Hepatectomia laparoscópica no tratamento das metástases hepáticas
COMUNICAÇÃO BREVE BRIEF COMMUNICATION
Hepatectomia laparoscópica no tratamento das metástases hepáticas
Laparoscopic hepatectomy for liver metastasis
Marcel Autran C. Machado; Fabio F. Makdissi; Felipe A. Rocha de Almeida; Manoel
Luiz-Neto; Antonio Cavalcanti de A. Martins; Marcel C. C. Machado
Departamento de Gastroenterologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, São Paulo, SP
Correspondência
INTRODUÇÃO
Nos últimos decênios as ressecções hepáticas tornaram-se o método de eleição
para o tratamento curativo das metástases hepáticas. As principais indicações
para a ressecção de metástases hepáticas são as de origem colorretal e
neuroendócrinas. O desenvolvimento das técnicas de ressecção hepática só
atingiu o nível atual graças ao melhor conhecimento da anatomia segmentar do
fígado e ao desenvolvimento de técnicas, reduzindo o sangramento intra-
operatório e as alterações funcionais hepáticas. Este avanço tecnológico
permitiu redução acentuada da morbidade e mortalidade operatórias. Atualmente,
a mortalidade aceitável é inferior a 2% em centros especializados.
O desenvolvimento da cirurgia laparoscópica ocorreu paralelamente. O aumento da
experiência e o desenvolvimento de novos instrumentais resultaram na aplicação
desta tecnologia nas ressecções hepáticas. Atualmente vivenciou-se o
crescimento exponencial das indicações da videocirurgia nas ressecções
hepáticas em diversos centros(1, 4, 5).
O objetivo do presente trabalho foi descrever a experiência inicial e
resultados imediatos da hepatectomia laparoscópica maior no tratamento de
metástases hepáticas.
MÉTODOS
Quatro pacientes do sexo feminino, com metástases hepáticas, foram submetidas a
ressecção hepática maior por laparoscopia entre maio e setembro de 2007. Três
pacientes tinham metástases hepáticas de origem colorretal e uma metástase
única e metacrônica de câncer de mama.
A idade média foi de 63 anos (56 a 75 anos). Uma paciente foi submetida a
hepatectomia direita e três foram submetidas a bissegmentectomia 6-7 (Figura
1). A técnica da hepatectomia direita laparoscópica foi descrita anteriormente
(3). A técnica de bissegmentectomia 6-7 utilizada foi o acesso intra-hepático
ao pedículo glissoniano do setor posterior direito(4). Em resumo, o doente é
colocado em posição supina, em decúbito lateral esquerdo, colocando-se o
cirurgião entre as pernas do paciente. Pneumoperitônio com CO2 com pressão
intra-abdominal de 12 mm Hg. São utilizados cinco trocartes: três de 12 mm e
dois de 5 mm. Três formas de se obter delimitação da área a ser ressecada foram
utilizadas: dissecção e ligadura separada da tríade portal extra-hepática em um
caso, acesso intra-hepático ao pedículo glissoniano correspondente em dois
casos, e utilização da técnica de hemi-Pringle(2) em um caso. Neste último
caso, o pedículo portal é seccionado com grampeador endoscópico com carga
vascular durante a secção do parênquima.
![](/img/revistas/ag/v45n4/13f1.jpg)
Ultra-sonografia intra-operatória foi usada em todos os casos, sendo com
transdutor laparoscópico em dois casos (Figura_1A) e uso de transdutor
tradicional com incisão auxiliar nos demais.
Uma vez determinado o tipo de ressecção e após o controle do pedículo e da veia
hepática, procedeu-se à secção do parênquima com o uso combinado de bisturi
bipolar, bisturi harmônico e grampeador endoscópico com carga vascular. A peça
foi retirada por meio de incisão Pfannenstiel ou por meio de incisão sobre
cicatriz pré-existente. Dreno tubular fechado foi colocado próximo à área
cruenta.
