Estenoses benignas de esôfago: abordagem endoscópica com velas de Savary-
Gilliard
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Estenoses benignas de esôfago: abordagem endoscópica com velas de Savary-
Gilliard
Benign strictures of the esophagus: endoscopic approach with Savary-Gilliard
bougies
Paula NovaisI; Eponina LemmeII; Claudia EquiI; Claudia MedeirosIII; Camila
LopesIII; Cleber VargasII
IServiço de Gastroenterologia HUCFF/UFRJ
IIDepartamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da UFRJ
IIIFaculdade de Medicina da UFRJ
Correspondência
INTRODUÇÃO
As estenoses benignas de esôfago são complicações decorrentes de diversas
causas. Possuem tratamento semelhante, na maioria dos casos necessitando de
dilatação endoscópica. No entanto a resposta terapêutica, tempo ideal de
tratamento, assim como intervalo entre as sessões de dilatação podem ser
variáveis, não havendo consenso na literatura a respeito deste fato.
Neste estudo retrospectivo, apresenta-se a experiência de 14 anos do Setor de
Endoscopia Digestiva do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, em relação às estenoses benignas de
esôfago.
MÉTODO
Foram analisadas 2.568 dilatações em 236 pacientes (109 mulheres e 127 homens
com média de idade de 56 anos, variando de 3-88 anos), durante um período de 14
anos e 10 meses, até junho de 2007.
As dilatações foram realizadas em ambiente de ambulatório, com intervalos
variáveis entre as sessões. O procedimento foi realizado com o paciente em
jejum de no mínimo 8 horas, sob sedação consciente (diazepam e meperidina
intravenosos) e oximetria contínua. Utilizou-se um fio guia metálico flexível,
introduzido através da estenose, sob visão endoscópica, sobre o qual foram
passadas as velas de Savary-Gilliard, constituídas de material de polivinil
maleável, com aumento gradual do calibre. O diâmetro das velas foi
individualizado de acordo com o grau de estenose apresentado.
Foram avaliados dados como causa e extensão das estenoses. Estas foram
classificadas como curtas se até 3 cm, médias se entre 3 e 7 cm e longas quando
com mais de 7 cm de extensão, sendo correlacionado o número de dilatações com
sua extensão e etiologia. A influência da etiologia na extensão da estenose
também foi analisada. O objetivo final do tratamento instituído era ausência ou
redução acentuada da disfagia em vigência de calibre satisfatório de esôfago
(45Fr = 15 mm), não necessariamente alcançado através da vela de maior calibre
(60Fr = 20 mm).
Análise estatística
Para análise estatística dos dados foram utilizados os testes de coeficiente de
contingência de Pearson (analisando a influência do sexo sobre a extensão da
estenose) e ANOVA (análise de variância da influência da extensão e etiologia
sobre o número de dilatações). O nível de significância empregado foi de
P<0,05.
RESULTADOS
A estenose péptica foi a causa mais prevalente, ocorrendo em 43% dos pacientes,
seguida da estenose cáustica apresentada por 16% dos pacientes (Tabela_1).
Em relação à extensão da estenose, foram avaliados 186 do total de 236
pacientes estudados e observou-se que cerca de 70% (131/186) apresentaram
estreitamentos curtos (Tabela_2), estes representados em sua maioria por
estenoses pépticas (Tabela_3). Estenoses de extensão médias e longas foram mais
freqüentes em pacientes cuja origem era cáustica (Tabelas_4 e 5).
As estenoses pépticas foram predominantemente curtas, em 70 pacientes dos 85
analisados quanto à extensão (82%) (Tabela_6). O oposto ocorreu nas estenoses
cáusticas que foram predominantemente longas e médias (25 pacientes dos 30
analisados quanto à extensão (83%)). As estenoses decorrentes de escleroterapia
de esôfago e cirurgias também foram curtas na sua maioria (82% e 93%,
respectivamente).
As estenoses pós-escleroterapia necessitaram de menos sessões de dilatações
(cinco dilatações/paciente), seguida das pépticas, que necessitaram em média de
8,8 dilatações por paciente. As lesões cáusticas foram as que necessitaram de
maior número de sessões, em média 24,6 dilatações por paciente (Tabela_7,
Figura_1), apresentando diferença estatisticamente significante em relação às
outras causas (P<0,0000). Entretanto, analisando separadamente as causas pós-
operatória, péptica e pós-escleroterapia, não se observou diferença
significante entre o número médio de dilatações (P = 0,175667).
