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BrBRCVHe0004-28032009000100012

BrBRCVHe0004-28032009000100012

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
Year2009
Issue0001
Article number00012

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Recurrência da Hepatite C após transplante hepático de doador vivo e falecido ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Recurrência da Hepatite C após transplante hepático de doador vivo e falecido

Hepatitis C recurrence after living donor and cadaveric liver transplantation

Júlio Cezar Uili CoelhoI; Luciano OkawaI; Mônica Beatriz ParolinI; Alexandre Coutinho Teixeira de FreitasI; Jorge E. Fouto MatiasI; Alysson Rogério MatioskiII IServiço de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Transplante Hepático do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná IISetor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR Correspondência

INTRODUÇÃO A hepatopatia crônica causada pelo vírus da hepatite C (VHC) é a indicação mais comum de transplante hepático tanto intervivos como cadavérico em vários países, inclusive no Brasil(7, 16, 28). A recurrência da hepatite C após transplante hepático (TH) é elevada, podendo evoluir para cirrose e perda do enxerto em elevada proporção dos pacientes(5, 9, 15, 24). Estas complicações fazem com que o resultado do TH no paciente com hepatite C, tanto em sobrevida do enxerto como do paciente, seja inferior a de pacientes transplantados sem hepatite C(1, 3, 4, 20, 23).

Uma das estratégias adotadas em virtude da crescente disparidade entre o número de pacientes em lista de espera e o número de doações de órgãos, é o transplante hepático de doador vivo (THDV)(6, 14). Esta modalidade, além de reduzir o tempo de espera e a mortalidade na lista de espera emprega enxerto potencialmente de melhor qualidade (doador saudável e menor tempo de isquemia fria)(7, 14, 26). Entretanto, alguns estudos sugerem que a recurrência do VHC é mais precoce ou mais agressiva após o THDV do que após o transplante hepático de doador falecido (THDF)(8, 9, 21, 27).

O objetivo deste estudo foi determinar a recurrência da hepatite C em pacientes submetidos a THDV comparados com os submetidos a THDF.

MÉTODOS O total de 333 transplantes hepáticos foi realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, no período de setembro de 1991 a dezembro de 2005. Desses, 279 (83,8%) eram THDF e 54 (16,2%) THDV. Hepatopatia crônica pelo VHC foi a indicação mais comum de THDF (82 pacientes) bem como de THDV (19 pacientes). O protocolo de estudo eletrônico de todos pacientes com hepatopatia crônica pelo VHC foi avaliado. Foram excluídos os pacientes com os seguintes critérios: 1) seguimento clínico e/ou laboratorial inferior a 3 meses (perda de seguimento ou óbito); 2) não disponibilidade de teste de PCR qualitativo para hepatite C realizado pós-TH; 3) não disponibilidade de pelo menos, uma biopsia hepática após o TH; 4) presença de coinfecção pelo vírus da hepatite B e/ou HIV antes e após o TH; 5) diagnóstico de rejeição celular aguda persistente ou rejeição crônica; 6) transplante duplo de rim e fígado; e 7) dados incompletos no protocolo de estudo.

Diagnóstico de recurrência de infecção pelo VHC O diagnóstico da recurrência do VHC no enxerto hepático foi suspeitado clinicamente (alteração das enzimas hepáticas, ultrassonografia com Doppler de vasos hepáticos normal, estudos das vias biliares normal por colangiorressonância magnética, imunossupressão adequada e exclusão de exposição a drogas hepatóxicas) e confirmado pela presença de RNA-VHC detectado por teste de PCR qualitativo e pelo exame histológico de tecido hepático obtido por biopsia percutânea. As alterações histológicas indicativas de recurrência viral consistiram da presença de atividade lobular (corpos eosinofílicos, infiltrado linfocitário no lóbulo e lesão hepatocelular) e inflamação portal, sem a presença de características diagnósticas de rejeição(19, 29). Todas as biopsias foram interpretadas por um patologista com experiência em histopatologia de TH.

Imunossupressão Todos os pacientes submetidos a transplante hepático receberam esquema de imunossupressão composto por um inibidor da calcineurina (ciclosporina ou tacrolimo) associado a corticosteróide e uma droga antiproliferativa (azatioprina 1 mg/ kg/ dia ou micofenolato mofetil 1 g de 12/12 horas, por via oral). O esquema de imunossupressão variou conforme o período de tempo em que os pacientes foram transplantados. O inibidor de calcineurina utilizado até 1998 foi a ciclosporina em microemulsão (4 mg/kg de 12/12 horas por via oral, objetivando nível sérico entre 200 e 350 ng/mL no primeiro ano e, posteriormente, 120 a 200 ng/mL). Após 1999, a ciclosporina foi substituída pelo tacrolimo (0,05 mg/kg de 12/12 horas por via oral, objetivando nível sérico de 10 a 15 ng/mL no primeiro mês, 8 a 12 ng/mL até o mês e após, 6 a 10 ng/mL).

