
relação à narina) dos esfíncteres do esôfago. Foi anotada no protocolo de
pesquisa a distância em centímetros da borda superior do EIE à narina.
Após identificação manométrica dos esfíncteres, os pacientes foram submetidos a
pHmetria esofágica (com equipamento Medtronic-Synetics). Após introdução do
sensor distal de pH na câmara gástrica (caracterizado pela identificação de pH
menor que 4), o cateter era tracionado lenta (a cada 15 segundos) e
gradualmente (de meio em meio centímetro) até que se identificasse o ponto de
viragem de pH, caracterizado como o ponto no qual há mudança do pH para valores
superiores a 4. A distância em centímetros desse ponto em relação à narina era
anotada no protocolo de estudo.
Considerando-se que a distribuição do suco gástrico sofre influência
gravitacional, realizou-se a identificação do ponto de viragem do pH de dois
modos distintos, que caracterizaram dois grupos de estudo: com o paciente
sentado (grupo I) e com o paciente em decúbito dorsal horizontal (grupo II).
Após identificação e registro do ponto de viragem, o sensor distal do cateter
de pHmetria era posicionado de modo a ficar na posição padrão, ou seja, 5 cm
acima da borda superior do EIE, identificada pela manometria.
Registrou-se no protocolo de estudo o ponto onde seria posicionado o sensor
distal de pH, caso fosse adotada a técnica da viragem e que tipo de erro que
tal procedimento acarretaria. Parte dos exames foi realizada com eletrodo com
dois canais de registro. Para efeito do presente estudo, avaliou-se o
posicionamento do sensor distal. Considerando-se erro, a diferença (em
centímetros) entre a localização padronizada e a localização que seria adotada
caso fosse empregada a técnica da viragem de pH, conforme a seguinte "fórmula":
Em função de tal cálculo, considerou-se que:
* Diferença igual a zero: significa que não haveria erro (exemplo: 40,0 cm
- 40,0 cm = zero);
* Diferença negativa: significa que haveria erro e que o sensor seria
posicionado abaixo do local padronizado (exemplo: 40,0 cm - 41,0 cm = -
1 cm);
* Diferença positiva: significa que haveria erro e que o sensor seria
posicionado acima do local padronizado (exemplo: 40,0 cm - 38,0 cm = 2
cm).
Para efeito de caracterização do grau de erro, considerou-se que este seria
grosseiro se fosse maior ou igual a 2 cm. Foram incluídos no estudo todos
pacientes que aceitaram participar e excluídos aqueles em que não se
identificou acidificação intra-gástrica.
Análise estatística
Para a análise dos resultados foram utilizados o coeficiente de correlação de
Pearson, o teste paramétrico t de Student e os não-paramétricos: Mann-Whitney
(para amostras independentes) e do qui ao quadrado para tabelas de contingência
(24). Em todos os testes fixou-se em 0,05 ou 5% o nível para rejeição da
hipótese de nulidade.
RESULTADOS
Foram realizados no período do estudo 1.044 exames de pHmetria esofágica. Nove
pacientes não aceitaram participar do trabalho; em quatro não foi possível
detectar acidificação intra-gástrica. Desta forma, foram incluídos do estudo
1.031 pacientes. Conforme já destacado, foram classificados de acordo com a
posição adotada durante a manobra de identificação da viragem do pH, em dois
grupos: grupo I (GI - 450 pacientes) e grupo II (GII - 581 pacientes).
Quanto às instituições onde se realizaram os exames, 141 (13,7%) pacientes
foram atendidos no Serviço I, 342 (33,2%) no Serviço II, 449 (43,5%) no Serviço
III e 99 (9,6%) pacientes no Serviço IV. Embora a participação de cada Serviço
na composição da amostra tenha sido heterogênea, a distribuição entre os grupos
de estudo em cada um deles foi bastante homogênea. Os exames realizados em São
Paulo foram efetuados pelo autor principal deste trabalho e os realizados em
Curitiba, por um dos co-autores. Contudo, destaca-se que o método de estudo
empregado foi exatamente o mesmo. Não houve diferença significante quanto à
distribuição dos pacientes nos grupos de estudo, nos quatro Serviços
participantes (P = 0,343).
Em relação ao sexo, foram incluídos 588 (57,0%) pacientes do sexo feminino e
443 (43,0%) do masculino. Apesar de haver predomínio do sexo feminino nos dois
grupos de estudo, não houve diferença significante entre eles, em relação à
distribuição entre os sexos (P = 0,198).
A idade variou de 12 a 86 anos (média de 44,2 anos). No GI, variou de 12 a 86
anos (média de 43,6 anos) e no GII de 12 a 84 anos (média de 44,7 anos). Não
houve diferença significante quanto à idade dos pacientes nos dois grupos de
estudo (P = 0,269).