Estreitamentos de segmento longo necessitaram em média 28,9 dilatações por
paciente, enquanto que estreitamentos de curta extensão necessitaram de cerca
de 7,6 dilatações por paciente (P<0,00001) (Tabela_8, Figura_2).
Nas 2.568 dilatações realizadas, ocorreram três perfurações, o que representa
0,1% do total. Duas destas foram microperfurações em terço médio, em esofagites
cáusticas, tratadas clinicamente, com alta hospitalar em 48 horas. A terceira
perfuração ocorreu em esôfago cervical, em estenose de causa indefinida,
tratada com esofagostomia, evoluindo com boa recuperação. Não houve sangramento
maior que o habitual ou mortalidade nesta casuística.
DISCUSSÃO
As estenoses benignas do esôfago podem ser causadas por diferentes situações.
Na literatura, assim como no presente estudo, a causa mais comum é a estenose
péptica(17) causada pelo refluxo gastroesofágico crônico, que corresponde a
60%-70% dos casos(2, 6, 20, 23). Outras causas são a ingestão acidental ou
proposital de substâncias corrosivas, o uso prolongado de sonda nasogástrica ou
nasoenteral(12), os anéis e membranas esofagianas, radioterapia, pós-
escleroterapia de varizes(9), esofagite infecciosa, esofagite eosinofílica,
traumas de esôfago que podem levar ao desenvolvimento de hematomas intra-murais
ou interrupção da nutrição(19), sarcoidose, injúria elétrica externa(7) e
outros.
O diagnóstico causal da estenose pode ser definido em 80% dos casos apenas
através da anamnese. A esofagografia contribui muito para definir o grau de
estenose, localização, presença de tortuosidade e escolha do tipo de dilatador
a ser empregado, sendo geralmente considerado como o exame inicial. A
endoscopia digestiva alta é imprescindível, pois avalia a mucosa da região
afetada, exclui estenoses malignas e possibilita a realização de biopsias, que
devem ser realizadas mesmo quando o diagnóstico etiológico for evidente(4). A
ecoendoscopia raramente é necessária nas estenoses benignas, mas a
esofagomanometria pode ser útil nos casos em que se quer definir se houve
também acometimento motor do órgão, como no caso das estenoses cáusticas
profundas(8, 22).
Estima-se que 7% a 23% dos pacientes com doença do refluxo gastroesofágico
(DRGE) evoluam com estenose esofagiana(3). Como apresentado no presente estudo,
são estenoses geralmente anelares (<1cm) e tipicamente localizadas no segmento
distal. Respondem muito bem à terapia de dilatação com sucesso maior que 80%
(5), porém cerca de 30% dos pacientes apresentam recurrência da disfagia,
necessitando de outras dilatações. A terapia com inibidores de bomba de prótons
(IBP) em dose plena e medidas anti-refluxo devem sempre ser realizadas. É
preciso avaliar indicação de correção cirúrgica da DRGE com fundoplicatura
gástrica(23).
Agentes corrosivos, quando ingeridos acidental (crianças em sua maioria) ou
propositalmente (adultos em tentativas de suicídio) podem causar estenoses
esofagianas, que constituem as de maior risco de perfuração e que mais
apresentam recurrência(5, 20). O exame endoscópico na fase aguda pode indicar o
prognóstico. TIRYAKI et al.(26) observaram melhor resposta terapêutica quando
as dilatações eram iniciadas na fase aguda, 7 dias após ingestão do corrosivo.