O protocolo de administração de corticosteróide incluía a administração de 1 g de metilprednisolona por via endovenosa após a reperfusão do enxerto, iniciando 50 mg por via endovenosa no dia pós-transplante e reduzindo gradualmente até 10 mg/ dia de prednisolona no 30º dia e 5 mg/dia após o mês. Até 1998 o corticosteróide era mantido em doses baixas (5 mg/dia), por no mínimo 1 ano após o transplante, sendo que a partir de 1999 a prednisolona foi suspensa após o mês. O micofenolato mofetil substituiu a azatioprina após o ano 2000, sendo empregado durante os 2 primeiros meses após o transplante, ou por períodos mais longos quando não era possível manter níveis terapêuticos dos inibidores da calcineurina.

Os episódios de rejeição aguda do enxerto foram diagnosticados e graduados de acordo com a classificação de Banff(2). As formas leves foram tratadas com aumento da dose dos inibidores de calcineurina, associado ou não à introdução do micofenolato mofetil. As formas moderadas ou severas foram tratadas com pulsoterapia de corticosteróides (três doses de 1 g de metilprednisolona administradas por via endovenosa em dias alternados).

Dados avaliados e análise estatística O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Os dados coletados foram analisados conforme a idade, sexo, resultado dos exames laboratoriais, recidiva do VHC e rejeição aguda. As variáveis contínuas foram expressas com média ± desvio padrão e as variáveis categóricas como percentagens. A análise estatística foi realizada com o programa Excel, empregando-se o teste t de Student para as variáveis contínuas, o teste do qui ao quadrado para as variáveis binomiais com n maior ou igual a 20 e o teste de Fisher para as variáveis binomiais com n menor do que 20. Foi considerado estatisticamente significativo valores de P <0,05.

RESULTADOS O total de 55 THDF e 10 THDV realizados em pacientes com cirrose hepática pelo VHC foi incluído no estudo. Foram excluídos do estudo 36 pacientes (27 THDF e 9 do THDV), sendo 26 devido a óbito nos primeiros 3 meses após transplante (18 THDF e 8 THDV); 4 por co-infecção pelo vírus da hepatite B (3 THDF e 1 THDV); 4 THDF por seguimento clínico e laboratorial inferior a 3 meses; e 2 THDF devido a dados incompletos no protocolo de estudo.

As características clínicas e laboratoriais dos dois grupos antes do TH estão descritas na Tabela_1. A idade média dos pacientes do grupo de THDF foi de 51,9 ± 8,7 anos e do grupo de THDV 50,1 ± 7,0 anos. Não houve diferença entre os dois grupos quanto à idade, sexo, níveis séricos de creatinina e bilirrubina. O tempo de atividade de protrombina (TAP) foi maior no grupo de THDF do que no THDV (P = 0,04).

A recurrência do VHC foi similar nos grupos de THDF e THDV (P = 0,8). O total de 37 pacientes (69,3%) do grupo de THDF apresentou recidiva do VHC, sendo que o diagnóstico foi estabelecido em média em 20,1 ± 21,7 meses após o TH. Dos pacientes do grupo de THDV, sete (70%) tiveram recidiva em média 11,3 ± 9,5 meses após o TH. O período de seguimento médio dos pacientes do grupo de THDF foi de 53,4 ± 40,5 meses e do grupo de THDV foi de 37,4 ± 16,6 meses.

A incidência de rejeição aguda foi igual no grupo de THDF (n = 27; 49%) e no grupo de THDV (n = 2; 20%) (P = 0,08). A maioria das rejeições agudas do grupo de THDF (n = 16; 59,3%), e em apenas um paciente do grupo de THDV (50%), foi leve e tratada com elevação da dose de ciclosporina ou tacrolimo, acompanhada ou não da adição de micofenolato. Os demais episódios de rejeição aguda dos dois grupos (11 THDF e 1 THDV) foram eficazmente tratados com três doses de pulsoterapia de metilprednisolona. A recidiva do VHC nos pacientes do grupo de THDF que receberam pulsoterapia (9 de 11 pacientes) foi similar a dos demais pacientes (28 de 44 pacientes) (P = 0,25). A recidiva também foi similar nos pacientes do grupo de THDV que receberam pulsoterapia (um de um paciente) em relação aos que não receberam (seis de nove pacientes) (P = 0,7).