Conforme aos sintomas clínicos, observou-se predomínio de queixas típicas em
512 pacientes (49,7%) e de queixas atípicas e/ou extra-esofágicas em 519
(50,3%). Salienta-se que, para os casos com predomínio de queixas atípicas e
extra-esofágicas, recomenda-se pHmetria com dois sensores de pH, que é
impossível de ser realizada sem identificação manométrica do esfíncter superior
do esôfago.
Adequação do posicionamento do sensor distal pela técnica da viragem
Se fosse adotada a técnica da viragem, haveria erro no posicionamento do sensor
em 945 pacientes (91,6%): 411 (91,3 %) do GI e 534 (91,9 %) do GII. Portanto,
ocorreria posicionamento na posição padronizada em apenas 86 pacientes (8,4%):
39 (8,7%) do GI e 47 (8,1%) do GII (Tabela_1).
Observa-se, contudo, que não houve diferença significante quanto ao erro nos
dois grupos de estudo (P = 0,827), indicando que a posição adotada pelo
paciente durante a técnica da viragem do pH não interfere no erro inerente à
mesma.
Em relação à caracterização do grau de erro, observa-se que haveria erro
considerado grosseiro em 597 (63,2%) pacientes: 274 (66,7%) do GI e 323 (60,5%)
do GII (Tabela_2).
Não houve diferença significante entre os dois grupos de estudo (P = 0,879),
indicando que a posição adotada pelo paciente durante a técnica da viragem não
interfere no grau de erro inerente às mesmas.
Em relação ao tipo de erro, nota-se que o sensor seria posicionado acima do
local padronizado em 88 (9,3%) pacientes [39 (9,5%) do GI e em 49 (9,2%) do
GII] e seria posicionado abaixo do local padronizado em 857 (90,7%) pacientes
[372 (90,5 %) do GI e em 485 (90,8 %) do GII] (Tabela_3).
Não houve diferença significante entre os dois grupos de estudo (P = 0,959),
indicando que a posição adotada pelo paciente durante a técnica da viragem não
interfere no tipo de erro inerente à mesma.
DISCUSSÃO
Em relação ao desvio de posicionamento
KANTROWITZ et al.(11), comparando em 29 pacientes a localização da junção
esôfago-gástrica, sugerida pela técnica da viragem do pH, com a localização
obtida por manometria esofágica, descrevem que a técnica da viragem não
permitiu a identificação da junção em 7 casos (24,1%). Em função disso,
concluem que a manometria é necessária para o posicionamento adequado do sensor
de pHmetria. Contudo, não fazem referência ao erro de posicionamento que a
técnica da viragem propicia, como realizado no presente trabalho.
Por outro lado, KLAUSER et al.(12), comparando a localização do EIE obtida por
manometria com a localização sugerida pela técnica da viragem do pH e pela
fluoroscopia, em 60 pacientes com sintomas de DRGE e 14 voluntários
assintomáticos, observaram que o ponto de viragem não ocorreu dentro dos
limites do EIE em apenas 1 caso (1,7%) e que a localização do esfíncter por
fluoroscopia foi bastante falha. Esses autores, apesar de admitirem que a
manometria esofágica é o método mais confiável para o posicionamento do sensor
de pHmetria, concluem que a técnica da viragem do pH é eficaz na localização do
EIE e questionam se 1 ou 2 centímetros de diferença no posicionamento do sensor
teriam impacto relevante nos resultados do exame.
ROKKAS et al.(22), em estudo comparativo da localização do EIE pela manometria
esofágica com a técnica da viragem do pH em 46 pacientes com DRGE, referiram
que a técnica da viragem identificou adequadamente a localização do esfíncter
em 98% dos casos. Relataram que com o método obtêm-se diferença "aceitável" de
1 a 2 cm em relação à localização manométrica do esfíncter. Os autores concluem
que a técnica da viragem representa alternativa confiável para o posicionamento
do sensor de pHmetria.
A principal crítica ao método utilizado nas publicações de KLAUSER et al.(12) e
ROKKAS et al.(22) é que os autores não compararam onde seria posicionado o
sensor de pHmetria, caso fosse adotada a técnica da viragem, como realizado no
presente estudo. Convém salientar que, para o posicionamento adequado do
sensor, precisa-se saber a localização da borda superior do esfíncter e não o
intervalo no qual ele se localiza.
Conforme já salientado, não há consenso na literatura sobre a adequação do
posicionamento do sensor de pHmetria pela técnica da viragem. Contudo, há de se
destacar que os autores que consideram o método válido baseiam suas conclusões
em trabalhos bastante criticáveis do ponto de vista metodológico e com amostras
muito restritas.