A extensão do segmento afetado também é fator prognóstico. Na presente
casuística, observa-se que, quanto mais extensa foi a estenose, necessitou-se
maior número de dilatações. Após o desaparecimento dos sintomas, o
acompanhamento deve ser realizado de 3 em 3 meses no primeiro ano e depois
anualmente(7). TEMIR et al.(25) defendem a realização de novas dilatações
apenas quando houver reaparecimento da disfagia
Pacientes submetidos a cirurgias de esôfago, principalmente as esofagectomias e
até mesmo a cirurgias de correção de hérnia de hiato, podem desenvolver
estenoses, seja por desenvolvimento de fístulas ou isquemia local, uso de
"stapler" ou pelo próprio processo evolutivo cicatricial. O índice de sucesso
das dilatações endoscópicas nestes pacientes fica em torno de 75% a 92%,
geralmente necessitando de cerca de três a cinco sessões para resolução dos
sintomas(13). No levantamento desta casuística verificou-se que pacientes com
estenoses pós-operatórias necessitaram em média de nove sessões para boa
resposta. Recomenda-se iniciar a dilatação após 2 semanas de cirurgia, sendo 2
meses, o ideal(13)
Sabe-se que em apenas 24 horas do uso de sonda nasogástrica, pode-se observar
edema intra-epitelial e hemorragia submucosa no esôfago e se a sonda permanecer
por mais de 5 dias, nota-se além de hiperemia, presença de ulcerações. Isto
ocorre tanto pela irritação local direta da sonda, como também pela facilitação
do refluxo gastroesofágico. Um paciente da presente série apresentou importante
estenose longa decorrente do seu uso, necessitando de 36 sessões de dilatação
para que fosse alcançado e mantido o calibre de 60 Fr.
A radioterapia pode causar estenose por dano direto ao DNA e produção de
radicais livres que estimulam morte celular. A incidência gira em torno de 25%
a 67% nos paciente irradiados para tumor primário e de 1% a 20% para irradiação
de tumores adjacentes (mama, pulmão, tireóide)(13). Geralmente é necessária
irradiação de mais de 6.000 rads fracionados. No presente trabalho, a estenose
actínica foi incomum, ocorrendo em apenas quatro pacientes (1,69%) que
necessitaram, em média, de 14,5 sessões de dilatação para alcançar resposta
terapêutica.
A esofagite eosinofílica, entidade predominante em crianças, na qual existe
inflamação crônica do esôfago, caracterizada por infiltração de mais de 20-24
eosinófilos por campo de grande aumento, detectada pelo estudo histopatológico,
é causa ainda subdiagnosticada em adultos com estenose de esôfago. O tratamento
inclui dilatações endoscópicas e afastamento do fator desencadeante (geralmente
aeroalérgenos e alérgenos alimentares) e corticóide tópico. No presente estudo
avaliaram-se dois pacientes com este diagnóstico, que necessitaram, em média,
de sete sessões de dilatação para remissão da disfagia.
Esofagite causada por ingestão de medicamentos em forma de pílulas é causa
infreqüente de estenose. Medicações como quinidina, tetraciclina,
antiinflamatórios não-hormonais, cloreto de potássio e alendronato podem causar
estenose por lesão direta à mucosa devido ao contato prolongado, diminuição da
atividade motora, diminuição da depuração esofagiana, síndrome de Stevens-
Johnson e alteração da coagulação. Neste estudo, não foi possível confirmar o
uso de drogas como fator causador de estenose, embora tenha se levantado
suspeita em quatro casos.
Membranas e anéis são causas de estenoses que respondem muito bem às dilatações
endoscópicas. No caso dos anéis, de Schatzki, 68% dos pacientes permanecem sem
disfagia por período de 1 ano após a primeira dilatação, porém muitos precisam
de novas dilatações no decorrer da vida (apenas 11% não recorrem em 5 anos)(5).
No presente estudo avaliaram-se sete pacientes com anel de Schatzki e seis com
membrana, todos evoluindo com boa resposta à terapêutica endoscópica (2,1 e 6
dilatações por paciente, respectivamente).
Correlacionando-se a extensão da estenose com sua causa, verificou-se que as
causas têm um comportamento próprio. Assim, as estenoses pépticas são
geralmente curtas e as cáusticas comprometem, na maior parte da vezes,
segmentos longos e médios.