Todas estas manobras foram feitas mantendo a circulação do fígado remanescente,
isto é, não houve a necessidade de pinçamento total do hilo hepático (manobra
de Pringle) em nenhum caso.
RESULTADOS
Todas as pacientes foram submetidas a hepatectomia laparoscópica com sucesso e
sem necessidade de assistência manual. O tempo cirúrgico médio foi de 360
minutos (280 a 440 minutos). Uma paciente recebeu uma unidade de concentrado de
hemácias durante o ato cirúrgico. O tempo médio de internação foi de 4 dias (3
a 5 dias). Uma paciente apresentou fístula biliar autolimitada com retirada do
dreno com 14 dias. As demais tiveram seu dreno removido no 4º dia de pós-
operatório. Nenhuma paciente apresentou sangramento pelo dreno. Não houve
necessidade de uso de auxílio manual ou conversão e a mortalidade operatória
foi nula. O exame anatomopatológico demonstrou margens cirúrgicas livres em
todos os casos.
DISCUSSÃO
Embora a ressecção das metástases colorretais seja rotina nos grandes centros,
a ressecção laparoscópica dessas lesões não é comumente realizada. As razões
para a lenta implantação da cirurgia mini-invasiva no tratamento das metástases
hepáticas decorreram do receio do implante de células malignas e do temor de
hemorragia incontrolável durante o procedimento. O desenvolvimento de novos
instrumentais que possibilitam controle de grandes vasos e secção segura do
parênquima hepático impulsionou o uso da laparoscopia nas ressecções hepáticas
maiores. No entanto, a curva de aprendizado é longa, mas pode ser abreviada com
o treinamento intensivo em animais de experimentação(3), que parece reduzir as
complicações técnicas quando do uso em humanos.
A comprovação de que o risco de implante neoplásico é mínimo, quando o
procedimento segue os preceitos oncológi-cos(1, 5), associada aos excelentes
resultados nos centros especializados, fez com que os autores desta casuística
ampliassem as indicações deste procedimento para pacientes selecionados com
metástases hepáticas.
A maior dificuldade atual em nosso meio, consiste na realização de ultra-
sonografia intra-operatória. Em se tratando de metástase hepática, sabe-se que
seu uso é imprescindível(2). O motivo para tal reside na escassez de
transdutores laparoscópicos próprios para este exame por via laparoscópica.
Esses transdutores são onerosos e poucos hospitais dispõem deles. Em centros
que não os possuem, uma alternativa é a introdução do transdutor cirúrgico
tradicional por incisão auxiliar que será utilizada posteriormente para a
retirada da peça.
Os resultados imediatos mostram que a ressecção laparoscópica é factível e
segura. O sangramento intra-operatório foi mínimo em todos os casos e uma única
paciente recebeu transfusão sangüínea.
A técnica empregada em nosso meio foi desenvolvida a partir de modelos
experimentais em animais de médio porte(3). O treinamento intensivo em animais
fez com que a equipe reduzisse a curva de aprendizado e ganhasse experiência no
controle de sangramento intra-operatório, que é a complicação mais temida neste
tipo de procedimento. Outro benefício adquirido foi a adaptação de
instrumentais disponíveis em nosso meio, o que possibilitou a realização, com
sucesso, dos primeiros casos. Alguns instrumentais como o aspirador ultra-
sônico, elemento chave para algumas equipes em outros centros e não disponível
no Brasil para uso em videocirurgia, foi substituído por outros como, por
exemplo, bisturi bipolar e bisturi harmônico.
Conclui-se que a hepatectomia maior laparoscópica é factível, segura e
apresenta, apesar de casuística limitada, bons resultados imediatos, com
recuperação rápida e retorno precoce às atividades profissionais. Seu uso em
doenças benignas está bem estabelecido. No entanto, são necessário estudos com
número maior de casos com seguimento tardio e trabalhos comparativos, para
estabelecer os limites e as indicações deste tipo de procedimento em metástases
hepáticas.