A maioria desses autores considera toda a extensão do esfíncter e não somente a
borda superior do mesmo. Ou seja, considera a viragem adequada se ocorrer na
extensão de todo o esfíncter inferior, mas não fazem análise do grau de erro de
posicionamento do sensor de pH, que tal modalidade técnica proporciona.
O presente estudo permite concluir que o posicionamento do sensor distal de
pHmetria pela técnica da viragem não é confiável, pois proporciona erro em
91,7% dos casos.
Quanto ao grau do desvio
PEHL et al.(21) compararam a localização do EIE pela manometria esofágica com a
técnica da viragem em 25 pacientes com sintomas de DRGE e 25 indivíduos
controles assintomáticos. Simultaneamente, realizaram pHmetria com dois
sensores de pH: um posicionado de acordo com a localização manométrica e outro
de acordo com a técnica da viragem. Foram analisados os seguintes parâmetros:
localização do EIE, número de episódios de refluxo, ocorrência de refluxo em
posição ortostática e em decúbito horizontal e percentagem de tempo total de
refluxo.
Os autores demonstraram que adotando a técnica da viragem, posicionariam o
sensor de pH, em média, 2 cm abaixo do local padronizado no grupo controle e 1
cm abaixo nos pacientes com DRGE. Em relação à mensuração do refluxo,
observaram resultados semelhantes nos dois locais avaliados. Apesar de haver
pequeno aumento do número de episódios de refluxo na posição ortostática no
sensor posicionado de acordo com a técnica da viragem, não houve diferença
significante em relação ao tempo total de refluxo.
Referem que em um paciente que estava em uso de anti-secretores, não foi
possível a realização da técnica da viragem e concluem que o cateter de
pHmetria pode ser posicionado com segurança pela técnica de viragem. Porém,
admitem que tal modalidade técnica é limitada em quem faz uso de anti-
secretores e realiza a pHmetria para avaliação da eficácia do medicamento.
MATTOX et al.(17) compararam a técnica da viragem com a manometria esofágica
para localização do EIE em 71 pacientes com sintomas de DRGE e 14 voluntários
assintomáticos, adotando os critérios de THURER et al.(26), que admitem ser
aceitável variação de 3 cm para cima ou 3 cm para baixo (total 6 cm) da borda
proximal do esfíncter.
Apesar de terem adotado margem de erro tão expressiva como aceitável, os
autores demonstraram que a técnica da viragem identificou de modo inadequado o
esfíncter em 58% dos pacientes com DRGE e em 29% dos voluntários
assintomáticos, concluindo que a técnica não é eficiente para posicionamento do
sensor de pHmetria.
WEUSTEN et al.(28) realizaram pHmetria com cinco sensores de registro,
posicionados a 3, 6, 9, 12 e 15 cm acima da borda superior do EIE, em 19
pacientes com DRGE e em 19 controles assintomáticos. Observaram decréscimo
gradual expressivo na detecção de refluxo da parte distal para a proximal do
esôfago, tanto nos pacientes quanto nos controles assintomáticos. Tal achado
representa crítica importante aos critérios de THURER et al.(26).
No presente trabalho, viu-se que a técnica da viragem propicia erro no
posicionamento do sensor de pHmetria em 91,7% dos casos e que em 63,2% das
vezes tal erro é maior que 2 cm. Em função dos dados apresentados, conclui-se
que a técnica da viragem proporciona margem de erro expressiva.
Quanto ao tipo de desvio
Em relação ao tipo de erro, nota-se que o sensor seria posicionado abaixo do
local padronizado em 857 (90,7%) pacientes e acima dele em 88 (9,3%).
Há na literatura apenas duas publicações que fazem referência específica a tal
tema. PEHL et al.(21), como já salientado, observaram que a técnica da viragem
promove o posicionamento do sensor de pH em média 2 cm abaixo do local
padronizado em controles assintomáticos e 1 cm abaixo nos pacientes com DRGE.
WALLTHER e DeMEESTER(27) também demonstraram que a técnica da viragem do pH
tende a propiciar o posicionamento do sensor de pHmetria abaixo do local
padronizado.
Em função desses dados, é interessante avaliar o impacto na mensuração do
refluxo que diferentes grandezas de erro, efetivamente, propiciam.
LEHMAN et al.(13, 14), comparando o número de episódios de refluxo registrados
em sensores posicionados a 1 e 5 cm acima do EIE, observaram que a detecção de
refluxo no sensor distal era três vezes maior que a detecção na posição padrão.
DICKMAN et al.(5), comparando o percentual de tempo de refluxo registrado em
sensores posicionados a 1 e 6 cm acima do EIE, em 64 pacientes com sintomas de
DRGE, também constataram que o percentual de refluxo era expressivamente maior
a 1 cm.