Quando comparado o número de dilatações realizadas com a causa e a extensão da
estenose, verificou-se que lesões curtas ou anelares, como as pós-operatórias e
pépticas, podem ser tratadas através de menor número de dilatações. Já as
estenoses cáusticas, geralmente longas, necessitaram de número bastante elevado
de sessões. PEREIRA-LIMA et al.(18) estudaram 1.043 dilatações realizadas em
153 pacientes com estenoses benignas de esôfago de diversas causas
(predominantemente pós-operatórias, que corresponderam a 57% do total) e
acharam resultados semelhantes em relação às estenoses pépticas (média de três
sessões de dilatação para alcançar calibre esofagiano de 42Fr). Entretanto,
quanto às estenoses cáusticas, foi necessário número de dilatações menor que o
referido pelos autores desta série (5,0 x 24,9 dilatações por paciente).
A decisão do tipo de dilatador a ser utilizado depende da disponibilidade do
material e experiência de cada serviço. No Serviço onde este estudo foi
realizado, são habitualmente utilizadas as velas de Savary-Gilliard,
constituídas de material polivinil maleável e progredidas através da estenose
orientada pela passagem de um fio guia metálico. O uso da fluoroscopia durante
a dilatação, assim como no hospital onde avaliou-se esta casuística, tem sido
dispensado na maioria dos Serviços, mas pode ser útil nos casos de estenoses
tortuosas, pseudodivertículos e hérnias de hiato volumosas, oferecendo maior
segurança ao procedimento por permitir total controle do posicionamento do
dilatador e do fio guia.
Não existe consenso em relação ao seguimento destes pacientes. MOURA et al.(14)
sugerem que as dilatações devem ser semanais no 1º mês, quinzenal no 2º, de 21
em 21 dias nos 3º e 4º meses e mensal nos 5º, 6º e 7º meses. O paciente seria,
então, orientado a retornar se ainda relatasse os sintomas ou se houvesse
retorno da disfagia, sendo considerado o caso como refratário, se estas queixas
ocorressem em período inferior a 3 meses após a última dilatação. Alguns
autores(18) recomendam que o paciente deva ser mantido em programa de dilatação
com intervalos curtos (semanal ou quinzenal) no início da terapia, até que seja
alcançado como objetivo final, a ausência da disfagia; outros(21), porém,
defendem a progressão até vela maior que 45Fr, mesmo que o paciente já esteja
assintomático(27). No Serviço dos autores, este acompanhamento foi variável. Na
maior parte dos casos, os pacientes eram mantidos em programa de dilatação
semanal inicial e depois quinzenal, até a ausência de disfagia em vigência de
um calibre satisfatório de esôfago (45Fr). Muitos pacientes não necessitaram
alcançar a maior vela (60Fr) para obter ausência de sintomas.
Entre as complicações da dilatação, a perfuração ocorre em 0,5% a 1,2%(2, 21) e
sangramento maior que habitual, podem ocorrer em menos de 0,5% dos casos(16),
bacteremia em 20%-45%, porém infecções são raras, havendo relato de abscesso
cerebral pós-dilatação(3). No presente estudo, houve três casos de perfuração
(0,1% do total de dilatações), tratados com conduta conservadora em dois e
esofagostomia em um, comprovando que o procedimento é muito seguro.
O uso de corticóide (triamcinolona) no local da estenose ou intralesional (nas
lacerações após dilatação) é utilizado em alguns centros médicos, pois
acredita-se que ao inibir a síntese de colágeno, possa se diminuir o número de
sessões e aumentar o intervalo entre elas(10, 11, 15, 24). O intervalo
preconizado para as injeções é de uma vez por semana durante o período de 1 mês
(1). Alguns pacientes deste estudo foram submetidos a injeções de corticóide
intralesional e aparentemente tiveram benefícios, aumentando o intervalo
necessário entre as sessões, porém estes resultados não puderam ser analisados,
uma vez que não foi utilizado protocolo para seu uso.
CONCLUSÃO
No presente estudo, a estenose péptica foi a causa mais comum de estenoses
benignas do esôfago e respondeu bem à terapia endoscópica em concordância com a
literatura. As estenoses cáusticas foram as mais refratárias, principalmente as
de longa extensão. Quanto maior foi a extensão da estenose, maior foi o número
de sessões necessárias. Estenoses curtas apresentaram boa evolução na maioria
dos casos. O número de dilatações necessárias dependeu diretamente da causa e
da extensão da estenose.
AGRADECIMENTO
Ao Prof. Maurício de Pinho Gama da Divisão de Pesquisa do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho, UFRJ, pelos cuidados com a análise
estatística.