DISCUSSÃO Recurrência do VHC após TH é um dos tópicos mais importantes da Hepatologia por vários motivos. Primeiro, a cirrose hepática causada pelo VHC é a indicação mais comum de TH nos Estados Unidos, Europa e Brasil(4, 11). Segundo, a recurrência do VHC ocorre na quase totalidade dos receptores(17, 25). Terceiro, a progressão da doença hepática causada pelo VHC no fígado transplantado é mais rápida e agressiva do que a observada no fígado nativo(4, 20). Cirrose hepática avançada ocorre em poucos anos em número expressivo de pacientes transplantados por hepatopatia pelo VHC(10, 20). Finalmente, retransplante por cirrose hepática causada pela recurrência do VHC é associada a prognóstico ruim(4, 20).

Assim, alguns serviços contraindicam retransplante hepático nos casos de recurrência do VHC(11).

Como não existe nenhum esquema profilático eficaz, é importante determinar os fatores de risco de recurrência do VHC após TH para que se possa, mediante intervenções apropriadas, reduzir a taxa e a agressividade dessa complicação.

Um dos fatores de risco mais importantes é o esquema de imunossupressão, principalmente com o uso de corticóides em doses elevadas, OKT3 (anticorpo monoclonal) e globulina antilinfocítica para tratar rejeição hepática celular (rejeição aguda)(10, 22). Recentemente, alguns autores sugeriram que o THDV é associado a maior risco de recurrência do VHC do que o THDF(8, 9, 21, 27).

SCHIANO et al.(21) relataram maior replicação do VHC em receptores de THDV, cujos possíveis mecanismos são: 1) proliferação celular acelerada nos receptores do THDV causaria alterações celulares que facilitariam a entrada do VHC nos hepatócitos ou promoveriam a replicação viral; 2) células hepáticas com estado funcional superior; 3) inoculação viral maior devida à captação mais eficiente e a menor perda durante o transplante; e 4) o menor tamanho do enxerto reduziria a capacidade de metabolizar medicamentos, resultando em maior imunossupressão e menor defesa antiviral. Outros mecanismos foram sugeridos, incluindo a hipótese de que a maior compatibilidade HLA entre doador e receptor nos THDV facilitaria a recurrência do VHC neste tipo de transplante(25).

O presente estudo mostrou que a taxa de recurrência do VHC é igual após THDF e THDV. HUMAR et al.(11) também relataram que a taxa de recurrência do VHC pós- THDF é semelhante à observada pós-THDV e pós-"split liver" (fígado bipartido), ou seja, de doadores que foram submetidos a ressecção hepática. Estes dados sugerem que a regeneração hepática não altera a recurrência de hepatite C como inicialmente foi hipotetizado. Outros autores também não observaram diferença na recurrência do VHC entre THDF e THDV(10, 17, 25, 28). Outro estudo recente demonstrou que a sobrevida do paciente e do enxerto é similar após THDF e THDV (18). Os achados desse estudo são particularmente importantes porque são baseados nos dados do Registro Científico de Receptores de Transplantes dos Estados Unidos desde 1999, o maior número de transplantes hepáticos avaliados até o presente. A discrepância dos estudos anteriores com os atuais pode ser devida ao pequeno número de THDV incluídos nos estudos iniciais.

A disfunção hepática é geralmente menos intensa nos receptores de THDV do que nos de THDF(13, 18). As características clínicas e laboratoriais dos pacientes dos dois grupos foram similares no presente estudo, exceto pelo TAP que era mais elevado no grupo de THDV. Dados similares foram obtidos em outros estudos (13, 18).

O esquema de imunossupressão pode influenciar a replicação do VHC(9, 12).

GARCIA-RETORTILLO et al.(9) relataram que 5 de 7 pacientes que não receberam corticóide no esquema de imunossupressor pós-TH tiveram redução na carga viral do VHC, enquanto redução similar foi observada em somente 1 de 13 pacientes que receberam corticóide. Estes dados sugerem que a ausência de corticóide no esquema imunossupressor pós-TH pode reduzir a replicação viral. No presente estudo, o mesmo esquema imunossupressor foi utilizado nos receptores de THDF e de THDV. A percentagem de pacientes que apresentou rejeição celular (rejeição aguda) foi similar nos dois grupos desta série. Estes dados minimizam a influência dos imunossupressores nos resultados deste estudo.

CONCLUSÃO A recidiva do VHC é similar nos receptores de THDF e THDV. Os dados desse e de outros estudos recentes sugerem que a presença do VHC não deve influenciar na decisão de indicação de THDV.


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