FLETCHER et al.(6) compararam o percentual de tempo de refluxo registrado em
sensores posicionados a 0,5 e 5,5 cm acima da junção escamocolunar em 11
pacientes dispépticos com pHmetria convencional normal. Observaram que o
percentual médio de tempo total de refluxo foi 11,7 no sensor distal e 1,8 no
proximal. Diferentemente dos dois estudos anteriormente citados, os autores
fixaram por meio de presilhas metálicas o sensor distal à mucosa esofágica,
eliminando a possibilidade de detecção de pseudorefluxos.
ANGGIANSAH et al.(2), comparando o número de episódios de refluxo detectados em
sensores localizados a 5 e 10 cm acima do EIE, constataram que havia detecção
expressivamente menor de refluxo no sensor posicionado acima da localização
padronizada. JOHANSSON e TIBBLING(8), comparando o número de episódios de
refluxo detectados em sensores posicionados a 5 e 15 cm acima do EIE em 39
pacientes com DRGE, também constataram menor detecção de refluxo no sensor
proximal.
Parece claro que a monitorização do pH realizada com sensores posicionados
acima da localização padronizada proporciona menor detecção de refluxo. Por
outro lado, a monitorização com sensores mais distais proporciona maior
detecção. Em função disso, é inevitável a questão: por que monitorizar o
refluxo a 5 cm acima do EIE se podemos detectar mais refluxo monitorizando um
pouco mais abaixo?
SIFRIM et al.(25) demonstraram que há encurtamento do esôfago durante as
deglutições. Dessa forma, se se posicionar o sensor de pH muito próximo da
transição, pode haver exposição do sensor ao conteúdo intragástrico e a
caracterização de falsos episódios de refluxo. Em função disso, acredita-se que
estudos que se proponham a fazer a monitorização bastante distal do refluxo
devem ser feitos com sensores fixados à mucosa esofágica, para impedir o
fenômeno descrito.
Essa seria uma das principais vantagens da pHmetria esofágica sem cateter ou
seja, com a monitorização do pH intra-esofágico por meio de cápsulas fixadas à
mucosa esofágica, que transmitem os dados captados por sinal de rádio. Com tal
método, pode-se realizar a monitorização mais distal do refluxo evitando-se a
detecção de pseudorefluxos.
Os resultados encontrados no presente trabalho indicam que a técnica da viragem
não representa boa opção para o posicionamento do sensor de pHmetria.
Entretanto, como já salientado, há outra grande questão a ser respondida: será
que o local padronizado de monitorização é o mais adequado para análise do
refluxo?
Influência da posição do paciente durante a manobra da viragem do pH
Pelo presente estudo, avaliando-se: erro de posicionamento, margem de erro e
tipo de erro que a técnica da viragem do pH proporciona, nas posições sentado e
deitado, constatou-se que não há influência na posição adotada pelo paciente
durante a manobra da viragem, em nenhum dos parâmetros analisados.
WALLTHER e DeMEESTER(27) compararam a localização da borda superior do EIE por
endoscopia e pela técnica de viragem e a influência da posição adotada pelo
paciente durante a manobra da viragem. Adotaram a localização manométrica do
esfíncter como referencial, em modelo de estudo semelhante ao presente, porém,
com número muito restrito de casos (20 pacientes). Os autores observaram que a
localização do esfíncter pela técnica da viragem foi mais precisa que
localização endoscópica. Contudo, destacam que apesar da superioridade da
técnica da viragem, a mesma identificou corretamente (com margem de erro
aceitável de 1 cm) a borda superior do EIE em apenas quatro (20,0%) pacientes.
De modo semelhante ao observado no presente trabalho, demonstraram que a
técnica da viragem do pH tende a propiciar o posicionamento do sensor de
pHmetria abaixo do local padronizado. Concluem que a técnica da viragem não é
suficientemente precisa para ser empregada na prática clínica e que a posição
adotada pelo paciente durante a manobra não interfere na margem de erro
inerente à técnica.
Não foram encontrados na literatura outros estudos sobre a influência da
posição do paciente na técnica da viragem.
Com o presente estudo, deu-se boa contribuição ao estudo da modalidade
alternativa de posicionamento do sensor de pHmetria mais utilizada a técnica
da viragem do pH. Viu-se que a mesma proporciona erro expressivo de
posicionamento, tendendo a posicionar o sensor em local mais distal que o
padronizado.
CONCLUSÕES
Nas condições da presente pesquisa, pode-se concluir que:
1. O posicionamento do sensor distal de pHmetria pela técnica da viragem do
pH não é confiável.
2. A técnica da viragem proporciona margem de erro expressiva.
3. O tipo de erro mais comum que tal modalidade técnica proporciona é o
posicionamento mais distal do sensor, que pode superestimar a ocorrência
de refluxo e, em alguns casos, promover a detecção de pseudorefluxos.
4. Não há influência da posição adotada pelo paciente durante a realização
da técnica da viragem do pH, na eficiência do método.